Falando em línguas, Um delírio dos dias atuais – W. J. Hocking – Parte 6

(B) Em Cesaréia (Atos 10)

Neste segundo caso, somos instruídos que o Espírito Santo foi dado a Cornélio e aos que estavam com ele em Cesaréia, e que em seguida falaram em línguas, como os discípulos fizeram em Jerusalém no dia de Pentecostes. Agora procedemos analisar quais eram as características especiais, caso elas existam, neste caso que justificam a alegação moderna de que o poder das línguas invariavelmente acompanha a posse do Espírito Santo.

Será observado de imediato que Cornélio e os que estavam em sua casa eram diferentes em um aspecto muito importante daqueles em Jerusalém. Em Jerusalém, eram judeus que conheceram o Senhor nos dias de Sua carne e que receberam Dele pessoalmente a promessa de que Ele enviaria o Espírito Santo sobre aqueles a quem Ele deixaria no mundo. Mas aqueles em Cesaréia eram gentios que haviam crido no Senhor através da palavra do apóstolo. Lemos: “E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar em línguas e magnificar a Deus” (Atos 10:44-46).

Em cada um dos dois casos houve uma “autenticação” pública do dom do Espírito Santo por meio das línguas que foram concedidas, mas as ocasiões eram diferentes. Em Jerusalém, as pessoas autorizadas publicamente eram pregadores e testemunhas de Cristo, e esse dom era conhecido em seu exercício não apenas para os moradores habituais naquela cidade, mas para aqueles judeus que haviam surgido de todas as partes do mundo romano para a sede da sua religião. Em Cesaréia, a verificação não foi de quem fez a pregação, mas daqueles que receberam a pregação.

Até então, o evangelho havia sido proclamado e recebido apenas por judeus e samaritanos (Atos 8), entre os quais nosso próprio Senhor ministrou, sendo incluídos com os judeus para esse propósito. O caso agora era o de um oficial militar romano que, com seus parentes e amigos próximos, estava em profundo exercício de coração e consciência. Oficialmente, Cornélio pertencia aos conquistadores e opressores do povo terrenal de Deus, no entanto, Pedro foi incumbido pelo Espírito de Deus (Atos 10:19-20) para levar a eles o conhecimento do perdão dos seus pecados através da fé no ungido Jesus de Nazaré (Atos 10:34-43).

Este ato de Pedro foi da maior importância na história da igreja. Não foi nada menos que a abertura, pela primeira vez, da porta da fé aos gentios, pela qual eles receberam os privilégios da graça igualmente com os judeus. Esse foi um passo de Deus? E como deve ser demonstrado de uma vez por todas que era a vontade de Deus que no futuro não houvesse diferença entre judeu e grego? Se, a partir de então, os romanos convertidos ocupassem seus lugares nas assembleias ao lado dos judeus convertidos, e se todas as antigas distinções raciais fossem aniquiladas para sempre, era necessário que a pregação de Pedro aos gentios fosse devidamente autenticada de modo a resolver a questão para sempre. Deve ser demonstrado por evidência adequada que Cornélio e seus amigos foram aceitos por Deus como confessos de Cristo igualmente com os judeus crentes.

Agora, a história de Lucas registra que enquanto a pregação de Pedro estava ocorrendo, Deus deu o mesmo dom aos crentes gentios em Cesaréia como havia feito anteriormente em Jerusalém aos crentes judeus. Como Deus reconheceu publicamente o grupo de Cornélio por assim dizer, Pedro com isso teve o poder de recebê-los: “Pode alguém”, disse ele, “porventura, recusar a água, para que não sejam batizados estes que também receberam, como nós, o Espírito Santo? E mandou que fossem batizados em nome do Senhor”.

