INTRODUÇÃO
Cinco livros da Bíblia foram escritos pelo apóstolo João – seu evangelho, três epístolas e o Apocalipse. Estes foram os últimos livros a serem escritos, por volta de 90 d.C. Isso significa que João escreveu numa época em que a nação judaica havia sido destruída pelos romanos. Em 70 d.C., a cidade de Jerusalém e o templo foram destruídos e a maioria das pessoas mortas – e quase 100.000 foram deportadas como cativas. Sem o lugar e o povo, o judaísmo deixou de existir na terra de Israel. De fato, João é o único escritor do Novo Testamento a escrever desta perspectiva. O irmão de João, Tiago, foi o primeiro apóstolo a morrer (em martírio – At 12:2) e João foi o último apóstolo a morrer.
Propósito de João ao Escrever a Epístola
No corpo da epístola, João declara três razões para escrever aos santos naquele dia:
- Em primeiro lugar, que o gozo deles seria completo por meio da comunhão com o Pai e o Filho (cap. 1:3-4).
- Em segundo lugar, que eles não falhariam no caminho mediante o pecado (cap. 2:1).
- Em terceiro lugar, que eles teriam o conhecimento consciente e certeza da posse da vida eterna (cap. 5:13).
Os Gnósticos
Além de querer que os santos fossem felizes, devotos e saudáveis (espiritualmente), o Espírito de Deus tinha outro motivo para levar João a escrever a epístola. Naquele dia, muitos mestres anticristãos haviam se levantado, que professavam ser filhos de Deus, mas negavam a verdade do Pai e do Filho (2:18-26, 4:1-6). Para ajudar os santos a conhecer aqueles que eram verdadeiros crentes e os que não eram, João foi levado a apresentar os traços característicos da vida eterna, pelos quais todas as falsas pretensões à posse daquela vida poderiam ser detectadas. Isso forneceria aos santos um padrão pronto pelo qual eles poderiam testar toda a profissão.
Este movimento divergente de ensinamentos anticristãos surgiu entre as assembleias no final do primeiro século e atormentou a Igreja por aproximadamente 200 anos com suas doutrinas errôneas. Foi o começo do que se tornaria conhecido como gnosticismo. Gnóstico significa “conhecer”. (Inversamente, agnóstico significa “não conhecer”). Esses falsos mestres afirmavam que o que os apóstolos entregaram à Igreja era introdutório e elementar, mas o que eles tinham era conhecimento superior. No entanto, o que eles realmente propunham era blasfêmia! Alguns deles (os cerintianos1) negavam a deidade de Cristo. O apóstolo João refutou esse erro com o seu evangelho, mostrando que o Senhor tem todos os atributos da deidade. Outra seita (o docetismo2) negava a encarnação de Cristo e, assim, ensinava que Ele não era um Homem real. João refutou esse erro em suas epístolas. Sob o pretexto de avançar na verdade, esses falsos mestres se afastaram dela! Por isso, o ministério de João tem grande valor prático na defesa contra aqueles que professam conhecer a Deus, mas negam certos aspectos da verdade da Pessoa de Cristo.
Os Temas no Ministério de Pedro, de Paulo e de João
O tema do ministério de João é bem diferente do de Paulo e Pedro. João concentra-se na família de Deus, insistindo em nosso relacionamento com Deus como Suas “crianças” (Jo 1:12-13; 1 Jo 3:1 – JND). Assim, as características da vida eterna na família são expandidas extensivamente. O apóstolo Paulo, por outro lado, ao mencionar que somos “crianças de Deus” (Rm 8:16 – JND), se apoia em nossa posição diante de Deus como “filhos”, delineando nossos privilégios como tais (Rm 8:14-15; Gl 4:1-7; Ef 1:4-6; Hb 2:10). Paulo também desenvolve a verdade da Igreja como “o corpo de Cristo” (1 Co 12:12-13, 27; Ef 3:6, 4:16, 5:25-32, etc.) e “a casa de Deus” (Ef 2:19-22; 1 Tm 3:15; Hb 3:6, etc.). A linha do apóstolo Pedro é diferente de novo; ele vê as coisas da perspectiva do reino de Deus. Tendo recebido “as chaves do reino dos céus” (Mt 16:19), ele havia sido escolhido para abrir a porta da bênção aos judeus (At 2) e aos gentios (At 10). Assim, ele enfatiza o reino em seu ministério. Ele fala frequentemente da Aparição de Cristo, que é o evento que marca a inauguração do reino e o reinado público de Cristo neste mundo (1 Pe 1:5, 7, 13, 4:13, 5:1, 4; 2 Pe 1:11, 16, 3:4, 10).
