A ORDEM DE DEUS

 

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PREFÁCIO

Este livro tem por objetivo exaltar o Senhor Jesus Cristo, e estabelecer o fato de que a Palavra de Deus deve ter a supremacia sobre quaisquer ideias e tradições humanas. Confiamos que estas páginas não apenas resultarão em glória e honra ao nosso Senhor Jesus Cristo, como também serão para bênção dos filhos de Deus.

Ao longo das páginas deste livro procuramos apontar, com fidelidade e cremos que também com amor, a falta de fundamento bíblico para a ordem de governo e prática tradicionalmente aceita entre os cristãos professos. Ao mesmo tempo nosso objetivo é apresentar princípios bíblicos da ordem estabelecida por Deus para o funcionamento de uma assembleia cristã. Não temos a intenção de denegrir qualquer uma das denominações existentes na cristandade ou os cristãos associados a elas. Não tivemos por objetivo fazer uma análise crítica das várias denominações religiosas existentes no cristianismo professo apenas pela crítica em si mesma, mas para apontar os erros do sistema como um todo. Nosso grande desejo é tornar conhecida a ordem bíblica dada por Deus para os cristãos se congregarem para adoração e ministério da Palavra, de maneira que todos os que tiverem tal exercício possam conhecer esse padrão em sua simplicidade. Confiamos que nas muitas coisas que comentamos aqui possa ficar notório o nosso genuíno amor e preocupação para com toda a família de Deus.

O autor não reivindica para si a originalidade da verdade que está compilada aqui. Estas coisas têm sido escritas e ensinadas por irmãos por mais de 150 anos. Nesta obra procuramos meramente fazer uma nova apresentação dessas verdades. Salvo indicação em contrário, as citações bíblicas utilizadas na edição em Português foram extraídas da Bíblia traduzida por João Ferreira de Almeida em suas versões Fiel, Revista e Corrigida, e Revista e Atualizada.

Encomendamos agora o leitor ao Senhor e à verdade que está aqui compilada. Nossa oração é que cada cristão que vier a ler este material será honesto, espiritual e maduro o suficiente para reconhecer a verdade que é aqui apresentada. Que Deus possa nos dar graça para cumprirmos a Sua vontade.

DENOMINACIONALISMO: UMA ORDEM DE DEUS OU DO HOMEM?

Todos os cristãos, em maior ou menor medida, buscam na Palavra de Deus (a Bíblia) o caminho da salvação, mas parece que são muito poucos os que, após terem sido salvos, buscam na Palavra para saber como o Senhor gostaria que se reunissem para a adoração e o ministério da Palavra. Apesar de todos acreditarem que só existe uma forma de serem salvos, muitos consideram que deve ficar a critério de cada um escolher como devem adorar. No cristianismo de nossos dias, parece que os cristãos estão agindo como os filhos de Israel no tempo dos Juízes: “Cada um fazia o que parecia bem aos seus olhos” (Jz 17:6; 21:25; Dt 12:8; Pv 21:2). Como resultado disso, existe hoje uma imensa variedade de opiniões sobre a adoração cristã, e boa parte conflitante entre si. Ao longo dos anos a maioria dos cristãos tem adorado cada um à sua maneira ou segundo um estilo peculiar às suas preferências pessoais e afiliação denominacional. Por gerações os cristãos têm literalmente aceitado o que a tradição legou à igreja sem questionar. Na verdade, a maioria acha que é assim que Deus quer que seja.

Será que Deus se importa com a maneira como o Seu povo O adora, ou o modo como se reúnem para o ministério da Palavra? Será que Ele tem uma opinião a respeito deste assunto? Já é hora de voltarmos aos fundamentos do cristianismo e buscarmos novamente nas Escrituras o que Deus tem a dizer sobre o assunto da ordem na igreja. Já que ela é a “igreja de Deus” (At 20:28), certamente Ele deve ter algo a dizer sobre o modo como os cristãos devem adorar. Cremos que o padrão para a adoração cristã e o ministério da Palavra, e também para o governo da igreja, estejam na Bíblia, mas parece que a maioria dos cristãos perdeu isto de vista.

Já que devemos estar “sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em [nós]” (1 Pd 3:15), precisamos ser capazes de dar uma resposta vinda da Palavra de Deus quanto à razão de adorarmos do jeito que o fazemos. Sendo assim, será que podemos apontar a autoridade das Escrituras para o modo como nos reunimos como cristãos para a adoração e o ministério da Palavra? Ou será que estamos apenas seguindo as tradições dos homens?

A fim de estimular nossos pensamentos ao longo destas linhas, faremos algumas perguntas como um desafio a todos os crentes quanto à autoridade bíblica da sua forma de adoração. As perguntas a seguir não têm por objetivo criticar a ordem adotada pela igreja dos dias atuais na adoração e ministério da Palavra, mas sim estimular nossos pensamentos quanto a qual seria realmente a ordem estabelecida por Deus.

