UM SÓ CORPO NA PRÁTICA

 

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Prefácio

A maior parte deste volume foi escrita na mesma época em que escrevi “A Ordem de Deus”, um livro sobre a assembleia que publiquei em 1993. Nos últimos anos acrescentei vários parágrafos a esta obra até atingir o tamanho atual. Sabendo que alguns dos tópicos abordados neste livro indubitavelmente afeta algumas pessoas, esperei diante do Senhor. Nesse interim, coloquei o manuscrito nas mãos de vários irmãos respeitados e instruídos na Palavra para suas contribuições e sugestões – pelas quais sou devidamente grato.

Depois de muito esperar no Senhor em oração e tendo recebido o encorajamento de muitos irmãos de longe e de perto, creio que seja da vontade do Senhor publicar este volume como uma sequência ao livro “A Ordem de Deus”. Meu desejo é que a verdade aqui compilada venha a ser para a exaltação do Senhor Jesus Cristo e para a bênção dos membros de Seu corpo.

Desejamos expressar a profunda dívida que temos para com aqueles irmãos que gentilmente nos ajudaram na revisão e formatação do texto.

Que o efeito das verdades concernentes ao corpo de Cristo e sua manifestação prática possam nos levar para mais perto do Senhor Jesus Cristo, gerando em nós o exercício de caminharmos na senda que Deus preparou para a Igreja em Sua Palavra.

Capítulo 1 – O Corpo de Cristo e Sua Manifestação Prática

A verdade do “um só corpo” de Cristo e sua manifestação prática (Ef 4:4) talvez seja uma das menos entendidas da Bíblia. Mesmo assim, ela é claramente encontrada em quatro epístolas do apóstolo Paulo – Romanos, 1 Coríntios, Efésios e Colossenses. Cremos que esta falta de entendimento resulta do trabalho do inimigo de nossa alma, o diabo, que tem procurado empregar toda a sua energia para afastar da Igreja esta bendita verdade. A prática da verdade do “um só corpo” é atualmente um dos mais difamados e atacados dos temas da verdade bíblica. Portanto, é com muita dependência do Senhor que sigo adiante tratando deste assunto.

A Formação do “Um Só Corpo”

“corpo de Cristo” se refere aos muitos Cristãos espalhados por todo o mundo (independentemente da comunhão denominacional à qual possam estar associados), os quais estão ligados em um só corpo e unidos a Ele, a Cabeça do corpo no céu. Trata-se de uma união mística (pois não pode ser vista) formada pela habitação do Espírito de Deus.

Como e quando “o corpo de Cristo” passou a existir? Examinando as Escrituras encontramos que este não existia nos tempos do Velho Testamento. Na verdade, ele nem mesmo aparece na revelação do Velho Testamento. O Senhor Jesus Cristo precisava primeiro morrer, ressuscitar e ascender ao céu como um Homem glorificado antes que a Igreja pudesse ser formada.

Duas coisas eram absolutamente necessárias antes que o “corpo de Cristo” pudesse ser trazido à existência: Cristo precisava ser glorificado e o Espírito Santo precisava ser enviado do céu. Uma das grandes obras do Espírito Santo ao vir ao mundo foi formar a Igreja, o corpo de Cristo na Terra. Essa obra é chamada de batismo do Espírito. Foi uma ação do Espírito que ocorreu uma só vez (1 Co 12:12-13). Na Escritura, ser batizado com o Espírito não é uma experiência individual. É uma ação corporativa que ocorreu no dia do Pentecostes em Atos 2 e se estendeu até incluir os gentios em Atos 101. Depois disso, o batismo do Espírito estava concluído para sempre.

Isto pode ser visto nas sete referências ao batismo do Espírito nas Escrituras. Cinco delas apontavam para uma ação do Espírito ainda futura em relação à época em que foram anunciadas, porém sem especificar quando (Mt 3:11; Mc 1:8; Lc 3:16; Jo 1:33; At 1:5). Então, a quinta e a sexta referências remontam no tempo a alguma ação do Espírito que só poderia ser o que aconteceu no Pentecostes, quando o Espírito de Deus veio para formar e habitar na Igreja. (A sexta, em Atos 11:16, conecta o batismo do Espírito com o Pentecostes. A sétima, em 1 Coríntios 12:13, também se refere ao passado, ao dizer: “fomos batizados todos nós em um só corpo” (TB).

Ao contrário do que atualmente pensam muitos Cristãos, os crentes não são acrescentados ao corpo pelo batismo do Espírito, já que a obra do Espírito em batizar está completa e aconteceu de uma vez para sempre no início da história da Igreja. Repare com atenção que 1 Coríntios 12:13 não diz, como alguns imaginam, “fomos batizados todos nós no (em+o) um só corpo” (TB) (acrescentando o artigo “o”, que não faz parte do texto). Se assim fosse, então poderia indicar que as pessoas hoje são acrescentadas individualmente ao corpo pelo batismo do Espírito. O acréscimo do artigo “o” muda consideravelmente o sentido e pressupõe que o corpo já existisse antes mesmo de ocorrer o batismo. Todavia, o versículo diz  batizados todos nós em um só corpo” (TB), significando que foi o batismo que formou o corpo. O Espírito de Deus tomou todos os crentes individuais no cenáculo e, pela presença de Sua habitação, os uniu a Cristo, a Cabeça que subiu ao céu (At 2:1-4).

