Está escrito: “Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado” (Romanos 4:7-8); e aquele a quem Deus chama de “bem-aventurado” deve ser realmente uma pessoa abençoada. E há uma bênção ainda maior do que a de que Cristo morreu pelos meus cruéis pecados, que Ele morreu por mim; de modo que não só os meus pecados foram postos de lado de uma vez por todas – tão completamente afastados que Deus nunca mais se lembrará deles – mas também eu, como homem natural – filho de Adão – deixei de existir, quanto ao meu antigo estado diante de Deus.
Está escrito “Já estou” (ou mais corretamente “já fui”) “crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gálatas 2:20). Assim, houve um fim do homem natural, Saulo, e foi Cristo, que representou o novo Paulo diante de Deus. O que é verdade sobre o apóstolo Paulo, é verdadeiro para todo verdadeiro cristão diante de Deus, por menor e mais fraco que possa ser; pois não é a recompensa do serviço fiel, mas o dom gratuito de Deus para todos, que vêm a Ele através de Jesus Cristo. O apóstolo Paulo pode ter penetrado mais profundamente no significado da verdade do que você ou eu; mas, se somos cristãos verdadeiros, isso é verdade para nós como era para ele, qualquer pessoa que esteja em Cristo, é uma nova criatura” (ou melhor, “criação”), “as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo; e isso tudo provém Deus” (2 Coríntios 5: 17-18).
E aqui também soa uma nota de advertência. Não há nada mais comum do que ouvir muitos dizerem quando lhes é apresentada uma verdade: “Eu não acho isso”, e então, em razão de sua experiência, rejeitar a verdade. Fazer isso, porém, é muito perverso, pois está praticamente se colocando acima de Deus, a própria essência do orgulho. A verdadeira humildade aceita como verdade tudo o que Deus diz, e se alegra nas bênçãos: enquanto o orgulho e a descrença atropelam, e não podem desfrutar das bênçãos porque Deus não é crido.
Este é especialmente o caso da última passagem citada, pois a experiência dirá: “Eu acho que as coisas antigas já passaram, que todas as coisas são novas e de Deus”. A fé, ao contrário, diz “Eu sei que é verdade, porque eu creio em Deus”. E o conhecimento das bênçãos assim recebidas pela fé não pode deixar de dar grande alegria. Aqueles que são ignorantes de Deus e Seus caminhos estão prontos com o grito de orgulho sempre que veem alguém aceitando com simplicidade as bênçãos que Deus livremente dá e regozijando-se nelas; mas na verdade aqueles que aceitam são os humildes e aqueles que se recusam a fazê-lo, orgulhosos.
O segredo da recusa é, sem dúvida, orgulho; pois a depravação total do homem natural não é aceita, e algum bem ainda é procurado por dentro; e até que essa verdade seja aceita, nunca se saberá o que é ser “em Cristo” e não “em Adão”. Quando, porém, pela graça de Deus, uma alma é levada a aceitar a verdade, não apenas por ter pecado, mas por ser tão corrupta, em sua natureza de Adão, até o âmago da questão (Romanos 8:7, 8), que a única coisa a ser feita com ela era judicialmente colocá-la completamente de lado pela cruz de Cristo, e colocá-lo fora da vista de Deus; – então, e não até então – ele será capaz de se alegrar na bendita verdade de não estar mais em Adão, mas em Cristo.
Assim, ele aprende que não só é perdoado e não condenado, mas também que aquele que cometeu os pecados deixou de existir judicialmente diante de Deus. Em Romanos 1 a 5:11, a questão dos pecados é aplicada e o completo perdão e justificação trazidos à luz; de Romanos 5:12 a 8:39, um novo assunto é introduzido, não de pecados, mas o pecado, isto é, não são mais os pecados que cometi, que estão em questão, mas a natureza corrupta que cometeu esses pecados.
Para meus pecados há perdão; para a natureza corrupta não pode haver perdão, é, portanto, julgado e posto de lado por completo. O velho homem (isto é, a natureza corrupta de Adão) é crucificada e sepultada com Cristo (o batismo é o símbolo deste sepultamento), Romanos 6:3-6; e nós, que cremos, que estávamos mortos em ofensas e pecados, agora estamos vivos para Deus: “Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou [deixou de lado] o pecado na carne” ( Romanos 8:2-3).
Assim agora, nós os que temos crido em Cristo, temos o direito de nos considerar mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor (Romanos 6:11). De fato, vamos carregar a natureza corrupta, mas temos o direito de considerá-la um cadáver; sabendo que Deus a colocou de lado; e não estamos mais sujeitos a ela, pois fomos libertos pelo Espírito de Deus para que andemos em novidade de vida.
Pode ser que o assunto deste capítulo pareça difícil para o leitor, e é verdade que muitos, que conhecem o perdão dos pecados, sejam completamente ignorantes desta verdade adicional, e pensam que a última parte do sétimo capítulo de Romanos é uma expressão da experiência cristã adequada, em vez da experiência de alguém em cativeiro e ainda não liberto; enquanto no oitavo capítulo recebemos a experiência própria do cristão. Suplico-lhe, meu leitor, que não fique satisfeito até que você tenha aprendido de Deus o significado de estar “em Cristo” e não “em Adão”; de ser liberto e não em cativeiro; de estar no Espírito e não na carne (Romanos 8:9); de ter morrido com Cristo e estar vivo em novidade de vida. Tudo isso é uma questão de grande importância e, até que entremos em seu significado, faremos apenas um pequeno progresso na vida espiritual.