Um desafio ao fundamento bíblico do cristianismo denominacional

1. Que autoridade nos dá a Palavra de Deus para estabelecermos igrejas denominacionais ou não denominacionais em meio ao testemunho cristão, quando as Escrituras condenam a criação de seitas e divisões entre os crentes? (1 Co 1:10; 3:3; 11:18-19) 2. Com que autoridade vinda de Deus os cristãos denominam suas assim chamadas “igrejas” como Presbiteriana, Batista, Pentecostal, Aliança, Cristã Reformada, Anglicana etc., quando não há na Bíblia instruções para nos reunirmos em qualquer outro nome além do nome do Senhor Jesus Cristo? (Mt 18:20; 1 Co 5:4) 3. Com que autoridade os cristãos denominam seus grupos eclesiásticos em honra de proeminentes e dotados servos do Senhor, como Luterana (Martinho Lutero), Menonita (Menno Simons), Metodista-Wesleyana (John Wesley) etc., quando as Escrituras denunciam a formação de grupos de cristãos em torno de um líder na igreja? (1 Co 1:12-13; 3:3-9) 4. Que autoridade os homens receberam de Deus para estabelecerem essas igrejas segundo distinções nacionais, como “Igreja da Inglaterra”, “Irmãos Menonitas Chineses”, “Igreja Ortodoxa Grega”, “Batista Filipina”, “Igreja de Deus Alemã” etc., quando as Escrituras nos dizem que não existem distinções nacionais ou sociais na igreja de Deus? (Cl 3:11) 5. Que autoridade têm os cristãos para ornamentarem seus lugares de adoração à semelhança do tabernáculo e do templo da ordem judaica do Antigo Testamento? Muitos desses edifícios, chamados de “igrejas”, são ornamentados com ouro e outros materiais preciosos. Muitos desses edifícios, chamados “igrejas”, têm um altar. Outros têm partes do prédio destacadas como sendo mais sagradas do que outras. Que autoridade têm os cristãos para emprestarem coisas assim do judaísmo, quando a Bíblia indica que o cristianismo não é uma extensão da ordem judaica, mas possui um caráter totalmente novo de aproximar-se de Deus? (Hb 10:19-20; 13:13; Jo 4:23-24) 6. Acaso existe qualquer fundamento na Palavra de Deus para a existência de campanários, cruzes e outras coisas que são construídas nessas assim chamadas “igrejas”?

7. Será que existe qualquer base na Palavra de Deus para chamar esses edifícios de “igrejas”? A definição bíblica de “igreja” é de uma reunião de crentes que, pelo evangelho, foram chamados para fora, tanto dentre os judeus como dentre os gentios, e são unidos em um único corpo a Cristo, sua Cabeça no céu, pela habitação do Espírito Santo. (At 11:22; 15:14; 20:28; Rm 16:5; 1 Co 1:2; Ef 5:25) 8. Que autoridade as Escrituras dão para se colocar um homem na igreja (chamado de Ministro ou Pastor) para “conduzir” a adoração? As Escrituras ensinam que o Espírito de Deus foi enviado ao mundo para guiar a adoração cristã (Fp 3:3; Jo 4:24; 16:13-15). A Bíblia indica que é o Senhor, por intermédio do Espírito, quem preside na assembleia dos santos e dirige os procedimentos do modo como Lhe apraz. (1 Co 12:11; Fp 3:3) 9. Com que autoridade das Escrituras os cultos de adoração nessas igrejas são organizados com antecedência? Em algumas se costuma distribuir um programa descrevendo a ordem como se dará a adoração naquele dia em particular.

10. Com que autoridade das Escrituras esses cultos nas igrejas são chamados de “adoração”, quando eles geralmente se constituem de apresentações musicais e de um homem ministrando um sermão?

11. Que autoridade o Novo Testamento dá para se utilizarem instrumentos musicais na adoração cristã? A adoração cristã é aquela produzida no coração pelo Espírito de Deus, e não por meios mecânicos através de mãos humanas. (At 17:24-25) 12. Com que autoridade das Escrituras são repetidas orações escritas previamente e impressas em livros de oração durante as reuniões da igreja? A Bíblia diz que não deveríamos usar de vãs repetições em nossas orações, mas que estas deveriam ser nossas próprias palavras saídas do coração. (Mt 6:6-8; Tg 5:16; Sl 62:8) 13. Que autoridade há para se ensaiar os Salmos nos chamados “cultos de adoração”, quando os Salmos expressam os sentimentos de pessoas que não estavam sobre um fundamento cristão e nem conheciam os privilégios cristãos?

14. Por que a maioria das igrejas celebra a ceia do Senhor uma vez por mês ou a cada 3 meses, quando o costume da igreja nas Escrituras, inicialmente estabelecido pelo ministério de Paulo, era de se partir o pão a cada dia do Senhor? (At 20:7) 15. Que autoridade há nas Escrituras do Novo Testamento para se designar um coro de cantores treinados para ajudar na adoração cristã?

16. Que autoridade há nas Escrituras para o uso de vestimentas especiais durante os cultos de adoração cristã? Os corais costumam estar vestidos assim e dependendo do lugar o Ministro também usa uma vestimenta característica.

