Quando o filho pródigo voltava para casa, o pensamento em seu coração era: “Ah! Se eu puder apenas conseguir o lugar de um servo”; e, de fato, a criatura poderia, naturalmente, mesmo que não caísse, não poderia procurar algo além do que ser servo do bom Deus e Criador.
Que privilégio poder servir a Deus como nosso Mestre, fazendo nosso trabalho sob Seu olhar atento e terno cuidado. Quão maravilhoso é então que o coração de Deus não se contenta sem dar aos Seus remidos o lugar dos filhos. Não é de admirar que o Apóstolo exclame: “Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso, o mundo não nos conhece, porque não conhece a ele” (1 João 3:1).
Quão pouco conhecemos o coração de Deus, quão pouco penetramos em Seu deleite no Evangelho, quão pouco entendemos que o Evangelho não atende apenas as necessidades do homem, mas também à necessidade que Deus tinha. Ele precisava de uma maneira de dar a conhecer as riquezas de Seu amor e graça, e vendo que elas nunca poderiam ser exibidos pela criação, Ele permitiu que (não podemos dizer que Ele causasse) o pecado entrasse, que Seu coração pudesse ser plenamente manifestado no Homem Cristo Jesus e aqueles a quem Ele predestinou para que fossem conformes a imagem de Seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8:29). E, que pensamento abençoado, estes irmãos têm o direito de saber agora, o que todo o mundo saberá daqui em diante, que o Pai os ama com o mesmo amor com o qual Ele ama o Seu Filho (João 17:23).
Leitor, você sabe o que é ser um filho, não apenas um filho adotivo, mas um filho no mais pleno sentido da palavra?
Muitos que conhecem um pouco do assunto, não vão além disso, que Deus nos adotou. Mas a palavra grega “uihothesia“, que é traduzida como “adoção” (veja Romanos 8:15, Romanos 9:4; Gálatas 4:5; Efésios 1:5; esses são os únicos lugares onde essa palavra é usada exceto Romanos 8:23, onde tem outro significado e se aplica a redenção do corpo), significa o lugar e o pleno privilégio da filiação, e não o da palavra adoção. Quando falamos de adoção, queremos dizer de alguém que não é realmente um filho, ele não tem a mesma natureza interior de seu pai adotivo. Mas nós, que cremos, não nascemos apenas de Deus, como está escrito: “a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” (João 1:12 e 13); mas eles também têm o Espírito Santo habitando neles para dar-lhes o sentido interior de relacionamento (Romanos 8:15 e 16; Gálatas 4:6 e 7), e para torná-los interiormente um com o Pai e o Filho (João 14:20).
Onde a palavra “teknon”, uma “criança”, é usada, a afeição que a criança recebe como o objeto do coração do Pai, está bastante à vista; enquanto onde a palavra é “huios”, um “filho”, o pensamento é o privilégio e a honra de filiação e de ser um herdeiro. O apóstolo Paulo usa ambos os termos, enquanto o apóstolo João usa o primeiro, embora, infelizmente, em nossa tradução para o inglês, as palavras “son” e “child” sejam frequentemente transpostas (*inglês é o idioma original deste texto).
Um dos grandes objetos pelos quais o Senhor Jesus veio a essa terra foi revelar o Pai. Esta verdade é especialmente destacada no Evangelho de João; e aparentemente antes de deixar a cruz, o desejo de revelar o nome do Pai, estava especialmente em Seu coração, pois está escrito (aparentemente do pensamento de Cristo na cruz), “declararei teu nome” (isto é, o nome do Pai) “a meus irmãos”. (Salmo 22:22) Portanto, Sua primeira mensagem aos Seus discípulos quando Ele ressuscita dos mortos é: “Vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (João 20:17); mostrando assim que agora possuíam o mesmo relacionamento que Ele.
Não temos a expressão “Pai Celestial” ou “Pai nosso que estais no céu” no Evangelho de João ou nas Epístolas, apenas nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. Esta expressão refere-se a uma pessoas da Terra olhando para Deus, seu Pai no céu, e foi usado por Cristo para ver se o conhecimento de Deus como seu Pai Celestial produziria frutos no coração do homem, que havia sido tão infiel sob a lei. Mas, como qualquer outro remédio terreno, não responderia. Cristo devia morrer, nada mais ajudaria o homem pecador. Portanto, Cristo morreu e ressuscitou e subiu ao céu, mas desde agora o povo de Deus é um povo celestial, porque Cristo está no céu, e Deus não é chamado Pai Celestial, mas nosso Deus e Pai, pois estamos no Espírito conectado com Ele no céu no lugar onde o Filho está.
