A vida eterna e a imortalidade são coisas distintas uma da outra. Todo ser humano tem uma alma imortal e está destinado a existir para sempre; mas aqueles, e somente aqueles, que são filhos de Deus têm vida eterna. É um grave erro confundir imortalidade com vida eterna e esse erro termina negando o caráter real de uma e de outra. Recebemos nossa imortalidade junto com nossa vida natural; recebemos vida eterna quando nascemos de novo. Uma é derivada de Adão e faz parte de nossa humanidade; a outra recebemos do Senhor Jesus Cristo.
Como a vida eterna é recebida?
Já mostramos que por natureza estamos mortos para Deus e para a vida divina e, portanto, nenhuma obra, nada de nossa parte pode nos conceder vida eterna; porque obras de mortos espiritualmente são inúteis nesta questão. A vida eterna é um dom e Deus dá a vida livremente: “o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:23). O que então o homem tem a dizer sobre isso? Ele não pode fazer nada para alcançar esta vida. Não é e não pode ser por seu de mérito, nem de obras ou qualquer outra ação que faça. Deixe a Escritura fornecer a resposta: “Aquele que crê no Filho, tem a vida eterna” (João 3:36). Não devemos procurar fazer obras para a vida – o eu não é a fonte da vida; não temos que esperar para ver se o Espírito de Deus operou em nós, a obra do Espírito de Deus não é o objeto da fé – Cristo é tanto a fonte da vida quanto o objeto da fé e, crendo Nele, vivemos. Muitos do povo de Deus estão buscando em si mesmos todos os dias para ver se a raiz da questão está neles, e muitos estão incrédulos e dizendo: “Se quisermos ter vida, o Espírito Santo nos mostrará “. Mas as Escrituras apresentam Cristo, a vida, para nós como objeto de fé, não nossa fé no trabalho do Espírito Santo em nós como evidência da vida; muito menos, segundo as Escrituras, nos ensinam a estabelecer uma justiça própria, como se pudéssemos ganhar vida eterna por meio de “obras mortas”.
A fé que recebe a Cristo não é meramente crer em um fato, é crer em uma pessoa – muitos acreditam que Cristo morreu, mas poucos creem que esse fato tem fé em si mesmo e em seu Pai que O enviou. “Aquele que crê (em Jesus), tem a vida eterna” (João 6:47), “Aquele que ouve a minha palavra e crê aquele que me enviou, tem a vida eterna” (João 5:24), “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). Nessas passagens e em muitas outras, a fé em Deus e em Seu Filho é claramente apresentada para nós. Hoje, pouco se fala sobre a fé na obra de Cristo, colocada diante da alma e, nas Escrituras, o maior número de passagens onde a fé é colocada diante do pecador, é fé no Filho de Deus ou fé em Deus que é apresentada.
Quando nos apegamos à verdade divina de que a fé repousa em uma pessoa, muitas dificuldades são eliminadas, as afeições são colocadas em ação e o funcionamento da mente é colocado no seu devido lugar. A mente pode concordar com fatos realizados sem que o coração seja tocado por eles, mas quando se crê na pessoa que fez a obra, a obra é aceita não apenas por si mesma, mas por causa de quem a fez.
Por mais importante que seja a doutrina, ainda assim a verdadeira fé repousa no assunto de toda doutrina divina, Deus e Seu Filho, o Senhor Jesus Cristo; e não podemos verdadeiramente receber doutrina até que tenhamos recebido a Cristo. Se lermos corretamente as Escrituras, por ela nos familiarizaremos cada vez mais com o Senhor. O caminho é Jesus, um relacionamento verdadeiro com Deus; não nossas ideias dominando sobre o que Deus diz. Um filho pode entender o que seu pai disse e ainda assim não obedecer, então, o que vale seu mero conhecimento da vontade de seu pai? Conhecer a verdade, sem fé em Deus e em Seu Filho, só aumenta a condenação do pecador; saber tudo sobre o que Deus é e o que Ele fez para o homem, e ainda assim não crer no próprio Deus é uma morte dupla.
Mas o que é fé? Fé é o olho da alma. O olho natural, pela simples observação, apropria-se daquilo que vê, transmitindo o que está diante dele. Através desse processo, a aparência daquilo em que o olhar está fixo entra pela retina, e imediatamente a forma daquilo que está fora é escrita em forma e cor viva dentro de nós. Então, aquilo que é visto segue para nosso entendimento e lidamos com o que aquilo significa para nós. Esta janela dos olhos simplesmente deixa passar os objetos externos do qual incide luz. A palavra de Deus é aquela em que o Filho de Deus nos é apresentado. Lá nós O vemos. O olho não cria, recebe. Isso é fé. Não tem esforço, não tem trabalho, recebe. Olhai para mim”, diz o Senhor, e quem olha, vive, a pessoa recebe a quem a sua fé viu.