O Estilo Abstrato dos Escritos de João
O apóstolo João escreve de uma maneira única. A chave para entender suas declarações é ver que ele enxerga as coisas abstratamente. J. N. Darby disse: “Se alguém não puder ver tais declarações abstratamente, ele nunca as entenderá” (Notes and Jottings, pág. 36). F. B. Hole definiu a palavra “abstrato” da seguinte forma: “Quando falamos abstratamente, propositadamente eliminamos de nossa mente e linguagem todas as considerações qualificantes, a fim de que possamos mais claramente definir a natureza essencial da coisa da qual falamos” ( Epistles, vol. 3, pág. 161). Assim, poderíamos dizer: “A cortiça flutua”. Ao afirmar isso, estamos falando do que a cortiça faz caracteristicamente. Não estamos levando em consideração que ela poderia ser afundada na água se amarrássemos algo pesado a ela para mantê-la no fundo. Em condições normais, a cortiça flutua. Da mesma forma, João fala de coisas em sua essência – isto é, como elas são caracterizadas sem se referir a qualquer pessoa, coisa ou situação específica. Ele examina as características da vida eterna por aquilo que normalmente a caracteriza, não por aquilo que alguém faz com aquela vida que não é característico dela. Devido a um estado precário, essas características podem ser, às vezes, obscurecidas em nós, mas João não leva isso em consideração quando vê as características dessa vida.
J. N. Darby disse: “Todas as declarações de João são absolutas. Ele nunca as modifica trazendo dificuldades ou obstáculos que possamos ter no corpo. “Aquele que é nascido de Deus”, diz ele no capítulo 3, “não pratica pecado” (JND). Ele está falando ali de acordo com a própria essência da natureza. A natureza divina não pode pecar. Não é uma questão de progresso ou grau, mas ele não pode pecar porque ele é nascido de Deus. João sempre declara isso em sua própria incondicionalidade, de acordo com a própria verdade. Podemos falhar em mantê-la, mas o apóstolo não considera essas modificações, mas somente a verdade em si” (Collected Writings, vol. 28, pág. 214). Assim, João fala dos crentes como estando excelentemente ou idealmente – isto é, o que eles são quando andam no poder do Espírito e no gozo da vida eterna. Ele não os vê como sendo menos do que isso. Ele escreve sem meio termo na discussão. É a luz ou as trevas, a vida ou a ausência de vida, amor ou ódio, etc. Isso deve ser mantido em mente ao ler a epístola.
O Perigo de Interpretar o Ministério de João Usando a Terminologia de Paulo
Outro problema que levou muitos a entender mal o ministério de João foi tentar interpretar seus termos e expressões usando os pensamentos de Paulo. Isto é, João poderá usar uma palavra que Paulo usa, mas de uma maneira diferente; se isso não for levado em consideração, entenderemos mal a passagem. Assim, vem o ditado muitas vezes repetido: “Não transfira a terminologia de Paulo para o ministério de João”. Por exemplo, Paulo usa a palavra “andar” para indicar a práticaCristã (Gl 5:16; Ef 4:1, 5:2, 8, 15, etc.); ele leva em consideração a possibilidade de que os Cristãos andem mal, ao passo que João nunca considera assim. Ele vê todos os crentes como andando na luz – quer estejam indo bem, em um bom estado, ou não. Eles podem virar as costas para a luz e não viver de acordo com ela, e se o fizerem, a luz brilhará em suas costas, porque os crentes estão sempre na luz. Assim, João não fala de como andamos, mas de onde andamos.
Outro exemplo é o modo pelo qual os dois apóstolos usam o termo “crianças” (JND). Em Gálatas 4:1-7, Paulo o usa para indicar alguém que está no terreno do Velho Testamento; ele é nascido de Deus, mas não é habitado pelo Espírito Santo. Enquanto João usa a palavra para descrever um crente em terreno Cristão sendo habitado pelo Espírito Santo (1 Jo 2:20, 28, 3:24, 4:13).
