UNIDADE

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INTRODUÇÃO

As iniciais CHM se tornaram conhecidas em todo o mundo. São de Charles Henry Mackintosh, nascido em Glenmalure Barracks, Condado de Wicklow, em 1820. Seu pai era capitão de um regimento de Highland, sua mãe filha de Lady Weldon, de família há muito estabelecida na Irlanda. Mackintosh experimentou uma grande mudança espiritual aos dezoito anos de idade, depois de ler “Operations of the Spirit of God” (“Operações do Espírito de Deus”) de J. N. Darby, recebido de sua irmã logo após sua publicação. Trabalhou inicialmente em um estabelecimento comercial em Limerick, abrindo depois uma escola em Westport, da qual desistiu em 1853 para tentar trabalhar em uma fazenda, na esperança de dispor de maior tempo livre para servir a Cristo. Como isso mostrou ser impossível, ele acabou desistindo do trabalho remunerado para trabalhar em tempo integral no Evangelho. Ele e sua esposa Catherine tiveram oito filhos, os quais criaram para o Senhor.

Morando em Dublin, Mackintosh foi muito ativo no reavivamento de 1859. Seus Estudos sobre diversos livros e assuntos apareceram pela primeira vez em sua revista “Things New and Old” (“Coisas Novas e Velhas”). Há anos seu livro “Notes on the Pentateuch” (“Estudos sobre o Pentateuco”) tem sido um grande favorito e continua sendo traduzido para vários idiomas. Um século depois seus livros ainda continuam sendo publicados. A respeito deles escreveu D. L. Moody: “Tive minha atenção despertada para os estudos de CHM, e eles foram tão agradáveis e ao mesmo tempo tão úteis pela forma como desvendaram a verdade das Escrituras, que me assegurei de ter todas as obras do mesmo autor; e se não pudessem ser substituídas, eu preferiria abrir mão de toda minha biblioteca, exceto minha Bíblia, do que destes escritos. Eles têm sido para mim uma verdadeira chave para as Escrituras”. Mackintosh nunca recebeu qualquer remuneração por seus escritos. Depois de muitos trabalhos, partiu “para estar com Cristo” em 1896, e foi sepultado no cemitério de Cheltenham, onde seu corpo aguarda o chamado para se encontrar com Cristo nos ares. Como pode ser visto nesta e em outras publicações que continuam sendo publicadas mais de um século depois, “suas obras o seguem”.

Os editores

UNIDADE: O QUE É? SERÁ ISSO QUE PROFESSO?

“E falou o Senhor a Moisés, dizendo: Ordena aos filhos de Israel que te tragam azeite de oliveira, puro, batido, para a luminária, para manter as lâmpadas acesas continuamente. Arão as porá em ordem perante o Senhor continuamente, desde a tarde até à manhã, fora do véu do testemunho, na tenda da congregação; estatuto perpétuo é pelas vossas gerações. Sobre o candelabro de ouro puro porá em ordem as lâmpadas perante o Senhor continuamente. Também tomarás da flor de farinha, e dela cozerás doze pães; cada pão será de duas dízimas de um efa. E os porás em duas fileiras, seis em cada fileira, sobre a mesa pura, perante o Senhor. E sobre cada fileira porás incenso puro, para que seja, para o pão, por oferta memorial; oferta queimada é ao Senhor. Em cada dia de sábado, isto se porá em ordem perante o Senhor continuamente, pelos filhos de Israel, por aliança perpétua. E será de Arão e de seus filhos, os quais o comerão no lugar santo, porque uma coisa santíssima é para eles, das ofertas queimadas ao Senhor, por estatuto perpétuo. “E apareceu, no meio dos filhos de Israel o filho de uma mulher israelita, o qual era filho de um homem egípcio; e o filho da israelita e um homem israelita discutiram no arraial. Então o filho da mulher israelita blasfemou o nome do Senhor, e o amaldiçoou, por isso o trouxeram a Moisés; e o nome de sua mãe era Selomite, filha de Dibri, da tribo de Dã. E eles o puseram na prisão, até que a vontade do Senhor lhes pudesse ser declarada. E falou o Senhor a Moisés, dizendo: Tira o que tem blasfemado para fora do arraial; e todos os que o ouviram porão as suas mãos sobre a sua cabeça; então toda a congregação o apedrejará. Lev 24:15 E aos filhos de Israel falarás, dizendo: Qualquer que amaldiçoar o seu Deus, levará sobre si o seu pecado. E aquele que blasfemar o nome do Senhor, certamente morrerá; toda a congregação certamente o apedrejará; assim o estrangeiro como o natural, blasfemando o nome do Senhor, será morto. E quem matar a alguém certamente morrerá. Mas quem matar um animal, o restituirá, vida por vida. Quando também alguém desfigurar o seu próximo, como ele fez, assim lhe será feito: Quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará. Quem, pois, matar um animal, restitui-lo-á, mas quem matar um homem será morto. Uma mesma lei tereis; assim será para o estrangeiro como para o natural; pois eu sou o Senhor vosso Deus. E disse Moisés, aos filhos de Israel que levassem o que tinha blasfemado para fora do arraial, e o apedrejassem; e fizeram os filhos de Israel como o Senhor ordenara a Moisés” Lv 24.

“Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação” Ef 4:4

Eu creio, amados irmãos, que não exista um só entre nós, independente da experiência ou extensão de nossa carreira, que não seja afetado pela inexprimível importância de termos a verdade de Deus de forma clara diante de nós. E não apenas diante de nossa mente, mas em nosso coração, como uma realidade divina — algo que nos influencia e nos molda — um elo vivo entre a nossa alma e o Deus vivo, não apenas como uma questão de salvação individual, por mais infinitamente preciosa que esta possa ser, mas como a senda que somos chamados a trilhar, e a posição que ocupamos como cristãos.

À medida que avançarem, amados irmãos, irão descobrir que nada permanece, em nosso coração, além da verdade de Deus e do fato de a recebermos diretamente dEle, não importa qual o instrumento que a tenha comunicado. Vocês devem estar prontos a dar razão, não apenas da esperança que trazem, mas da senda que trilham, do nicho que ocupam — devem ser capazes de apresentar uma razão divina para tudo, caso contrário não encontrarão firmeza. Isto nunca ficou tão claro quanto agora quando, como todos sabemos, as pessoas estão sendo provadas. Encontra-se em andamento na igreja professa e até mesmo em nosso meio, irmãos, um processo de testar e peneirar, o qual a maioria de vocês é capaz de sentir.

Não há dúvida de que alguns de nós podem sentir mais do que outros, porém até o observador menos atento não pode deixar de ver que a peneira está fazendo seu trabalho na igreja professa — fazendo seu trabalho entre nós e tornando manifesto, de forma notável, quem tem sido realmente ensinado por Deus e quem tem meramente se agarrado a algo de si mesmo, ou seguido cegamente as pegadas de seu companheiro. Tem ficado claro, irmãos, se nossa fé está na sabedoria de homens ou no poder de Deus. A fé de segunda mão está sendo provada e achada em falta. Esta não pode se sustentar no dia da prova. A responsabilidade de cada um, individualmente, é para com o Deus vivo.

Assim, de tudo o que devo dizer, há algo, amados, que creio ter sido colocado pelo Espírito de Deus em meu coração para que eu insistisse com vocês — e vocês sabem que sempre falo com toda confiança e liberdade, e me sinto seguro de que irão receber isto da mesma maneira. Portanto, irmãos, sinto que o Espírito de Deus gostaria que eu enfatizasse primeiro a importância que tem a fé de vocês estar firmada somente no poder de Deus; que não importa a medida dela, o importante é que seu ponto de apoio esteja na sabedoria e no poder de Deus. Para que, mesmo que não conseguissem encontrar uma segunda pessoa para apoiá-los, mesmo que não conquistassem a solidariedade de mais ninguém, tivessem ao menos a bendita consciência de que Deus comunicou à alma de vocês uma verdade recebida dEle, a qual é a fonte de toda autoridade, a base da confiança que vocês têm e o verdadeiro segredo do poder que desfrutam.

