(para maior proveito, ore, leia na Bíblia os versículos indicados e medite nos comentários)
Os Sacrifícios pelo Pecado
Tendo considerado as ofertas de “cheiro suave”, chegamos agora aos “sacrifícios pelo pecado”. Estes eram divididos em duas classes, a saber, sacrifícios pelo pecado e expiação do pecado. Na primeira havia três categorias; primeiro, o sacrifício pelo “sacerdote ungido” e por “toda a congregação”. Estes dois tinham os mesmos ritos e cerimônias (compare os versículos 3 a 12 com os versículos 13 a 23). Era o mesmo, quer tivesse sido o representante da assembleia ou a própria assembleia que tivesse pecado. Em qualquer dos casos, três coisas estavam envolvidas: a habitação de Deus na assembleia, a adoração da assembleia e a consciência individual. Ora, visto que as três coisas dependiam do sangue, verificamos que, na primeira categoria do sacrifício pelo pecado, três coisas eram feitas com o sangue. Era aspergido “sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário”. Isto assegurava as relações de Jeová com o povo e a Sua habitação no meio deles.
O Sangue da Vítima
Depois lemos: “Também porá o sacerdote daquele sangue sobre as pontas do altar do incenso aromático, perante o Senhor, altar que está na tenda da congregação”. Isto assegurava a adoração da assembleia. Pondo o sangue sobre “o altar de ouro”, a verdadeira base de adoração era mantida; de forma que a chama do incenso e a sua fragrância podiam subir continuamente. Finalmente, “todo o resto do sangue do novilho derramará à base do altar do holocausto, que está à porta da tenda da congregação”. Aqui temos o que satisfaz plenamente a exigência da consciência de cada indivíduo; pois o altar de cobre era o lugar de acesso individual. Era onde Deus encontrava o pecador.
Nas outras duas categorias, “um príncipe” ou “qualquer outra pessoa do povo da terra”, era apenas uma questão de consciência individual; e portanto uma única coisa era feita com o sangue. Era todo derramado “à base do altar do holocausto” (compare versículo 7 com os versículos 25 e 30). Existe em tudo isto uma precisão divina que requer toda a atenção do leitor, se deseja compreender os pormenores maravilhosos deste símbolo (1).
O efeito do pecado individual não podia prolongar-se para além dos limites da consciência do indivíduo. O pecado de “um príncipe” ou de “qualquer outra pessoa do povo”, não podia, em sua influência, atingir “o altar do incenso” – o lugar da adoração sacerdotal. Não podia tampouco chegar ao “véu do santuário” – o limite sagrado da habitação de Deus no meio do Seu povo. É bom ponderar isto. Nunca devemos levantar uma questão de pecado pessoal ou falta no lugar de culto sacerdotal ou na assembleia. Deve ser tratada no lugar de aproximação pessoal. Muitos erram sobre este ponto. Vêm à assembleia ou lugar público de culto com a sua consciência manchada, e desta forma arrastam toda a assembleia e contaminam o seu culto. Deveria examinar-se rigorosamente este mal e haver cuidadosa vigilância contra ele. Precisamos de andar com maior vigilância para que a nossa consciência possa estar sempre na luz. E quando falhamos, como, infelizmente, acontece em tantas coisas, devemos tratar com Deus sobre a nossa falta em oculto, para que a nossa verdadeira adoração e a posição da assembleia possam ser mantidas sempre plenamente com clareza diante da alma.
(1) Entre a oferta por “um príncipe” e a oferta por “qualquer outra pessoa” há esta diferença: na primeira era um “macho sem mancha”; na última “uma fêmea sem mancha”. O pecado de um príncipe exercia necessariamente maior influência do que o de uma pessoa comum; e, portanto, era necessária uma aplicação mais poderosa do valor do sangue. No capítulo 5:13 encontramos casos que requerem uma aplicação ainda mais inferior à da oferta de expiação pelo pecado – casos de juramento e de contato com formas de impureza, em que “a décima parte de um efa de flor de farinha” era admitido como oferta de expiação pelo pecado (Veja capítulo 5:11-13). Que contraste entre o aspecto de expiação apresentado por um bode de um príncipe e a mão-cheia de flor de farinha de um pobre homem! E, todavia, no último, tão certo como no primeiro, lemos, “e ser-lhe-á perdoado”.