17. Que autoridade têm essas igrejas para permitir que mulheres preguem e ensinem publicamente, quando a Bíblia diz que o papel das irmãs não é uma atuação pública na igreja, seja na administração, seja no ensino e pregação? As Escrituras dizem que elas devem permanecer em silêncio na assembleia. (1 Co 14:34-38; 1 Tm 2:11-12) 18. Que autoridade há para as mulheres dessas igrejas orarem e profetizarem (ministrarem a Palavra) com suas cabeças descobertas, quando a Palavra de Deus diz que deveriam cobrir a cabeça? (1 Co 11:1-16) 19. Que autoridade as Escrituras dão para permitir que apenas certas pessoas (como o Pastor ou Ministro) se ocupem do ministério da Palavra de Deus? Por que não há liberdade nessas igrejas para todos os que forem capacitados ministrarem guiados pelo Espírito? A Bíblia ensina que quando os cristãos se reúnem em assembleia, todos (os varões) devem ter liberdade para ministrar conforme o Senhor guiá-los por intermédio do Espírito. (1 Co 12:6, 11; 14:24, 26, 31) 20. Que autoridade as Escrituras dão para apoiar a ideia de que uma pessoa precisa ser ordenada para estar no ministério? Não existe na Bíblia um pastor, mestre, evangelista, profeta ou sacerdote que tenha sido ordenado para pregar ou ensinar! As Escrituras ensinam que o simples fato de uma pessoa possuir um dom espiritual é sua garantia para usá-lo! (1 Pd 4:10-11) 21. Que autoridade as Escrituras dão para fundamentar a ideia de que existem hoje no mundo homens que teriam poder para ordenar outros? Onde eles conseguiram tal poder?

22. Acaso existe qualquer autoridade para dar a pessoas títulos de “Pastor” (por exemplo, “Pastor João”), quando nas escrituras esse dom nunca foi atribuído a alguém como um título?

23. Onde nas Escrituras existe autoridade para fazer de um homem o Pastor de uma igreja local quando as Escrituras nunca falam do dom de pastor como um ofício local? (Ef 4:11) 24. Com que autoridade das Escrituras os assim chamados Ministros se denominam a si mesmos “Reverendos”, quando a Bíblia diz que “Reverendo” é o nome do Senhor? (Sl 111:9 versão inglesa) Alguns clérigos adotam o nome “Padre” (“Pai”), apesar de as Escrituras deixarem claro que não deveríamos chamar ninguém de “Pai”! Outros adotam o título de “Doutor” (que significa ‘mestre’ ou ‘instrutor’ em latim) quando as Escrituras também dizem para não procedermos assim. (Mt 23:8-10) 25. Seria a escolha de seu “Pastor” ou “Ministro” por uma igreja uma prática com base nas Escrituras? O procedimento usual é que o candidato a “Pastor” seja convidado por uma igreja para ter a oportunidade de provar que é qualificado para o posto ministrando alguns sermões. Se a sua pregação for aceitável, então a igreja (geralmente através de um corpo de diáconos) irá elegê-lo para ser seu “Pastor” local. Estaria este procedimento de acordo com a Palavra de Deus?

26. Onde nas Escrituras há autoridade para essas igrejas escolherem seus anciãos? Não existe na Bíblia uma única igreja que tenha escolhido seus anciãos.

27. Com que autoridade das Escrituras as igrejas tor-nam alguns dias “santos” e observam festas cristãs como Sexta Feira Santa, Dia de Todos os Santos, Quaresma, Natal etc.? As Escrituras dizem que o cristianismo não tem nada a ver com épocas e dias especiais. (Gl 4:10; Cl 2:16) 28. Que autoridade das Escrituras têm aqueles que ministram nos púlpitos dessas igrejas para ensinar doutrinas erradas como Teologia do Pacto, Amilenialis-mo, Segurança Condicional, Purgatório, Absolvição, Guarda da Lei etc.?

29. Acaso existe autoridade das Escrituras para se promover reuniões de “Testemunho”, onde um homem se levanta e diz para a audiência como ele foi salvo, geralmente descrevendo sua vida passada de pecados?

30. Que autoridade há no Novo Testamento para se recolher dízimo (10 % de nossa receita) da audiência, quando o dízimo é claramente uma lei Mosaica dada para Israel? (Lv 27:32, 34; Nm 18:21-24) 31. Onde há nas Escrituras base para campanhas para se levantar fundos e pedir doações de audiências mistas de salvos e perdidos nessas igrejas? A Bíblia indica que os servos do Senhor não tomavam “coisa alguma” das pessoas deste mundo que não eram salvas, quando pregavam o evangelho a elas. (3 Jo 7) 32. Seriam os seminários e escolas bíblicas o modo de Deus preparar um servo para o ministério? Conceder e receber diplomas e títulos (como Doutor em Divindade) seria uma prática fundamentada nas Escrituras? A Bíblia diz que não devemos dar títulos honoríficos uns aos outros. (Jó 32:21-22; Mt 23:7-12) 33. Será que existe qualquer fundamento na Palavra de Deus para essas igrejas enviarem Ministros e Pastores para um determinado lugar para executarem uma obra para o Senhor? Costumamos ouvir comentários como, “o Pastor fulano foi enviado por tal organização”. As Escrituras mostram que Cristo, a Cabeça da igreja e Senhor da seara, é quem envia os Seus servos para a obra que preparou para eles, por meio da direção do Espírito, e que a igreja deve tão somente reconhecer isso estendendo ao servo a destra à comunhão. (Mt 9:38; At 13:1-4; Gl 2:7-9).