Agora descobrimos que o direito de Pedro reconhecer o pequeno grupo de crentes gentios dessa maneira foi imediatamente contestado pelos santos. Eles muito apropriadamente perguntaram qual era a autoridade do apóstolo para fazer isso: “Subindo Pedro a Jerusalém, disputavam com ele os que eram da circuncisão, dizendo: Entraste em casa de varões incircuncisos e comeste com eles” (Atos 11:2-3). Em sua defesa o apóstolo mostrou aos opositores que em Cesaréia ele agiu sob a direção do Espírito Santo. Referindo-se à sua pregação a Cornélio e sua casa, ele disse: “E, quando comecei a falar, caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio. E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo. Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós, quando cremos no Senhor Jesus Cristo, quem era, então, eu, para que pudesse resistir a Deus?” (Atos 11:15-17). Essa evidência mostrou aos irmãos em Jerusalém que a recepção dos gentios estava em ordem, enquanto o fato de terem sido subitamente dotados do poder de falar em línguas provou que eles haviam recebido o Espírito Santo, igualmente com os irmãos judeus no memorável dia de Pentecostes.

Ainda outra referência a este importante evento foi feita em uma data posterior. Isso ocorreu quando a “grande conferência” foi convocada em Jerusalém para considerar qual era a atitude adequada dos crentes gentios em relação à lei de Moisés. O apóstolo Pedro naquela ocasião apresentou novamente o que aconteceu em Cesaréia. Ele disse: “Varões irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu dentre vós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho e cressem. E Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; e não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando o seu coração pela fé” (Atos 15:7-9). Aqui, novamente, o dom do Espírito Santo é citado como o comprovante sobre o qual os cristãos judeus agiram na primeira recepção de seus irmãos gentios para uma posição reconhecida na nova comunidade.

Por sinal, é interessante observar que este único fato da concessão do Espírito Santo é declarado em termos levemente diferentes nas seguintes passagens:
(1) Caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra (Atos 10:44);
(2) Caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio (Atos 11:15);
(3) O dom do Espírito Santo se derramou também sobre os gentios (Atos 10:45);
(4) Estes que também receberam, como nós, o Espírito Santo (Atos 10:47);
(5) Deus… lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós (Atos 15:8).

Essas expressões variadas (cair, derramar, dar, receber) referem-se ao dom e ação do Espírito, através do qual esses crentes gentios foram batizados no corpo único (1 Coríntios 12:13). Mas deve ser lembrado que a obra específica do Espírito é de caráter interno. Ele estará “em vós”, disse o Senhor (João 14:17). Como Ele trabalha de modo subjetivo, frequentemente a manifestação externa de Sua presença é lenta e é desenvolvida aos poucos. Em Cesaréia, foram necessárias algumas evidências de uma só vez, para que Pedro e os que estavam com ele pudessem saber no local que Deus havia concedido aos gentios o arrependimento para a vida.

Assim, o mesmo sinal foi dado nesta ocasião como foi dado no Pentecostes – o dom de línguas. Os gentios na sabedoria de Deus publicamente receberam credenciais iguais aos judeus. Por tais meios, todo preconceito contra a recepção sincera dos gentios crentes como membros de Cristo foi removido. E os ciúmes raciais que sobreviveram na igreja primitiva, apesar deste “comprovante” sobrenatural, são uma prova prática da necessidade de que a medida preventiva tomada no início mostrasse que não havia do lado de Deus diferença entre eles.

Das considerações acima, fica evidente que as circunstâncias em que as línguas foram dadas nesta ocasião eram únicas e não voltariam a ocorrer. Uma vez que o fato foi estabelecido publicamente que era a vontade de Deus que os crentes gentios fossem admitidos na assembléia, não houve mais ocasião em bases similares para a repetição do milagre. As línguas serviam a um propósito especial em Cesaréia, que constituía uma garantia imediata de que o Espírito Santo havia sido dado por Deus a crentes gentios, e Pedro agiu de acordo com essa garantia e ordenou que eles fossem batizados com água. Ao mostrar que o valor evidencial das línguas era apenas transitório, vimos que quando Pedro se referiu ao evento em duas ocasiões posteriores, ele mencionou o dom do Espírito Santo, mas não as evidências sobre as quais ele sabia que haviam recebido esse dom, ou seja, o exercício por eles de novas línguas.

Portanto, é possível concluir que nada pode ser atribuído a partir das escrituras em Atos 10, em apoio à ideia de alguns que o poder de falar em línguas pode ser esperado para continuar como um testemunho permanente da habitação do Espírito de Deus. Eles foram dados na ocasião única da inclusão dos crentes gentios na igreja de Deus, um evento que não seria repetido.