O leitor há de notar que o capítulo 5:1-13 forma uma parte do capítulo 4. Ambos estão compreendidos sob o mesmo título, e apresentam a doutrina da oferta de expiação do pecado, em todas as suas aplicações, desde um bode a uma mão-cheia de flor de farinha. Cada classe de oferta é anunciada pelas palavras. “Falou mais o Senhor a Moisés”. Assim, por exemplo, com as ofertas de “cheiro suave” (Capítulos 1-3) são introduzidas pelas palavras: “E chamou o Senhor a Moisés”. Estas palavras não são repetidas até ao capítulo 4:1, onde introduzem o sacrifício de expiação do pecado. Ocorrem outra vez no capítulo 5:14, onde é introduzida a Oferta de transgressão por pecados cometidos “nas coisas sagradas do Senhor”; e outra vez em capítulo 6:1, onde introduzem a oferta de transgressão por pecados cometidos contra o Senhor no tocante ao seu próximo.
É uma classificação bela e simples, e pode auxiliar o leitor a compreender as diversas classes de ofertas. Quanto às diversas categorias em cada classe, “um bode”, “um carneiro”, “uma fêmea”, “uma pomba”, “uma mão-cheia de flor de farinha”, parece serem outras tantas aplicações diversas da mesma grande verdade.
O Pecado por Erro (ou Ignorância)
Havendo assim dito o bastante quanto às três categorias de sacrifício pelo pecado, vamos proceder ao exame, pormenorizado dos princípios desenvolvidos na primeira classe. Fazendo-o, poderemos formar, até certo ponto, uma ideia exata dos princípios de todos. Desejo contudo, ao entrar na comparação imediata atrás referida, chamar a atenção do leitor para um ponto notável que é revelado no segundo verso deste capítulo. “Quando uma alma pecar por erro”. Isto apresenta uma verdade de profunda bem-aventurança, em relação com a expiação do Senhor Jesus Cristo. Ao contemplarmos essa expiação, vemos infinitamente mais do que a simples satisfação das exigências da consciência, ainda que essa consciência tivesse atingido o ponto mais alto de polida sensibilidade. Temos o privilégio de ver nela o que satisfaz plenamente todas as exigências da santidade divina, a justiça divina e a majestade divina.
A santidade da habitação de Deus e o fundamento da Sua união com o Seu povo nunca poderiam ser regulamentadas pelo padrão da consciência do homem, por “mais” elevado que esse padrão pudesse ser. Há muitas coisas que a consciência do homem omitiria – muitas coisas que poderiam escapar à percepção do homem -, muitas coisas que o seu coração poderia considerar lícitas, mas que Deus não podia tolerar; e que, como consequência, haviam de interferir com a aproximação do homem de Deus e impedi-lo de render adoração e prejudicar as suas relações. Pelo que, se a expiação de Cristo fizesse apenas provisão para os pecados que estão ao alcance da compreensão do homem, nós estaríamos muito aquém do verdadeiro fundamento da paz. Precisamos compreender que o pecado foi expiado segundo a avaliação que Deus fez dele – que as exigências do Seu trono foram perfeitamente cumpridas -, o pecado, tal qual é visto à luz da Sua inflexível santidade, foi divinamente julgado. É isto que dá paz segura à alma. Fez-se perfeita expiação tanto pelos pecados de ignorância do crente como pelos seus pecados conhecidos. O sacrifício de Cristo é o fundamento das suas relações e comunhão com Deus, segundo a apreciação divina das suas exigências.
