A EPÍSTOLA AOS HEBREUS – O Novo e Vivo Caminho de Aproximação a Deus em Ado- ração no Cristianismo

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INTRODUÇÃO

Esta é uma das quatro epístolas inspiradas que foram escritas para estabelecer os judeus convertidos na verdade do Cristianismo. Essas epístolas (Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro) – às vezes chamadas de “Epístolas Cristãs Hebraicas” – são especificamente relacionadas a coisas que dizem respeito aos crentes vindos do judaísmo.

A epístola aos Hebreus trata do esforço envolvido quando judeus deixam o judaísmo para receber o Cristianismo. Tendo sido criados em uma longa e rica herança no judaísmo, que lhes foi dada por Deus por meio de Moisés, é compreensível que tivessem dificuldade em abandonar tal herança. Suas consciências haviam sido formadas para adotar aquele modo judaico de se aproximar de Deus; desistir disso fez com que se sentissem como se estivessem violando sua consciência. O que eles precisavam entender era que o mesmo Deus, que havia estabelecido o judaísmo há muito tempo, agora estava chamando-os para fora disso porque Ele tinha algo melhor para eles em Seu Filho no Cristianismo. O escritor da epístola chama isso de o “novo e vivo caminho” de se aproximar de Deus (Hb 10:20). Não obstante, se as coisas que são apresentadas nesta epístola fossem entendidas apropriadamente e postas em prática por fé, libertariam o crente judeu desse sistema e o estabeleceria firmemente no caminho Cristão.

Por Que Deixar o Judaísmo?

Para um judeu cuja mente está acomodada no judaísmo, toda a ideia de deixar aquela religião ordenada por Deus é inconcebível. Ele pergunta: “Por que alguém iria querer deixar aquilo que Deus estabeleceu como sendo o caminho correto e apropriado para os homens se aproximarem d’Ele em adoração? Seria desobediência!” A resposta é dupla: em primeiro lugar, porque aqueles sacrifícios judaicos, formas e ritos serviram ao seu propósito como sendo uma “figura” dos “bens futuros”, que agora foram cumpridos na vinda de Cristo (caps. 8:5, 9:11, 10:1). Os benefícios que fluem de Sua obra consumada na cruz não são apenas para os Cristãos, mas também para Israel e as nações gentias que serão abençoadas em Seu reino milenar vindouro (ver Collected Writings of J. N. Darby, vol. 27, pág. 385). Portanto, não há agora necessidade da “sombra” dessas coisas do judaísmo quando temos “a imagem exata das coisas” (cap. 10:1).

Em segundo lugar, Deus chamou uma nova companhia celestial de crentes à existência (a Igreja) que é separada e distinta de Israel, e que não tem necessidade de formas externas e rituais em sua aproximação a Deus. Antes que a fundação do mundo fosse estabelecida – e, portanto, antes que Deus chamasse Israel para um relacionamento de concerto Consigo – Ele propôs chamar este grupo celestial de crentes para fora do mundo e dar-lhes um destino celestial com Cristo. Deus não revelou isso nos tempos do Velho Testamento, mas esperou que a redenção fosse consumada na morte de Cristo na cruz. Depois disso, Deus enviou o Espírito para revelar este segredo o qual o Novo Testamento chama de “o Mistério” (Rm 16:25; 1 Co 4:1; Ef 1:8-10, 3:3-11, 5:32, 6:19; Cl 1:5, 25-27, 2:2-3).

O chamado e a formação da Igreja seriam um conceito completamente novo para os judeus, porque é algo que está fora do âmbito da revelação dada a eles no Velho Testamento. A formação da Igreja neste tempo atual não invalida de modo algum as promessas de Deus de abençoar Israel de acordo com o que os seus profetas ensinaram. Deus manterá a Sua Palavra para eles e os abençoará na Terra no reino milenar de Cristo. Em contraste com isso, a esfera de bênção da Igreja em Cristo é celestial. Assim, no reino vindouro, haverá duas esferas de glória e bênção para os homens redimidos – “no céu” e “na Terra” (Ef 1:10).