Certa vez um santo, que passava por um período de profundo exercício, contou que precisou fazer a si mesmo esta pergunta e respondê-la da forma mais solene, com a mais piedosa simplicidade: “Se o mundo todo e a igreja deixassem de existir, seria a palavra de Deus a corda suficiente para me transportar através do abismo?”. Esta é a pergunta, meus irmãos, e é a mesma que irei sugerir que cada um de vocês faça logo de início, do mais velho ao mais novo. Vejo diante de mim santos de Deus que já eram assim muito antes de mim, e vejo diante de mim santos de Deus com talvez poucos dias ou poucas semanas nesta posição. Todavia, o princípio no qual agora insisto com vocês é um princípio de importância fundamental; um princípio de valor indizível no qual gostaria de insistir com vocês e, se não fizer nada além de insistir, e voltar a insistir, e cravar este princípio no íntimo das almas de vocês, sentirei não ter falado em vão. A pergunta é esta — Você poderia afirmar, mesmo que ficasse totalmente sozinho, que a palavra de Deus é totalmente suficiente, e ainda que o mundo e a igreja deixassem de existir, ela continuaria sendo totalmente suficiente como uma corda capaz de levá-lo através do abismo?

Portanto, aí está a pergunta. Vocês são capazes de respondê-la afirmativamente, amados? Faço uma pausa e deixo a pergunta com vocês, para que cada um pondere na própria presença de nosso único Senhor e Mestre: Você tem um senso tal do valor e autoridade da palavra de Deus; você já chegou a um senso assim da realidade desta verdade, desta revelação que Deus lhe deu, que, ainda que não tivesse uma segunda pessoa para apoiá-lo, pudesse dizer: “Isto é totalmente suficiente para mim”?

É claro, amados, que vocês dirão que somente o Espírito pode torná-los capazes de tomar posse dessa palavra, desfrutar dela e mantê-la. É verdade. Todavia falo agora do valor da palavra de Deus e estou convencido de que nunca houve um momento na história da igreja de Deus neste mundo em que tenha ficado tão clara a necessidade de que nossa alma, amados irmãos, precisasse estar enraizada e ancorada, fundamentada e reforçada no conhecimento do fato de que vocês encontram na palavra de Deus tudo o que venham a precisar — na palavra de Deus do modo como ela faz morada no coração de vocês por intermédio do Espírito.

Agora alguns de vocês poderiam querer perguntar: “O que essas observações iniciais têm a ver com a passagem que foi lida?” Ou talvez perguntem: “Qual é o seu assunto? Qual é a sua mensagem?” Bem, amados irmãos, vou dizer logo que minha tese é esta: a unidade da igreja de Deus conforme é declarada em Ef 4:4. E mais uma vez, se alguém se sentir disposto a perguntar o que o capítulo 24 de Levítico tem a ver com a unidade da igreja de Deus, respondo que tem a ver da seguinte forma. Fiz a leitura de Lv 24 com o propósito de ilustrar para vocês, irmãos, a partir da história de Israel e da unidade da nação de Israel, a verdade ainda mais profunda da unidade do único corpo. Agora meu objetivo é colocar diante de vocês o fato de que a unidade do Israel de Deus, Seu povo terreno, é uma ilustração, um tipo se preferirem assim, da unidade ainda mais sublime da igreja de Deus.

Então o que foi que observaram na passagem do capítulo 24 de Levítico? Vocês têm ali uma das figuras mais belas e expressivas possíveis para ocupar a mente espiritual; vocês têm nesses doze pães dispostos sobre a mesa de ouro diante do Senhor, a clara figura da unidade indissolúvel e, ao mesmo tempo, a perfeita distinção das doze tribos de Israel. Eis uma grande verdade — a perfeita distinção e, ao mesmo tempo, a indissolúvel unidade das doze tribos de Israel. E vocês devem ter notado — não acredito que pudessem ter deixado de notar — a frequência com que as palavras “perpétuo, perpétua e continuamente” ocorrem neste capítulo. Estas palavras aparecem repetidas vezes durante a leitura desta passagem. O que elas significam, amados irmãos? Significam que a unidade do povo de Deus, Israel, não era algo momentâneo ou futuro; era uma grande verdade, uma eterna verdade de Deus representada naqueles doze pães sobre a mesa de ouro, diante do Senhor.