A fé ocupa-se daquilo que está fora do crente e, ao fazer isso, Cristo é formado no coração do crente. Quando olhamos para Ele, Ele se torna nosso. Existe, portanto, uma resposta dentro do coração àquele a quem a fé vê do lado de fora. O que contemplamos é, por assim dizer, formado em nossos corações, Cristo. Muitos, que realmente “veriam Jesus”, não O veem, porque seus pensamentos estão voltados para dentro para encontrar aquilo que só pode ser descoberto por sua fé, olhando para fora. Eles fecham os olhos da fé, e então usam a mente para procurar descobrir aquilo que nunca pode ser visto enquanto estiver olhando na direção errada, para não dizer que está cego.
Nas coisas naturais, muitas das preocupações da vida correm sobre as rodas da fé. Toda criança tem fé em um adulto – acredita no que é dito; mas como as pessoas são tão indignas de confiança que a fé das criancinhas logo desaparece. Uma criancinha tendo aprendido por amargo desapontamento a desconfiar da palavra de seus pais é um exemplo melancólico dos frutos do pecado. Por outro lado, aceitar o pai como digno de confiança, ou o amigo de confiança, o filho que duvida ou o amigo desconfiado são instâncias infelizes da maldade do coração incrédulo. É “impossível que Deus minta” (Hebreus 6:18). Ele é sempre confiável, nunca muda, Nele não há mudança, nem sombra de mudança e, se existe uma única dúvida em nossos corações quanto à Sua palavra, a razão da dúvida está no mal da nossa natureza, ou da velha natureza de um crente. Se cremos em Deus, aceitamos o que Ele diz e “sem fé é impossível agradá-Lo” (Hebreus 11:6).
Talvez o mais notável sobre o que realmente é crer é a lembrança do tempo em que ouvimos a palavra da vida apenas com nossos ouvidos “externos”. Ouvimos o som de letras e palavras, mesmo quando dormimos ouvimos o som da música e, por causa disso, sonhamos e despertamos, muitas vezes, lembramos que sonhamos, mas não sabemos o que nos fez sonhar. Assim, durante anos, muitos ouvem o som das palavras da verdade; mas esse ouvir não resulta em vida. Não há nada mais melancólico entre cristãos professos do que esta terra dos sonhos espirituais. As realidades do céu e do inferno, do amor de Deus enviando Seu Filho para morrer pelos pecadores, da agonia e morte de Jesus tratando o pecado, são todas cridas, de certa forma, por esses que dormem. De domingo a domingo esses fatos são reiterados em seus ouvidos; é parte de uma educação religiosa crer neles, mas a crença não tem efeito sobre esses ouvintes adormecidos, elas estão no mesmo nível da história de invasão de seu país mil anos atrás.
O arado de convicção nunca cortou o solo duro desses corações, a ponta da espada do Espírito nunca perfurou essas consciências, é apenas a aprovação educacional de um credo nacional ou a religião dos pais. A crença pode induzir respeitabilidade, talvez até moralidade; mas os mortos ainda permanecem mortos e adormecidos. As palavras “vida eterna” e “morte eterna” não tocaram suas almas diretamente, e Deus, o Deus santo, não é temido nem amado. “Desperta” pobres sonhadores, a eternidade e suas realidades logo estarão diante de você. Deus te ama. Ele enviou Seu Filho para morrer para que você seja salvo para Sua glória e para Ele mesmo. “Ouça e sua alma viverá.”
A vida eterna é posse de todos os filhos de Deus. Um bebê recém-nascido vive tão verdadeiramente quanto um filho mais velho, assim é a vida que Deus dá ao seu povo em Cristo, tanto do jovem como os mais idosos. É bem verdade que alguns são mais vigorosos do que outros, em alguns a evidência da vida é muito fraca, mas não existem cristãos desconectados no Filho, da vida que têm nEle. Deus fala; ouvimos Sua palavra; cremos em Deus; nossa fé é como a mão estendida de uma criança quando é oferecido alimento para ela, e nosso Deus generoso nunca nega qualquer coisa pela qual Ele mesmo, pelo Seu Espírito, criou um anseio. Assim que cremos em Cristo, a vida é recebida. “Aquele que tem o Filho tem a vida” (1 João 5:12).
A vida eterna nunca é perdida por aqueles que a possuem. Nas coisas naturais, recebemos a vida uma vez e a entregamos uma vez na terra para viver sem fim na eternidade. Não existe essa possibilidade de estar vivo hoje, morto amanhã e vivo novamente no dia seguinte! Mas isto é precisamente o que pensam da vida eterna aqueles que dizem que nós somos salvos hoje, podemos perder amanhã e então estarmos salvos novamente! Aquele que é nascido de Deus tem a vida eterna, pois é a vida do Filho de Deus. A palavra a Adão a respeito da vida natural era: “da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:17), e Adão, por desobediência à clara orientação de Deus, perdeu sua vida. Mas a vida eterna não foi dada sobre o princípio da responsabilidade humana, ela é assegurada aos crentes em Cristo, que morreu e ressuscitou da morte, e nunca pode ser confiscada. O que pode expressar com mais força a segurança da vida daqueles que são de Cristo do que estas palavras: “a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”? (Colossenses 3:3). Nem a carne, nem o pecado, nem satanás podem alcançar “Cristo em Deus”. Nenhuma falha do crente pode, em qualquer sentido e por pior que seja, tocar a segurança desta vida.