34. Onde nas Escrituras vemos a ideia da igreja ser uma organização que ensina? Costumamos ouvir pessoas dizendo, “Nossa igreja ensina que…” Na Bíblia não vemos a igreja ensinando, mas sendo ensinada por indivíduos que são levantados pelo Senhor. (At 11:26; Rm 12:7; Ap 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22; 1 Ts 5:27)

Precisamos desaprender algumas coisas

Antes de tentarmos apresentar a ordem de Deus encontrada em Sua Palavra, de como os cristãos devem se reunir para a adoração e ministério da Palavra, e também a ordem de Deus para o governo da Igreja, infelizmente existem algumas falsas ideias que primeiro precisam ser descartadas. Do mesmo modo como um construtor cava fundo para remover uma grande quantidade de resíduos e solo ruim antes de assentar uma única pedra do alicerce (Lc 6:48), sentimos ser necessário descartar algumas ideias que passaram a ser aceitas no mundo cristão e que simplesmente não têm qualquer base nas Escrituras.

Com o tempo, muitas coisas passaram a ser aceitas pelas massas no testemunho cristão como se fossem a maneira de Deus fazer as coisas. Parece que pouquíssimas pessoas se deram ao trabalho de verificar se essas coisas estavam em conformidade com a Palavra de Deus, que é o mapa e guia do cristão. As pessoas simplesmente aceitaram tudo do jeito que receberam. Um dos problemas disso é que, após convivermos com certas coisas por muito tempo, elas tendem a ficar arraigadas em nossa mente como se fossem verdades, quando na realidade não passam de tradição. Essas ideias pré-concebidas anuviam nossos pensamentos e nos impedem de enxergar a verdade. Portanto, para muitos de nós, aprender a verdade da ordem de Deus de como os cristãos devem se reunir para adoração e ministério irá significar desaprender algumas coisas que equivocadamente assimilamos ao longo dos anos. E isso nem sempre é algo fácil de fazer.

Podemos fazer qualquer coisa que não tenha sido definida nas Escrituras?

Alguns cristãos respondem a estes questionamentos argumentando que se a Palavra de Deus não trata especificamente de algo ou não o proíbe, então Deus não vê problema nisso. Eles acham que se a Bíblia não abordar diretamente o assunto de como os cristãos deveriam se reunir para adoração e ministério, então isso ficaria à escolha e gosto de cada um. Consequentemente, não veem nada de errado em implementar no cristianismo coisas que não estejam na Bíblia.

Tal posição exime a igreja de nossos dias da responsabilidade pelo atual estado de coisas. Todavia, esse argumento está completamente equivocado, pois a Bíblia aborda sim a questão de como os cristãos devem se reunir para adoração e ministério. O ideal de Deus pode ser claramente encontrado na Bíblia. Talvez o padrão para a adoração e ministério cristão seja tão simples que as pessoas acabam passando por cima dele e achando que ele não exista. Boa parte da ordem tradicional do governo da igreja, que é encontrada no cristianismo denominacional hoje, não apenas carece de fundamento na Palavra de Deus – na verdade, ela chega até a contradizer o que Deus estabelece em Sua Palavra.

Além disso, não se trata de um princípio sadio raciocinar sobre o que não está na Bíblia para aprendermos a vontade de Deus a respeito de qualquer assunto (2 Tm 1:7). Em essência, o que se está insinuando é que “Podemos fazer o que quisermos na adoração e ministério, desde que não seja proibido pela Bíblia”! Isto não faz sentido. Faz-nos lembrar do que um irmão de boas intenções, mas equivocado, disse certa vez: “Na Bíblia existem mais entrelinhas do que linhas”! Certamente esta não pode ser uma maneira sadia de buscarmos a vontade de Deus sobre qualquer assunto. Se aplicarmos o mesmo princípio sobre outros assuntos que dizem respeito à doutrina e prática cristãs, não haveria limites para o número de situações em que poderíamos aplicar um raciocínio assim. A verdade concernente a um assunto em particular seria imediatamente perdida. Na verdade, é justamente isso o que está acontecendo de uma maneira geral com a própria questão de como os Cristãos deveriam se reunir para a adoração e ministério da Palavra. A razão de Deus nos dar a Sua Palavra foi para que conhecêssemos a Sua vontade (1 Co 2:12-13). Se existe uma prática louvável para nós, esta é “buscar” a verdade em Sua Palavra e procurarmos, por Sua graça, praticá-la (Pv 25:2; At 17:11-12). O hábito do apóstolo Paulo era de discutir “sobre as Escrituras“, isto é, a partir delas. (At 17:2); ele não introduzia nelas os seus pensamentos. Isto mostra que jamais temos o direito de inserir nossos próprios pensamentos na Palavra de Deus, tentando fazer com que ela diga algo que nós queremos que diga. T. B. Baines disse, “Ou Deus estabeleceu uma ordem para a assembleia, ou Ele deixou para o homem fazer isso segundo a sua própria vontade. Se Ele estabeleceu uma ordem, todos ficam claramente obrigados a ela, e qualquer distanciamento dessa ordem é um ato de desobediência”. Se buscarmos honestamente a vontade de Deus, a única maneira lógica de obtermos ajuda sobre este assunto seria voltarmos à Palavra de Deus e, por assim dizer, começarmos do zero, dizendo, “Que tal não fazermos coisa alguma em nossa adoração e ministério, exceto aquilo que é mencionado na Bíblia?” É isso que tentaremos fazer ao abordarmos este assunto em nosso livro.