Um conhecimento claro deste fato é de incalculável valor. A não ser que se lance mão deste aspecto da expiação, não pode haver paz firme, nem poderá haver compreensão moral da extensão e plenitude da obra de Cristo ou da verdadeira natureza do parentesco baseado nela. Deus sabia o que era necessário para que o homem pudesse estar na Sua presença sem o mais simples temor; e fez para isso ampla provisão na cruz. A comunhão entre Deus e o homem era inteiramente impossível se o pecado não tivesse sido liquidado segundo os pensamentos de Deus sobre ele; porque, embora a consciência do homem estivesse satisfeita, a pergunta levantar-se-ia sempre, Deus ficou satisfeito? Se esta pergunta não pudesse ser respondida afirmativamente, a comunhão nunca poderia subsistir (1). O pensamento de que nos pormenores da vida se manifestavam coisas que a santidade divina não podia tolerar intrometer-se-ia continuamente com o coração. Decerto, podíamos fazer essas coisas “por ignorância”; porém isto não podia alterar o assunto perante Deus, visto que tudo é do Seu conhecimento. Por isso, haveria constante receio, dúvida e temor. Todas estas coisas são divinamente atendidas pelo fato de que o pecado foi expiado, não segundo a nossa “ignorância”, mas conforme o conhecimento de Deus. Esta certeza dá grande descanso ao coração e à consciência. Todas as exigências de Deus foram satisfeitas pela Sua própria obra. Ele Próprio fez a provisão; e, portanto, quanto mais requintada se torna a consciência do crente, sob a ação combinada da Palavra e do Espírito de Deus – quanto mais ele cresce no conhecimento divinamente adaptado a que tudo moralmente convém ao santuário -, tanto mais sensível ele se torna a tudo que é incompatível com a presença divina, e mais vigorosa, clara e profunda será a sua compreensão do valor infinito daquele sacrifício pelo pecado que não só ultrapassa os limites da consciência humana, mas satisfaz também, em perfeição absoluta, todas as exigências da santidade divina.
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(1) Desejo lembrar que o ponto saliente no texto é simplesmente expiação. O leitor cristão sabe muito bem, sem dúvida, que a possessão da “natureza divina” é essencial à comunhão com Deus. Eu preciso não só de um direito para me acercar de Deus, mas de uma natureza para gozar d’Ele. A alma que “crê no Filho unigênito de Deus” tem tanto um como outro (veja em João 1:12-13; 3:36; 5:24; 20:31; 1 João 5:11-13).
A Exigência da Santidade Divina ante a Ignorância do Crente
Nada pode demonstrar claramente a incapacidade do homem para tratar do pecado como o fato de existir aquilo que é descrito como “pecado de ignorância”. Como poderia ele tratar daquilo que não conhece? Como poderia ele dispor daquilo que nunca entrou nos limites da sua consciência? Era impossível. A ignorância em que o homem está acerca do pecado é prova da sua absoluta incapacidade para o tirar. Se não o conhece, o que pode fazer acerca dele? Nada. É tão impotente como ignorante. Nem isto é tudo. O fato de haver “pecado de ignorância” demonstra claramente a incerteza que deve acompanhar toda a solução da questão do pecado, a qual não pode aplicar-se a noções mais elevadas do que aquelas que podem resultar da consciência humana mais delicada. Nunca poderá haver paz duradoura sobre este fundamento. Existirá sempre a compreensão dolorosa de que há qualquer coisa que não está bem.
Se o coração não é conduzido a um estado de repouso permanente pelo testemunho da Escritura de que os direitos inflexíveis da justiça divina foram satisfeitos, haverá, necessariamente, uma sensação de mal-estar, e uma tal sensação representa um obstáculo à nossa adoração, à nossa comunhão e ao nosso testemunho. Se eu me sentir inquieto a respeito da solução da questão do pecado, não posso adorar; não posso gozar de comunhão com Deus nem com o Seu povo; nem tão pouco posso ser uma testemunha inteligente ou apta de Cristo. O coração tem de estar tranquilo, perante Deus, quanto à perfeita remissão do pecado, antes de podermos “adorar em espírito e verdade”. Se houver culpa sobre a consciência, deve haver terror no coração; e, seguramente, um coração cheio de terror não pode ser um coração feliz e adorador. É somente de um coração cheio desse doce e santo repouso que proporcionou o sangue de Cristo que pode subir adoração verdadeira e aceitável ao Pai.
O mesmo princípio é verdadeiro a respeito da nossa comunhão com o povo de Deus, e o nosso serviço e testemunho entre os homens. Tudo deve descansar sobre o fundamento de paz estabelecida; e esta paz descansa sobre o fundamento de uma consciência perfeitamente purificada; e esta consciência purificada descansa sobre o fundamento da perfeita remissão de todos os nossos pecados, quer sejam pecados do nosso conhecimento ou pecados de ignorância.