Oh, irmãos, que tipo, que apresentação! Além disso, no que diz respeito à intenção desta passagem, talvez vocês se sintam dispostos a fazer outra pergunta: “O que o parágrafo sobre o apedrejamento do blasfemo tem a ver com tudo isso?” Creio que tem muito a ver, amados irmãos. Creio que o fato de o Espírito Santo reunir essas coisas nesta passagem é algo significativo, importante e instrutivo. No apedrejamento do blasfemo você tem aquilo que pode ser o destino da nação sob a ação governamental de Deus. Mas, ao mesmo tempo, naqueles doze pães sobre a mesa de ouro, vocês têm a verdade eterna da condição da nação do ponto de vista de Deus — quando vista da perspectiva de Deus a nação era UMA, independente de como pudesse estar sua condição quando vista da perspectiva do homem. Repito, amados — do ponto de vista de Deus, vista à luz daquelas sete lâmpadas de ouro que, em outras palavras, eram a expressão da luz e do testemunho do Espírito Santo baseado e ligado à perfeita obra de Cristo, Israel é UM, a nação é uma. Há doze tribos mantidas em unidade apesar de, com já disse, sob as deliberações governamentais de Deus, e vistas da perspectiva humana, elas poderem estar sofrendo, como nação, o castigo por seu pecado. Em suma, não importa o quanto a nação de Israel possa estar dispersa, ferida e esmagada do ponto de vista humano; do ponto de vista de Deus — nos conselhos eternos de Deus — e da perspectiva da fé ela é uma e indivisível. Negar isto é colocar em dúvida a integridade da verdade de Deus. Se pudermos tratar de forma leviana e inconsequente uma passagem em relação a um determinado assunto, então podemos fazer o mesmo com todas as passagens.

E agora darei alguns exemplos da forma como a fé se apoderou desta grande verdade e agiu fundamentada nela. Abram juntamente comigo em uma passagem de 1 Rs 18. Não vou pedir que leiam a passagem, mas que tenham suas Bíblias abertas nela. Tenho certeza de que todos estão familiarizados com esta passagem. A cena se passa no topo do Monte Carmelo. É uma cena da história de Elias, o tesbita, bem conhecida de todos, mas para a qual eu gostaria que olhassem com um objetivo em mente. Quero que olhem para ela como uma ilustração do poder da fé nesta grande verdade da unidade das doze tribos de Israel.

Estou seguro de que vocês já leram várias vezes a respeito de Elias edificando seu altar de doze pedras. Toda criança na escola dominical já leu. Mas confesso a vocês, amados irmãos, que por mais que esta passagem tenha sido lida, ultimamente ela tem se destacado aos olhos de minha alma com um brilho que nunca vi antes. Pergunto a mim mesmo: Por que Elias edificou um altar de doze pedras? Que autoridade ele tinha para fazer isso? O que, por assim dizer, impulsionou seu braço a agir assim? Ele estava na presença de oitocentos falsos profetas, estava diante de todo o poder de Jezabel e diante da ruína e apostasia. As dez tribos estavam separadas das outras duas. Do ponto de vista humano havia um rasgo na nação, porém Elias permanece sobre o Monte Carmelo e enxerga aquela nação da perspectiva de DEUS e com os olhos da fé. Ele não usa a razão; ele não diz: “Não vale a pena assumir esta posição arrogante, não vale a pena eu tentar edificar um altar com doze pedras agora. Já foi o tempo de fazer isso.

Devo baixar o meu padrão para o nível da real condição das coisas que me cercam. Estaria bem e seria perfeitamente coerente para um Josué ou um Salomão ter edificado um altar assim, mas seria tolice da minha parte tentar fazer o mesmo. Seria o cúmulo da presunção ficar falando em um altar de doze pedras quando as dez tribos estão separadas das outras duas, e quando o cenário todo se encontra em completa ruína”.