Gálatas 4:1-11 é claro ao nos mostrar que o lugar do filho só poderia ser conhecido e desfrutado assim que a obra de Cristo estivesse terminada e o Espírito Santo descido. Não apenas o novo nascimento era necessário, mas também a habitação do Espírito Santo para dar o desfrute da filiação e, portanto, a posição, o privilégio e a liberdade do lugar do filho não poderiam ser desfrutados antes do dia de Pentecostes, e é em vão procurar por isso no Antigo Testamento. Podemos tomar os Salmos como a expressão da devida adoração cristã, visto que eles expressam os sentimentos daqueles que estavam debaixo da lei e da escravidão, embora eles sejam, naturalmente, expressões perfeitas nessas circunstâncias.
O cristão, no entanto, não está sob a lei; ele tem a liberdade de filiação e quando voluntariamente se coloca debaixo da lei, como tristemente é feito pela massa de cristãos de todas as seitas e denominações, ele entristece o Espírito e fere o coração do Pai amoroso. A lei é santa, justa e boa, e é perfeita como regra para o homem na carne, mas Cristo redimiu aqueles que estavam debaixo da lei, e se agora, que Cristo ressuscitou, retorna à lei, com suas regras, religião e ordenanças adequadas ao homem na carne, mas completamente incapazes de ajudá-lo porque é pecador e incapaz de ser ajudado, voltamos àquilo que a morte de Cristo pôs de lado, e assim praticamente dizemos que Cristo morreu em vão (ver Gálatas 2:20).
Toda a Epístola aos Gálatas está relacionada com este assunto, e com que rigor o Apóstolo lida com este grande pecado. Quão triste é então o presente estado da cristandade, onde a lei, a servidão e a distância são ensinadas como posição e experiência cristãs adequadas, e onde a liberdade do lugar do filho é quase desconhecida. Leitor, você aceitará a liberdade de Deus ou, para agradar aos homens, se colocará sob o jugo dos mandamentos e tradições dos homens (Mateus 15:9), e assim permanecerá em cativeiro? Você não sairá de tudo que é do homem para descansar completamente na infinita sabedoria, amor e poder do Pai?
Apenas mais um pensamento antes de encerrar este assunto, imploro ao leitor que tome cuidado com o pensamento maligno que agora é tão comum, o da chamada paternidade universal de Deus. O apóstolo João diz que o mundo não conhece os filhos de Deus (1 João 3:1); ele também fala dos filhos de Deus e dos filhos do diabo (1 João 3:8-10), mostrando claramente que ele não sabe nada sobre essa paternidade universal. O Senhor Jesus diz a mesma coisa (João 8:44). De fato, a paternidade universal de Deus destrói inteiramente toda a verdade da missão e obra de Cristo, pois somos mais claramente ensinados que Ele veio para nos redimir do mundo (João 17:6; Gálatas 1:4).
Leitor, cuidado para não ser levado por uma doutrina tão má que tão terrivelmente desonra a verdade de Deus, tendo apenas “verdade” suficiente nela (veja Atos 17:29 ) para tornar seu veneno muito mortal. Com a questão de ser filho de Deus e conhecer a Deus como Pai, a verdade da vida eterna está intimamente conectada, pois a vida eterna presente é o conhecimento do Pai no Filho, como está escrito: “Jesus falou essas coisas e, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti, assim como lhe deste poder sobre toda carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste. E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:1-3). Os santos do Antigo Testamento nasceram de Deus, mas a vida e a incorruptibilidade só foram trazidas à luz pelo Evangelho (2 Timóteo 1:10), Foi somente pelo aparecimento do Filho que o poder e o caráter da vida de Deus foram revelados. O Senhor disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10:10).
Essa vida mais abundante é evidentemente a vida eterna. É somente o apóstolo João, que revela a verdade da vida eterna presente, em outras partes das Escrituras, é esperado no futuro (Romanos 6:22); apesar de acharmos muito nas Epístolas do Apóstolo Paulo sobre a vida como algo presente.
Vida nas Escrituras nunca significa mera existência, mas sempre implica em saúde, força e alegria, assim como a palavra é às vezes usada por aqueles em circunstâncias difíceis, quando eles dizem: “Não vivemos, existimos” (veja João 4:50-53 ; 1 Tessalonicenses 3:8), e a mera existência espiritual, como é vista no homem em Romanos 7, não é, portanto, chamada de vida espiritual. A vida é encontrada no capítulo 8, onde está escrito: “O Espírito é vida por causa da justiça”. Neste sentido, ninguém pode dizer que tenha vida a menos que tenha o Espírito, embora uma obra de Deus possa possivelmente ter começado em sua alma, e se assim for, ele nunca se perderá.