J. N. Darby observa que, em 1 Coríntios 12:13, a ação do Espírito ao batizar está no tempo verbal grego aoristo2, que significa que foi uma ação feita de uma vez por todas. Portanto, isto mostra que o Espírito não continua executando essa ação, pois a obra de formação do corpo já foi feita. Podemos dizer com toda a certeza que o Espírito não está batizando hoje; se estivesse, isto significaria que Ele estaria formando mais e mais corpos (pois é esta a função do batismo do Espírito). Evidentemente não é o que acontece, pois a Escritura nos diz enfaticamente que “há um só corpo” (Ef 4:4). Alguns podem indagar que, se assim fosse, então por que Paulo teria falado de si e dos coríntios como tendo sido batizados pelo Espírito? Eles nem mesmo estavam salvos quando o Espírito desceu e formou a Igreja no Pentecostes! A resposta é que Paulo estava falando de forma representativa. Ele disse: “nós” – o conjunto de Cristãos como um todo – “fomos todos nós batizados em um só corpo” (AIBB), referindo-se à ação passada realizada pelo Espírito no Pentecostes. Se ele estivesse falando especificamente de si e dos coríntios ao dizer “nós”, então isto significaria que apenas eles (Paulo e os coríntios) teriam sido batizados em um só corpo, o que certamente não poderia ser verdade, pois o que dizer então dos santos em Éfeso e em Filipos? Não estão eles no corpo também? O único significado lógico para a declaração de Paulo é que ele estava falando representativamente de todos os membros do corpo.

Isto é semelhante à fundação de uma empresa. Ela é fundada uma vez – e isso pode ter acontecido há cem anos. Agora que a empresa já foi formada (incorporada – tornada um corpo), cada vez que contrata um novo funcionário, ela não precisa ser fundada novamente. Tampouco existe algo como a cada novo funcionário a empresa sendo fundada. O novo funcionário é simplesmente acrescentado à uma empresa já fundada. Do mesmo modo, quando hoje alguém é salvo ele é, pela habitação do Espírito em si, acrescentado a um corpo já batizado. Não há um novo batismo para a companhia Cristã como um todo, ou para o novo crente em particular.

Para levarmos a ilustração um pouco mais adiante, suponha que ao participarmos de uma das reuniões de diretoria dessa empresa escutamos um dos diretores dizer: “Nossa fundação foi há 100 anos”. Não teríamos dificuldade alguma em entender o que ele quis dizer. Alguém que não entendesse bem a linguagem poderia até exclamar: “O que ele quer dizer com isso? Ninguém nesta reunião tem mais de 60 anos de idade, como poderia falar de ‘nós… há cem anos?’” Bem, é porque o diretor estava falando representativamente da empresa. Do mesmo modo, em 1 Coríntios 12:13 Paulo falava daquilo que é verdadeiro acerca do corpo de Cristo, do qual ele e os coríntios faziam parte. Assim também na companhia Cristã, Paulo, os coríntios e todos nós fomos incluídos no batismo que aconteceu no Pentecostes – quando fomos salvos e trazidos ao um só corpo por crer no evangelho.

União Com Cristo e a Unidade no Corpo

Como consequência da formação do corpo de Cristo pelo batismo do Espírito existe uma união e também uma unidade. Há uma diferença entre os dois termos.

União é aquilo que existe como consequência do Espírito de Deus ter descido do céu conectando os membros do corpo na Terra a Cristo, a Cabeça, no céu (1 Co 12:12-13). As Escrituras não falam de união com Cristo em Sua deidade antes de Sua encarnação. Tampouco falam de união com Ele em Sua Humanidade antes de ter ido para a cruz. E as Escrituras nunca falam de união com Cristo em Sua morte. Não poderia haver união até que Cristo ressuscitasse de entre os mortos e subisse às alturas e enviasse o Espírito de Deus a este mundo para formar a Igreja. Não poderia ter existido o corpo sem antes a Cabeça estar no céu. Isso exigia que Cristo morresse, ressuscitasse e subisse às alturas. Após ressuscitar de entre os mortos o Senhor assoprou sobre os discípulos dizendo, “Recebei Espírito Santo”3 (Jo 20:22 – JND). Ao fazer isso o Senhor ligou os Seus Consigo em ressurreição, comunicando-lhes vida ressurreta – vida eterna. Mas foi só depois de Ele ter subido às alturas e enviado o Espírito que eles foram introduzidos naquela união com Ele. Tampouco devemos pensar que essa união com Cristo existe meramente em nossa fé; ela existe pela real presença do Espírito Santo habitando em nós4. O Espírito desceu para unir aquele grupo de crentes ao Homem Cristo Jesus em glória.

Unidade, por outro lado, é o que existe entre os membros pela presença do Espírito habitando neles. Não somos exatamente chamados a fazer “a unidade do Espírito”, mas a “guardar a unidade do Espírito” (Ef 4:3). À medida que os santos buscam “guardar a unidade do Espírito” num sentido prático, uma maravilhosa harmonia existirá entre os membros que resultará em um poderoso testemunho para o mundo (Jo 13:35, 17:21). Vemos esta unidade prática expressada na Igreja primitiva (At 2:44, 4:32).

