(1) O testemunho de Marcos
Agora passamos a considerar essas três passagens na ordem citada. No final do seu evangelho, Marcos relata os termos da comissão dada aos apóstolos pelo Senhor Jesus imediatamente antes de ser recebido no céu e sentar-se à destra de Deus. Para que essa referência possa ser entendida, ela deve ser considerada em conexão com o caráter do segundo evangelho, que apresenta Cristo como o Servo Perfeito. O Servo estava prestes a deixar a esfera de Seus labores na terra, e determinou a esses servos que continuassem a obra para a qual Ele os chamara anteriormente. Deste mesmo Evangelho, aprendemos qual era a natureza de seu trabalho (“E nomeou doze para que estivessem com ele e os mandasse a pregar e para que tivessem o poder de curar as enfermidades e expulsar os demônios” – Marcos 3:14-15). Na sua nomeação original, os doze foram separados pelo Senhor:
(1) para estarem com Ele;
(2) serem enviados para pregar;
(3) terem poder para curar doenças; e
(4) expulsarem demônios.
De acordo com esse chamado, o Senhor, no devido tempo, durante Seu próprio ministério, enviou o grupo apostólico, de dois em dois, às cidades de Israel para pregar que os homens deveriam se arrepender. Eles saíram e pregaram, e em virtude do poder que lhes foi dado expulsaram muitos demônios em nome de Cristo, e ungiram com óleo muitos que estavam enfermos e os curaram (“Chamou a si os doze, e começou a enviá-los de dois a dois, e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, e ordenou-lhes que nada tomassem para o caminho, senão um bordão; nem alforje, nem pão, nem dinheiro no cinto; mas que calçassem sandálias e que não vestissem duas túnicas. E dizia-lhes: Na casa em que entrardes, ficai nela até partirdes dali. E, quando alguns vos não receberem, nem vos ouvirem, saindo dali, sacudi o pó que estiver debaixo dos vossos pés, em testemunho contra eles. Em verdade vos digo que haverá mais tolerância no Dia do Juízo para Sodoma e Gomorra do que para os daquela cidade. E, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse. E expulsavam muitos demônios, e ungiam muitos enfermos com óleo, e os curavam” – Marcos 6:7-13). Os sinais dados acompanhavam e confirmavam a palavra pregada.
Agora, quando do Senhor deixou o mundo, esses servos receberam dEle novas instruções, que tinham um alcance mais amplo do que as anteriores. Eles foram agora convidados a irem da Judéia e da Galiléia para todo o mundo, e pregarem o evangelho para toda a criação. “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (Marcos 16:15-16). Tal tarefa era muito maior do que qualquer coisa que havia sido dada a eles anteriormente, e como eles poderiam assumir tal responsabilidade agora ampliada? Falando mais especificamente, como eles iriam lidar com isso uma vez estavam prestes a serem privados da presença de seu Senhor e Mestre, Aquele a quem eles estavam acostumados a trazerem suas dificuldades e fracassos no serviço?
Para dissipar qualquer possível medo, lemos que os servos de Cristo foram encorajados a avançar em seu futuro serviço, fortalecidos pela certeza de que o poder que ajudaria a seus trabalhos não seria de modo algum diminuído pela ausência do Senhor. Em Suas palavras de segurança registadas por Marcos, o Senhor declarou que as demonstrações de poder que acompanhariam a pregação deles quando Ele estava com eles seriam renovadas e amplificadas quando Ele mesmo tivesse ido para o alto. Antes, suas palavras estavam associadas com dons de cura e exorcismo, mas depois da ascensão de Cristo, esses sinais seriam concedidos com maior plenitude e variedade.
O Senhor disse: “Estes sinais seguirão aos que crerem:
(1) em Meu nome expulsarão demônios;
(2) falarão novas línguas;
(3) pegarão nas serpentes;
(4) e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum;
(5) e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão” (Marcos 16:17-18).
Fica evidente que três novos sinais em conexão com o serviço apostólico são mencionados nesta lista, a saber – falar em novas línguas, poder sobre as serpentes (comparar com Isaías 11:8) e imunidade a veneno.