Judeus e gentios que creem no evangelho da graça de Deus hoje são selados com o Espírito Santo e, assim, fazem parte dessa nova companhia celestial. Visto que o chamado e destino deles é habitar eternamente com Cristo nos céus (1 Co 15:48-49; 2 Co 5:1; Ef 1:3, 2:6, 6:12; Fp 3:20; Cl 3:1-2; Hb 3:1, 8:1-2, 9:11, 10:19-22, 11:16, 12:22, 13:14; 1 Pe 1:4), foi-lhes dado “um novo e vivo caminho” para se aproximarem de Deus em adoração dentro do “santíssimo lugar” (AIBB) – a presença imediata de Deus (Hb 10:19-22). Isso é uma coisa espiritual (Jo 4:23-24), em oposição à adoração de Israel, que era predominantemente uma ordem externa de formas e rituais. Isto é porque a adoração de Israel foi concebida para uma companhia terrena de pessoas com um chamado e destino terrenal, enquanto a adoração Cristã é uma coisa celestial concebida para uma companhia celestial de pessoas. De muitas maneiras, essas são ordens contrastantes. Visto que os Cristãos estão na presença de Deus com esta sublime liberdade de se aproximar (“aproximemo-nos” – ARA) dentro do véu, no verdadeiro santuário no céu (Hb 8:1-2, 10:19-22), não precisam de um sistema de formas e rituais nem de uma casta de sacerdotes para se achegarem de Deus em adoração. Assim sendo, os crentes no Senhor Jesus que vêm da prática do judaísmo são exortados nesta epístola a deixar aquela ordem terrena para o “novo e vivo caminho” no Cristianismo, porque, quanto à sua posição diante de Deus, eles não são mais judeus, mas Cristãos (Gl 3:28; Cl 3:11).

Em um dia vindouro, quando o reino de Cristo for estabelecido, a ordem externa de adoração no judaísmo será usada novamente na Terra pelo Israel redimido para comemorar o grande sacrifício de Cristo na cruz – o qual eles aceitarão de bom grado (Ez 43-46). Mas hoje, para a companhia celestial (a Igreja), esse sistema terreno de aproximação a Deus simplesmente não é necessário – na verdade, é um obstáculo para os Cristãos (Hb 5:11-14). Portanto, os judeus que recebem a Cristo como seu Salvador (e são assim parte da Igreja) são exortados nesta epístola a sair “fora do arraial [acampamento] (TB) do judaísmo para ir a Cristo, que está atualmente fora desse sistema (Hb 13:13).

A ideia de deixar o judaísmo não é algo exclusivo do escritor de Hebreus. O próprio Senhor Jesus ensinou que quando Ele fosse rejeitado por Sua própria nação, Ele guiaria “Suas ovelhas” (verdadeiros crentes) para fora do aprisco do judaísmo, para o “rebanho” do Cristianismo, onde elas seriam unidas com “outras ovelhas”– crentes dentre os gentios (Jo 10:1-16). Isto não é algo que Ele fez durante a Sua vida e ministério na Terra, mas somente depois que todos os esforços do Espírito Santo para chamar a nação ao arrependimento (por meio dos apóstolos) falharam (At 1-7). Foi somente após a rejeição formal de Cristo pelos líderes da nação, demonstrada ao apedrejarem Estêvão (At 7), que Ele iniciou Sua obra de levar os crentes para fora do aprisco judaico.

O Custo de Deixar o Judaísmo

Tal passo, no entanto, foi (e ainda é) uma coisa dispendiosa para os Cristãos judeus. Quando alguém deixava a fé de seus antepassados pelo Senhor Jesus, era considerado um apóstata (“apostataram de Moisés” At 21:21 – ARA). Era “excomungado” da congregação (Jo 9:34 – KJV, nota de rodapé) e, posteriormente, perseguido por seus compatriotas (Hb 10:33-34). Muitas vezes sua família faria um funeral simulado dele e o deserdaria! Em alguns casos, deixar o judaísmo levaria ao martírio (At 22:4).

Todo esforço concebível seria feito para convencer aquele que havia se afastado do judaísmo ao Cristianismo para renunciar a Cristo e retornar ao judaísmo. Argumentos fortes seriam usados para persuadir a pessoa de seu, assim chamado, “erro”. Os judeus orgulhosamente apontariam para a herança que tinham no judaísmo. Eles tinham os escritos de seus profetas (as Escrituras), o ministério de anjos, grandes líderes como Moisés e Josué, uma herança na terra de Canaã de onde fluía leite e mel, o sacerdócio aarônico, o santuário sagrado onde o próprio Deus morava, o concerto da Lei que moralmente era santa, justa e boa, e o serviço venerado de Deus realizado por uma elaborada variedade de rituais, sacrifícios e ofertas. Os judeus incrédulos perguntavam ao desertor: “Por que você iria querer deixar uma herança tão rica por uma nova religião que não tem nada a mostrar, senão uma mesa com pão e vinho num cenáculo?” Para o judeu que se apegava firmemente ao judaísmo, isso não fazia sentido.