O Desejo do Senhor por uma Unidade Visível no Corpo

Sabemos pela Palavra de Deus que o desejo do Senhor era que “Ele reunisse em um os filhos de Deus que estavam dispersos” (JND), para que existisse “um rebanho e um Pastor” (Jo 11:51-52, 10:16). Antes de ir à cruz Ele orou para isso, dizendo: “Pai santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um, assim como Nós”. E também: “Para que todos sejam um, como Tu, ó Pai, o és em Mim, e Eu em Ti; que também eles sejam um em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste” (Jo 17:11, 21). Embora estes versículos no evangelho de João não falem diretamente da verdade da unidade do corpo de Cristo, mas sim da unidade na família de Deus, eles mostram claramente que o desejo do Senhor para o Seu povo é que todos fossem encontrados juntos em uma unidade visível sobre a Terra.

Inicialmente o Senhor revelou em Mateus 18:20 os Seus pensamentos de uma unidade prática e manifesta no Seu povo, quando disse: “Pois onde dois ou três são5 colocados juntos para o Meu nome, aí estou Eu no meio deles” (JND). Observe que Ele não queria que Seu povo fosse apenas “reunido” para onde Ele estava no meio, mas “colocados juntos”. Quando o Senhor disse “juntos”, ele estava aludindo a algo que era muito precioso para Seu coração – que a comunhão prática entre os santos seria uma. Ele desejava que todos, de qualquer parte da Terra, a quem o Espírito de Deus reunisse em Seu Nome, fossem “colocados juntos”. Ele não poderia ter pensado que todos deveriam estar reunidos em um único local geograficamente (como foi no judaísmo – em Jerusalém), mas que eles agiriam juntos nas várias localidades onde o Espírito os reuniu, de modo a dar uma expressão universal ao fato de que são um. Embora Ele não dissesse mais nada sobre isso naquela época, Seu desejo pela assembleia desde o início era que houvesse uma comunhão universal dos santos.

Mas alguém poderá pensar que estamos enxergando nas palavras “colocados juntos” mais do que elas realmente querem dizer, e isto é verdade, pois se tivéssemos apenas o versículo de Mateus 18:20 sobre o assunto de reunir não teríamos base para tais afirmações. Mas quando interpretamos esta passagem à luz do completo teor da revelação Cristã contido no livro de Atos e nas epístolas, podemos ver que o Senhor estava indicando a verdade da unidade da Igreja. Em Mateus 18 ela é apenas sugerida, pois os discípulos ainda não tinham o Espírito e seriam incapazes de entendê-la (Jo 14:25-26, 16:12). O Senhor fez o mesmo em diversas ocasiões de Seu ministério, dando apenas a semente da verdade e deixando que ela fosse desenvolvida por intermédio dos apóstolos depois da vinda do Espírito.

Além disso, aprendemos de João 10:16 que Ele não queria que o Seu povo fosse encontrado em rebanhos distintos e independentes, mas que existisse “um rebanho”, não importando em que lugar da Terra os santos estivessem espalhados. Haveria muitas assembleias, mas um único rebanho. Mais uma vez isto aponta para o fato de que deveria existir só uma comunhão universal de santos sobre a Terra. Não era a intenção de Deus que a comunhão fosse apenas local, confinada a um único grupo de crentes em uma cidade ou aldeia. À medida que o evangelho alcançasse muitas regiões e muitos fossem convertidos, haveria naturalmente muitas assembleias espalhadas pelo mundo, mas o Senhor queria que elas ainda assim continuassem a ser uma única comunhão e um único testemunho.

Andar de Modo Digno de Nossa Vocação é Expressar na Prática Que Somos “Um Só Corpo”

Quando abrimos as epístolas encontramos já desenvolvido aquilo que o Senhor apenas mencionou nos Evangelhos. As epístolas aos Efésios e Colossenses, em especial, desvendam a verdade do “grande Mistério” de Cristo e a Igreja, que é o Seu corpo (Ef 5:32). A primeira grande responsabilidade coletiva da Igreja é “andar como é digno da vocação” com que ela foi chamada (Ef 4:1). E, podemos perguntar, como os membros do corpo podem “andar como é digno”? Alguns talvez digam que eles devem fazer isso vivendo corretamente como bons cidadãos na comunidade, mas não é este o assunto desta passagem das Escrituras. Evidentemente os Cristãos deveriam se preocupar em andar corretamente diante do mundo, mas o contexto da passagem indica que a exortação para “andar como é digno” de nossa vocação tem em vista a revelação do Mistério de Cristo e Sua Igreja – o corpo.

Enquanto ordena os santos a “andar como é digno” da vocação deles, o apóstolo acrescenta: “Com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando [usando diligência em – JND] guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo” (Ef 4:2-4). Portanto fica claro que a Igreja deve andar de modo digno de sua vocação colocando em prática a verdade de que ela é “um só corpo”. Assim aprendemos que o Senhor não quer que a verdade do “um só corpo” seja uma mera teoria na mente de Seu povo. Os santos devem exercitar a humildade, mansidão, etc., a fim de guardar “a unidade do Espírito”, para por meio dela expressarem a verdade de que “há um só corpo”.