Comparação do Holocausto com o Sacrifício pelo Pecado
Vamos prosseguir agora com a comparação entre o sacrifício pelo pecado e o holocausto, em cujo confronto encontraremos dois aspectos de Cristo muito diferentes. Porém, embora os aspectos sejam diferentes, é um só e o mesmo Cristo; e, por isso, em ambos os casos, o sacrifício era “sem mancha”. Isto é fácil de compreender. Não importa sob que aspecto contemplarmos o Senhor Jesus Cristo, Ele é sempre o mesmo Ser perfeito, imaculado e santo. É verdade que, em Sua abundante graça, teve de curvar-Se para tomar sobre Si o pecado do Seu povo; mas foi como um Cristo perfeito, puro, que o fez; e seria nada menos do que perversidade diabólica alguém valer-se da profundidade da Sua humilhação para manchar a glória pessoal d’Aquele que assim se humilhou. A excelência intrínseca, a pureza inalterável e a glória divina do nosso bendito
Senhor aparecem no sacrifício pelo pecado tão claramente como no holocausto. Seja em que relação for que Ele se apresente, em qualquer ocupação ou obra que execute, ou posição que ocupe, a Sua glória pessoal brilha em todo o esplendor divino.
Esta verdade de um só e mesmo Cristo, quer seja no Holocausto ou no sacrifício pelo pecado vê-se não apenas no fato que, em ambos os casos, a oferta era “sem mancha”, como também na “lei da expiação do pecado”, na qual lemos: “Esta é a lei da expiação do pecado no lugar onde se degola o holocausto, se degolará a oferta pela expiação do pecado perante o Senhor; coisa santíssima é” (Levítico 6:25). Os dois tipos indicam um e mesmo grande Antítipo, embora o apresentem sob aspectos diferentes da Sua obra. No holocausto vemos Cristo correspondendo aos afetos divinos; na expiação do pecado vêmo-Lo satisfazendo as profundidades da necessidade humana. Aquele apresenta-O como Aquele que cumpre a vontade de Deus; este como Aquele que levou o pecado do homem. No primeiro aprendemos qual é o elevado preço do sacrifício; no último o que é a aversão do pecado. Isto basta quanto às duas ofertas, em geral. Um exame minucioso dos pormenores não fará mais que confirmar a mente na verdade desta asserção.
Quando consideramos, em primeiro lugar, o holocausto, notamos que era uma oferta voluntária. “… a oferecerá de sua própria vontade perante o Senhor” (1). Ora, o vocábulo “própria” não é mencionado na expiação pelo pecado. E precisamente o que poderíamos esperar. A omissão está de perfeito acordo com o alvo específico do Espírito Santo no holocausto, que é apresentá-lo como uma oferta voluntária. Era a comida e bebida de Cristo fazer a vontade de Deus, qualquer que pudesse ser essa vontade. Nunca pensou em inquirir quais eram os ingredientes do cálice que Seu Pai ia pôr em Suas mãos. Bastava-Lhe saber que o Pai o havia preparado. Assim acontecia com o Senhor Jesus simbolizado no holocausto.
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(1) Alguns podem encontrar dificuldade no fato de a palavra “própria” se referir ao adorador e não ao sacrifício; mas isto não pode de modo algum afetar a doutrina exposta no texto, que é fundada no fato de que uma palavra empregada no holocausto é omitida na oferta de expiação pelo pecado. O contraste subsiste, quer pensemos no ofertante ou na oferta.
Porém, na oferta de expiação do pecado temos uma linha de verdade completamente diferente. Este símbolo apresenta Cristo aos nossos pensamentos, não como Aquele que realiza voluntariamente a vontade de Deus, mas como Aquele que levou sobre Si essa coisa terrível chamada “pecado”, e o Sofredor de todas as suas consequências aterradoras, das quais a mais aterradora, para Si, consistiu em que Deus ocultasse d’Ele o Seu rosto. Por isso, a palavra “própria” não estaria de acordo com o objetivo do Espírito na oferta de expiação pelo pecado. Esta expressão estaria tão deslocada neste símbolo como está divinamente em seu lugar no holocausto. O seu emprego e a sua omissão são igualmente divinos; e mostram tanto uma como a outra a precisão perfeita e divina dos tipos de Levítico.
