A instrução do terceiro capítulo da Segunda Epístola a Timóteo exige nosso cuidadoso estudo, pois, por um lado, temos advertências quanto à condição da cristandade nos últimos dias, enquanto, por outro lado, somos instruídos quanto aos nossos recursos para que o crente possa viver de acordo com os pensamentos de Deus, apesar do mal que os cercaria.
É uma imensa misericórdia que não precisamos formar nossa própria opinião quanto à condição da cristandade, nem seguir nossos próprios pensamentos sobre como devemos andar nestes últimos dias. Temos a mente de Deus quanto ao caminho que Ele quer que andemos na presença do mal. Nos primeiros nove versículos deste capítulo, temos uma imagem solene da terrível condição da cristandade, como vista por Deus no final do período da Igreja. Nos versículos 10 a 17, temos um claro desdobramento dos pensamentos de Deus para o Seu povo nestes tempos trabalhosos, difíceis.
Para entender as instruções do capítulo, é necessário observar a conexão com os capítulos anteriores e os que se seguem. Em 2 Timóteo 1 e 2 Timóteo 2, temos a mente do Senhor para o Seu povo nos dias do apóstolo, quando a corrupção da profissão cristã já havia começado. No segundo capítulo, o apóstolo compara a casa de Deus a uma grande casa na qual vasos para desonra são encontrados em associação com vasos para honra. O apóstolo instrui o crente individualmente a agir na presença dessa corrupção. Ele apresenta três grandes verdades;
primeira, separação da iniquidade e dos vasos para desonra;
segunda, seguir a justiça, a fé, o amor, a paz com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro; e
terceira, fazer isso com um espírito correto, marcado pela gentileza, paciência e mansidão.
Somente quando respondemos individualmente a essas instruções que seremos capazes de compreender e aproveitar das solenes verdades de 2 Timóteo 3. Neste capítulo, o apóstolo olha para além do dia em que viveu até os últimos dias para mostrar o desenvolvimento do mal que já havia começado na sua época. Tendo estabelecido o desenvolvimento da corrupção da cristandade e os recursos para os piedosos no meio da corrupção, em 2 Timóteo 4 , ele encoraja o servo do Senhor a continuar sua obra para o Senhor, por mais perverso que seja o dia.
1. O mal dos últimos dias (versículos 1 a 9)
O capítulo começa naturalmente com uma imagem solene dos males dos últimos dias, pois, a menos que vejamos a verdadeira condição da cristandade, dificilmente apreciaremos a instrução que Deus deu para capacitar o crente a se elevar acima do mal.
Ao ler esses versículos, é bom lembrar que a terrível condição mostrada não é uma descrição do paganismo, nem do judaísmo, mas da cristandade. Esta condição é marcada por quatro características marcantes:
Primeira (versículos 1 a 4); somos avisados de que nos últimos dias a massa que compõe a grande profissão cristã será marcada pelo egoísmo descontrolado, levando a toda forma de mal e satisfação dos desejos. A descrição solene começa com a afirmação de “homens amantes de si mesmos”. Por isso, cobiçam-se por si mesmos, orgulham-se de si mesmos, vangloriam-se de si mesmos e impacientes com toda forma de restrição sobre si mesmos, humana ou divina. Eles se entregam as suas próprias paixões malignas e são mais amantes do prazer do que amantes de Deus.
Segunda (versículo 5); os homens procurarão cobrir as más condições da profissão cristã com o manto da santidade. Eles terão a forma de piedade. Reterão formas religiosas exteriores enquanto vivem uma vida egoísta de satisfação de seus desejos mostrando claramente que nada sabem do poder espiritual de uma nova vida. Desta grande profissão sem vida nos é dito para “se afastar”.
Terceira (versículos 6 e 7); os últimos dias serão marcados pela difusão do erro, operando pelos métodos dissimulados dos homens que “entram nas casas” e apelam às emoções e luxúria dos que ignoram a verdade.