A RUÍNA DO TESTEMUNHO CRISTÃO

Quando nos voltamos para a Palavra de Deus vemos que quase todos os escritores do Novo Testamento previram que a ruína e o abandono da Palavra de Deus entrariam no testemunho cristão. Portanto não deveria ser uma grande surpresa para nós quando víssemos esse abandono da ordem de Deus na criação de igrejas denominacionais e não denominacionais.

As “segundas” epístolas

As “segundas” epístolas do Novo Testamento se ocupam particularmente deste assunto. Cada epístola revela algum aspecto da fé cristã sendo abandonado e, consequentemente, assinala o caminho para aqueles que são fiéis seguirem em cada situação.

1. A 2ª epístola aos Efésios descreve o abandono do primeiro amor (Ap 2:1-7).

2. A 2ª epístola aos Tessalonicenses trata do abandono da bendita esperança – a vinda do Senhor (no Arrebatamento).

3. A 2ª epístola de João considera a gravidade de se abandonar a doutrina de Cristo.

4. A 2ª epístola de Pedro apresenta o abandono da piedade prática.

5. A 2ª epístola aos Coríntios trata, dentre outras coisas, do abandono da autoridade apostólica conforme é encontrada nas Escrituras.

6. A 2ª epístola a Timóteo nos fala do abandono da ordem na casa de Deus. (Esta está particularmente conectada ao assunto que estamos considerando).

O testemunho de Paulo

O apóstolo Paulo nos alertou para o fato de que haveria um grande abandono da Palavra de Deus entre os cristãos professos. Ele disse, “Porque eu sei isto que,depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si” (At 20:29-30).

Em suas epístolas a Timóteo, ele mencionou aqueles que naufragariam na fé (1 Tm 1:19-20), que apostatariam da fé – o conjunto formado pela verdade cristã (1 Tm 4:1-3), que se afastariam da fé (1 Tm 6:10) , que se desviariam da fé (1 Tm 6:20-21), que perverteriam a fé de outros por meio de seus ensinos errôneos (2 Tm 2:18), e que se tornariam reprovados quanto à fé (2 Tm 3:8). Ele disse que viria um tempo quando os cristãos professos, de um modo geral, não suportariam a sã doutrina, mas desviariam seus ouvidos da verdade, voltando-se para as fábulas que não têm qualquer fundamento na Palavra de Deus (2 Tm 4:2-4). Ele disse que os padrões morais no testemunho cristão também se degenerariam até chegarem ao mesmo nível dos praticados entre os pagãos (2 Tm 3:1-5; compare com Rm 1:28-32). Ele falou de impostores que se levantariam professando conhecer a verdade, os quais imitariam os poderes miraculosos de Deus numa tentativa de resistirem à verdade (2 Tm 3:7-8). Ele também falou que as coisas não melhorariam, mas que “homens maus e enganadores” dentro do testemunho cristão (pois é este o contexto do capítulo) iriam “de mal para pior” (2 Tm 3:13). Basta darmos uma olhada superficial no testemunho cristão de nossos dias para vermos que todas essas previsões chegaram ao seu triste cumprimento.

O testemunho de Mateus

Nas parábolas do reino dos céus o apóstolo Mateus indica o mesmo abandono. Nelas o Senhor Jesus disse que um inimigo (Satanás) viria e semearia “joio no meio do trigo“. Isto indica que no reino dos céus haveria a intromissão de professantes falsos e sem vida. Como resultado disso, o reino teria uma mistura de crentes (trigo) e falsos professantes (joio), os quais não seriam separados até o fim desta era (Mt 13:24-30, 38-41).

Mateus registra que o Senhor Jesus ensinou as multidões que um vasto sistema cresceria a partir da simplicidade original do cristianismo, e que no final não guardaria qualquer semelhança àquilo que era no princípio. Ele usou a figura de uma “semente de mostarda” sendo plantada na terra e crescendo demais, até se tornar uma imensa árvore, na qual as aves do céu viriam se aninhar. A grande árvore nos fala de domínio e poder (Ez 31:3-7; Dn 4:10-11, 2-22, 34). O Senhor indicava assim que a profissão cristã se desenvolveria na forma de uma grande instituição mundana, dando ao cristianismo um aspecto de grandeza e pretensão. A profissão cristã acabou se transformando em um grande sistema de religião, política e negócios. Nela os homens se esforçam para conseguir honra, grandeza e poder. As “aves do céu nos falam de espíritos malignos (Ap 18:2) que se apoderariam das mentes dos homens e os influenciariam para que ensinassem doutrinas errôneas (Tm 4:1).

Se já tivemos a oportunidade de presenciar o barulho que sai de uma árvore cheia de pássaros, entenderemos o quão exata é essa figura da confusão que existe no testemunho cristão. As aves estão todas gorjeando ao mesmo tempo, todas elas aparentando ter algo a dizer, mas suas vozes são todas conflitantes. É isso o que ouvimos quando atentamos para os milhares de vozes das várias assim chamadas igrejas existentes na cristandade (Mt 13:31-32).