Os judeus incrédulos perguntariam: “O que o Cristianismo tem em comparação com tudo isso que temos no judaísmo?” Esta epístola oferece ao crente judeu uma resposta definitiva a essa provocação. O escritor, por inspiração divina, prossegue mostrando uma coisa venerável após a outra que distingue a religião dos judeus, e a compara com o que temos no Cristianismo, e em todos os casos, mostra que os Cristãos têm algo muito superior em Cristo. Ele apresenta:

  • A superioridade do Filho aos profetas (cap. 1:1-3).
  • A superioridade do Filho aos anjos (caps. 1:4–2:18).
  • A superioridade do Filho a Moisés, o mediador (cap. 3:1-19).
  • A superioridade do Filho a Josué, o comandante militar (cap. 4:1-16).
  • A superioridade do sacerdócio de Cristo ao sacerdócio de Aarão (caps. 5-7).
  • A superioridade do Novo Concerto ao Velho Concerto (cap. 8:1-13).
  • A superioridade do único sacrifício de Cristo aos sacrifícios no grande dia da expiação (caps. 9–10:18).
  • A superioridade do acesso à presença de Deus pelo sangue de Cristo (caps. 8:1-6, 9:8, 10:19-22).

O grande ponto apresentado na epístola é que Cristo é superior a todas as formas e rituais do judaísmo. Como o leitor notará, as palavras características ao longo do livro são “excelente, maior, melhor” (caps. 1:4, 6:9, 7:7, 19, 22, 8:6, 9:23, 10:34, 11:16, 35, 40, 12:24).

Coisas Eternas na Epístola

É interessante que por toda a epístola o Espírito de Deus procura fazer o coração do leitor apegar-se às coisas celestiais e eternas, em vez do que é terreno e temporal. J. N. Darby disse: “O leitor observará quão ansiosamente, por assim dizer, a epístola aqui vincula a designação de ‘eterno’ a tudo. Não era um relacionamento temporário ou terreno com Deus, mas um relacionamento eterno; tanto de redenção quanto de herança. Correspondendo a isto, quanto à obra na Terra, é de uma vez por todas. Não é sem importância notar isso quanto à natureza da obra. Por isso, a designação está ligada até mesmo ao Espírito” (Synopsis of the Books of the Bible, nota de rodapé, pág. 335 – edição de Loizeaux). Esses são:

  • “Eterna” salvação (cap. 5:9).
  • “Eterno” juízo (cap. 6:2).
  • “Eterna” redenção (cap. 9:12).
  • “Eterno” Espírito (cap. 9:14).
  • “Eterna” herança (cap. 9:15).
  • “Eterno” concerto (cap. 13:20).

Além disso, o escritor também usa outros termos e expressões para indicar coisas eternas:

  • O trono do Filho é “pelos séculos dos séculos” (cap. 1:8).
  • Ele é um sacerdote “eternamente” (caps. 5:6, 7:21).
  • O Filho é aperfeiçoado “para sempre” (cap. 7:28)
  • O Filho Se assenta “para sempre” à direita de Deus (cap. 10:12).
  • Os crentes são aperfeiçoados “para sempre” (cap. 10:14).

O Escritor da Epístola – Paulo

A epístola é anônima. A Versão King James declara no título da epístola o apóstolo Paulo como sendo o seu escritor, mas o título em que isto é afirmado não é divinamente inspirado – embora a maioria dos estudiosos da Bíblia concorde que a King James está correta. Isso foi deduzido de uma declaração que o apóstolo Pedro fez em sua segunda epístola. Ele disse que uma epístola havia sido escrita por Paulo aos judeus, que ele classifica entre as “Escrituras” (2 Pe 3:15-16). A que outra epístola ele poderia estar se referindo senão a esta? Se não for a esta epístola aos Hebreus, então Pedro estava se referindo a uma epístola de Paulo divinamente inspirada que foi perdida! Isso significaria que Deus não preservou todas as Escrituras para nós – algo que os Cristãos, por unanimidade, não aceitam.