Quarta (versículos 8 e 9); a verdade será afrontada pela imitação. Os magos do Egito, que resistiram a Moisés, expuseram o caráter e os métodos desses opositores. Janes e Jambres procuraram se opor ao testemunho de Deus, não por uma negação da verdade, mas por imitação. Eles se esforçaram em mostrar que seu poder, embora confessadamente derivado de outra fonte, era tão grande quanto o poder de Deus, e que eles poderiam produzir resultados iguais aos produzidos pela palavra de Deus através de Moisés. O que Moisés fez pela palavra do Senhor eles “fizeram também o mesmo com os seus encantamentos” (Êxodo 7:11, 7:22; 8:7). Mas sua loucura foi exposta.
Eles poderiam produzir resultados notáveis, mas não poderiam dar vida. Quando eles tentaram produzir vida, lemos que ele “não puderam” (Êxodo 8:18).
Esta então é a terrível condição da profissão cristã nestes últimos dias trabalhosos. Somos avisados de que todos os piores sentimentos do coração humano estarão ligados à profissão cristã, e toda forma de iniquidade se cobrirá com a forma exterior de piedade.
Além disso, nos deparamos com uma série de cultos religiosos que professam ser cristãos, que não negam a verdade pela infidelidade, mas, no entanto, resistem à verdade por imitação. Eles procuram imitar a nova vida cristã, que é o resultado da graça de Deus, mudando e reformando a vida antiga como resultado dos esforços humanos. Eles podem, de fato, enganar os incautos, produzindo uma vida transformada, mas é apenas a antiga vida reformada e não a nova vida de Cristo. Os líderes desses cultos do mal são expostos pela palavra de Deus como “homens corrompidos de entendimento e reprovados a respeito da fé”.
Estes são os males que constituem os últimos dias; momentos difíceis, ou “trabalhosos”, para o crente. No entanto, como o restante do capítulo mostrará, Deus fez provisão completa que o homem de Deus possa ser perfeito, completamente abastecido de todas as boas obras em um dia mau.
2. Instrução para os crentes nos últimos dias (versículos 10 a 17).
Com o versículo 10, passamos a aprender a rica provisão que Deus fez para que o crente possa escapar dos males da cristandade nos últimos dias. Para este fim, é colocado diante de nós:
1- a doutrina ou “ensino” de Paulo;
2- o modo de vida de Paulo;
3- o próprio Senhor;
4- o permanecer naquilo que aprendeste; e
5- as Sagradas Escrituras.
(a) DOUTRINA DE PAULO (versículo 10). Se quisermos escapar dos males da cristandade, precisamos estar estabelecidos na doutrina de Paulo. O apóstolo pode dizer de Timóteo: “tens seguido plenamente a minha doutrina”. Um mero conhecimento vago ou parcial não será suficiente: precisamos “seguir plenamente” a doutrina de Paulo.
A doutrina de Paulo nos revela da maneira mais completa as boas novas concernentes a Jesus Cristo, o Filho de Deus para um mundo de pecadores. Mas é bom lembrarmos que o evangelho revelado a Paulo e pregado ao mundo incluía muito mais do que geralmente é proclamado nos círculos evangélicos. Ele não apenas proclamou o perdão dos pecados através de Jesus Cristo, mas também toda a renúncia do homem que cometeu os pecados. A doutrina de Paulo não foi uma reforma do “velho homem” e uma mera mudança de vida; ele pregou o julgamento, e deixou de lado o velho homem na morte e a introdução de uma vida inteiramente nova – Cristo. Além disso, a doutrina de Paulo nos liberta do mundo: ele pregou que Cristo “se entregou a si mesmo por nossos pecados para nos libertar do presente mundo mau” (Gálatas 1:4).
É evidente, então, que a doutrina de Paulo expõe a corrupção dos últimos dias. A cristandade retém e satisfaz o velho homem sob a capa de uma profissão cristã. Ela busca gerar uma mudança de vida, mas está separada de Cristo e da graça de Deus e, além disso, deixa as pessoas no mundo. É um esforço para tornar o velho homem respeitável e o mundo mau em um lugar melhor e mais resplandecente. O cristianismo, conforme revelado na doutrina de Paulo, nos leva a Cristo – um Novo Homem em um Novo Mundo.