Além disso, embora o Espírito seja vida, ainda que pensando na vida, não devemos olhar para dentro, mas para Cristo, como está escrito: “Se, portanto, fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá de cima, onde Cristo está, sentado à destra de Deus; pensai nas coisas lá de cima, não nas que estão sobre a terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus; quando Cristo, que é a nossa vida, for manifestado, então vós também sereis manifestados com ele na glória” (Colossensses 3:1-4).
O pensamento aqui quanto à nossa vida não é sobre segurança, embora, é claro, esteja seguro, mas onde e em quem está, em Cristo no céu. A esfera da nossa vida não é a terra, mas o céu, e todas a nossa fonte, força e alegria vêm de lá, apesar de com nossos corpos estarem na terra como peregrinos e estrangeiros.
Então, em Gálatas 2:20 o apóstolo Paulo diz: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim”. Aqui Cristo vive nele, e ainda assim, evidentemente, toda a Epístola mostra que ele não está ocupado interiormente com Cristo, mas com Cristo em glória.
Ninguém pode realmente tomar as palavras do Apóstolo para si mesmo até que também tenha aceitado a morte com Cristo em sua própria alma como sua porção aqui, e esteja contente em obter sua fonte de vida “do céu” em vez da terra como costumava fazer.
A vida eterna é comumente considerada a segurança eterna, ou seja, é equivalente à expressão “nunca pereça”, ao passo que significa infinitamente mais. Ele sem dúvida inclui a segurança eterna, mas reduzir seu significado a isso é abaixar miseravelmente o pensamento de Deus sobre o assunto.
A vida eterna leva nossos pensamentos de volta ao tempo em que o Filho estava sozinho com o Pai antes de toda a criação e foi manifestada no Filho de Deus feito carne (1 João 1:1-4).
Nada relacionado com a vida eterna é temporário; muito foi feito pelo nosso bendito Senhor em infinita graça para a nossa redenção, e tudo o que Ele fez foi sempre perfeito, mas a vida eterna está ligada à vida que Ele tinha com o Pai antes do mundo, que Ele manifestou aqui de acordo com os escritos do apóstolo João. Ele morreu, ressuscitou e foi ao Pai e enviou o Espírito Santo para que pudéssemos ter e conhecer a vida eterna como uma possessão presente (João 17:1-3 ; 1 João 5:13). Enquanto em todos os outros escritos a vida eterna é vista como futura, nos escritos de João ela é mostrada como uma possessão presente para ser conhecida e desfrutada agora.
A vida eterna está no Filho (não em Cristo, embora o Filho e Cristo sejam a mesma Pessoa, mas a Escritura distingue cuidadosamente a relação eterna do Filho com o título oficial de Cristo) e, se usarmos uma linguagem muito familiar sem irreverência, pode-se dizer que a vida eterna é para nós a vida familiar do Pai e do Filho, que agora é nosso, uma vez que somos filhos do Pai, e essa vida familiar agora pode ser conhecida e desfrutada como uma bênção presente pelo poder do Espírito de Deus. Esta vida está necessariamente fora das coisas do tempo e dos sentidos, a comunhão do Pai e do Filho é tudo em todos. Isso deve ser experimentado para ser conhecido, nenhuma explicação transmitirá qualquer significado para a alma se ela não tiver experimentado um vislumbre disso por si mesmo.
Não é possível neste pequeno resumo dar mais explicações sobre o assunto. Só posso pedir ao meu leitor que estude seriamente e ore sobre os escritos de João, especialmente os capítulos 14 a 17 do Evangelho e a primeira epístola. Ele proporcionará uma alegria indescritível para ter um vislumbre do que é estar com o Filho no lugar onde Ele está e para que o Pai e o Filho façam em você a sua morada. Veja João 12:26, João 13:8, João 14:3 (não deixe tudo isso para o futuro, pois, tem certamente uma aplicação para hoje), e João 14:23.
Mas não cometa o erro de pensar que, porque você sabe que está eternamente seguro, sabe que tem a vida eterna. Muitos conhecem a sua segurança eterna, que não têm a menor ideia da maravilhosa bênção chamada vida eterna, porque pensam que a vida eterna não significa mais do que a segurança eterna, não sendo mais exercitados sobre o assunto, e talvez passam por toda a vida sem ter a menor noção da maravilhosa alegria que há no conhecimento presente da vida eterna.
Que Deus exercite seu coração sobre isso, meu leitor, e que você possa encontrar a plenitude da alegria que há nela.
Baseado no texto de Sydney Long Jacob