Há também certas evidências internas dentro da epístola que apontam para Paulo como sendo o autor. Por exemplo, o uso extensivo de figuras judaicas e as muitas citações das Escrituras do Velho Testamento mostram que o escritor está propositadamente tentando ganhar a atenção daqueles a quem está escrevendo, favorecendo suas tendências, sem comprometer a verdade. Este é um princípio sobre o qual Paulo atuou em seu ministério. Ele disse: “fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus” (1 Co 9:20). Além disso, a maneira como se fala de Timóteo sugere que é Paulo (Hb 13:23).

Pode ser perguntado: se ele é o escritor, por que ele não se apresentou em sua forma normal, como em suas outras epístolas? Existem duas ou três razões. Primeiro, Paulo não mencionou seu apostolado aqui ao escrever aos seus irmãos hebreus porque o seu apostolado era exclusivamente para o seu trabalho entre os gentios. Ele era o “apóstolo dos gentios” (Rm 11:13, 15:16; Gl 2:8). Ele não tinha autoridade para se dirigir a seus compatriotas como um apóstolo. O apostolado de Pedro, por outro lado, era para a sua obra entre os judeus (Gl 2:7-8). Isso não significa que Paulo não pudesse se dirigir a seus irmãos judeus; significa apenas que se e quando fizesse, não poderia fazê-lo com autoridade apostólica.

Uma segunda razão pela qual ele não mencionou seu apostolado foi porque a função do Espírito de Deus na epístola é apresentar a Cristo como o grande “Apóstolo” de nossa confissão (Hb 3:1). Introduzir o seu apostolado poderia trazer confusão e desviar desse objetivo. Assim, Paulo gostaria que seus leitores entendessem que a mensagem na epístola vinha de um Apóstolo maior do que ele – o Senhor (caps. 1:2, 12:24-25). Paulo, portanto, alegremente permanece em segundo plano, a fim de trazer Cristo à frente de uma maneira mais pronunciada.

Uma terceira razão poderia ser que, se a epístola, que foi escrita para judeus crentes, caísse nas mãos de judeus incrédulos, e eles soubessem que seu autor era Paulo, eles nunca a teriam lido. Eles teriam descartado a coisa toda imediatamente porque Paulo era considerado um desertor do judaísmo.

Uma Multidão Mista 
Cinco Advertências Contra A Apostasia

A epístola foi escrita principalmente para o remanescente da nação que acreditou no evangelho e recebeu a Cristo como seu Salvador. No entanto, é evidente a partir dos avisos incluídos na epístola, que parecia haver alguns entre esse grupo que eram crentes meramente professos e de maneira nenhuma eram verdadeiros. Esses podem ter sido atraídos pelas bênçãos externas ligadas ao Cristianismo (os poderosos sinais e milagres, etc.), mas, infelizmente, não tinham fé verdadeira em Cristo. Era, portanto, uma multidão mista.

Os judeus que assumiram a posição Cristã estavam sofrendo perseguição de seus compatriotas descrentes e, sob essa ameaça, estavam ficando desgastados e indecisos no caminho. Alguns foram tentados a desistir e voltar ao judaísmo. Para aqueles que estavam meramente professando crer, retirar-se do Cristianismo seria apostasia. A apostasia é o abandono formal da fé que uma pessoa professou. Isso é algo que somente um crente meramente professo poderia fazer e faria. É uma coisa muito solene, pois uma vez que uma pessoa apostata do Cristianismo, não há esperança de voltar em arrependimento. A escritura diz que recuperar tal pessoa é “impossível” (Hb 6:4-6). Uma vez que havia alguns dentre eles que estavam em perigo de apostatar o escritor apresenta, no decorrer da epístola, cinco advertências distintas contra o afastamento do terreno Cristão e o retorno ao judaísmo (caps. 2:1-4, 3:7-4:11, 5:11-6:20, 10:26-39, 12:16-27). Nessas advertências, ele explica em termos inequívocos a fatalidade de tal passo e encoraja-os a prosseguir no caminho Cristão com fé verdadeira, em vez de ser daqueles “que se retiram para a perdição” (cap. 10:39).

Alguns Cristãos pensam que essas advertências ensinam que um crente pode perder sua salvação se se afastar do Senhor. Eles apontam para passagens semelhantes como: Mt 7:21-23, 12:43-45, 13:5-6, 20-21, 24:13, 25:26-30; Mc 3:28-30; Lc 22:31-32; Jo 15:2-6; Rm 11:22; 1 Co 9:27, 15:2; Hb 6:4-6, 10:26-29, 12:14; 2 Pe 2:1, 20-21 para apoiar seu argumento. No entanto, um olhar mais atento a essas passagens da Escritura mostra que elas não estão falando de verdadeiros crentes no Senhor Jesus Cristo, mas crentes meramente professos que apostataram da fé Cristã. O problema que leva muitos a essa conclusão equivocada é que eles não sabem a diferença entre desvio e apostasia. Ambas as coisas se referem a uma pessoa se afastando de Deus, mas uma (apostasia) é infinitamente pior que a outra. Um verdadeiro crente pode se desviar, vacilar em suas convicções e caminhar distante do Senhor, mas não abandonará a fé e nem rejeitará a Cristo, o que é apostasia.