O Senhor Jesus continuou, falando da mulher que introduziu “fermento” em “três medidas de farinha” (Mt 13:33). Isto nos fala de outro aspecto da ruína que se abateu sobre a profissão cristã. Se as aves na imensa árvore ilustram a grande profissão externa que iria se desenvolver, o fermento na massa nos fala da grande corrupção interna que acabaria permeando a cristandade. Nas Escrituras o fermento é uma figura ou tipo do mal (Mt 16:6; Mc 8:15; 1 Co 5:6-8; Gl 5:7-10). A “massa” é uma figura de Cristo, que é “o Pão da vida“. É Ele o alimento espiritual dos filhos de Deus (Jo 6:33-35, 51-58). Portanto, o Senhor indicou que a igreja professa (a mulher) iria cor romper o alimento dos filhos de Deus ao introduzir má doutrina, misturando-a com a verdade acerca da Sua Pessoa. Foi exatamente o que aconteceu. Na vasta profissão da cristandade, muitos ensinos errôneos e malignos têm sido associados à Pessoa de Cristo.

Sendo assim, estas três parábolas no evangelho de Mateus indicam que haveria a introdução de pessoas malignas (Mt 13:24-30), espíritos malignos (Mt 13:31-32; 1 Tm 4:1), e doutrinas malignas (Mt 13:33).

Algumas outras similaridades do reino, no evangelho de Mateus, também indicam essa ruína que acabaria se introduzindo. Por exemplo, Mateus 25:1-13 diz que to-das as dez virgens tosquenejaram e adormeceram. Elas estavam dormindo quando deveriam estar vigilantes.

O testemunho de Pedro

O apóstolo Pedro também falou dos ensinos malignos que surgiriam no testemunho cristão. Ele disse que falsos mestres se levantariam dentre os santos de Deus e introduziriam “heresias de perdição” que muitos seguiriam – até ao ponto de falarem mal do caminho da verdade (2 Pd 2:1-3; 3:16).

Heresia não é ensinar má doutrina, mas criar seitas. Uma “heresia” ou “seita” é, por definição, a criação de um partido ou divisão dentro de uma igreja, o qual rompe com os demais e forma sua própria comunhão em torno de uma opinião particular. É verdade que a má doutrina costuma estar conectada à formação de seitas, e provavelmente é por isso que muitos cristãos pensam em heresia como o ensino de coisas heterodoxas e blasfemas, mas a heresia é, na essência, a formação de uma divisão notória na igreja. A mais sutil de todas as heresias é aquela que se desenvolve em torno de alguma parcela da verdade até excluir outras verdades. Podem existir muitos verdadeiros crentes conectados a essas heresias. Mas uma “heresia de perdição“, da qual Pedro fala, é uma seita que constrói sua causa em torno de doutrinas destruidoras de almas.

Quando observamos a vasta profissão da cristandade, vemos todas as inúmeras divisões e seitas que existem na igreja. Ouvimos que existem hoje mais de mil comunhões denominacionais e não denominacionais! Felizmente podemos dizer que a maioria desses grupos eclesiásticos não são heresias “de perdição“, mas mesmo assim são divisões na igreja e se configuram em sectarismo. Além disso, não vamos nos esquecer de que as Escrituras dizem que devemos rejeitar a heresia porque é uma obra da carne (Tt 3:10-11; 1 Co 11:19; Gl 5:20).

O testemunho de João

Enquanto o apóstolo Paulo alerta sobre aqueles que retrocedem da revelação da verdade cristã (Hb 10:38-39), o apóstolo João adverte a respeito daqueles que a ultrapassam (ou “prevaricam”) e não permanecem nela (2 Jo 9). João falou desse desvio como resultado do trabalho de mestres anticristãos. A respeito deles, João afirma: “Saíram de nós, mas não eram de nós” (1 Jo 2:19).

Ao dizer “nós”, aqui e em muitos outros lugares de sua epístola, João está se referindo aos apóstolos. Sair da comunhão e doutrina dos apóstolos era o mesmo que abandonar. Enquanto João se referia primariamente ao abandono da doutrina concernente à Pessoa de Cristo, podemos ver que o testemunho cristão não parou aí. Muito daquilo que é aceito como ordem na igreja não tem qualquer fundamento nos ensinos dos apóstolos. O que vemos nos faz lembrar o que o Senhor disse aos Fariseus, ao afirmar que eles estavam “ensinando doutrinas que são mandamentos de homens“. Ele também disse: “Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição” (Mc 7:7, 9).

O testemunho de Judas

Judas também nos diz que certos homens se introduziriam furtivamente entre os cristãos e converteriam “em dissolução a graça de nosso Deus” (Jd 4). Ele descreve o caráter dos que corromperiam o testemunho cristão como pessoas que entrariam “pelo caminho de Caim”, sendo levadas “ao erro de Balaão”, e perecendo “na rebelião de Coré” (Jd 11). Estas três coisas descrevem muito bem o tipo de erro eclesiástico que hoje prevalece na cristandade.

Primeiro, há o “caminho de Caim“, que descreve a tentativa de se mostrar boas obras para Deus como forma de ser aceito por Ele. Caim era um homem religioso por ter oferecido um sacrifício, mas o que ele ofereceu a Deus, numa tentativa de obter aceitação, foi obra de suas próprias mãos, sendo rejeitado por isso (Gn 4:1-5). Sua oferta não tinha o sangue que prefiguraria o sacrifício cabal do sangue derramado do Senhor Jesus Cristo, sem o qual ninguém pode ser abençoado por Deus. Hoje está sendo pregado nos púlpitos de muitas igrejas um evangelho sem sangue, o qual nem mesmo é o evangelho. Por meio dele muitos têm sido levados a crer que podem apresentar suas boas obras a Deus em troca de aceitação e salvação, mesmo que a Bíblia indique claramente que a salvação “não vem das obras” (Ef 2:8-9; Tt 3:5; Rm 4:4-8).