Ora, o ponto de contraste que temos estado a considerar explica, ou, antes, harmoniza duas expressões empregadas por nosso Senhor. Em uma ocasião diz:”… não beberei eu o cálice que o Pai me deu?-” E, todavia, diz também: “Meu Pai, se é possível passe de mim este cálice.”
A primeira destas expressões era o perfeito cumprimento das palavras com que havia começado a Sua carreira, a saber: “Eis aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade”; e é, além disso, a elocução de Cristo como o holocausto. A última, por outro lado, é a exclamação de Cristo quando contemplava o lugar que estava prestar a ocupar como sacrifício pelo pecado. O que esse lugar era e o que estava envolvido n’ele, tomando-o, é o que veremos no prosseguimento do nosso estudo; é contudo interessante e instrutivo encontrar toda a doutrina dos dois sacrifícios encerrada, com efeito, no fato de uma simples palavra ser introduzida num e omitida no outro. Se encontramos no holocausto a prontidão com que Cristo Se ofereceu a Si mesmo para o cumprimento da vontade de Deus, na expiação do pecado vemos com que profunda abnegação tomou todas as consequências do pecado do homem e como chegou à distância longínqua da posição do homem no que se referia a Deus. Deleitava-se em fazer a vontade de Deus; estremecia ante a ideia de perder, por um momento, a luz do Seu bendito rosto.
Nenhum sacrifício podia tê-lo simbolizado debaixo destes dois aspectos. Precisávamos de uma figura que no-Lo apresentasse como Aquele que se comprazia em fazer a vontade de Deus; e necessitávamos de uma figura que no-Lo mostrasse como Aquele cuja natureza santa retrocedia ante as consequências do pecado imputado. Bendito seja Deus, temos tanto uma como a outra. O holocausto mostra-nos uma, a oferta de expiação dá-nos a outra. Pelo que quanto mais aprofundamos o afeto do coração de Cristo a Deus, mais compreendemos o Seu horror ao pecado; e vice-versa. Cada um destes símbolos põe em relevo o outro; e o emprego da palavra “própria” em um e não no outro fixa a importância especial de cada um.
Mas, pode perguntar-se, não era da vontade de Deus que Cristo Se oferecesse em sacrifício de expiação pelo pecado? E, se assim é, como podia hesitar em cumprir essa vontade? Seguramente o conselho de Deus tinha determinado que Cristo sofresse. Além disso era o prazer de Cristo fazer a vontade de Deus. Porém, como devemos compreender a expressão,” Se é possível passe de mim este cálice”? Não é a exclamação de Cristo? E não existe nela um símbolo especial d’Aque!e que a proferiu? Certamente. Haveria uma lacuna grave entre os símbolos da economia Moisaica se não houvesse um para refletir o Senhor Jesus na atitude exata em que esta expressão O apresenta.
Contudo, o holocausto não O apresenta assim. Não há uma só circunstância em relação com essa oferta que corresponda a uma tal linguagem. Só a oferta de expiação do pecado oferece a figura apropriada ao Senhor Jesus como Aquele que exalou esses acentos de intensa agonia, porque só nela encontramos as circunstâncias que evocaram tais acentos das profundezas da Sua alma imaculada.
A sombra terrível da cruz, com a sua ignomínia, a sua maldição e a sua exclusão da luz da face de Deus, passava pelo Seu espírito e Ele não podia sequer contemplá-la sem exclamar: “Se é possível passe de mim este cálice”. Porém, apenas havia pronunciado estas palavras, quando a Sua profunda submissão se mostra nestas palavras: “faça-se a tua vontade”. Que “cálice” amargoso deve ter sido para arrancar de um coração perfeitamente submisso as palavras “passe de mim”! Que perfeita submissão deve ter havido para, em presença do cálice amargoso, o coração ter exclamado “faça-se a tua vontade”!