Outro exemplo é o modo pelo qual Paulo e João usam a palavra “em” relacionada ao crente e ao Senhor. A frase característica de Paulo “em Cristo” não deve ser equiparada a “n’Ele” (em Ele) de João. Paulo está se referindo à posição de aceitação do Cristão no próprio lugar em que Cristo está diante de Deus (Ef 2:6), enquanto João fala da nossa conexão com Cristo em vida e comunhão (Jo 14:20, 15:4).
Apenas Oito Exortações
Outra coisa que torna esta epístola única é que ela tem apenas oito exortações (caps. 2:15, 24, 28, 3:7, 18, 4:1, 7, 5:21). Além dessas exortações, a maior parte das observações da epístola tem a ver com a manutenção de vários aspectos da vida eterna como provas e contraprovas pelas quais toda pretensão pode ser testada. Isso não quer dizer que a epístola não seja prática. Muito pelo contrário, quando os pontos que João traz em relação às características da vida eterna são aplicados a todos os que professam conhecer a Cristo, seu ministério se torna imensamente prático; podemos assim discernir imediatamente quem são os verdadeiros crentes e quem não são. Vivendo em um dia em que há o perigo de ser corrompido por falsos mestres e muitos que professam ser filhos de Deus, mas não são, a epístola de João é de grande auxílio para nos ajudar a identificar aqueles que são assim.
“Conhecer” e “Conhecido”
Outra coisa que marca essa epístola é o uso frequente das palavras “conhecer” e “conhecido”. Elas ocorrem cerca de 40 vezes. Ele enfatiza essas palavras para contrabalançar as alegações dos falsos mestres de ter conhecimento superior ao dos apóstolos. Usando estas palavras ele acentua o que sabemos por meio das revelações da verdade que nos foi dada por meio dos apóstolos e do que nos foi assegurado por meio da comunhão com o Pai e o Filho.
Existem duas palavras principais no texto grego que são traduzidas como “conhecer” – “ginosko” e “oida”. João usa ambas em suas epístolas, e é instrutivo entender quando e como ele o faz, como veremos a seguir no capítulo 5 (Somos gratos pelas notas de rodapé da Tradução J. N. Darby que indicam qual palavra é usada em uma passagem em particular. Veja sua longa nota3 sobre o uso dessas palavras em 1 Co 8:1). “Ginosko” se refere ao conhecimento objetivo derivado de fatos sobre algo ou alguém; “Oida” é um conhecimento consciente interno de algo ou alguém adquirido por meio de um relacionamento íntimo e pessoal e de uma comunhão. As duas palavras são usadas pelo Senhor em João 8:55 e servem para ilustrar a diferença entre elas. Em relação ao conhecimento do Pai, Ele disse aos fariseus incrédulos: “Vós não O conheceis (ginosko); mas Eu conheço-O (oida)”. Assim, os fariseus não tinham entendimento de Deus Pai, mas o Senhor vivia em comunhão pessoal e íntima com Ele e, portanto, tinha um conhecimento profundo e pleno do Pai.
Vida Eterna
Como mencionado, o grande tema que percorre todo o ministério de João é a “vida eterna”. Seu evangelho complementa suas epístolas, contendo todas as sementes desenvolvidas nas epístolas. No evangelho, as características da vida eterna são apresentadas nos ensinamentos do Senhor e são perfeitamente ilustradas em Sua vida; na epístola, essas mesmas características são vistas nos filhos de Deus. João alude a isso no capítulo 2:8, onde ele fala do novo mandamento de amar uns aos outros sendo aquilo que é “verdadeiro n’Ele e em vós”. É como olhar para um álbum de fotos de família; há semelhanças perceptíveis por toda a família – dos pais aos filhos. Assim é na família de Deus; vemos os traços da vida eterna que caracterizam o Pai e o Filho aflorando nos filhos de Deus. Esses traços podem estar obscurecidos em nós às vezes, mas, mesmo assim, eles estão lá. Do mesmo modo como agrada a um bom pai terreno ver seus filhos seguindo em seus caminhos e ouvir as pessoas dizerem que eles o seguem, assim agrada a Deus, nosso Pai, ver as coisas que O caracterizam mostradas nas ações de Seus filhos.