No capítulo 10 do evangelho de João, o Senhor apresenta as mais perfeitas garantias da segurança do crente. No versículo 28, Ele diz: “(Eu) dou-lhes a vida eterna” – Ele mesmo, enfaticamente, dá – o eterno Filho de Deus dá – esta é uma garantia. Sua palavra infalível diz mais. “E nunca hão de perecer”, nunca – assim o “nunca” do Senhor permanece entre Suas ovelhas, portanto, se alguém perecesse a palavra do Senhor teria falhado – uma impossibilidade absoluta, uma impossibilidade tão impossível pois depende do próprio caráter e glória do Senhor Jesus. Mas não acaba por aí, o Senhor também diz: “Ninguém pode arrebatá-las da minha mão”. Seu próprio poder manterá os Seus contra todos os inimigos; nenhum homem, nenhum demônio jamais pegará um da Sua proteção. Se algumas ovelhas imaginam que escorregam de Sua mão, tais pensamentos são criados e nascem da corrupção da autoconfiança; eles têm sua origem na presunção vaidosa de que um homem pode se manter, e negando as Escrituras, que nos diz que somos mantidos pelo poder de Deus.
Mas o Senhor segue adiante ainda mais. Suas palavras já nos asseguraram de três maneiras em relação a Ele mesmo: primeiro, Seu “Eu” – Sua própria doação pessoal de vida para nós; segundo, Sua palavra infalível – “Nunca perecerão”; terceiro, seu poder inquestionável – “ninguém os arrancará da minha mão”. Mas Ele ainda diz mais: “Meu Pai, que mas deu, é maior que todos; e ninguém pode tirá-las da mão de meu Pai”. O Senhor coloca o poder do Pai diante de nós, assim como o Seu, para que não haja a menor sombra de dúvida em qualquer coração; o Pai segura as ovelhas tão firmemente quanto o Filho. E para que nenhum coração tenha a menor dúvida, Ele continua. Jesus diz: “Eu e Meu Pai somos um”; a vontade e o poder de Deus Pai e Deus Filho juntos asseguram às ovelhas de Cristo a segurança inquestionável; assim a glória do Filho e a glória do Pai juntas é a segurança de todos os que creem.
A vida eterna é” rastreável” até sua origem. As características morais da vida de Cristo e a vida derivada de Adão, como é vista no homem nesta terra, são amplamente diferentes – cada uma é atribuída à sua própria cabeça. “O primeiro homem da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu. Assim como o terreno, tais são também terrestres; e como é o celestial, tais são também os celestiais” (1 Coríntios 15:47-48). Não é meramente que a vida daqueles que são terrenos são em certas qualidades diferentes daqueles que são celestiais, mas vemos na vida vegetal e animal a existência de reinos diferentes, e o físico nos ajuda a ver a diferença. No reino espiritual – cada um tem sua própria natureza, cada qual sua própria origem. Agora, até que o fato da absoluta distinção da vida eterna seja percebido na alma, o crente frequentemente terá angústia espiritual, em razão do sentido doloroso dentro dele de trabalhos e afeições contrárias; pois ele tem em si a vida que recebeu quando veio no mundo, e ele também tem a vida eterna. O efeito prático disso em causar conflitos, vamos abordar mais tarde; apenas observamos esse fato agora.
A vida eterna e o próprio Cristo são a porção de todo crente. A vida é inseparável do Filho, que é a Vida. Aqueles que têm Cristo têm vida, e se temos vida, certamente temos Cristo. A condição da vida, em sua comunicação com o crente, depende da posição que Cristo ocupa. Compreendemos não apenas o que é a vida, mas também seu caráter, à medida que compreendemos Cristo. Ele está agora no céu, ressuscitado de entre os mortos; Ele saiu do mundo para o Pai; e a vida divina agora comunicada ao crente flui Dele, a cabeça em glória da família celestial, que em breve será glorificada com Ele.
O Senhor ressuscitado vive para não morrer mais; Ele é a nossa vida em Sua posição de glória no alto, portanto, existe nos filhos de Deus, hoje, chegar a Cristo que está no céu, e uma morada com Ele em espírito além da morte. Quando a morte chega, ela encontra no filho de Deus alguém que já passou da morte para a vida e cuja fonte de vida está em glória. Isto foi lindamente expresso por um querido jovem, agora com o Senhor, nos seus momentos finais. Sua mãe o observava com aquela solicitude chorosa que ninguém além do coração de uma mãe pode saber; o jovem estava de partida, quando ele fixando os olhos nos dela disse, com crescente ênfase: “Mãe, tenho a vida eterna, a vida eterna, a vida eterna”. Ele já havia passado em espírito além da morte, e estando na fronteira da eternidade e a morte para o corpo estando presente para ele, este querido jovem compreendeu plenamente que a vida estava onde Cristo está. Não há separação da Vida daqueles que vivem Nele. “Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em Seu Filho” (1 João 5:11).
Texto baseado no capítulo 8 do livro “The Child of God” de H. Forbes Witherby.