Não, meus irmãos, Elias não raciocinou assim; ele se colocou sobre o indestrutível terreno da fé. Elias firmou seus pés onde eu gostaria que cada filho de Deus firmasse seus pés, ou seja, sobre a indestrutível revelação de Deus. Quero que leiam este ato à luz que emana das sete lâmpadas de ouro, e à luz que emana daquela mesa de ouro no santuário de Deus. Quero que vejam, meus amados irmãos, que as palavras “perpétuo, perpétua e continuamente” estão gravadas sobre toda a história da verdade de Deus e em Seus pensamentos concernentes a Israel. Elias não sabia coisa alguma desse princípio tão comum em nossos dias: “Não vale a pena ficar falando de unidade da igreja de Deus”. As pessoas reagirão com desdém, desprezo e incredulidade se você falar da unidade do corpo de Cristo. Elas darão de ombros e dirão: “Não venha falar de unidade do corpo. Isso é coisa do passado. Está fora de moda. Não venha falar de unidade da igreja. Onde vai encontrar isso? Onde é praticada? Onde é representada?”.

Amados irmãos, por um momento façam com que seus pensamentos se voltem para o passado, ponham-se ao lado daquele homem de fé sobre o Monte Carmelo e façam a si mesmos a pergunta: Onde estão as doze tribos? Pode ter sido dito a Elias, o tesbita, com igual veemência: “Não venha falar de unidade da nação. Isso é coisa do passado. Já não existe. É o cúmulo da presunção pensar em edificar um altar de doze pedras diante de um povo dividido, diante de uma unidade quebrada”. Mas que peso teria sugestões assim sobre o profeta de nossa passagem? Peso nenhum. Ele olhou para a nação de uma perspectiva divina e, como consequência disso, erigiu seu altar de doze pedras “conforme ao número das tribos dos filhos de Jacó, ao qual veio a palavra do Senhor, dizendo: Israel será o teu nome”.

A questão que permanece é: Por quanto tempo Israel deveria manter o nome e por quanto tempo a unidade de Israel deveria subsistir? Continuamente, perpetuamente, para sempre. Foi essa a posição que Elias assumiu.

E reparem ainda, amados, naquilo que considero de uma importância indescritível. Não se tratava de mera especulação da mente de Elias. Não se tratava de um dogma ineficaz, de uma opinião influente que ele pudesse sustentar. Elias poderia até conservar a verdade da unidade de Israel como uma fria teoria na esfera de seu intelecto; poderia até ir tranquilamente mais além e dizer em seu coração: “Creio na unidade da nação de Israel, mas não vou confessá-la. Não existe nada visível a respeito e, portanto, não sou eu quem irá trazer o assunto à tona; não vou, por assim dizer, assumir uma posição a esse respeito. Não vou levar isso adiante”. Mas não foi assim. Elias sentiu claramente que se a unidade das doze tribos era uma verdade importante, portanto ela deveria ser expressa, não importa o quanto custasse, e por isso ele a expressou. Como? Edificando um altar de doze pedras, “conforme ao número das tribos dos filhos de Jacó, ao qual veio a palavra do Senhor, dizendo: Israel será o teu nome”. A fé jamais poderia abrir mão disso. Tratava-se de uma importante verdade prática — para ser assumida e exercitada na presença de dezenas de milhares de dificuldades e de dezenas de milhares de oponentes. Elias não poderia baixar o padrão nem mesmo a espessura de um fio de cabelo. Ele não poderia deixar que a verdade de Deus fosse pisoteada pelos sacerdotes e profetas de Baal. Ele sentiu que o sacrifício que estava prestes a oferecer ao Deus de Israel só poderia ser apresentado sobre um altar de doze pedras. Isso era fé. Faço aqui uma pausa para que possam meditar nisso, pois é algo que realmente exige nossa profunda atenção. Não se trata de mera questão de opinião, que deve ou não ser aceita conforme a nossa vontade. As pessoas falam de manter a doutrina da unidade mística do corpo de Cristo, mas não existe uma verdade sequer que não seja designada para ser colocada em prática; nenhuma verdade que não seja destinada a causar uma influência no coração e na vida. Isto fica muito claro no caso de Elias. A unidade das doze tribos era para ele uma importante realidade, era algo que ele se sentia obrigado a confessar na presença dos oitocentos profetas de Baal, e diante de Jezabel e das perseguições que ela promovia. Elias não escondeu a verdade sob um alqueire ou debaixo da cama, mas a confessou aberta e destemidamente diante de homens e demônios. Ele edificou um altar de doze pedras e, ao fazer isso, expressou sua fé viva na grande verdade que é a unidade eterna da nação de Israel.