Em seguida vemos o “erro de Balaão“, que nos fala do desejo de ensinar coisas que não vêm de Deus em troca de dinheiro e posição. Balaão se apresentou a Balaque e aos moabitas como um profeta com a intenção de profetizar para eles visando prejudicar o povo de Deus (Nm 22-24). Ainda que talvez não tenham a intenção de prejudicar o povo de Deus, muitos pregadores na cristandade estão do mesmo modo ensinando doutrinas prejudiciais que não são encontradas nas Escrituras e igualmente buscando posições elevadas na igreja.

Finalmente temos a “rebelião de Coré“, que é a organização de um partido de homens para desafiar a ordem dada por Deus para o sacerdócio. Coré e seus homens queriam uma posição acima do povo de Deus, a qual não lhes havia sido concedida por Deus. Na profissão cristã existe uma organização similar de uma classe especial de homens para presidirem sobre o rebanho de Deus, o que é conhecido como clero. Esses homens fa-lam deliberadamente do rebanho de Deus como se fosse o rebanho “deles”. Esse tipo de organização pode muito bem ter surgido com boas intenções, e podem existir muitos que atualmente ocupam esse lugar de boa mente, mas mesmo assim trata-se de um sistema de coisas que não tem qualquer fundamento na Palavra de Deus. Em essência, ele desafia o genuíno sacerdócio que pertence a cada crente.

O testemunho do Senhor

Finalmente, o próprio Senhor condena um grupo de pessoas que se levantaria na igreja, chamados de “nicolaítas” (Ap 2:6, 15). Essas pessoas introduziram impurezas no testemunho cristão; e pelo significado de seu nome, muitos estudiosos da Bíblia concluíram que estas podem muito bem ter sido as primeiras sementes do clericalismo. A palavra “nico” significa “governar”, e “laitan” – que é a mesma palavra para laico – significa “povo”. Os nicolaítas eram um partido formado por pessoas que aparentemente buscavam meios de “governar sobre o povo”, e por isso poderiam muito bem ter sido o início do sistema que faz distinção entre clero e leigos. O Senhor nos diz especificamente que as “obras” e as “doutrinas” dos nicolaítas são coisas que Ele odeia (Ap 2:6, 15).

Temos nisso tudo um testemunho abundante de quase todos os escritores do Novo Testamento sobre o fato de que haveria um grande distanciamento da simplicidade da fé cristã (2 Co 11:3-4). Os apóstolos nos disseram que, em sua ausência, surgiria um sistema de coisas que não teria qualquer fundamento na Palavra de Deus. É verdade que em algumas igrejas ocorre uma parcela maior desse erro eclesiástico do que em outras. Mas, seja na basílica de São Pedro em Roma, seja na menor capela evangélica, a maioria delas – se não todas – trazem os princípios básicos do clericalismo inseridos em seus sistemas de governo.

O crente que é instruído segundo os pensamentos de Deus não tem alternativa senão admitir que aquilo que se apresenta aos homens como a igreja de Deus tem pouca ou nenhuma semelhança com a igreja de Deus conforme é apresentada na Palavra de Deus. Sua pergunta poderá ser: “O que aconteceu?” Em poucas palavras, a resposta é que nós (a igreja) fracassamos.

O contraste entre o “um só corpo” e as muitas seitas e divisões

Talvez a mais triste de todas essas evidências de abandono sejam as muitas seitas e divisões. As Escrituras ensinam claramente que Deus odeia divisões, pois o cisma e a heresia (formação de partidos) são obra da carne (Gl 5:20). Quão grande o contraste entre a vontade do Senhor e essas numerosas seitas e divisões que existem no testemunho cristão! Enquanto ainda estava aqui no mundo, o Senhor orou para que pudéssemos ser um. Ele disse, “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17:11-21). Ele estava pronto a morrer “para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos” (Jo 11:51-52). O Senhor também disse que depois de morrer Ele procuraria reunir Suas ovelhas em “um rebanho” para que houvesse “um Pastor” – Ele próprio (Jo 10:15-16). Apesar do desejo do Senhor para que o Seu povo expressasse uma unidade coesa, visível e prática neste mundo, estamos todos divididos em diferentes seitas – cada uma com suas próprias crenças e práticas peculiares à sua própria seita. Como poderia algo assim ter a aprovação do Senhor?