Além disso, a doutrina de Paulo abrange toda a verdade da Igreja. Não somente seu ensino proclama a graça de Deus ao pecador, por meio de Cristo, mas também revela o propósito de Deus para os crentes, unidos a Cristo para formar Seu corpo – a Igreja. Uma grande armadilha destes últimos dias é o esforço para levar os crentes a contentar-se com o conhecimento superficial da salvação, ignorando seus privilégios e responsabilidades como parte da Igreja de Deus – fazer tudo que atende às necessidades do homem, permanecendo indiferente ao que é mais querido para o coração de Cristo.
(b) O MODO DE VIVER DE PAULO (versículos 10 e 11). Se o diabo não puder nos impedir de ter a luz da doutrina de Paulo, ele procurará estragar o modo de vida, para que a doutrina seja desprezada pela inconsistência do modo de viver. Se quisermos escapar deste mal dos últimos dias, precisaremos não apenas da doutrina de Paulo, mas devemos prestar atenção ao seu modo de vida. Muito abençoadamente, o apóstolo coloca diante de nós o caráter desta vida. Por dentro, é uma vida marcada por “conduta, fé, longanimidade, amor e paciência”. Externamente é marcada por perseguições e aflições.
Muitas vezes nossas vidas são caracterizadas pela falta de qualquer propósito definido, ou um propósito, uma conduta longe de Cristo. O apóstolo era um homem de propósito. Ele poderia dizer “Para mim o viver é Cristo”; e ele diz: “Uma coisa faço… olho para o alvo, para o prêmio do chamado soberano de Deus em Cristo Jesus”. Além disso, sua vida foi marcada por “fé”. Quantos tomam o caminho de separação sem fé para o caminho, de modo que quando surgem problemas ou dificuldades, eles se tornam uma fonte de fraqueza ou desistem completamente do caminho. Em resposta ao chamado de Deus, Abraão saiu pela fé. Ló também saiu da Terra de Ur, mas saiu com Abraão. Embora ele fosse um homem justo, ele não tinha fé no caminho, e quando o desafio chegou, ele se desviou. Mais uma vez, “longanimidade” marcou a vida do apóstolo. Como o seu Mestre, ele encontrou reprimendas, ofensas e insultos, em longanimidade silenciosa. No entanto, o amor estava por trás da longanimidade. Não era o silêncio de um desprezo arrogante, mas sim o silêncio do amor que afligia o opressor. Além disso, sua vida foi marcada pela paciência. Apesar das perseguições e aflições, ele suportou, como Moisés antes dele, “como vendo Aquele que é invisível” (Hebreus 11:27).
(c) O SENHOR (versículo 11). Na presença do mal dos últimos dias, temos não somente a doutrina do cristianismo como revelada por Paulo, e o modo de vida consistente com a doutrina, exposta no apóstolo, mas temos o próprio Senhor para nos apoiar. Novamente, o apóstolo se refere à sua própria experiência da graça que o Senhor deu para nos encorajar a nos voltarmos para o Senhor. Quaisquer que fossem as perseguições que ele enfrentou, quaisquer que fossem as aflições que ele foi chamado a suportar, ele poderia dizer “de todas elas me livrou o Senhor”. No próximo capítulo, ele pode dizer: “O Senhor ficou comigo e me fortaleceu” (17); novamente, olhando para o restante de seu caminho até ali, ele disse: “O Senhor me livrará de toda má obra e me preservará para o Seu reino celestial” (18).
Se quisermos conhecer plenamente a doutrina de Paulo e viver o modo de vida coerente com a doutrina diante de todo tipo de oposição e até mesmo perseguição, precisaremos da graça sustentadora do Senhor. Não pensemos que podemos sustentar a doutrina e viver a vida à parte de Cristo. Para os discípulos, o Senhor disse: “Sem Mim nada podeis fazer”. O inimigo é forte e somos fracos, mas o apóstolo descobriu que a graça do Senhor era suficiente para capacitá-lo a enfrentar todo o poder do inimigo que se armava contra ele e que a “força do Senhor se aperfeiçoava na fraqueza”. Assim, ele pode acrescentar: “Quando estou fraco, então sou forte” (2 Coríntios 12:9-10).
Precisamos estar conscientes de nossa fraqueza a fim de sermos continuamente moldados no Senhor.
