(recomendamos que leia esse trecho em sua Bíblia antes de prosseguir)
Depois do deserto de Sur (Êxodo 15:22) e de Sim (Êxodo 16:1), o povo chega ao deserto do Sinai. Levados sobre asas das águias (símbolo de poder, versículo 4), eles agora chegam ao lugar onde o Senhor fará Suas revelações e ensinará a eles a maneira pela qual Ele deseja que o sirvam (Êxodo 10:26). No Egito, como vimos, nenhuma adoração era possível. Por outro lado, assim que a redenção foi realizada, assim que Deus separou o Seu povo, Ele espera deles o serviço de louvor. “Vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa”, Ele declara no versículo 6, “para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”, como conclui em 1 Pedro 2:9.
Sendo assim, nosso capítulo começa uma nova seção do livro. Até aqui, temos considerado sobre o que o Senhor tem feito em graça por Seu povo. A partir de agora, encontraremos o que Ele espera de retorno de Seu povo. Deus chamou Moisés para ir até Ele numa montanha. Ali Deus lembrou a Moisés de como Ele havia cuidado deles. Tudo dependia de Deus. Agora Ele iria colocá-los em um terreno de prova. Se obedecessem, seriam abençoados. Deus sempre começa dando, antes de exigir. Infelizmente, apesar de Mara e Meribá, esse pobre povo não sabe nada sobre ele mesmo. Eles respondem fazendo uma promessa tola que Deus não pediu. “Tudo o que o Senhor tem falado faremos” (versículo 8). Que erro! Não vai demorar muito para mostrar como eles mantêm este compromisso. Eles abandonam o pacto de graça de Jeová pela aliança das obras do homem.
Texto baseado em diversos autores que se reuniam apenas ao Nome do Senhor no século XIX e XX.
ISRAEL AO PÉ DO MONTE SINAI
O Pacto da Graça
Eis-nos agora chegados a um ponto muito importante na história de Israel. O povo fora conduzido ao pé do “monte palpável, acesso em fogo” (Hebreus 12:18). A cena de glória milenial, que nos apresentou o capítulo anterior, desaparecera. Fora apenas um momento breve de sol durante o qual fora proporcionada uma viva imagem do reino; porém o sol desvaneceu-se rapidamente e grossas nuvens amontoaram-se sobre esse “monte palpável”, onde Israel, num espírito funesto e insensível de legalismo, abandonou o pacto de graça de Jeová pela aliança das obras do homem. Impulso fatal! Que foi seguido dos resultados mais funestos. Até aqui, como temos visto, nenhum inimigo pôde subsistir diante de Israel – nenhum obstáculo pôde deter a sua marcha vitoriosa. Os exércitos de Faraó haviam sido destruídos; Amaleque e o seu povo haviam sido passados a fio de espada: tudo fora vitória, porque Deus interviera a favor do Seu povo, em conformidade com as promessas que fizera a Abraão, Isaque e Jacó.
Nos primeiros versículos do capítulo que temos perante nós, o Senhor resume de uma maneira tocante aquilo que tem feito por Israel: “Assim falarás à casa de Jacó e anunciarás aos filhos de Israel: Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a mim; agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes o meu concerto, então sereis a minha propriedade peculiar de entre todos os povos; porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo” (versículos 3 a 6). Note-se que o Senhor disse: “a minha voz” e “o meu concerto”. Que dizia essa “voz” e que implicava esse “concerto”? A voz de Jeová tinha-se feito ou vir para impor as leis e as ordenações de um legislador severo e inflexível? De modo nenhum. Falou para dar liberdade aos cativos – para prover um refúgio da espada do destruidor – para preparar um caminho para que os remidos pudessem passar, para fazer descer pão do céu, para fazer brotar água da rocha. Tais foram as expressões graciosas e inteligíveis da “voz” do Senhor até ao momento em que Israel acampou defronte do monte.
