O deserto
“No deserto por quarenta anos” (Atos 7:36).
Quando os filhos de Israel voltaram ao deserto para vagar por muitos anos, nada mais é dito sobre Calebe até depois de terem atravessado o rio Jordão e começado a tomar posse da terra prometida, expulsando seus inimigos.
Sempre ponderei o porquê não há menção de Calebe por todos esses anos. Por que as Escrituras são tão silenciosas a respeito da vida desse homem de Deus durante a jornada no deserto? As observações a seguir são algumas meditações em relação a isso.
É muito instrutivo ver que Calebe estava disposto a seguir o Senhor em silêncio, em meio a muitos fracassos e descontentamentos em todas as partes. Em primeiro lugar, havia as dificuldades físicas relacionadas ao terreno desértico e ao clima. Visitei a Península do Sinai mais de uma vez e é certamente um pedaço de terra estéril. Quente e árido durante o dia, frio à noite, areia queimada e rocha até onde os olhos podem ver, sem nada verde, nem uma gota de água por quilômetros. No entanto, nunca ouvimos falar de Calebe resmungando ou reclamando. Nunca lemos dele culpar a Deus ou a seus irmãos. Ele contou com o Senhor! Ele sabia que o que o Senhor estava fazendo com o Seu povo, e com sua própria vida, era certo e justo, e que tudo daria certo para a Sua glória no final. Confiava e, com fé inabalável, aguardava o dia em que seria capaz de atravessar o rio Jordão, pisar em sua herança e desfrutar da terra prometida. Ele nunca tentou se antecipar ao Senhor, o que é um grande teste de fé, especialmente no século XXI, onde estamos acostumados a tudo ser instantâneo. Gostamos de internet de alta velocidade, discagem rápida, micro-ondas e todas as facilidades ao alcance de nossos dedos. Somos uma geração que não gosta de esperar por nada, mas devemos lembrar que correr à frente do Senhor nos coloca em um terreno muito instável e perigoso. Ele nem sempre opera no tempo que gostaríamos e tão rápido quanto achamos que deveria ser. Seu tempo e momento são sempre certos e sempre o melhor para nós! Ele não apenas comanda nossas circunstâncias, mas também o tempo delas.
Temos um princípio do Novo Testamento em Romanos 8:28: “Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito”. Não é necessariamente que todas as coisas são boas – aos nossos olhos e achismos, mas que no esquema final dos eventos, no plano de Deus para a bênção geral de nossas vidas, as circunstâncias trabalham juntas para o nosso bem. Quando minha esposa faz um bolo, ela usa ingredientes amargos e doces. Alguns desses ingredientes são saborosos sozinhos, não precisam ser misturados com outros para serem gostosos, outros não são assim, nem mesmo são bons sozinhos e sem passar pelo forno. No entanto, quando tudo é misturado nas medidas adequadas, mexido e batido de acordo com a receita, e assado no calor do forno durante o período de tempo adequado, todos estes ingredientes trabalham juntos para fazer um produto final muito delicioso. Assim acontece em nossas vidas, Deus mistura o amargo com o doce, e através da fornalha de aflição, tudo coopera para o nosso bem no final. Nem sempre podemos ver o produto acabado deste lado do céu, mas quando o fizermos, perceberemos que, de fato, tudo aconteceu para o nosso bem, e vamos louvá-lo por todos os Seus caminhos conosco e com a perfeição de Seu tempo.
Nesse contexto, gostava de escrever sobre outro homem de Deus que viveu séculos depois. Bernard Gilpen, um homem que foi condenado no reinado da Rainha Mary a morrer por sua fé. Todas as manhãs e noites durante sua prisão, ele repetiu audivelmente esse versículo: “Todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus”. No seu caminho para a execução, ele caiu e quebrou a perna, e foi enviado de volta para a prisão, onde gemeu de dor. O carcereiro provocou-o com seu versículo. “Ah!” ele respondeu ao carcereiro, “mas é verdade mesmo assim”. Com certeza foi, pois enquanto ele estava naquela cela úmida, a rainha Mary morreu, Elizabeth subiu ao trono da Inglaterra e Bernard Gilpen foi libertado.