Pode ser perguntado: “Por que essas advertências relativas à apostasia seriam declaradas nas Escrituras, que são escritas aos crentes, se não têm aplicação para crentes?” A resposta é que os escritores divinamente inspirados do Novo Testamento estavam, em muitas ocasiões, se dirigindo a uma multidão mista de crentes verdadeiros e de crentes meramente professos, como é o caso desta epístola. Assim, suas observações incluíam advertências para qualquer um que estivesse meramente professando fé em Cristo e que estavam circulando entre os verdadeiros crentes. Tais observações tinham a intenção de atingir as consciências dessas pessoas e despertá-las para a necessidade de serem salvas. Eles são, assim, avisados de que, se abandonarem a fé Cristã, na qual professavam crer, estariam perdidos para sempre! A perseverança, portanto, é a melhor e mais segura garantia da genuinidade de alguém (cap. 3:6).

Os Dois Tipos de “Se” nas Escrituras

Hebreus é uma epístola do “deserto”. Isto é, os santos são vistos na Terra sob provas, caminhando nos passos de fé tendo diante deles Cristo no céu como seu objetivo. As epístolas do deserto (1 Coríntios, Filipenses, Hebreus, 1 Pedro etc.) são marcadas por terem a partícula condicional “se” em seu texto.

De fato, existem dois tipos de “se” na Escritura que são bem diferentes: o “se” de condição e o “se” de argumentação. O “se” de condição assume que há uma possibilidade de falha no caminho, resultante de uma pessoa não ser verdadeira ou de a fé na justiça naufragar de alguma forma. Estes são os tipos de “se” que são encontrados nas epístolas do deserto. O “se” de argumentação, por outro lado, tem a ver com o escritor estabelecer certos fatos em sua apresentação, e então basear-se nesses fatos para chegar a uma afirmação. Neste caso, a palavra “se” poderia ser substituída por “já que”. Tem sido dito frequentemente que Efésios não tem “se” de condição. Naquela epístola, os santos não são vistos como sendo testados na Terra, mas sim assentados juntamente nos lugares celestiais em Cristo (Ef 2:6 – JND). Colossenses, por outro lado, tem ambos: há um “se” de condição no capítulo 1:23 e há “se” de argumentação nos capítulos 2:20 e 3:1. Hebreus também tem os dois tipos de “se”.

A Aplicação da Epístola à Cristandade

Embora a epístola tenha sido escrita para os crentes judeus para ajudá-los a se libertarem do judaísmo, não devemos pensar que isso não tem nenhuma aplicação para os gentios que creram no evangelho. A profissão Cristã historicamente, e em geral hoje, não entendeu o chamado e o caráter celestial da Igreja, e imaginou que é algum tipo de complemento a Israel. Os Cristãos geralmente entendem mal a instrução de Hebreus 9:8-9, 23-24, que ensina que o sistema do tabernáculo do Velho Testamento é uma figura do verdadeiro santuário no qual os Cristãos agora adoram pelo Espírito. Em vez de vê-lo como uma figura, eles usaram o tabernáculo como um modelo para suas igrejas e emprestaram muitas coisas em um sentido literal daquela ordem judaica para seus locais de adoração e seus serviços religiosos. Assim, eles perderam completamente o ponto de que Deus não quer uma mistura dessas duas ordens diferentes de adoração (Hb 13:10).

A seguir, uma lista de algumas das coisas que foram emprestadas do judaísmo na formação de grupos denominacionais e não denominacionais da igreja:

  • O uso literal de templos ornamentados e catedrais para locais de adoração.
  • Uma casta especial de homens ordenados que oficia em nome da congregação.
  • O uso de instrumentos musicais para ajudar na adoração.
  • O uso de um coral.
  • O uso de incenso para criar uma atmosfera religiosa.
  • O uso de vestes pelos “ministros” e membros do coral.
  • O uso literal de um altar (não sacrificial).
  • A prática do dízimo.
  • A observância de dias santos e festivais religiosos.
  • Um registro de nomes de pessoas na congregação.