As propriedades para um fim específico de tais dons feitas para esses missionários em todo o mundo é aparente. Os redimidos a Deus pelo sangue do Cordeiro seriam, no futuro, encontrados em “toda tribo, e língua, e povo, e nação” (Apocalipse 5:9), e os servos que pregam de tão variados alcances estavam habilitados a falar em novas línguas. O efeito desse dom para acelerar a propagação da mensagem do evangelho foi maravilhoso. Em cerca de trinta anos, o evangelho se espalhou para todo o mundo conhecido (“já chegou a vós, como também está em todo o mundo” – Colossenses 1:6).
Em seu serviço eles encontrariam a oposição de um mundo sob o poder de Satanás, aquela antiga serpente, mas Aquele que estava neles seria maior do que aquele que estava no mundo (1 João 4: 4). Veja o caso da proteção literal no incidente de Paulo e da víbora (Atos 28:1-6). Além disso, os inimigos do evangelho iriam inescrupulosamente querer acabar com a vida dos pregadores, mas o Senhor prometeu que eles estariam seguros até que chegasse sua hora e seu trabalho terminado, mesmo quando o meio mais sutil, o veneno, por exemplo, era empregado.
Mas nem precisamos consultar a parte posterior do Novo Testamento para encontrar um registro do cumprimento dessa promessa. Marcos encerra seu evangelho registrando isso de maneira sumária: “E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém!” (Marcos 16:20).
Então, o que aprendemos sobre o dom de línguas neste breve testemunho de Marcos? Aprendemos que falar em novas línguas era UM dos CINCO dons de sinais especiais que, como o Senhor prometeu aos apóstolos, deveriam seguir seu serviço como comprovantes do caráter divino da proclamação do evangelho.
O evangelho da salvação através de um Cristo crucificado e ascendido às alturas era uma coisa nova na terra, e Deus teve o prazer de confirmar este anúncio da Sua grande salvação usando sinais exteriores de natureza pública, para que os ouvintes da mensagem dos apóstolos não tivessem desculpa legítima para a descrença e recusa em aceitar suas ofertas. Milagres e maravilhas foram introduzidos em conexão com mensagens divinas especiais para um propósito semelhante em tempos antigos. Este, por exemplo, foi o caso quando Moisés foi enviado de Midiã para o povo de Israel na terra do Egito (Exôdo 4). Moisés levantou dificuldades para esse serviço e disse: “Eis que me não crerão, nem ouvirão a minha voz, porque dirão: O SENHOR não te apareceu”. Então, Jeová deu a Moisés três sinais que ele deveria realizar na presença do povo – sua vara se tornaria uma serpente, sua mão se tornaria leprosa e a água do Nilo se transformando em sangue. Estes sinais foram dados para remover toda possível justificação de incredulidade dos israelitas na promessa de sua rápida libertação da casa da servidão.
João Batista pode parecer uma exceção a essa regra. Ele não fez milagre e seu testemunho não foi acompanhado por sinais. Mas deve ser lembrado que sua profecia como precursor era que o Messias estava próximo, e a validade de seu testemunho foi estabelecida pelo aparecimento do Cordeiro de Deus perante os olhos de sua audiência na presença do próprio profeta na Jordânia. Sendo assim, neste caso não foram necessários dons de sinais.
Quando, no entanto, o Senhor Jesus entrou em Seu ministério público, e Ele pregou o evangelho de um reino que não era deste mundo, os sinais foram dados em confirmação da palavra; as coisas que os homens ouviam eram confirmadas pelas coisas vistas. Consequentemente, quando as dúvidas sobre Jesus ser ou não o Messias tomaram os pensamentos de Batista preso, o Senhor o lembrou dessa comprovação de Seu evangelho. “Ide e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes: Os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que se não escandalizar em mim” (Mateus 11:4-6).
Assim, vemos que os sinais confirmatórios foram dados em conjunto com a própria pregação de nosso Senhor e, da mesma forma, descobrimos que os sinais acompanharam o ministério dos servos de Cristo após o Pentecostes. O argumento do apóstolo na Epístola dos Hebreus para mostrar aos seus leitores a seriedade de negligenciar ou desprezar a palavra do evangelho baseia-se nesse fato. Ele diz: “Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram; testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade? Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos” (Hebreus 2:3-5). Os milagres e sinais, cuja existência era indiscutível, estabeleceram a autenticidade da nova pregação e tornaram indefensável a posição daqueles que o rejeitaram. O dom de línguas foi naturalmente incluído nos sinais aos quais o apóstolo se refere.