A dificuldade está em que para entrar nesta verdade deve haver a aceitação prática da morte com Cristo no poder do Espírito de Deus, e esta é a última coisa que estamos naturalmente dispostos a fazer. Nos apegamos à crença de que podemos melhorar, educar ou controlar a carne, e é somente após repetidas lutas, cujo caráter é descrito em Romanos 7, que uma alma está disposta a aceitar a libertação através da morte, isto é, morrer no sentido de sua própria alma, a fim de que possa estar vivo para Deus.
A chamada santidade pela fé é realmente santidade sem morrer e, portanto, não é a coisa real; mas é aceito por muitos porque todos gostaríamos da santidade sem ter que aceitar a morte. Desejamos ardentemente estimar as melhores coisas da carne e evitar a aplicação da morte a elas no poder do Espírito de Deus.
Suplico que o leitor sinceramente reflita sobre essas coisas, pois é por não aceitar essa verdade que o crescimento espiritual é interrompido por anos, e também muitos nunca o aprendem de maneira alguma.
Na Epístola aos Colossenses, outro passo adiante nos é mostrado, pois não estamos lá meramente vivos para Deus, mas “ressuscitados com Cristo” (Colossenses 3:1). A Epístola aos Efésios vai ainda mais longe e diz: “E nos ressuscitou juntamente com Ele (Jesus) e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Efésios 2: 6-7). Ainda não “com” Cristo Jesus, mas “em” Cristo Jesus. Isto é, Deus nos uniu a Ele pelo Espírito, Ele nos vê Nele, e onde Ele está é o nosso lugar; porque estamos “Nele”. Há uma bela ilustração disso em Josué 3 e 4. Doze pedras se põem no meio do Jordão, onde os pés dos sacerdotes estavam, as águas do Jordão passam sobre elas, e estão longe de vista para sempre.
Estas doze pedras, uma para cada tribo, mostram como aos olhos de Deus o velho é crucificado, morto e sepultado com Cristo. Então outras doze pedras são tiradas do mesmo local, e colocadas em Canaã para ser um memorial para os filhos de Israel para sempre, assim simbolizando a ressurreição com Cristo, e assentados em lugares celestiais (nossa verdadeira Canaã) em Cristo, assim que nas eras vindouras Deus possa mostrar a suprema riqueza de Sua graça em Sua bondade para conosco através de Cristo Jesus (Efésios 2:4-7).
Que verdades maravilhosas são estas; nosso antigo estado faleceu judicialmente para sempre diante de Deus, e nós mesmos separados pela morte e ressurreição de Cristo do próprio lugar do juízo final – aquele mundo ao qual pertencíamos – e trazido para uma nova esfera onde todas as coisas são novas, e todas as coisas são de Deus! No corpo, é claro, ainda estamos na velha criação e, como tal, gememos em solidariedade com uma criação que geme ao redor (Romanos 8:23); mas quão abençoado é saber que, enquanto no corpo, não somos do mundo, mas somos enviados a ele como Cristo foi enviado a este mundo, para estar nele como Ele estava no mundo; mas espiritualmente – de fato e de verdade – estamos tão separados dele quanto a morte e a ressurreição com Cristo pode nos fazer.
Que verdade maravilhosa e abençoada é essa e, no entanto, quão pouco conhecida; e mesmo quando apresentada pelos irmãos a quem Deus levantou, quão poucos a aceitaram. Infelizmente, a razão para isso deveria ser triste; já foi dito que o perdão dos pecados nunca separou o homem do mundo, mas se uma vez a verdade da morte e ressurreição com Cristo for realmente aceita, não como mera doutrina, mas como uma profunda realidade prática, então ela não pode senão cortá-lo dos caminhos daquele mundo que crucificou o Senhor da glória. Separação dos caminhos do mundo, especialmente dos caminhos religiosos do mundo (e estes são mais odiosos para Deus do que qualquer outra coisa do mundo), é apenas o que poucos estão dispostos a aceitar.
São poucos os que conhecem e desfrutam das bênçãos e privilégios que realmente pertencem a todo cristão. A ressurreição com Cristo só pode ser desfrutada na prática quando somos separados do mundo; permanecendo nele, não para desfrutá-lo, mas para testificar que suas obras (ações) são más (João 7:7); porque está escrito: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia” (João 15:19).
Leitor, lembre-se que o “mundo cristão” do século XX (XXI para nós – N. T.), como é chamado, é apenas o mesmo mundo, governado pela desejo dos olhos, o desejo da carne e o orgulho da vida: e se você não está disposto a ser odiado por isso, tenha a certeza de que você nunca desfrutará, enquanto estiver na Terra, do poder da vida da ressurreição com Cristo. Que Deus conceda que você possa ver tanta beleza em Cristo que você alegremente abraçará a ofensa da cruz por causa dEle, e poderá dizer como o apóstolo: “longe esteja de mim (em outras palavras, Deus não permita) gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo” (Gálatas 6:14). Você pode ter que sofrer aqui, mas receberá cem vezes até neste tempo presente, e a alegria de Cristo fará com que você se regozije com alegria indescritível e cheia de glória, mesmo neste mundo de tristeza.
Baseado no texto de Sydney Long Jacob