(d) PERMANECE NAQUILO QUE APRENDESTE” (versículo 14). Em um dia cheio de maldade e confusão, há sempre o perigo do desânimo crescer, desistir da verdade e abandonar a vida que responde à verdade. A palavra do Senhor para Filadélfia é “Guarda o que tens”. Aqui somos exortados a “permanecer” – permanecer na doutrina de Paulo, permanecer na vida consistente com a doutrina, permanecer clamando ao Senhor e assim permanecer nas coisas que aprendemos.
Lembremo-nos de que ao longo da história da Igreja as grandes verdades, que podem ser resumidas pelo apóstolo como “minha doutrina”, foram obscurecidas, se não inteiramente ignoradas e esquecidas. Mas, nestes últimos dias, houve por graça uma recuperação da verdade. Além disso, essa recuperação da verdade implica imediatamente em um conflito, pois o grande esforço do inimigo será estragar qualquer testemunho de Cristo, roubando-nos a verdade. Isso ele procurará fazer isso usando muitos apelos enganosos para nos atrair de volta a associações contrárias à doutrina de Paulo. Se nos permitirmos ser atraídos a formar elos com quaisquer associações religiosas que não sejam verdadeiras, certamente perderemos a verdade, abandonaremos o caminho de separação da fé e nos estabeleceremos na profissão religiosa mundana corrupta. Daí a necessidade da palavra, “permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido”.
Por que, podemos perguntar, achamos que alguns crentes de repente desistem de alguma grande verdade que há muito professam? Será porque não aprenderam a verdade de uma fonte inspirada? Muitos aceitaram a verdade simplesmente pela palavra de alguém. Não foi crida com uma fé simples na Palavra de Deus. Assim, eles não sabem totalmente “de quem o tens aprendido”.
e) AS SAGRADAS ESCRITURAS (versículos 15 a 17). A proteção final contra todos os males da cristandade, nestes últimos dias, será encontrada no apego à inspiração e suficiência das Sagradas Escrituras. Nela, temos a verdade apresentada de forma permanente, protegida do erro por inspiração e apresentada com autoridade divina.
O apóstolo coloca diante de nós o grande ganho das Escrituras. Primeiro, elas são capazes de nos tornar “sábios para a salvação pela fé que está em Cristo Jesus”. Em segundo lugar, tendo nos dirigido a Cristo para que encontremos nEle a salvação, aprenderemos ainda que “toda Escritura” é “proveitosa” para o crente, visto que na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos, descobriremos coisas concernente a Cristo (Lucas 24:27, 44). Além disso, descobriremos quão proveitosas são as Escrituras para “julgamento”. Infelizmente podemos estar cegos para nossas próprias faltas, e tão cheios de nossa própria importância pessoal, que ficamos surdos aos apelos de outras pessoas; mas, se estivermos sujeito à Palavra, descobriremos que as Escrituras nos trazem julgamento, pois é “viva e poderosa, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes… para discernir os pensamentos e as intenções do coração”. Além disso, as Escrituras não apenas condenam, elas também corrigem e, tendo corrigido, elas nos instruirão da maneira correta. Tendo, então, as Escrituras inspiradas, é possível que o homem de Deus seja plenamente estabelecido na verdade, e na presença de um erro abundante, seja “plenamente preparado para toda a boa obra” em um dia mau.
Sendo assim, se essas são as grandes verdades que nos permitirão escapar dos males dos últimos dias e viver a vida que caracteriza um homem de Deus, podemos ter certeza de que essas são as verdades às quais o diabo irá se opor.
Sua primeira armadilha será esforçar-se para nos contentar com um conhecimento parcial da doutrina, em vez de nos permitir procurar “seguir plenamente” com a verdade.
Se, no entanto, ele não puder nos impedir o acesso a doutrina, sua próxima armadilha será procurar prejudicar o “modo de vida” e, assim, desacreditar a doutrina.
Além disso, ele procurará nos persuadir de que podemos manter a doutrina e viver a vida em nossa própria força e, assim, sem o Senhor. As dificuldades do caminho nos levará a desistirmos da verdade e do caminho da separação consistente com a verdade, em vez de permanecermos no que aprendemos.
Por fim, ainda que ele não consiga nos fazer questionar a inspiração das Escrituras, ele procurará minar a autoridade das Escrituras, levando-nos a manter verdades sobre a autoridade de alguma pessoa com ar de conhecimento ou espiritualidade.
Hamilton Smith
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