Vejam que se ele não agisse assim estaria rebaixando o padrão da verdade de Deus até ao pó, para ser pisoteada pelos profetas de Baal. Isso ele não podia fazer.

A verdade de Deus era algo sagrado, e não apenas isso, mas era e é algo que tem o poder de influenciar e formar. Assim como o profeta sentiu, assim foi a maneira como agiu. E podemos afirmar com segurança que se ele não tivesse edificado o altar de doze pedras, o fogo de Deus não teria caído sobre o sacrifício. Aquele fogo era a expressão da aprovação divina. Era como a glória do Senhor enchendo o antigo tabernáculo e o templo tempos depois, após tudo ter sido feito de acordo com a ordem divina. Que espetáculo sublime para o coração contemplar, amados irmãos! É por demais magnífico vermos Elias, o profeta, desfraldando o estandarte na presença daqueles oitocentos falsos profetas, para ler naquele estandarte, em caracteres indestrutíveis, a verdade da unidade da nação de Israel.

Há nisso uma grandeza moral que cativa o coração. E mais — pois esta seria apenas uma pequena parte —, há nisso um poder moral capaz de sustentar nossos corações na confissão dessa excepcional verdade da unidade do corpo de Cristo, bem diante do escárnio da incredulidade, diante de todo desprezo e zombaria que venhamos a encontrar quando procuramos expressar esta preciosa verdade de que “há um só corpo e um Espírito”. Mas permitam-me perguntar a vocês, irmãos: Vocês acham que Elias não tinha coragem de admitir que as dez tribos estavam separadas das outras duas? Será que passaria pela cabeça de vocês que com toda a sublimidade daquele espetáculo que nos foi apresentado sobre o Monte Carmelo, ele não era capaz de chorar pela ruína e desolação ao seu redor? Ah, não! Voltem a olhar para o profeta e onde vocês o encontram? Lá está ele, prostrado diante de Deus, com sua cabeça enfiada entre os joelhos, prostrado no pó. Esperando — esperando em Deus para quê? Até que uma nuvem aparecesse, um precursor da benção a ser derramada da infindável tesouraria de Deus que, apesar de toda a infidelidade de seu povo, está sempre pronto a corresponder à fé onde quer que ela exista. A fé assume a ruína, se prostra sentindo seu peso e, mesmo assim, se eleva sobre ela e confia em Deus, que nunca decepciona um coração confiante. Devo pedir a vocês que agora abram comigo no capítulo 29 do segundo livro de Crônicas. Observem uma parte do versículo 24 daquele capítulo, a qual contém o mesmo princípio. “Porque o rei tinha ordenado que se fizesse aquele holocausto e sacrifício pelo pecado” — por quem? Por Judá e Benjamim? Não. Por “todo o Israel” (2 Cr 29:24). Temos aqui o mesmo princípio. Vocês vêem aqui Ezequias assumindo sua posição sobre o mesmo terreno elevado que Elias ocupou em sua época. As dez tribos estavam divididas das outras duas. Jotão e Acaz faziam seu trabalho e as coisas iam de mal a pior. Mas eis aqui Ezequias fazendo o mesmo que Elias, e agindo na mesma fé. Não se trata de uma questão de medida de inteligência — não é este o ponto; mas, amados irmãos, trata-se de uma das preciosas características do assunto que está diante de nós esta noite, que é uma questão de simples fé na verdade da perfeita unidade de Israel aos olhos de Deus. Trata-se da fé simples fixando essas preciosas palavras que brilham como pedras preciosas em Lv 24: “Um estatuto perpétuo”, “uma aliança perpétua”. Aqui não se trata de uma questão da conduta de Israel para com Deus. Isto certamente tem sua importância e lugar. Não estamos agora falando dos desertos do homem, mas das operações de Deus — não do fracasso de Israel, mas da fidelidade de Jeová. É nosso santo privilégio permanecer no santuário de Deus e contemplar com os olhos da fé fixados naqueles doze pães sobre a mesa de ouro puro, sob as sete lâmpadas do candelabro de ouro — um tipo do testemunho do Espírito Santo.