Diante dos primeiros indícios de divisão na igreja primitiva, o apóstolo Paulo foi dirigido pelo Espírito a escrever “Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões… cada um de vós diz: Eu sou de Paulo, e eu de Apolo, e eu de Cefas, e eu de Cristo. Está Cristo dividido?” (1 Co 1:10-13; 12:25). Aqui, na linguagem mais clara possível, Paulo roga em nome de Deus a todos os crentes, pela glória do Nome do Senhor Jesus, que não tenham divisões! Todavia, quando olhamos ao redor no cristianismo professo de nossos dias, vemos que aquilo que as Escrituras denunciavam aconteceu à igreja! Quantos milhares de cristãos estão dizendo “Eu sou de Roma” (Católica Romana), “Eu sou de Lutero” (Luterana), “Eu sou de Wesley” (Metodista), “Eu sou de Menno Simons” (Menonitas) etc. Se outrora entristecia ao Espírito escutar cristãos dizendo “Eu sou de Paulo” e “Eu sou de Apolo” etc., será que agora agrada ao Espírito ouvi-los dizer “Eu sou de Lutero”, “Eu sou de Wesley” etc.? Se naqueles dias do princípio da igreja isso foi denunciado como carnalidade, poderia a mesma coisa ser hoje chamada de espiritualidade? (1 Co 3:1-5). As muitas denominações colocaram de lado a ordem de Deus para a adoração e o ministério, e também para o governo da igreja, e estabeleceram uma ordem própria, completa, com todos os seus credos e regulamentos eclesiásticos. E, ao agir assim, criaram uma triste divisão na igreja.

O Senhor Jesus ensinou Seus discípulos a orar “seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6:10). A pergunta que fazemos é: Haverá divisões sectárias no céu? Todos os cristãos serão unânimes em concordar que as divisões desaparecerão quando estivermos lá. Todos no céu estarão reunidos em redor do Senhor Jesus Cristo em perfeita unidade, sem qualquer afiliação sectária. Então, como podem os cristãos desejar se reunir para adoração na terra em divisões sectárias, quando não existe tal coisa no céu?

O apóstolo Paulo disse que a primeira responsabilidade que temos como cristãos andando como é digno da vocação a que fomos chamados é de procurarmos “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz“. Ele segue explicando a razão, ao dizer que “há um só corpo” (Ef 4:1-4). Isto significa que, como cristãos, deveríamos buscar expressar na prática a verdade de que somos “um só corpo“. Assim o mundo seria capaz de enxergar uma unidade visível na igreja, mas infelizmente tudo o que o mundo vê é o testemunho cristão partido em pedaços. Evidentemente não é possível que a igreja toda se congregue sob um mesmo teto em um único lu-gar, mas ainda assim ela deveria expressar uma unidade na forma como funciona, em suas relações práticas entre as várias assembleias espalhadas pela terra.

Costumamos ouvir cristãos se referirem às diferentes denominações como “o grupo deles” e “o nosso grupo”, como se existissem muitos corpos! Eles falam de sua comunhão eclesiástica particular como um “corpo” em si mesmo, distinto de outros grupos eclesiásticos que também se enxergam como corpos independentes. Pelo que costumamos ver e ouvir entre os cristãos, a verdade do um só corpo foi perdida de vista.

Uma ilustração usada por Charles Stanley (1821-1890) descreve bem a confusão existente no testemunho cristão. Suponha que sua Majestade, a Rainha da Inglaterra, enviasse um oficial a uma de suas colônias, e durante algum tempo o exército ali se colocasse totalmente sob o comando deste oficial. Aquele exército seria adequadamente chamado de “Exército de Sua Majestade”. Mas se aquele exército colocasse de lado o comandante que lhes fora designado, e elegesse outro segundo a sua própria escolha, ou se aquele exército se dividisse em porções separadas e cada divisão adotasse seu próprio comandante, mesmo que cada soldado continuasse sendo um soldado britânico, poderia tal exército dividido ser apropriadamente chamado de “Exército de Sua Majestade”? Depois de ter deixado de lado a autoridade do comandante designado por Sua Majestade, acaso não seria cada uma daquelas divisões um motim? Não seria uma deslealdade à Rainha juntar-se às fileiras de qualquer uma daquelas divisões amotinadas?

Oras, se aplicarmos o mesmo à igreja, poderemos facilmente enxergar que a mesma coisa aconteceu na formação das igrejas denominacionais e não denominacionais. Durante um tempo, a igreja primitiva esteve sob a autoridade do Espírito Santo, que foi enviado do céu para governar a igreja, do mesmo modo como o exército britânico de nosso exemplo reconheceu, por algum tempo, a autoridade do oficial enviado por Sua Majestade. Quando a igreja afastou-se da Palavra de Deus isso deu origem às divisões, e então foram implementadas organizações humanas para manter essas divisões funcionando. Sem dúvida alguma essas iniciativas humanas foram introduzidas com a melhor das intenções, mas sem a autoridade dada pela Palavra de Deus. À medida que as seitas dentro da profissão cristã se multiplicaram, mais autoridades humanas (com seus credos e regulamentos) foram estabelecidas dentro das várias denominações visando sua administração. A coisa toda cresceu e hoje existe um vasto sistema com muitas comunhões separadas de cristãos, e muito pouco de sua autoridade está fundamentada na Palavra de Deus.

Acaso não era previsível que os incrédulos deste mundo viessem a olhar para a igreja e a balançar a ca-beça em sinal de desaprovação? Se perguntarmos a eles por que não creem no evangelho, costumam usar como desculpa para rejeitarem a Cristo o estado dividido e confuso da cristandade, com as suas muitas vozes conflitantes. Que triste testemunho damos neste mundo. Não há dúvida de que devemos baixar a cabeça e confessar ao Senhor que pecamos, como fizeram Daniel, Esdras e Neemias, ao reconhecerem que também eram responsáveis pelo fracasso do testemunho de Israel (Dn 9:1-19; Ed 9:1-15; Ne 9:4-38).