Podemos perguntar: “O que é exatamente a “unidade do Espírito”? (Ef 4:3) É “aquela unidade para a qual o Espírito de Deus nos dirige em conformidade com a verdade.”6 Não somos chamados a guardar a unidade do corpo, mas sim a unidade do Espírito. Isto porque a unidade do corpo é algo vital que o Espírito de Deus formou no Pentecostes, unindo os membros do corpo juntos à Cabeça no céu. Nenhum poder ou inimigo pode romper a unidade do corpo, pois o próprio Deus a mantém. Porém, a unidade do Espírito é uma unidade prática entre os crentes, que somos responsáveis por guardá-la, o que é também um privilégio fazer. F. G. Patterson disse que “guardar ‘a unidade do Espírito’ é procurar guardar na prática aquilo que já existe de fato”. E o que é que existe de fato? A passagem segue dizendo – “há um só corpo”. Alguém comentou que “a unidade do Espírito” é “aquela que o Espírito está formando para dar uma real expressão à verdade do um só corpo.”7 Concluímos que os Cristãos devem andar de modo digno da vocação deles colocando em prática a verdade de que são “um só corpo”. Esta é a primeira grande responsabilidade coletiva da Igreja. E é a vontade de Deus que essa unidade seja expressa universalmente – onde quer que o corpo esteja na Terra. Tal unidade não poderia ser algo meramente local, pois o corpo não é local.

Os membros do corpo de Cristo devem expressar sua unidade na prática (Rm 12:4-6; 1 Co 12:12-27; Ef 4:1-16). Para auxiliar os santos a caminhar juntos e alcançar aquilo que Deus deseja para eles praticamente, Cristo, a Cabeça exaltada do corpo, proveu tudo o que era necessário para a Igreja atingir esse objetivo. Ele deu “dons” à Igreja a fim de ajudar os santos a entenderem seus privilégios e responsabilidades no corpo, para que pudessem andar de modo digno de sua vocação (Ef 4:7-16). Se o ministério dos dons for recebido (assumindo que os dons sejam usados com discernimento e dependência de Deus) o corpo será edificado e levado à “unidade da fé” e ao “conhecimento do Filho de Deus”“Pelo auxílio de todas as juntas” (os diversos membros) o corpo será edificado em amor. A consequência prática será a unidade visível observada entre os muitos membros do corpo.

“Um Só Corpo” na Prática

Tendo demonstrado que o Senhor deseja que exista uma expressão visível de unidade no “um só corpo” entre o Seu povo, apresentamos agora algumas maneiras de como o corpo de Cristo deve se expressar como tal, segundo as Escrituras. Isto pode ser visto no que se segue:

O Partir do Pão

O modo mais simples de nós crentes expressarmos que fazemos parte do “um só corpo” é participando do um só pão no partir do pão. Ao participarmos daquele pão na ceia do Senhor estamos confessando o fato de sermos membros desse “um só corpo” (Ef 4:4). Embora exista um pão sendo comido em cada assembleia onde quer que os santos forem encontrados na Terra, a Escritura considera todas as assembleias como participantes de um só pão! Paulo disse: “Nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos [nós] participamos do mesmo pão.” (1 Co 10:17). Também, “o pão que [nós] partimos. Estas declarações demonstram que Paulo se incluía com os coríntios e outros Cristãos na Terra como participantes daquele um só pão, embora na época eles estivessem espalhados por muitas cidades. Isto mostra que ele não estava se referindo a algum grupo isolado de Cristãos que procurava expressar sua unidade local como uma assembleia pelo ato de partir o pão: tratava-se de uma confissão do fato universal de que todos os santos são parte desse “um só corpo”.

As referências ao partir do pão em 1 Coríntios 10:16-17 e 1 Coríntios 11:24-26 trazem algumas diferenças. No capítulo 10 trata-se do ato coletivo do partir do pão. Ali diz: “o pão que [nós] partimos”. O capítulo 11, por sua vez, mostra o ato individual do partir do pão. Ali diz: “Fazei [vós] isto. Além disso, o pão no capítulo 10 simboliza o corpo místico de Cristo, enquanto no capítulo 11 ele simboliza o corpo físico com o qual o Senhor morreu. (Note aqui que o Seu corpo não foi “partido” por nós, como traz a versão Almeida Revista e Corrigida, mas simplesmente dado por nós, como aparece na Almeida Revista e Atualizada, pois as Escrituras dizem que “nenhum dos Seus ossos será quebrado” – Jo 19:33-36). Além disso, o capítulo 10 tem a ver com as associações daqueles que estão à mesa do Senhor, enquanto o capítulo 11 trata da condição pessoal daqueles que partem o pão.

