INTRODUÇÃO
A Ocasião da Epístola
A circunstância que trouxe esta epístola aos colossenses foi o surgimento de uma série de falsas doutrinas emanadas da filosofia grega, do judaísmo heterodoxo e do misticismo oriental. Esses erros foram o começo do que mais tarde se tornaria conhecido como gnosticismo. O gnosticismo significa “conhecimento superior” e apropriadamente descreve o que certos instrutores falsamente professavam ter. Essas falsas doutrinas incomodavam a Igreja primitiva em várias regiões, e Colossos era um desses lugares.
Esta linha de ensino tenta explicar a existência de Deus, da criação, da origem do mal, etc., à parte da revelação divina das Escrituras, professando ser de uma revelação mais elevada do que aquela que os apóstolos tinham entregue à Igreja (Jd 3). O pior desses erros foi a negação da Deidade e da verdadeira Humanidade de Cristo. Essa blasfêmia ameaçou tirar os santos da verdade da Pessoa e da Obra de Cristo e precisou ser refutada.
Assim como na epístola aos filipenses, Paulo estava sendo proativo ao escrever esta epístola, em vez de ser reativo, como foi no caso das epístolas aos coríntios e aos gálatas. Assim, ele estava agindo preventivamente ao invés de corrigir. Os Colossenses não haviam engolido esse ensinamento, mas estavam em perigo. Paulo, portanto, os adverte do caráter desse mal e o combate insistindo na verdade da Pessoa e da Obra de Cristo.
A Aplicação Presente da Epístola
Enquanto o gnosticismo não é uma ameaça para a Igreja hoje como era nos primeiros séculos, esta epístola ainda tem um lugar necessário no cânon da Escritura. Ela tem uma aplicação presente em repreender a tendência de usar nossa imaginação para interpretar as Escrituras – como um homem tentado desta maneira disse uma vez: “Você pode frequentemente encontrar mais entre as linhas da Escritura do que nas linhas da Escritura”! Desnecessário será dizer que especular sobre a Palavra inspirada de Deus é uma coisa perigosa. Tal uso da imaginação humana em coisas divinas é como um israelita levantando um “buril” (uma ferramenta afiada para cortar) sobre o altar de Deus e esculpindo algo de sua imaginação nele. Isso era estritamente proibido (Êx 20:25). Uma vez que os princípios de interpretação não são claramente definidos quando alguém aplica sua imaginação às Escrituras dessa forma, não é difícil fazer a Palavra de Deus dizer quase tudo que quisermos! O grande perigo aqui é ir além do que Deus revelou e cair em erro. Toda essa manipulação da Palavra de Deus pode ser classificada como ensinamento místico.
A principal diferença entre o misticismo no gnosticismo e o misticismo que se move furtivamente hoje é que os gnósticos fizeram declarações e ensinamentos errôneos à parte da revelação divina da Escritura; enquanto que o misticismo que enfrentamos hoje professa usar a Palavra de Deus para apoiar suas noções e interpretações fantasiosas.
É triste dizer que o que geralmente se encontra no fundo do ensinamento místico é o orgulho espiritual, como Paulo diz nesta epístola – “inchado vãmente pelo seu entendimento carnal” (Cl 2:18 – TB). Uma pessoa assumirá essa linha de coisas porque isso o distingue como se tivesse algo que os outros não têm, no que diz respeito ao conhecimento divino. Ele pode fascinar seus amigos com seus pensamentos transcendentes, e isso ministra ao seu orgulho. Com o tempo, sua propensão para procurar indícios para o que ele imagina serem significados ocultos na Escritura inunda sua mente, e isso se torna o seu único objetivo. Uma frase da Escritura será tirada, isolada do seu contexto e interpretada para significar algo que uma pessoa, em condições normais, nunca veria se não fosse pela forma mística em que é divulgada. Quando essas ideias são apresentadas com uma fraseologia espiritual transcendental, e casada com uma vida de santidade exterior, crentes não firmados podem ser levados por ela e acreditarem que se trate de algo realmente especial. O que surge disso são certos iniciados, imaginando que têm uma “trilha interior” para a verdade mais elevada. Sem dúvida, a característica predominante no ensino místico são as expressões vagas e nebulosas pelas quais as ideias são apresentadas. Aqueles que são impressionados por elas não levarão em conta a sua imprecisão considerando ser uma verdade profunda.