Quanto ao Seu “concerto” era um concerto de pura graça. Não impunha condições, não podia nada, não punha nenhum fardo sobre os ombros nem jugo no pescoço. Quando “o Deus da glória apareceu” a Abrão em Ur dos caldeus (Atos 7:2), de certo que não lhe disse “farás isto” e “não farás aquilo”. Oh! não; uma tal linguagem não seria segundo o coração de Deus. Ele prefere muito mais pôr uma mitra limpa sobre a cabeça do pecador do que pôr um jugo de ferro sobre o seu pescoço (Zacarias 3:5; Deuteronômio 28:48). A Sua palavra a Abraão foi: “DAR-TE-EI”. A terra de Canaã não podia ser adquirida pelas obras do homem, mas devia ser dada pela graça de Deus. Assim era; e, no princípio do livro do Êxodo vemos Deus descendo em graça para cumprir a Sua promessa aos descendentes de Abrão. O estado em que encontrou essa posteridade não importava, tanto mais que o sangue do cordeiro Lhe dava um fundamento perfeitamente justo para realizar a Sua promessa. Evidentemente não havia prometido a terra de Canaã à posteridade de Abrão com base em qualquer coisa que houvesse antevisto neles, porque isto teria destruído a verdadeira natureza de uma promessa. Em tal caso teria sido um pacto e não uma promessa: “ora as promessas foram feitas a Abraão”, não por um pacto (veja-se Gálatas 3:1-29).
Por isso, no princípio desse capítulo 19, faz-se lembrar ao povo a graça com que o Senhor havia tratado com eles até ali, e recebem também a garantia daquilo que ainda hão de ser, contanto que continuem a atender a “voz” celestial de misericórdia e a permanecer no “pacto” de graça. “Sereis a minha propriedade peculiar de entre todos os povos”. Como podiam eles conseguir isto? Podiam consegui-lo aos tropeções pela escada da própria justiça e do legalismo? Seriam uma “propriedade peculiar” quando amaldiçoados pelas maldições de uma lei transgredida-violada antes mesmo de a haverem recebido? Seguramente que não. Logo, como ia ser esta “propriedade peculiar”? Permanecendo naquela posição em que o Senhor os viu quando obrigou o profeta ambicioso a exclamar: “Que boas são as tuas tendas, ó Jacó! Que boas as tuas moradas, ó Israel! Como ribeiros se estendem, como jardins ao pé dos rios; como árvores de sândalo o SENHOR a plantou, como cedros junto às águas. De seus baldes manarão águas, e a sua semente estará em muitas águas; e o seu rei se exalçará mais do que Agague, e o seu reino será levantado. Deus o tirou do Egito; as suas forças são como as do unicórnio; consumirá as gentes, seus inimigos, e quebrará seus ossos, e com as suas setas os atravessará” (Números 24:5-8).
Um Compromisso Presunçoso
Contudo, Israel não estava disposto a ocupar esta posição. Em vez de se regozijarem com “a santa promessa” de Deus, aventuraram-se a tomar o voto mais presunçoso que lábios humanos podiam pronunciar. “Então, todo o povo respondeu a uma voz e disse: Tudo o que o SENHOR tem falado faremos” (versículo 8). Esta linguagem era ousada. Não disseram, “esperamos fazer” ou “procuraremos fazer” o que o Senhor disser; o que teria mostrado certo grau de desconfiança em si mesmos. Mas não: pronunciaram-se da maneira mais absoluta: “Faremos”. Nem tampouco isto era a linguagem de alguns espíritos presunçosos, cheios de confiança em si mesmos que presumiam representar toda a congregação. Não; “Todo o povo respondeu a uma voz”. Abandonaram unânimes a “santa promessa” – o “concerto santo.”
E agora, veja-se o resultado. Logo que Israel pronunciou o seu “voto” singular, assim que decidiu “fazer” tudo o que o Senhor mandasse, deu-se uma mudança no aspecto das coisas. “E disse o SENHOR a Moisés: Eis que eu virei a ti numa nuvem espessa… e marcarás limites ao povo em redor, dizendo: Guardai-vos, que não subais o monte, nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte certamente morrerá”. Vemos nesta passagem uma mudança notável: Aquele que acabava de dizer,”… vos levei sobre asas de águias e vos trouxe a mim”, agora oculta-Se “numa nuvem espessa” e diz: “Marcarás limites ao povo em redor”. Os acentos agradáveis de graça são trocados pelos “trovões e relâmpagos” do monte fumegante. O homem havia ousado falar das suas miseráveis obras na presença da magnificente graça de Deus. Israel dissera: “Faremos”, e portanto é preciso que sejam postos à distância de forma a poder ver claramente o que é que podem fazer. Deus toma o lugar de distância moral; e o povo não pensa de modo nenhum em encurtá-la, porque todos estão cheios de temor e tremendo; e não era de admirar, porque a visão era; “terrível” – tão terrível que “Moisés disse: Estou todo assombrado e tremendo (Hebreus 12:25). Quem poderia suportar a vista desse “fogo consumidor”, que era a justa expressão da santidade divinal “…O SENHOR veio de Sinai, e lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o monte Para, e veio com dez milhares de santos; à sua direita havia para eles o fogo da lei” (Deuteronômio 33:2). O termo “fogo”, aplicado à lei, mostra a sua santidade. “O nosso Deus é um fogo consumidor” (Hebreus 12:29) – que não transige com o mal em pensamento, palavras ou ações.
