A obra do Evangelho

Alguns temem que existe o perigo de nos tornarmos, como cristãos, evangelistas demais. Este é um medo estranho e aqueles que sentem isso devem ter absorvido um evangelho estranho, ou tristemente desviados do verdadeiro, se é que o conheceram. É possível nos tornarmos mais evangelistas do que o apóstolo Paulo, que, com um zelo persistente e fé indomável, levou o glorioso evangelho a judeus e gregos, bárbaros e citas, servos e livres? É possível que tenhamos mais compaixão de coração e atividade incansável do que Aquele que disse: “O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres”? Se a resposta for não, então não precisamos temer, não há perigo de nos tornarmos evangelísticos demais.

A tendência, é triste dizer, está na direção oposta, não, não é uma tendência meramente deplorável, mas o triste fato de que o espírito evangelístico, que é o verdadeiro espírito do cristianismo, parece pronto para morrer. A indiferença ao bem-estar eterno das almas dos homens por parte da vasta maioria dos cristãos é aterradora e deve causar grande exercício de consciência e busca de coração. Essa indiferença, e o fato de alguns temerem que sejamos “evangelistas demais”, é apenas uma triste evidência de que o amor de muitos esfriou.

Foi dito por um irmão em Cristo: “Creio que o cristão que não está cultivando um espírito evangelístico está em uma condição verdadeiramente deplorável. Também creio que a assembleia que não está cultivando e manifestando um espírito evangelístico está em um estado morto. Uma das mais principais marcas de crescimento espiritual e êxito é a ansiedade sincera pela conversão das almas. É difícil acreditar que “a palavra de Cristo” está “habitando ricamente” em qualquer um que não esteja fazendo algum esforço para transmitir essa Palavra a seus companheiros pecadores. Não importa o tipo de esforço; pode ser deixar cair algumas palavras no ouvido de um amigo, dar um folheto, escrever um bilhete, fazer uma oração. Mas uma coisa é certa, a saber, um cristão saudável e cuidadoso será um cristão evangelista – um narrador de boas novas – cujas simpatias, desejos e energias estão sempre indo em direção às “regiões celestiais”.
Mas precisamos entender o que é o trabalho evangelístico, para não sermos enganados pelo que é artificial e não por Deus. Não é um trabalho evangelístico adotar métodos sensacionais, atuar sobre
sentimentos de histeria e produzir convertidos que duram um dia, uma semana ou até que o estímulo acabe; essa é a obra do diabo, seja lá o que for que isso pretenda ser. Os resultados disso são muitas vezes repugnância ou suspeita do trabalho evangélico em geral por parte de homens “que pensam”, ou uma indiferença insensível daí em diante, ou desespero da parte daqueles que vieram sob sua influência. Neste caso, a obra de Deus é desacreditada, e somente Ele pode calcular o dano dessa prática. O trabalho evangelístico não é meramente a realização de serviços evangélicos, como uma rotina regular para isso e, portanto, necessariamente, deve ser mantido; sobre tais serviços, muitas vezes há uma formalidade gélida, uma formalidade que endurece com uma dureza terrível aqueles que os frequentam regularmente. Isso é frequentemente visto nos jovens que são filhos de pais cristãos. O “endurecimento do evangelho” tornou-se uma frase muito usada, mas essa triste condição descrita se deve em grande parte a esses serviços inoperantes e sem poder. Felizmente admitimos que os cultos regulares da domingo à noite são muitas vezes meios de grande bênção para muitos, que aqueles que o mantém o façam em dependência de Deus e comunhão com o Senhor, e o espírito evangelístico esteja em evidência nessa reunião de não convertidos.

A genuína atividade de levar o evangelho brota do amor divino que Deus implanta no coração de um homem que é salvo, e esse amor o faz desejar a bênção dos outros. É verdade que o desejo mais ardente que sempre inflamou o coração de um cristão pelas almas dos homens não é nada comparado aos desejos ilimitados do coração de Deus; no entanto, esses desejos são os mesmos em natureza e caráter, pois o amor divino não pode agir de maneira diferente no cristão, da maneira como age no Pai.

Esse amor é iluminado no coração pelo contato com Cristo, e é mantido em chamas quando sua companhia é mantida. Deve encontrar sua vazão na atividade graciosa, a qual, para ser eficaz na bênção, deve ser dirigida pelo Senhor. “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens”.

Um evangelista não se satisfaz com o púlpito, não importa quão eloquentemente possa discursar, mas é alguém que, mesmo com dificuldades ao falar e com as ideias meio fora de ordem, vai atrás das pessoas porque ama suas almas, que carrega consigo as boas novas, porque emociona sua própria alma como um sonido de trombeta, que as apresentará a Cristo a qualquer custo, porque Cristo se tornou indescritivelmente precioso para ele. Precisamos orar para que Deus levante tais pessoas nestes dias frios e mortos, homens cujo amor os fará “sofrer pelas almas”, e estar no tempo e fora do tempo em sua determinação de alcançá-las, e que possamos desejar ser tal.

Mas nossas atividades devem estar EM SEU NOME, pois essa é a comissão que nosso Senhor deu. Podemos fazer isso por Sua autoridade e contar com o “todo poder” que é dado a Ele, mas o trabalho deve ser feito como Ele faria se Ele estivesse aqui, pois estamos em Seu lugar para proclamar a Palavra que dá vida – como seus representantes, seus embaixadores, essa é a importância de “EM MEU NOME”. Consideração solene! É necessário recusar de todos os métodos e motivos na realização dessa obra que não seja consistente com esse Nome; é necessário também recusar a popularidade no mundo e a aceitar o caminho que Ele trilhou.

“Ainda está bem, e Tu, mas disse na época,
“Como o Mestre é, o servo será”
Não me deixe deslizar sutilmente para a deslealdade,
Buscando uma honra que eles não deram a Ti”

“Em Meu nome” define também o caráter que o servo deve carregar, pois declara o caráter do Mestre. E como descreveremos isso? Mansidão, humildade, longanimidade, paciência, perdão, terna compaixão e amor inabalável, tudo isso e muito mais brilhou Nele com um resplendor maravilhoso, e é nosso para reproduzir esse caráter em nosso serviço entre os homens. Oh, a dignidade disso! A distinção! Que privilégio incalculável! Será que não devemos abraçar essa tarefa e, em humilde dependência de Deus, tornar nossas vidas um incessante salmo de ação de graças a Ele por Sua graça, que nos permitiu ter uma parte nesta obra de Deus?

J. T. Mawson – a mais de 70 anos