Agora, não se pode negar que as línguas (para falar agora somente deste sinal) foram dadas no início para confirmar a origem divina da palavra do evangelho que foi pregada em toda parte pelos apóstolos e profetas, e que era o meio usado pelo Espírito Santo na fundação da igreja (Efésios 2:20). Tais provas eram essenciais no começo, antes que a palavra de Deus estivesse escrita, e antes que seus assuntos vivificantes fossem expressos em termos imutáveis, de uma vez por todas, pela pena inspirada. Antes dos Evangelhos e Epístolas serem escritos, as abordagens dos pregadores em diversas partes, tais como a Capadócia, a Pisídia, a Macedônia, a Itália, etc., foram, na sabedoria de Deus, confirmados pelos sinais designados. E somente quando a pura palavra de Cristo fosse pregada, a pregação seria garantida pelo Espírito Santo. Assim, o único evangelho foi protegido em sua distribuição pelo mundo. Homens de todos os lugares ouviam, recebiam e criam nas boas novas que lhes chegavam com uma autoridade igualada apenas pelas escrituras do Antigo Testamento, embora a mensagem fosse apenas verbal e não então escrita – como temos hoje. Aqueles que foram enganados e cegos pelo deus deste mundo e descrentes da pregação foram condenados em sua rejeição, e em razão dos sinais sobrenaturais eles não tinham desculpa para sua recusa.
O dom de línguas (idiomas – falar no idioma dos povos que ouviam o Evangelho), portanto, serviu ao propósito para o qual foi dado nos primeiros dias do cristianismo, mas temos agora de perguntar o que assegura, se existe, no testemunho de Marcos esperar a continuação dessa manifestação sobrenatural. E após o escrutínio mais detalhado, nem uma única palavra pode ser encontrada nesses versículos sugerindo essa ideia. Nenhuma indicação que os sinais mencionados continuem acompanhando a pregação até o fim dos tempos.
A comissão registrada por Mateus difere a esse respeito de Marcos. O Primeiro Evangelho vislumbra até o fim, e temos o distinto comando do Senhor de que, após Sua ascensão, o trabalho de fazer discípulos e ensiná-los continuaria, e essa responsabilidade é associado à promessa da presença pessoal do Senhor com Seus seguidores sempre até o fim dos tempos (“Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém!” – Mateus 28:19-20 ). Como a obra seria ininterrupta, o Senhor estaria com eles sempre, enquanto durar a época atual. Mateus, no entanto, não registra absolutamente nada sobre sinais – nada sobre seu começo nem sua continuidade. E Marcos, que menciona que haveria certos sinais para auxiliar no início do período da igreja, não dá nenhuma indicação de que eles deviam ser uma característica permanente em conexão com a obra dos servos do Senhor.
Depois de examinar cuidadosamente essa passagem em Marcos, não vemos nenhum apoio para a alegação moderna de “falar em línguas”. Caso alguém tentar argumentar que: “como a passagem não declara de modo específico que as línguas eram apenas temporárias, então podemos concluir que elas eram um dom permanente”; devemos responder que tal argumento é no mínimo autodestrutivo. Se as línguas continuaram, então devemos igualmente crer que todos os outros sinais citados na Palavra continuem também.
Aqueles que dizem falar em línguas também expulsam demônios?
Pegam em serpentes?
Bebem veneno?
E curam os doentes?
Estes cinco sinais juntos foram todos mencionados pelo nosso Senhor com um propósito similar, auxiliar. E qualquer argumento fundamentado nesta passagem para a continuação de um se aplicaria igualmente à continuidade de todos os outros.
Há algo que sempre devemos lembrar em relação ao caráter geral das Escrituras, a verdade é que, em todos os tempos, as maravilhas e milagres sempre foram temporários. Por exemplo, o Senhor ressuscitou a Lázaro que depois veio a morrer novamente. Maravilhas e milagres sempre foram eventos excepcionais e feitos para algum propósito específico. Sem a ocasião e a finalidade adequada eles não ocorreram. Por exemplo, foram realizadas maravilhas pelos profetas Elias e Eliseu ao longo de seu serviço, mas não por Ezequiel nem Daniel.
Portanto, todo crente está qualificado de, com base bíblica, suspeitar de qualquer pessoa que, a esta hora tardia, pretenda imitar os poderes sobrenaturais que eram os sinais dos apóstolos e profetas no início do cristianismo.