A Imposição das Mãos: Identificação com a Vítima
Vamos considerar agora o ato típico da imposição das mãos. Este ato era comum tanto ao holocausto como à oferta de expiação do pecado; porém, no caso do primeiro identificava o oferente com a oferta sem mancha; no caso do segundo implicava a transferência do pecado do ofertante para a cabeça da oferenda. Era assim no tipo; e, quando consideramos o Antítipo, aprendemos uma lição da natureza mais consoladora e edificante – uma verdade que, se fosse mais bem compreendida e plenamente realizada, proporcionaria uma paz muito mais constante do que aquela que geralmente se goza.
Qual é, pois, a doutrina exposta no ato da imposição das mãos? É esta: Cristo foi feito pecado por nós para que nós fôssemos feitos justiça de Deus (2 Coríntios 5:21). Ele tomou a nossa posição com todas as suas consequências para que nós pudéssemos ter a Sua com todas as suas consequências. Foi tratado como pecado sobre a cruz para que nós pudéssemos ser tratados como justiça na presença da santidade infinita. Foi retirado da presença de Deus porque tinha pecado sobre Si, por imputação, para que nós pudéssemos ser recebidos na casa de Deus e em Seu seio, porque, por imputação, temos uma perfeita justiça. Teve de suportar a invisibilidade do semblante de Deus para que nós pudéssemos gozar da luz desse semblante. Teve de passar três horas de trevas para que nós pudéssemos andar na luz eterna. Foi desamparado por Deus por um tempo, para que nós pudéssemos gozar a Sua presença para sempre. Tudo que nos era imposto, como pecadores arruinados, foi posto sobre Si para que tudo que Lhe era devido, como Realizador da redenção, pudesse ser nosso. Tudo foi contra Si quando foi pendurado no madeiro de maldição para que nada pudesse haver contra nós. Identificou-se conosco, na realidade da morte e do juízo, para que nós pudéssemos ser identificados consigo, na realidade da vida e justiça. Bebeu o cálice da ira – o cálice do terror- para que nós pudéssemos beber o cálice da salvação – o cálice do favor infinito. Foi tratado conforme os nossos méritos para que nós pudéssemos ser tratados segundo os Seus.
Tal é a maravilhosa verdade ilustrada pelo ato cerimonial da imposição das mãos. Depois de o adorador ter posto a sua mão sobre a cabeça do holocausto, já não se tratava da questão do que ele era ou do que merecia e tornava-se inteiramente uma questão do que a oferta era segundo o juízo do Senhor. Se a oferta era sem mancha, o oferente o era também; se a oferta era aceita também o oferente era. Estavam perfeitamente identificados. O ato de impor as mãos constituía-os em um aos olhos de Deus. Ele via o oferente por meio da oferta. Era assim no caso do holocausto.
Mas na oferta de expiação do pecado, quando o oferente tinha posto a sua mão sobre a cabeça da oferta, tornava-se uma questão de saber o que o oferente era e o que ele merecia. A oferta era tratada segundo os méritos do ofertante. Eram perfeitamente identificados. O ato de impor as mãos constituía-os em um, no parecer de Deus. O pecado do ofertante era tratado na oferta de expiação do pecado; a pessoa do oferente era aceita no holocausto. Isto fazia uma grande diferença. Por isso, embora o ato de impor as mãos fosse comum às duas figuras, e, além disso, fosse expressivo, em ambos os casos de identificação, todavia as consequências eram tão diferentes quanto o podiam ser. O justo tratado como injusto; o injusto aceito no justo.”… Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pedro 3:18). Esta é a doutrina.
Os nossos pecados levaram Cristo à cruz; mas Ele leva-nos a Deus. E se Ele nos leva a Deus é por Sua própria aceitabilidade como ressuscitado de entre os mortos, havendo tirado os nossos pecados, segundo a perfeição da Sua obra. Ele levou os nossos pecados para longe do santuário de Deus a fim de nos poder trazer perto, até mesmo ao lugar santíssimo, em inteira confiança de coração, tendo a consciência purificada de toda a mancha de pecado pelo Seu precioso sangue.
Bem, quanto mais compararmos todos os pormenores do holocausto e da oferta de expiação do pecado, tanto mais claramente compreenderemos a verdade do que tem sido acentuado a respeito do ato de impor as mãos e dos seus resultados, em ambos os casos.
