Falando em línguas, Um delírio dos dias atuais – W. J. Hocking – Parte 5

Explicação de Pedro sobre línguas

A explicação pública do que acontecera naquele dia foi feita pelo apóstolo Pedro, que dirigiu suas observações especialmente aos homens da Judeia e aos habitantes de Jerusalém assim como para aqueles que foram diretamente responsáveis pela rejeição e crucificação de seu Messias, falando para Sua audiência, sem dúvida, no idioma normalmente utilizado naquela cidade.

Pedro mostrou a eles que o dom de línguas poderia ter sido antecipado das escrituras do Antigo Testamento. Para provar este ponto, ele se referiu à profecia de Joel, que definitivamente predisse o dom do Espírito antes da vinda do dia do Senhor. Deve ser observado, no entanto, que o apóstolo não declarou que toda a profecia de Joel foi cumprida. Claramente, “prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra” ainda não aconteceram (Atos 2:19). Lemos abaixo no versículo 43 que “muitas maravilhas e sinais foram feitos pelos apóstolos”; mas estes não foram aqueles profetizados como “sangue e fogo e vapor de fumaça, o sol sendo transformado em trevas e a lua em sangue” (versículos 19 e 20); embora a promessa do derramamento do Espírito tenha ocorrido em Jerusalém, e a profecia, portanto, foi parcialmente cumprida. O apóstolo demonstra este fato aos seus ouvintes. A conexão entre Pedro citar o profeta Joel e a conclusão de seu discurso pode ser facilmente traçada pela palavra “derramou”, que aparece nos versículos 17, 18 e 33, deve se observar que essa palavra também foi traduzida como derramou ou derramarei. Na Versão Revisada, lemos: “Tendo sido exaltado pela destra de Deus e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, Ele derramou para que vedes e ouvis”.

O efeito do testemunho prestado no dia de Pentecostes, principalmente por Pedro, mas possivelmente também por outros, foi que muitos (cerca de três mil) foram trazidos para a companhia dos crentes. Mas este efeito foi porque a palavra falada e recebida era a semente incorruptível (“Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre. Porque toda carne é como erva, e toda a glória do homem, como a flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor; mas a palavra do Senhor permanece para sempre. E esta é a palavra que entre vós foi evangelizada” – 1 Pedro 1: 23-25), não porque foi proferida pelo pregador em uma nova língua para ele, e que ele não tinha adquirido através dos canais comuns de aprendizado de um idioma. *A palavra viva e enérgica de Deus despertou consciências adormecidas, mas o fato de que os discursos foram proferidos em outras línguas despertou surpresa e maravilha apenas nos ouvintes (“E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando?” – Atos 2: 7), e sem conversão, deixou a grande massa em Jerusalém mais endurecida do que nunca em seu ódio ao Messias que eles crucificaram, a quem Deus exaltou à Sua direita.

{*Não há razão para supor que Pedro tenha falado em uma “língua estranha” o que está registrado em Atos 2:14 a 36. Mas outros no início do dia haviam falado em línguas, como é claramente declarado nos versículos anteriores}.

Desde a confusão de línguas no evento de Babel que Jeová infligiu aos homens na planície de Sinar, logo após o dilúvio (Gênesis 11:1-9), o livre relacionamento entre as nações foi dificultado depois desse ponto. E a existência de tantos idiomas diferentes na terra no tempo dos apóstolos era possivelmente um grande obstáculo para a execução fácil e rápida da sua comissão de ir a todo o mundo e pregar o evangelho. Mas, no início, esses servos do Senhor mostraram que essa dificuldade não era nada quando abastecidos pela energia do Espírito de Deus. Ele dotava os discípulos com o poder de se dirigir aos homens em seu idioma nativo para declarar às “grandezas de Deus”. Assim, no dia de Pentecostes, houve em Jerusalém uma demonstração aberta da operação do plano do evangelho segundo o qual as boas novas da salvação deveriam ser levadas rapidamente aos confins da terra. Foi mostrado que Aquele que fez a boca do homem poderia subjugar a língua, aquele membro indisciplinado que nenhum homem pode domar, e como seu Senhor a utiliza para falar as palavras da vida aos homens em seus diversos idiomas e dialetos.

Além disso, o fato do orvalho do Espírito ter caído sobre o velo e não sobre a terra era um sinal de alerta para a nação dos judeus. Verdadeiramente aqueles que foram cheios do Espírito Santo eram judeus, mas eram aqueles judeus que exclusivamente haviam crido no Senhor Jesus Cristo. A massa das pessoas terrenas que não creram era exceção. Eles ouviram como se fosse o som do vento soprando, mas não sabiam de onde vinha nem para onde ia. O Espírito Santo era o selo de Deus colocado sobre aqueles que eram de Cristo. Ele passou pelas famílias sacerdotais, os anciãos, os escribas, e encontrou os poucos crentes orando juntos no cenáculo. O poder sobrenatural de falar foi a evidência instantânea e inegável prestada em Jerusalém de que o Senhor veio pelos seus discípulos.

Não devemos perder de vista nesta investigação que o dom de línguas, juntamente com outros sinais miraculosos, foi dado no início, a fim de estabelecer a autenticidade dos mensageiros e a mensagem da graça como vindo de Deus, como eles professavam fazer. As “obras” dos servos de Cristo mostraram que Deus, o Espírito Santo, estava com eles. O próprio Senhor disse: “as mesmas obras que eu faço testificam de mim, de que o Pai me enviou” e novamente: “Crede ao menos por causa das mesmas obras” (João 5:36; João 14:11).

Os diversos sinais realizados pelos apóstolos estabeleceram a presença de algo novo na terra, quer os homens acreditassem ou não. Eles não podiam negar a existência dos diversos idiomas, embora se recusassem a aceitar o que ouviam em seus idiomas. E estes sinais sobrenaturais foram encontrados com os seguidores de Jesus crucificado, e não com os representantes da nação judaica. Homens foram levantados para mostrar que Israel não era mais o servo do Senhor, mas que Seu testemunho estava agora com os que confessavam Jesus Cristo, o Filho de Deus. A lei foi dada no Sinai em um idioma, pois estava restrita a um povo, mas o evangelho do Senhor e Cristo glorificado estava desde o dia de sua “inauguração”, estabelecido em muitos idiomas, pois, em contraste com a lei, deveria ser declarado a toda nação debaixo do céu, sem restrição ou qualificação para a aceitação de todo homem.

É impossível, entretanto, descobrir neste segundo capítulo dos Atos qualquer sugestão de que haveria uma continuação desses sinais miraculosos na assembleia até o presente momento. Nenhum crente questionaria que tal coisa é impossível, pois “a Deus tudo é possível”. Esta é uma verdade fundamental e imutável. Mas devemos inquirir, não o que Deus pode fazer, mas se a revelação de Seus caminhos nos garante crer que Ele fará algo especificamente determinado. Neste caso, não encontramos tal evidência, mas descobrimos que os idiomas junto com outros sinais marcaram o início de uma nova era que estava em nítido contraste com o que veio antes. Pentecostes iniciou o período durante o qual Cristo está no alto e o Espírito na terra, no qual a graça substitui a lei e a fé substitui às obras, e a misericórdia e salvação são levadas e estendidas até os confins da terra. Assim que o conjuntos dos discípulos de Cristo assumiram seu caráter cosmopolita, e o evangelho havia assegurado crentes e, consequentemente, novas testemunhas, por todo o mundo (“Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele” – Colossenses 2: 6), a necessidade de sinais sobrenaturais desapareceu, e a exibição das maravilhas do Novo Testamento parecem ter cessado.