Dois Grandes Perigos na Cristandade
O misticismo é um dos dois grandes perigos na profissão Cristã. Estes são: “retroceder” do que foi revelado (Hb 10:39) e “ir além” (TB) ou “ultrapassar”(ARA) o que foi revelado (2 Jo 9). A primeira é a apostasia e a segunda é misticismo. A epístola aos Hebreus trata da apostasia e a epístola aos Colossenses trata do misticismo. O remédio do apóstolo para toda essa subversão mística era dirigir os olhos dos colossenses a Cristo no céu para ajudá-los a recuperar o senso deles de união com Ele ali, o qual eles haviam perdido em alguma medida, ou corriam o risco de perder, devido a intrusão dessas noções especulativas em assuntos divinos.
O Mistério
A epístola aos colossenses certamente repreende os Cristãos de se engajar no ensinamento místico e filosófico, mas ela tem um propósito mais importante por estar em nossas Bíblias; é uma das duas únicas epístolas que revelam a verdade de “o Mistério” – a mais elevada de todas as verdades. O mistério é mencionado em Rm 16:25; 1 Co 2:7, 4:1 e 1 Tm 3:9, mas só é desvendado em Efésios e Colossenses.
Poderíamos supor que, ao usar a palavra “Mistério”, como Paulo faz aqui, ele está se referindo a algo misterioso e difícil de entender. Mas isso não é o que ele significa. Ele está falando de algo “guardado em silêncio” (Rm 16:25 – ARA) que esteve “oculto em Deus” (Ef 3:9) que não havia sido revelado aos santos “em outras gerações” (Ef 3:4-5 – ARA), mas agora se tornou conhecido por meio de revelações especiais dadas aos apóstolos – e especialmente ao apóstolo Paulo (Cl 1:26). W. Kelly disse que o Mistério “não significa algo que você não pode entender, mas o que você não poderia conhecer antes que Deus lhe dissesse … O mistério significa aquilo que foi mantido em segredo, não aquilo que não podia ser entendido, que é uma noção humana de mistério; mas um segredo não revelado – um segredo ainda não divulgado no Velho Testamento, mas revelado plenamente no Novo” (Lectures on the Epistle to the Ephesians, págs. 25, 114).
O Mistério é a joia da coroa de Deus que completa a revelação divina da verdade (Cl 1:25). Como “todos os tesouros da sabedoria e da ciência” são achados nele (no Mistério), não há mais nada a ser revelado! (Cl 2:2-3 – AIBB e JND). Paulo assinala esse fato para mostrar aos colossenses que eles receberam tudo o que dizia respeito à revelação da verdade. Não havia, portanto, necessidade de sair do que Deus revelara no Mistério, em busca de mais verdades – que é o que os místicos estavam encorajando os santos a fazer.
O Mistério revela o grande propósito de Deus para glorificar Seu Filho em duas esferas – nos céus e na Terra – no mundo vindouro (o Milênio), por meio de um vaso de testemunho especialmente formado, a Igreja, que é o corpo e a noiva de Cristo (Ef 1:8-10). A verdade revelada no Mistério não é a santa e gloriosa Pessoa de Cristo, nem a Sua vida de perfeita obediência como um Homem que andou neste mundo, nem a Sua morte e ressurreição ou a Sua vinda novamente para estabelecer o Seu reino no qual Ele irá reinar sobre o mundo. Essas coisas eram todas mencionadas no Velho Testamento e conhecidas por aqueles que estavam familiarizados com aquelas Escrituras. O Velho Testamento claramente predizia um Messias judaico reinando sobre toda a Terra com Israel e as nações gentias regozijando-se submissas a Ele. Mas o Mistério revela algo mais. Quando Cristo reinar, Ele terá um complemento celestial ao Seu lado – a Igreja, Seu corpo e Sua noiva. Deus usará esse vaso especialmente formado para realçar a glória de Cristo naquele dia de manifestação (Ap 21:9-22:5). Além disso, o Mistério revela que Cristo não apenas reinará sobre a Terra, mas sobre todo o universo (os céus e a Terra); tudo estará sob a administração de Cristo e da Igreja.
A Relação Entre Colossenses e Efésios
As epístolas aos Efésios e aos Colossenses têm uma grande semelhança em caráter e poderiam ser chamadas de epístolas “companheiras”. Alguém apontou que nada menos que 54 versos dos 155 versos em Efésios são semelhantes aos encontrados em Colossenses! Ambas foram escritas em Roma, enquanto o apóstolo era um prisioneiro lá, e foram enviadas na mesma ocasião (com a epístola a Filemom) pelo mesmo mensageiro – Tíquico (Ef 6:21-22). Onésimo é incluído na entrega da epístola aos Colossenses (Cl 4:7-9).