Tendo declarado que o tema de João é a vida eterna, pode-se perguntar: “O que exatamente é a vida eterna?” Simplificando, é a posse da vida divina em comunhão com o Pai e o Filho no poder do Espírito Santo. O Senhor disse: “E a vida eterna é esta: que conheçam a Ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” (Jo 17:3). Para termos esta vida, Cristo teve que descer do céu para revelar o Pai e o relacionamento eterno que Ele tem com Seu Filho (Jo 1:18, 10:10; 1 Jo 4:9). Além disso, esta vida não poderia ser possuída sem o crente estar descansando em fé na obra consumada de Cristo (Jo 3:14-15) e sendo habitado pelo Espírito Santo (Jo 4:14). Isso mostra que a vida eterna é uma bênção distintamente Cristã que possuímos “em Cristo Jesus”, o Homem ressuscitado, ascendido e glorificado à direita de Deus (Rm 6:23; 2 Tm 1:1). F. G. Patterson disse: “A vida eterna é o termo Cristão para o que possuímos em Cristo; por meio dela somos levados à comunhão com o Pai e o Filho e, assim, temos uma natureza adequada ao céu” (Scripture Notes and Queries, pág. 112). Ele também disse: “Temos a vida eterna em Cristo – Cristo vive em nós; e essa vida eterna nos leva à comunhão com o Pai e o Filho, o que não poderia acontecer antes que o Pai fosse revelado n’Ele e o Espírito Santo fosse dado, pelo qual gozamos isso” (Words of Truth, vol. 3, pág. 178). H. Nunnerley disse: “A vida eterna é uma vida de comunhão, uma participação nos relacionamentos divinos, um conhecimento experimental do Pai e do Seu Enviado” (Scripture Truth, vol. 1, pág. 197). A. C. Brown disse: “A vida eterna se refere à vida de Deus desfrutada em comunhão com o Pai e o Filho pela habitação do Espírito Santo” (Eternal Life, pág. 4).
Muita confusão surgiu ao longo dos anos quanto ao significado da vida eterna. Muitos missionários, evangelistas e professores de escolas dominicais a definem como “vida que dura para sempre”. Entretanto, se essa fosse uma definição correta da vida eterna, então teríamos que dizer que o diabo e todos os pecadores perdidos têm vida eterna, porque eles também existirão para sempre! Isto, com certeza, não é verdade. H. Nunnerley disse: “Muitos se equivocam quanto à vida eterna, limitando seu significado à duração infinita da existência e à segurança eterna daqueles que possuem essa vida” (Scripture Truth, vol. 1, pág. 195). A. C. Brown confirmou isso, afirmando que a vida eterna “não significa apenas que temos vida que dura para sempre” (Eternal Life, pág. 4). (“Vida permanente” aparece ocasionalmente na KJV, mas deveria ser traduzida como “vida eterna”). H. M. Hooke comentou: “Muito poucos de nós se esforçam em se sentar e pensar o que é a vida eterna. Lembro-me de uma vez ter perguntado a uma irmã idosa se ela gentilmente me dissesse o que era a vida eterna. “Ah, sim!”, ela disse, “perpetuidade da existência”. Então, eu disse: “Você não possui nada mais do que o demônio possui – pois ele tem perpetuidade de existência!” Acredito que o que ela disse é uma ideia popular. Mesmo os perdidos têm perpetuidade da existência; pois eles passarão a eternidade no lago de fogo, mas eles não terão a vida eterna” (The Christian Friend, vol. 12, pág. 230).
O termo não é chamado de vida “eterna” por causa de sua duração sem fim, mas porque é uma vida que pertence à eternidade. Refere-se à qualidade especial da vida divina que o Pai e o Filho têm desfrutado juntos eternamente. Por meio da vinda de Cristo para revelar o Pai, a morte de Cristo para resolver a questão de nossos pecados, a ressurreição e ascensão de Cristo e com o Espírito sendo enviado é, para nós agora, possível participar dessa vida em um relacionamento com o Pai e o Filho. Assim, podemos desfrutar do que as Pessoas divinas desfrutam (1 Jo 1:3-4). Esta é uma bênção que não era conhecida ou possuída pelos santos do Velho Testamento, pois eles não tinham conhecimento de Deus como Pai, nem o fundamento para a redenção, estabelecido na morte de Cristo, nem o Espírito Santo enviado para habitar em crentes.