A Ordem na Assembleia

Quando observamos mais de perto a epístola aos Coríntios, vemos esta verdade apresentada nas circunstâncias práticas da vida da assembleia. Vemos que Paulo procurava manter a uniformidade de doutrina e prática nas assembleias em todo o mundo (1 Co 1:2, 4:17, 7:17, 11:16, 14:33-34, 16:1). Sua grande preocupação era que todas as assembleias andassem juntas, e assim tivessem um único e singular testemunho perante o mundo. Quando olhamos para a Igreja primitiva vemos essa unidade na prática.

Havia uma só comunhão estabelecida por Deus, à qual todos os crentes eram chamados – “à comunhão de Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Co 1:9), independentemente de onde estivessem na Terra. A Igreja primitiva perseverava nessa comunhão (At 2:42). Eles não buscavam outra comunhão (At 4:23).

Havia também apenas um conjunto de membros para todos os santos universalmente (globalmente) – os membros do corpo de Cristo. Paulo podia dizer: “Pois, assim como o corpo [humano] é um e tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, sendo muitos, são um corpo, assim também é o Cristo8 (JND) – o corpo místico de Cristo (1 Co 12:12). A Escritura desconhece qualquer outro conjunto de membros que não seja o de membros do corpo de Cristo. Não existe na Escritura algo como ser membro de uma assembleia local, ainda que às vezes escutemos pessoas dizendo coisas como “Todos os membros desta assembleia [local]…”.

Havia um padrão de doutrina e prática para todas as assembleias. Paulo dizia:  como por toda a parte ensino em cada igreja” (1 Co 4:17).

Havia um padrão de conduta comum a todos, independentemente da cultura. Paulo dizia: “É o que ordeno em todas as igrejas” (1 Co 7:17).

Havia uma maneira comum de reconhecer a posição de liderança ao orar ou profetizar, expressada no uso de coberturas para cabeça. Neste sentido Paulo podia dizer, “Não temos tal costume, nem as igrejas de Deus”. Eles não tinham tal ideia ou costume de que pessoas fariam de outra forma (1 Co 11:16).

Havia uma ordem para o ministério nas assembleias. O Espírito de Deus estava no meio usando os dons que existiam em cada assembleia local para a edificação de todos. Paulo, após apresentar esta ordem, disse: “Como em todas as igrejas dos santos” (1 Co 14:33).

Havia um uso comum dos fundos acumulados em suas coletas voltado para o interesse de Cristo e do Seu corpo. Paulo repetia: “fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas” (1 Co 16:1). Andando juntos em uma só comunhão, eles reconheciam as necessidades uns dos outros e buscavam supri-las de uma forma universal (1 Co 16:3; Rm 15:25-26).

O Testemunho da Assembleia

Os coríntios eram a representação local de Cristo naquela comunidade. Na segunda epístola de Paulo aos Coríntios ele disse: “Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo” (2 Co 3:3). Note que ele não os chama de “as cartas” de Cristo (como tantas vezes é citado incorretamente), mas “a carta (singular) de Cristo”. Apesar de seu testemunho coletivo ser formado de muitos indivíduos, e de existirem muitas reuniões naquela grande cidade, o grande objetivo daquilo tudo era demonstrar uma singular unidade unificada perante o mundo.

A Formação de Novas Assembleias

No caso de novos convertidos e da formação de novas assembleias sobre este único terreno de comunhão, vemos que quando o Espírito de Deus começava uma obra em algumas pessoas, Ele tinha o cuidado de ligar essas pessoas juntamente à outras no mesmo terreno, de modo que a “unidade do Espírito” pudesse ser mantida. Dos santos em Tessalônica é dito: “Porque vós, irmãos, haveis sido feitos imitadores das igrejas de Deus que na Judeia estão em Jesus Cristo” (1 Ts 2:14). Isto não significa que as assembleias na Judeia fossem mais importantes e que as outras deviam segui-las. Trata-se simplesmente do fato de que o Espírito havia iniciado na Judeia a Sua obra de reunir almas ao Nome do Senhor Jesus, e à medida que outros eram salvos, eram ligados em uma comunhão prática àquilo que o Espírito de Deus já tinha começado.

No livro de Atos vemos as diversas assembleias locais caminhando juntas na prática, de modo a expressarem a verdade de que eram um só corpo. Isto pode ser visto em Atos 8:4-24. Muitos em Samaria vieram a crer no Senhor Jesus por intermédio da pregação de Filipe, todavia o Espírito de Deus não os considerou como estando no terreno da assembleia até que tivessem recebido o Espírito e entrado numa comunhão prática com aqueles que o Espírito já tinha congregado ao Nome do Senhor Jesus em Jerusalém. Procurando guardar “a unidade do Espírito”, dois representantes desceram de Jerusalém e impuseram suas mãos sobre aqueles em Samaria (uma expressão de comunhão prática – Gl 2:9), por meio do que o Espírito de Deus Se identificou com eles. C. H. Brown disse; “Deus não permite que os samaritanos tenham um reconhecimento oficial como pertencentes à Igreja (assembleia) até que o recebessem destes emissários que desceram de Jerusalém”9. Grande cuidado era tomado pelo Espírito de Deus em ligar esses crentes juntamente com aqueles em Jerusalém, de modo que na Terra existisse uma  expressão prática do “um só corpo”, muito embora naquele momento esta verdade ainda não tivesse sido revelada.