Juntamente com Filipenses, essas três chamadas epístolas da “prisão” são encontradas lado a lado em nossas Bíblias e, no que diz respeito à revelação da verdade, se complementam uma à outra. Efésios e Colossenses desenvolvem a verdade do Mistério em dois aspectos diferentes, e em Filipenses vemos um homem (Paulo) andando no benefício da verdade do Mistério. Assim, nos dá uma descrição do estado da alma que deve marcar alguém que conhece essa grande verdade. A epístola a Filemon (que era um colossense) também foi escrita ao mesmo tempo que a epístola aos Colossenses e foi levada por Onésimo para Filemon.
Colossenses é a contraparte de Efésios. Embora as duas epístolas tenham uma notável semelhança, em muitos aspectos elas se contrastam, dando o lado oposto (mas complementar) da verdade do Mistério. Por exemplo:
- Efésios desenvolve o lado futuro do Mistério. Isto é, o que será manifestado quando Cristo e a Igreja reinarem sobre o universo de acordo com o propósito eterno de Deus (Ef 1:8-10). Enquanto que Colossenses enfatiza sua manifestação presente desta grande verdade neste mundo por meio dos santos (Cl 1:27).
- Em Efésios, o crente é visto sentado em lugares celestiais com a criação abaixo dele (Ef 2:6), enquanto que em Colossenses o crente é visto na Terra tendo diante de sua alma a esperança de estar no céu (Cl 1:5).
- Efésios vê os santos “em Cristo” (Ef 1:3, etc.), enquanto Colossenses enfatiza Cristo nos santos (Cl 1:27 – “Cristo em vós”).
- Quanto à união de Cristo e a Igreja, Efésios se ocupa dos privilégios do “corpo” – o corpo de Cristo sendo o versículo central da epístola (Ef 4:12). Ao passo que Colossenses revela a plenitude que reside na “Cabeça” – a Cabeça sendo o versículo central da epístola (Cl 2:19).
- Em Efésios, a Igreja é vista como “a plenitude [o complemento – TB]” d’Ele, que enche tudo em todas as coisas (Ef 1:23), enquanto que em Colossenses, Cristo é a “plenitude” da Divindade e nossa plenitude está n’Ele (Cl 2:9).
- Em Efésios, “o Espírito Santo” tem um lugar proeminente no desenvolvimento da verdade em relação ao crente, mas em Colossenses “o Espírito” é mencionado apenas uma vez (cap. 1:8).
- A “herança” em Efésios, é vista como as coisas materiais desta criação (Ef 1:11, 14, 18), enquanto que a herança em Colossenses é a nossa “porção” espiritual de bênçãos em Cristo no alto (Cl 1:12 – JND).
- As duas coisas características de Deus com as quais o homem foi originalmente criado (“imagem” e “semelhança” – Gn 1:26), que foram perdidas na queda, são vistas como recuperadas na raça da nova criação nessas epístolas. Efésios se ocupa da semelhança sendo recuperada (Ef 4:21-32) e Colossenses da imagem sendo corrigida (Cl 3:5-14).
- Efésios não tem a partícula condicional “se”, mas Colossenses tem (Cl 1:23, etc.).
- Usando a tipologia na conquista de Canaã por Israel, Efésios vê o crente estabelecido no benefício da terra, enquanto Colossenses vê o crente apenas sobre o Jordão, julgando-se em Gilgal. Portanto, ele ainda não está na posse da terra.
O Desenvolvimento da Verdade nas Epístolas de Paulo
Tem sido dito frequentemente que a mais alta verdade da Bíblia é encontrada nas epístolas aos Efésios e aos Colossenses. Há uma progressão distinta da verdade em conexão com nossa identificação com Cristo nas epístolas de Paulo. Elas são:
A epístola aos Colossenses não apresenta Cristo como “crucificado”, como fazem as epístolas aos Romanos e aos Gálatas. Ela começa com o desenvolvimento da verdade sobre nossa identificação com Cristo como “morto”, “sepultado”, “vivificado” e “ressuscitado” com Ele. Não chega, no entanto, à altura de Efésios, onde o crente é visto “assentado” n’Ele nos lugares celestiais (Ef 2:6). Em Colossenses, o crente é visto na Terra com uma esperança depositada para ele no céu (Cl 1:5). A posição do crente em Colossenses é semelhante à do próprio Senhor depois que Ele ressuscitou dos mortos, mas ainda não havia subido ao Pai. J. N. Darby disse: “Colossenses é o homem ressuscitado ainda na Terra, o estado subjetivo, o que se refere ao céu, mas não ali, como o próprio Cristo por quarenta dias – o Jordão cruzado, mas não a posse tomada de Canaã” (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, nota de rodapé em Êxodo 14, pág. 98).