Muitos Cristãos têm dificuldade em entender como alguém poderia dizer que os santos do Velho Testamento não têm vida eterna. Para eles, parece que estamos dizendo que aqueles santos não foram salvos e, portanto, não estão no céu agora! Seu problema é que eles têm uma ideia errada do que é a vida eterna e isso os levou a conclusões erradas. A verdade é que os santos do Velho Testamento nasceram de novo e, portanto, tiveram vida divina e, assim, estão no céu agora – mas não puderam ter a qualidade e o caráter de vida envolvidos na vida eterna pelas razões expostas acima. J. N. Darby foi questionado: “Pergunta: os santos do Velho Testamento não tinham a vida eterna? Resposta: Quanto aos santos do Velho Testamento, a vida eterna não fazia parte da revelação do Velho Testamento, mesmo supondo que os santos do Velho Testamento a tivessem” (Notes and Jottings, pág. 351). H. M. Hooke disse: “Fiquei muito impressionado ao examinar as Escrituras do Velho Testamento e não encontrar um único exemplo mencionando um santo do Velho Testamento que tivesse a vida eterna; ela não era conhecida” (The Christian Friend, vol. 12, pág. 230). Nem é dizer que eles tinham a vida eterna, mas não a conheciam (como alguns equivocadamente ensinaram), porque a própria essência e significado da vida eterna é ter comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3). Como poderia uma pessoa ter comunhão consciente com o Pai e o Filho (a essência da vida eterna) e não ser consciente disso?!
A vida eterna é uma vida “celestial” (Jo 3:12-13) que apareceu pela primeira vez quando Cristo veio do céu e habitou entre os homens (Jo 1:14). Antes da vinda de Cristo ao mundo, a vida eterna (estar “com o Pai” no céu – 1 Jo 1:2) era desconhecida pelos homens. Foi agora dada aos Cristãos (Jo 3:15-16, 36, etc.). pela qual somos capazes de ter comunhão com o Pai e o Filho, e ter a plenitude de gozo resultante disso (1 Jo 1:3-4). F. G. Patterson disse: “Não pode ser dito que eles [os santos do Velho Testamento] tiveram a vida eterna. Ela só foi trazida à luz por meio do evangelho (2 Tm 1:10; Tt 1:2, etc.)”. (Scripture Notes and Queries, pág. 66).
Ensinar que os santos do Velho Testamento tinham a vida eterna confunde a diferença entre os dois Testamentos e as bênçãos e privilégios que distinguem a Igreja de Israel. É um erro enraizado na Teologia Reformada (Pacto), que vê Israel e a Igreja como um povo que tem as mesmas bênçãos. Muitos problemas e confusões resultaram do fato de os homens entenderem equivocadamente o assunto da vida eterna e, consequentemente, ensinarem o erro a respeito disso. Por exemplo: F. W. Grant tentou dá-la aos santos do Velho Testamento, enquanto F. E. Raven tentou tirá-la dos santos do Novo Testamento! (O sr. Raven provavelmente negaria isso, mas se o que ele ensinou for examinado com cuidado, a essência disso será descoberta. Veja “Life Eternal with F.E.R’s Heterodoxy as to it” – por W. Kelly.)
A vida eterna também é universalmente confundida com “nascer de novo” (Jo 3:3-8), mas esses termos não são sinônimos. Ambos têm a ver com possuir a vida divina, mas a vida eterna, como afirmamos, tem a ver com ter a vida divina em seu sentido mais pleno, em comunhão com o Pai e o Filho. Não é que existem dois tipos de vida divina; a vida comunicada no novo nascimento e vida eterna são a mesma vida em essência. É a própria vida de Cristo – na verdade, Ele é chamado de “esta Vida Eterna” (TB) nesta epístola (1 Jo 1:2). A diferença é que quando uma pessoa nasce de novo, ela tem a vida divina em um estágio embrionário, por assim dizer, quando uma pessoa recebe a vida eterna pela fé em Cristo, tem a vida divina em sua forma mais elevada – conhecendo o Pai e o Filho pelo poder do Espírito Santo. Da mesma forma, a vida em uma semente de maçã é a mesma que em uma macieira adulta; a diferença é que, na árvore, essa vida está totalmente desenvolvida.