Quando o apóstolo Paulo se encontrou com um grupo de crentes em Éfeso que desconheciam outros com os quais Deus já havia trabalhado, ele percebeu que o Espírito de Deus ainda não os considerava como estando no terreno divino da assembleia (At 19:1-6). Eles não foram reconhecidos como estando no terreno do “um só corpo” até que tivessem o Espírito e tivessem uma comunhão prática (pela imposição de mãos) com aqueles que o Espírito já havia reunido. Em referência a este grupo de crentes C. H. Brown também disse: “Eles precisavam de algo. Eles tinham que ser trazidos para a mesma unidade que já existia. Eles não podiam ser reconhecidos como ocupando um terreno diferente do resto deles. Paulo não poderia dizer: ‘Vocês não estão no mesmo terreno que Antioquia ou Jerusalém, mas vocês têm muita verdade, e eu seguirei com vocês’. Ah, não, Paulo quer certificar-se de que eles sejam trazidos para o mesmo terreno que os outros ocupavam. Eles foram introduzidos na mesma coisa que tinha sido formada antes mesmo que tivessem ouvido falar dela.”10 Mais uma vez vemos o cuidado e a sabedoria de Deus mantendo “a unidade do Espírito” para que viesse a existir uma só expressão prática da verdade do “um só corpo”.11

Isto é ilustrado em figura em Esdras 7-10. Deus havia começado uma nova obra ao trazer Seu povo de volta da Babilônia para o centro divinamente designado naquela época que era Jerusalém (1 Rs 11:32, 14:21). Cerca de 42.000 pessoas retornaram sob o comando de Zorobabel e Jesua (Ed 1-3). Aproximadamente 68 anos mais tarde outros foram igualmente despertados para que retornassem a Jerusalém (Ed 7-8). Quando retornaram, descobriram que Deus tinha estado trabalhando de maneira semelhante com outros muito tempo antes de eles terem sido exercitados a respeito dessas coisas. Eles não encontraram ali um grupo perfeito de judeus (Ed 9), mas sabiam que aquele era o único lugar correto para o povo escolhido por Deus adorar. Portanto eles se identificaram com o testemunho já existente em Jerusalém. Não havia qualquer pensamento de se estabelecer outro centro de reunião separado daquele que já existia ali, pois não era da vontade de Deus que existissem dois grupos independentes de judeus em Jerusalém.

É digno de nota que os crentes em Samaria (At 8), Antioquia (At 11) e Éfeso (At 19) não foram chamados de “assembleia” (ou “igreja”) até depois de estarem todos ligados “juntamente” em uma comunhão prática com os apóstolos e com os irmãos já congregados sobre o terreno da assembleia. Antes disso eles eram mencionados meramente como crentes ou discípulos que estavam em uma determinada localidade. Depois de terem sido introduzidos na comunhão com os apóstolos e com os irmãos sobre o terreno da assembleia é que os encontramos sendo chamados de “a assembleia” ou “igreja” em determinado lugar (At 9:31, 11:26, 20:17).

Além disso, onde quer que as Escrituras falem da igreja em um determinado lugar (cidade ou vila), elas nunca falam de igrejas (no plural) em determinado lugar, mas simplesmente de “a igreja (singular) de Deus que está em Corinto”, por exemplo. Mesmo que existissem várias reuniões em uma determinada cidade, como em Corinto, elas eram sempre mencionadas como sendo uma assembleia (1 Co 1:2 etc.). Isto porque a igreja em qualquer localidade deve ser visivelmente uma em testemunho. A Escritura, porém, fala de “igrejas” quando se refere a províncias, pois uma província é formada por muitas cidades ou localidades (Gl 1:2, 22; Ap 1:11).

Questões de Comunhão Entre Assembleias

Vemos também o “um só corpo” na prática nas questões administrativas relacionadas à comunhão entre assembleias. A Igreja na Escritura utilizava “cartas de recomendação” (At 18:24-28; Rm 16:1; 2 Co 3:1-3). Estas cartas eram escritas de uma assembleia local para outra, encomendando uma ou mais pessoas à comunhão prática da assembleia à qual se dirigissem. Tal carta não era para pedir aos irmãos da assembleia destinatária para que recebem a pessoa à comunhão. Os irmãos daquela assembleia não precisariam examinar a vida dessa pessoa para ver se professava a sã doutrina e era piedosa em seu andar; isto já tinha sido feito quando ela foi recebida à comunhão dos santos sobre o terreno do “um só corpo”. A carta informava que aquela pessoa já estava em comunhão e que a assembleia à qual se dirigia deveria recebê-la como tal.

A razão é que uma vez que uma pessoa esteja em comunhão em uma localidade, ela está em comunhão com os santos reunidos universalmente sobre esse mesmo terreno do “um só corpo”. Como já foi mencionado, era feito assim por existir apenas uma comunhão – “a comunhão de Seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor” (1 Co 1:9). Uma vez que todas as questões administrativas concernentes à assembleia deviam ser resolvidas com base na “boca de duas ou três testemunhas” (2 Co 13:1), dois ou três irmãos da assembleia local de onde a pessoa vinha assinavam a referida carta.