Desta forma, pois, Israel cometeu um erro fatal em dizer, “faremos”. Isto era fazer um voto que não podiam, ainda mesmo que quisessem, cumprir; e nós conhecemos aquele que disse “melhor é que não votes do que votes e não pagues” (Eclesiastes 5:5). O próprio caráter do voto implica a competência de o cumprir; e onde está a competência do homem? – Para um pecador desamparado fazer um voto, seria o mesmo que um homem falido passar um cheque. Aquele que faz um voto nega a verdade quanto à sua própria condição e natureza. Está arruinado, que poderá fazer? – Encontra-se inteiramente sem forças, e não pode querer nem fazer nada bom. Israel cumpriu o seu voto? – Fizeram tudo que o Senhor lhes havia mandado? O bezerro de outro, as tábuas feitas em pedaços, o sábado profanado, as ordenações menosprezadas e abandonadas, os mensageiros de Deus apedrejados, o Cristo rejeitado e crucificado, e a resistência ao Espírito, são provas esmagadoras de como o homem violou os seus votos. Acontecerá assim sempre que a humanidade caída fizer votos.
Não se regozija o leitor cristão no fato de que a sua salvação eterna não descansa sobre os seus miseráveis votos e resoluções, mas sim sobre a “oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez”? (Hebreus 10:10). Oh, sim, é sobre este fato que está fundado o nosso gozo, que nunca pode falhar. Cristo tomou todos os nossos votos sobre Si Mesmo e cumpriu-os gloriosamente para todo o sempre. A Sua vida de ressurreição corre nos Seus membros e produz neles resultados que os votos e as exigências da lei não podiam produzir. Ele é a nossa vida e a nossa justiça. Que o Seu nome seja precioso para os nossos corações e que a Sua causa domine sempre a nossa vida. Que a nossa comida e a nossa bebida seja gastar e gastarmo-nos no Seu glorioso serviço.
Não posso terminar este comentário sem mencionar uma passagem do Livro de Deuteronômio, que pode oferecer alguma dificuldade para certos espíritos e que se relaciona com o assunto que acabamos de tratar. “Ouvindo, pois, o SENHOR a voz das vossas palavras, quando me faláveis a mim, o SENHOR me disse-. Eu ouvi a voz das palavras deste povo, que te disseram; em tudo falaram eles bem” (Deuteronômio 5:28). Poderia parecer, segundo estas palavras, que o Senhor aprovava que eles tivessem feito um voto; porém, se o leitor se der ao trabalho de ler todo o contexto, desde o versículo 24 ao versículo 27, verá imediatamente que não se trata de um voto, mas da expressão do seu terror por causa das consequências do seu voto. Não podiam suportar aquilo que lhes era ordenado. “Se ainda mais ouvíssemos a voz do SENHOR, nosso Deus, morreríamos. Porque, quem há, de toda a carne, que ouviu a voz do Deus vivente falando do meio do fogo, como nós, e ficou vivo? Chega-te tu, e ouve tudo o que disser o SENHOR nosso Deus; e tu nos dirás tudo o que te disser o SENHOR nosso Deus, e o ouviremos, e o faremos”. Era esta a confissão da sua incapacidade para se encontrarem com o Senhor sob o aspecto terrível a que o seu legalismo orgulhoso os havia levado. É impossível que o Senhor possa aprovar o abandono de graça imutável por um fundamento movediço de “obras da lei”.