Dois Aspectos da Vida Mais Abundante
Há dois aspectos dessa vida mais abundante: em primeiro lugar, refere-se à vida divina no crente como uma possessão presente, pela qual ele desfruta de comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 3:15-16, 36, etc. – “tem”). Este é o aspecto em vista no ministério de João. Em segundo lugar, ela é vista como a esfera da vida para a qual o crente está indo em direção ao final de seu caminho quando chegar ao céu. Assim, é uma coisa futura. Este é o modo como Paulo fala a respeito (Rm 2:7, 5:21, 6:22, 23; Gl 6:8; 1 Tm 1:16, 6:12, 19; Tt 1:2, 3:7). Judas fala disso dessa maneira também (Jd 21). Neste último sentido, a vida eterna4 é um ambiente de vida espiritual onde tudo é luz, amor e justiça, e onde a comunhão com o Pai e o Filho é desfrutada. Assim, o primeiro aspecto tem a ver com a vida em nós, e o segundo é a vida na qual estaremos.
Usamos a palavra “vida” dessas duas maneiras em nossa linguagem cotidiana. Podemos falar de uma planta, um animal ou um humano como tendo vida neles. Mas também falamos de vida como um ambiente ou esfera em que uma pessoa pode habitar – por exemplo, “vida no campo”, “vida na cidade”, “vida de assembleia”, etc. Assim, podemos gozar a vida eterna agora pelo Espírito, mas depois habitaremos nessa esfera de vida em seu sentido mais amplo quando formos glorificados. Esses dois aspectos de vida foram ilustrados no exemplo de um mergulhador em águas profundas. Ele trabalha debaixo d’água, mas respira por meio de conexão ao cilindro de ar que o mantém vivo. Isto é como o crente tendo a possessão presente da vida eterna. Vivendo neste mundo, nós vivemos e nos movemos e temos nosso ser em um ambiente inadequado para a nossa nova natureza, pois pertencemos à nova criação e somos pessoas celestiais. Assim, não somos deste mundo, mas somos sustentados pela conexão de vida de comunhão com o Pai e o Filho enquanto estamos no mundo. Quando o trabalho do mergulhador é concluído e ele é trazido para fora da água para o ambiente que lhe é natural, ele tira seu equipamento de mergulho e respira o ar sem esse aparato. Da mesma forma, quando nosso trabalho estiver concluído aqui na Terra e formos chamados para o céu em nosso estado glorificado, estaremos então no ambiente da vida eterna4 e para o qual estaremos perfeitamente adequados.
A possessão presente desta vida pode ser referida como “vida eterna” (JND) e o aspecto futuro como “vida eterna4” (JND). Somos gratos à Tradução J. N. Darby que distingue estas coisas desta maneira. (O Sr. Darby não considera a vida eterna como tal em 1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20, mas a tradução de Kelly o faz). Quando fala de Cristo pessoalmente, é traduzida como “Vida Eterna” (1 Jo 1:2 – JND).
Vida Eterna4 nos Evangelhos Sinópticos
Nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), o termo “vida eterna4” (JND) refere-se a ter a vida divina na Terra no reino milenar de Cristo (Mt 19:16, 29, 25:46; Mc 10:17, 30; Lc 10:25, 18:18, 30, etc.). Isso foi prometido no Velho Testamento (Sl 133:3; Dn 12:2) e será desfrutado pelo remanescente de Israel (Ap 7:1-8) e pelas nações gentias crentes (Ap 7:9-10) em um dia vindouro. Este aspecto da vida divina não está em vista na epístola de João, nem no seu evangelho.
Aproximando-se do Fim
João vê as coisas no testemunho Cristão como elas estarão em seus últimos momentos antes que o Senhor venha (o Arrebatamento). Seu ponto de vista é o mais recente de todos os escritores do Novo Testamento, como mostra o diagrama a seguir.