Questões de Disciplina na Assembleia

“um só corpo” na prática é também visto em questões entre assembleias no que diz respeito à disciplina e excomunhão. Apesar de estarem separadas por muitos quilômetros, as assembleias são vistas como todas estando sobre o único terreno e numa única comunhão. Portanto elas reconhecem as decisões administrativas umas das outras no que envolve o “ligar” e “desligar”. Essas decisões são tomadas nas diferentes assembleias locais, como ações feitas em Nome do Senhor, mas são reconhecidas por todas as outras assembleias reunidas sobre o fundamento do “um só corpo”. A competência de cada assembleia local de agir em nome de todo o corpo vem do fato de o Senhor estar em seu meio sancionando suas ações (Mt 18:18-20).

Além disso, em 1 Coríntios 12:27 Paulo indica que a assembleia em Corinto era a representante local do corpo como um todo. A mesma coisa valeria para todas as assembleias locais, independentemente de estarem em Corinto, Éfeso etc. Isto indica que suas ações administrativas estariam afetando os santos como um todo. Infelizmente a versão Almeida Revista e Corrigida diz: “vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.” Isso é enganoso e poderia levar alguém a pensar que o corpo de Cristo estava apenas em Corinto, como se eles fossem os únicos no corpo ou como se cada assembleia local fosse o corpo de Cristo. Evidentemente o corpo de Cristo engloba todos os Cristãos na face da Terra. A versão Almeida Revista e Atualizada (e também a de J. N. Darby) traz: “vós sois corpo de Cristo, e, individualmente, desse corpo”. Isso transmite com mais precisão o pensamento. Note que Paulo não diz “nós”, mas “vós”. Ele estava falando sobre a assembleia local em Corinto, e obviamente eles não eram todo o corpo, mas eram do corpo de Cristo – isto é, faziam parte do todo.

Hamilton Smith ilustra este ponto sugerindo que imaginemos um general dirigindo-se a uma companhia local de soldados com estas palavras: “Lembrem-se de que vocês são Guardas Coldstream” (tropa de elite da Rainha da Inglaterra). Ele não diria “Vocês são a Guarda Coldstream”, pois eles não são todo o regimento. A ausência do artigo “o” na tradução correta de “vós sois corpo de Cristo” transmite o verdadeiro significado de que os irmãos em Corinto eram a expressão local do corpo de Cristo como um todo. Isso os tornava competentes para agir em nome do corpo como um todo, nas questões administrativas.

Se uma assembleia local tomasse uma decisão de “desligar” alguém da comunhão, o corpo como um todo deveria agir em comunhão com aquela assembleia local e reconhecer sua decisão, de modo que a pessoa “desligada” seria considerada “fora” também pelas outras assembleias, e não apenas na localidade onde ela residisse. Vemos isto em 1 Coríntios 5:13, onde a assembleia local em Corinto deveria excluir um homem ímpio, tirando-o de seu meio. Mas em 2 Coríntios 2:6 nos diz que “a repreensão” ou “censura” (JND) feita pela assembleia em Corinto foi “feita por muitos”. Os “muitos” ali se referem ao corpo como um todo – o conjunto universal dos santos.12 Consequentemente o ofensor passa a sentir uma repreensão mais ampla que apenas a de sua assembleia local. Não dizemos que o homem em questão realmente foi a outras localidades e sentiu a repreensão delas, mas que a execução da ação é expressa universalmente pelo corpo como um todo. Se uma pessoa fosse afastada da comunhão em uma localidade em particular, ela era considerada fora de comunhão em todo lugar na Terra, porque o que é feito em Nome do Senhor em uma assembleia local afeta o todo na prática.

Em Mateus 18:18 encontramos isso nas palavras do próprio Senhor. Quando uma assembleia local toma uma decisão de “ligar”, Ele diz, “tudo o que ligardes na Terra. Ele não especificou onde na Terra porque as ações da assembleia não se limitam a nenhuma localidade. Embora uma decisão possa ser tomada em uma determinada localidade, ela é tomada em nome do corpo como um todo e é ligada em toda a Terra. Não existe, na Escritura, uma decisão de ligar que se aplique apenas a uma determinada localidade. Neste versículo, o Senhor está simplesmente dizendo que, se a assembleia tomar uma decisão em Seu Nome, Ele a reconhecerá. Se o céu a reconhecer, então todos na Terra também devem reconhecê-la. Todos no terreno da assembleia de Deus devem reconhecer essa ação e se submeter a ela. Dessa maneira, a assembleia como um todo expressa a verdade de que é “um corpo”.

Da mesma forma, quando se trata de reverter uma ação de ligar, a assembleia local suspende a censura e “perdoa” (administrativamente) a pessoa arrependida, e o corpo como um todo segue e expressa esse perdão também. Isso é confirmado nos comentários de Paulo em 2 Coríntios 2:7-11. Embora Paulo tivesse autoridade para agir apostolicamente nesse assunto, se necessário, ele escolheu esperar até que a assembleia local em Corinto agisse, a fim de guardar “a unidade do Espírito”. Ele disse: “A quem [vós] perdoais qualquer coisa, Também perdoo” (ARA). O exemplo dele nos ensina que não devemos agir de forma independente, mas em conjunto com a assembleia local que faz a ação.