No capítulo primeiro deste volume notamos o fato que “os filhos de Arão” são introduzidos no holocausto, mas não na oferta de expiação do pecado. Como sacerdotes tinham o privilégio de permanecer em redor do altar e de contemplar a chama de um sacrifício aceitável subindo para o Senhor. Porém na oferta de expiação do pecado, em seu aspecto primário, tratava-se de uma questão de julgamento solene do pecado, e não de adoração ou admiração sacerdotal; e, portanto, os filhos de Arão não aparecem. É como pecadores convictos que temos de tratar em relação a Cristo como o Antítipo da oferta de expiação do pecado. É como sacerdotes em adoração, vestidos com as vestes da salvação, que contemplamos Cristo como o Antítipo do holocausto.
Demais, o leitor poderá notar que o holocausto era “esfolado”, enquanto que a oferta de expiação do pecado não o era. O holocausto era “partido em pedaços”, mas a oferta de expiação do pecado não o era. A “fressura e as pernas” no holocausto eram “lavadas com água”, cujo ato era inteiramente omitido na oferta de expiação do pecado. Finalmente, o holocausto era queimado, em cima do altar; a oferta de expiação do pecado era queimada fora do arraial.
São pontos de grande diferença provenientes do caráter distinto das oferendas. Sabemos que não há nada na Palavra de Deus sem o seu significado específico; e todo o estudioso inteligente e atento das Escrituras notará estes pontos de diferença; e, notando-os, procurará, naturalmente, determinar a sua verdadeira importância. Pode haver ignorância do seu valor; mas não deveria haver indiferença, a seu respeito. Em qualquer parte das páginas inspiradas, sobretudo uma tão rica como aquela que temos perante nós, omitir um simples ponto seria desonrar o Autor Divino e privar as nossas próprias almas de muito proveito. Deveríamos nos debruçar sobre o mais simples pormenor, para louvar a Deus pela sabedoria nelas revelada, por Ele, para confessar a nossa própria ignorância deles. Desprezá-los, com espírito de indiferença, é supor que o Espírito Santo tomou o incômodo de escrever coisas que não julgamos dignas de intentar compreender. Nenhum cristão deveria supor tal coisa. Se o Espírito, escrevendo sobre a ordenação da oferta de expiação do pecado, omitiu os diversos ritos a que nos referimos – ritos que ocupam um lugar proeminente na ordenação do holocausto – deve haver seguramente alguma razão para isso e qualquer propósito importante em o fazer. Devemos procurar compreender estes pontos; e, sem dúvida, eles resultam do propósito especial da mente divina em cada oferta. A oferta de expiação do pecado mostra aquele aspecto da obra de Cristo em que O vemos tomando judicialmente o lugar que nos pertencia moralmente. Por esta razão não podemos procurar essa expressão intensa daquilo que Ele era em todos os motivos secretos de ação, patenteados no ato simbólico de “esfolar” o holocausto. Tampouco podia existir essa ampla exibição do que Ele era, não apenas como um todo, mas nos mais minuciosos traços do Seu caráter, conforme se vê no ato de partir o holocausto “em pedaços”. Nem, ainda, podia haver aquela manifestação do que Ele era pessoal, prática e intrinsecamente, como se mostra no ato significativo de lavar a fressura e as pernas do holocausto com água.
Todas estas coisas pertenciam à fase de nosso bendito Senhor no holocausto, e só a essa, porque nela O vemos oferecendo-Se à vista, ao coração, e ao altar de Jeová, sem imputação de pecado, de ira ou de juízo. Na oferta de expiação do pecado, pelo contrário, em vez da ideia proeminente daquilo que Cristo é, temos o que é o pecado. Em vez do alto apreço de Jesus, encontramos o ódio do pecado. No holocausto, visto que é Cristo oferecendo-se a Si mesmo a Deus e sendo aceito por Ele, vemos que se faz tudo para mostrar o que Ele era em todos os aspectos. Na oferta de expiação do pecado, visto tratar-se do pecado julgado por Deus, dá-se um caso precisamente oposto. Tudo isto é tão claro que não exige esforço da mente para o compreender. Deriva naturalmente do caráter distinto do símbolo.
Texto extraído de Estudos Sobre o Pentateuco de C. H. Mackintosh