É verdade que muitas dessas coisas judaicas foram alteradas de algum modo por esses grupos religiosos para se adequarem a um contexto Cristão, mas esses locais de adoração ainda têm os ornamentos do judaísmo. De fato, infelizmente, essa ordem judaica permeou a Igreja. Muito do que existe há tanto tempo no Cristianismo tornou-se aceito pelas massas como o ideal de Deus. A maioria das pessoas hoje acha que é bom e correto ter essa mistura judaico-Cristã. Infelizmente, a mistura dessas duas ordens de adoração destruiu a distinção de cada uma delas, e o que resultou da mistura é algo que não é o verdadeiro judaísmo, nem é o verdadeiro Cristianismo. Ambos foram estragados (Lc 5:36-39).

O que aconteceu em grande medida é que a Cristandade se uniu ao “arraial” da religião terrena do qual os crentes foram chamados a sair (Hb 13:13). F. B. Hole disse: “A importância desta epístola para o tempo presente é tal que nunca poderá se considerada exagerada. Multidões de crentes hoje, embora gentios e, portanto, não relacionados ao judaísmo, estão emaranhados em formas pervertidas de Cristianismo, que consistem, em grande parte, em formas, cerimônias e rituais que, por sua vez, são em grande parte uma imitação do ritual judaico, outrora ordenado por Deus para cumprir o tempo até que Cristo viesse” (Hebrews, pág. 1).

Como a Cristandade se tornou permeada de princípios e práticas judaicas, esta epístola tem uma aplicação prática importante para todos na profissão Cristã que proferem o nome do Senhor. Ela chama os crentes a “saírem” para Cristo “fora do arraial”, porque Ele não está conectado a essa ordem de coisas neste momento (Hb 13:13). Isso significa que devemos nos dissociar das práticas e princípios judaicos onde quer que sejam encontrados, estejam eles no judaísmo formal ou em lugares de adoração de mescla judaico-Cristã. Infelizmente, esse chamado é amplamente mal-entendido e geralmente ignorado pelos Cristãos.

Uma Breve Visão Geral da Epístola

A epístola tem duas partes principais: uma seção doutrinal, seguida por uma seção prática. Como na maioria das epístolas, as exortações práticas são baseadas na verdade doutrinal que foi ensinada.

DOUTRINAL (caps. 1-10:18)

Esta seção tem duas partes que se correlacionam com as duas maneiras pelas quais Cristo é apresentado na epístola – como o “Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão” (cap. 3:1). Ele é visto como um “Apóstolo” nos capítulos 1-2 e como nosso “Sumo Sacerdote” no capítulo 3-10:18. Um apóstolo é aquele que foi enviado por Deus para um propósito específico, e um sacerdote é aquele que entrou na presença de Deus para interceder pelos necessitados.

Como um “Apóstolo”, Cristo saiu “do Pai” para revelá-Lo e realizar a redenção (Jo 16:28a). Como tal, Ele é mostrado como sendo infinitamente superior aos dois grandes mensageiros que Deus usou no judaísmo – os profetas e os anjos.

Como um “Sumo Sacerdote”, Cristo entrou na presença de Deus para Se ocupar em Seu serviço atual como nosso Intercessor (Jo 16:28b; Rm 8:34; Hb 4:14). Ele foi para lá com um ministério que é tanto em relação ao homem como em relação a Deus:

  • Em relação ao homem – socorrer (ajudar) os necessitados (cap. 2:18), simpatizar com aqueles que têm fraquezas (cap. 4:15), conceder misericórdia e graça (cap. 4:16), ter compaixão dos ignorantes e daqueles fora do caminho (cap. 5:2), e salvá-los em um momento de necessidade (cap. 7:25).
  • Em relação a Deus – assegurar o novo concerto (cap. 8), oferecer-Se sem mancha a Deus como o supremo Sacrifício para aniquilar o pecado (cap. 9-10) e apresentar nossos louvores a Deus (caps. 10:21, 13:15).

PRÁTICA (caps. 10:19–13:25)

Esta seção contém exortações práticas baseadas na verdade que foi apresentada na parte doutrinal da epístola. Existem sete grupos principais de exortações centradas em torno das formas imperativas dos verbos: “cheguemo-nos; retenhamo-nos; consideremo-nos; deixemos” etc. (caps. 10:22, 23, 24; 12:1, 28; 13:13, 15).