Paulo segue dizendo: “para que [nósnão sejamos vencidos por Satanás” (2 Co 2:10). Ele não diz “para que vós não sejais vencidos por Satanás”, referindo-se apenas aos coríntios. “Nós” indica os santos como um todo no “um só corpo”. Paulo sabia que Satanás procurava dividir os santos de qualquer maneira que pudesse, e que essas delicadas questões entre assembleias eram onde o inimigo provavelmente iria agir. Portanto Paulo, representando os santos de uma maneira geral, nos mostra como devemos agir nessas questões de “desligar” um julgamento feito por uma assembleia. Mesmo que ele (e talvez outros) soubesse que aquele homem estava arrependido e devia ser restaurado à comunhão, Paulo não queria se sobrepor à assembleia local em Corinto e agir de forma independente – embora, por ser um apóstolo, tivesse autoridade para fazer isso, se fosse necessário.

Temos ótimas instruções aqui. Aprendemos com isso que a assembleia local (onde é feita a ação de um julgamento de ligar) deve agir primeiro suspendendo essa censura, e que os santos de outras localidades devem se submeter a ela e agir com eles como “um corpo”. Irmãos de outras assembleias poderiam compartilhar seus exercícios com os coríntios, conforme ilustrado pelo apóstolo Paulo, encorajando-os a receber o homem arrependido, mas a suspensão efetiva da ação era de responsabilidade da assembleia local. Outras assembleias receberem a pessoa em comunhão, quando a assembleia local dela não o tivesse feito, seria confusão. Satanás poderia usar isso e dividir os santos. Mas, ao agirem juntos nesses assuntos entre assembleias, a Igreja guarda “a unidade do Espírito”; e, assim, expressa a verdade de que “existe um corpo”.

Vemos um exemplo disso em Atos 15, quando surgiram problemas entre os santos em Antioquia por causa de mestres judaizantes de Jerusalém que perturbavam os santos com sua doutrina que misturava a lei e a graça. Mais uma vez aprendemos algumas lições valiosas de como Deus gostaria que lidássemos com os problemas entre assembleias. A primeira coisa que aprendemos é que eles decidiram tratar o problema em conjunto com os que estavam em Jerusalém. Ora, poderíamos achar que o motivo de terem levado a questão a Jerusalém seria por ser ali um centro estabelecido por Deus para lidar com problemas das assembleias, como se existisse um único lugar central na Terra (uma sede) para onde as assembleias deveriam levar seus problemas.

Mas a assembleia em Antioquia não foi a Jerusalém por não se sentir qualificada em lidar com o problema. Se fosse simplesmente para buscar um julgamento apostólico para a questão eles poderiam ter apelado para os apóstolos Paulo e Barnabé, que estavam ali com eles em Antioquia. Quem poderia ser mais qualificado que o apóstolo Paulo para lidar com questões relacionadas à lei e à graça? Se por um lado é verdade que eles davam valor ao discernimento dos apóstolos e líderes que estavam em Jerusalém, e desejassem saber a opinião deles relacionada àquela questão, por outro existia uma razão mais profunda para eles levarem o problema até lá: era para “guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz”.

O fato é que os mestres judaizantes, que estavam perturbando os santos em Antioquia, tinham saído de Jerusalém (v. 24). Portanto, para evitar que a unidade prática entre as duas assembleias fosse rompida, os irmãos em Antioquia não queriam lidar com o problema de forma independente, mas preferiram levá-lo à sua origem. Isto mostra que a Escritura não apoia a ideia de assembleias agindo de maneira autônoma.

Isto também nos ensina que quando pessoas de uma determinada assembleia local visitam outra assembleia e agem erradamente ali, ao ponto de isso exigir correção ou ação disciplinar, a assembleia não deve agir de forma independente executando uma ação de “ligar”. Ela deve levar o assunto à assembleia de origem dos causadores do problema, para que esta possa lidar com a questão, e assim a “unidade do Espírito” possa ser mantida no vínculo da paz. Infelizmente as dificuldades nem sempre são tratadas da maneira bíblica, o que acaba levando alguns a ficarem confusos quando surgem problemas.13

É digno de nota que quando viajaram a Jerusalém levando aquela questão, eles pararam em várias assembleias pelo caminho, sem transtornarem essas assembleias espalhando o problema entre elas. Eles falaram apenas das coisas que “davam grande alegria a todos os irmãos” (At 15:3), apesar de indubitavelmente estarem profundamente atribulados com a questão que atingia o cerne da posição Cristã em graça. Isto nos ensina a importância de não espalharmos desnecessariamente os problemas de uma assembleia local. Nosso adversário, o diabo, poderia se aproveitar disso para causar problemas entre os santos. Este é um princípio ensinado em 2 Samuel 1:19-20, quando houve tristeza em Israel com respeito ao seu rei (Saul) sendo morto por seus inimigos. Eles decidiram não espalhar a notícia, principalmente entre seus inimigos, os filisteus, ao dizerem, “Ah, ornamento de Israel! Nos teus altos foi ferido, como caíram os poderosos! Não o noticieis em Gate, não o publiqueis nas ruas de Ascalom” (ARF).