Calebe deve ter tido a sensação de que nada acontece por acaso, e que o Senhor tinha um plano e cronograma perfeitos para seu servo. O Salmo 37:5 nos dá um bom conselho neste assunto: “Entrega o teu caminho ao SENHOR; confia nele, e Ele tudo fará”. Podemos não seguir pelo caminho e pelo tempo que imaginávamos que deveria ser, mas se estivermos dispostos a entregá-lo em Suas mãos, será para passar do modo que Ele vê como o melhor, e o tempo será perfeito também. Deixar em suas mãos e nos submetermos é a melhor maneira, e isso nos ajudará a não reclamarmos e resmungarmos, e repito, isso nos impedirá de tentar adiante do Senhor e fazermos que achamos que é o melhor, que pode não ser a Sua agenda para as nossas vidas.
É possível que tenha sido doído ao coração de Calebe ter que voltar ao deserto, quando ele sabia que na força do Senhor eles eram capazes de vencer os inimigos que viviam em Canaã e tomar posse de sua herança. Deve ter angustiado ainda mais sua alma ouvir a contínua murmuração e reclamação de seus próprios irmãos ao redor dele, dia após dia e ano após ano, durante toda a duração da jornada no deserto. Provavelmente, o preocupou ver aqueles de sua própria geração caírem no deserto, e a mão governamental de Deus sobre Seu povo uma e outra vez. No entanto, ele seguiu em silêncio ano após ano. Deus honra a obediência e o serviço incansável e despercebido aos olhos dos homens! Ele valoriza uma continuidade incansável em fazer o que é certo! Em silêncio, paciência contínua, obediência fiel, apesar do elogio ou da censura humana, é para Ele de grande valor. Confiança quando não há mais nada a ser feito, é de tal deleite ao coração do Senhor que Ele prometeu uma recompensa especial por isso.
Conta-se a história de um jovem que estava visitando uma idosa cristã em um hospital, e a senhora queixou-se de que não havia nada que pudesse fazer pelo Senhor ou para ganhar Dele alguma recompensa, deitada ali em sua debilitada condição crônica. O jovem voltou-se para Hebreus 10:35 e leu a promessa: “Não rejeiteis, pois, a vossa confiança, que tem grande e avultado galardão”. Ela poderia não ser capaz de fazer outra coisa senão confiar, mas isso bastaria para invocar o favor do Senhor e ter a certeza da Sua recompensa.
A atitude de Calebe talvez fosse continuar seguindo o Senhor, mas não seguir com seus irmãos que agiram com tanta incredulidade e rebeldia. Mas não, apesar de tudo ele se associa com o povo de Deus, e continua no caminho da fidelidade individual apesar do fracasso geral e do espírito e atitude deploráveis que tantas vezes invadiram o acampamento de Israel e levantaram sua face horrenda ao seu redor durante aqueles anos.
Agora, vamos ser muito claros, nunca devemos ser indiferentes ao pecado, nem tolerar o mal. As Escrituras ensinam que o pecado é algo que não serve para a presença do Senhor nem para o Seu povo. No entanto, é triste dizer que, quando surgem dificuldades entre nossos irmãos, às vezes a reação inicial é que não vamos mais nos associar com eles. Não que iremos deixar de seguir ao Senhor, mas simplesmente não com aqueles que parecem não nos apreciar, ou o nosso serviço, ou a verdade que sentimos que estamos buscando defender e ser fiel. Que possamos aprender com Calebe a bem-aventurança de continuar simples e silenciosamente com o povo de Deus, sabendo que existe Um no controle total, e Aquele que dá o Seu sentido de aprovação e elogio. Como Paulo, que disse: “Por isso que também nos esforçamos, quer presentes, quer ausentes, para lhe agradar” (2 Coríntios 5:9). Não importa o quão mal compreendido ele era por aqueles que amava e servia, ele estava disposto a seguir em comunhão com eles, sabendo que há alguém que
“Julga justamente” (1 Pedro 2:23).
Como observamos anteriormente, em um dia de ruína, Timóteo foi instruído a seguir “a justiça, a fé, o amor, a paz com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro” (2 Timóteo 2:22). Seguir com o povo de Deus em um dia de fraqueza e fracasso é frequentemente uma verdadeira prova de fé, como foi, sem dúvida, no caso de Calebe.