Duas Visões Diferentes do Homem na Carne nas Epístolas de Paulo
A condição caída do homem é vista de duas maneiras diferentes nas epístolas de Paulo:
- Em Colossenses e Efésios, o homem é visto como morto em seus pecados (Ef 2:1-3; Cl 2:13).
- Em Romanos e Gálatas, o homem é visto como vivo em seus pecados (Rm 1:32; Gl 1:4).
Além disso, em Romanos, o próprio Cristo é visto como vivo na Terra, “nasceu da descendência de Davi segundo a carne, Declarado Filho de Deus em poder” (Rm 1:3-4). Enquanto que em Colossenses e em Efésios, Cristo é visto como morto, e o poder de Deus foi aplicado a Ele ao ressuscitá-Lo dentre os mortos e colocá-Lo à Sua própria direita (Ef 1:19-21; Cl 1:18, 2:12).
O remédio para a dupla condição caída do homem é encontrado em Cristo de duas maneiras – em Sua morte e em Sua ressurreição. Na visão de Romanos sobre o homem, este é visto vivendo na Terra como um pecador culpado. Ele é tão afetado pela desordem de seus pecados e pelo domínio de sua natureza pecaminosa, que ele não tem poder para interromper o curso pecaminoso de sua vida. O modo de Deus libertá-lo de sua condição lastimável é colocá-lo na morte. Esta é a linha da verdade que é desenvolvida em Romanos. A morte de Cristo é trazida (e a identificação do crente com ela) como o remédio para essa condição. Cristo morreu e derramou Seu sangue (Rm 3:25, 4:25, 5:6-8) para tirar os pecados do crente, mas também para judicialmente colocar um fim ao pecador diante de Deus, e assim quebrar seu vínculo com aquela condição em que ele vive (Rm 6:1-11; Gl 2:20). Mas na visão de Efésios sobre o homem, este é visto como morto em delitos e pecados (Ef 2:1), e o remédio para ele é encontrado no poder de Deus que ressuscitou Cristo dos mortos, trabalhando para vivificá-lo juntamente com Cristo (Ef 2:5). Assim, ele é libertado do estado de morte espiritual no qual foi mantido. A epístola aos Colossenses na verdade tem ambos os aspectos (Cl 211-13).
A Escrita da Epístola
Paulo não foi o instrumento pelo qual a assembleia de Colossos foi formada. Muitos dos colossenses nunca tinham visto seu rosto (Cl 2:1). Assim como a assembleia em Roma, a assembleia em Colossos tinha sido estabelecida por meio dos trabalhos de outros servos do Senhor. A assembleia colossense foi provavelmente o fruto dos trabalhos de Epafras (Cl 1:7; 4:12-13) que pode ter sido salvo por meio de Paulo em algum momento anterior (At 19:10).
Não nos é dito por que Epafras estava em Roma com Paulo. Ele poderia ter ido lá para informá-lo do problema em relação ao ensino novo e falso que estava circulando na área colossense e para buscar o conselho de Paulo. Tudo o que sabemos é que Epafras de alguma forma acabou preso em Roma e foi um “companheiro de prisão” com Paulo (Fm 23). Isso explica por que Tíquico levou a carta aos colossenses, e não Epafras (Cl 4:7-8). Parece que a epístola foi escrita em resposta ao pedido de ajuda de Epafras. Uma vez que Paulo sabia que Epafras era firme na verdade, recomendava a ele e ao seu ministério pelos colossenses como algo a se prestar a atenção (Colossenses 1:7).
Assim como a epístola aos Filipenses, também não há citações do Velho Testamento nesta epístola. Paulo pode ter evitado citá-lo porque a assembleia de lá era composta principalmente de gentios convertidos e, naturalmente, eles não estariam familiarizados com essas Escrituras. Ou, pode ter sido porque havia uma forte presença judaica entre os místicos que estavam tentando ganhar terreno entre os colossenses, e eles poderiam ter interpretado tais citações como sendo a aprovação de Paulo em se guardar a lei.