E o que aquele testemunho representa? Da forma mais clara possível, que mesmo em meio às mais tristes e sombrias vigílias na noite da nação, as doze tribos permanecem diante dos olhos de Deus em sua perfeita unidade, intocadas por todas as oscilações, reviravoltas e agitações das nações. O blasfemo podia precisar ser apedrejado fora do arraial; as ações governamentais de Deus podiam ser manifestadas em toda a sua dura realidade; mas a fé enxerga os doze pães sobre a mesa de ouro. A fé tem a ver com realidades eternas. Ela permanece como que enxergando Aquele que é invisível. Ela olha para as coisas além do véu. Ela coloca Deus no seu devido lugar, e em circunstância alguma é abalada pelas aparências externas. Em suma, a fé conhece a Deus e pode confiar nEle em tudo. A fé é o conhecimento de Deus, é confiança em Deus — isto é fé. Ah, que realidade, amados irmãos! Insisto sinceramente com vocês, como na presença de Deus — insisto com cada um de vocês para que tome posse disso, dessa simples fé em Deus, que conduzirá sua alma através de toda sorte de circunstâncias. A mesma fé que susteve Elias no topo do Carmelo, a mesma fé que capacitou Ezequias a ordenar que a oferta queimada e a oferta pelo pecado fossem feitas por “todo o Israel” — ou seja, o sacrifício que devia ser o fundamento de todas as esperanças da nação, o sacrifício que, neste sentido, devia englobar todo o Israel de Deus.

E agora, fazendo referência aos Atos do bom rei Ezequias, vejamos como sua fé foi considerada; vamos assinalar como ele foi tratado quando procurou, dentro de sua capacidade, colocar em prática a verdade de Deus. Pois é bom lembrar que Ezequias não se satisfez apenas com a oferta do sacrifício por “todo o Israel”. Ele não apenas estabeleceu a base sobre a qual o povo de Deus devia se reunir, mas procurou reunir o mesmo povo sobre essa base. E repare como ele fez isso. “E ordenaram que se fizesse passar pregão por todo o Israel, desde Berseba até Dã, para que viessem a celebrar a páscoa ao Senhor Deus de Israel, em Jerusalém; porque muitos não a tinham celebrado como estava escrito”.

“Foram, pois, os correios com as cartas, do rei e dos seus príncipes, por todo o Israel e Judá, segundo o mandado do rei, dizendo: Filhos de Israel convertei-vos ao Senhor Deus de Abraão, de Isaque e de Israel; para que ele se volte para o restante de vós que escapou da mão dos reis da Assíria. E não sejais como vossos pais e como vossos irmãos, que transgrediram contra o Senhor Deus de seus pais, pelo que os entregou à desolação como vedes. Não endureçais agora a vossa cerviz, como vossos pais; dai a mão ao Senhor, e vinde ao seu santuário que ele santificou para sempre, e servi ao Senhor vosso Deus, para que o ardor da sua ira se desvie de vós. Porque, em vos convertendo ao Senhor, vossos irmãos e vossos filhos acharão misericórdia perante os que os levaram cativos, e tornarão a esta terra; porque o Senhor vosso Deus é misericordioso e compassivo, e não desviará de vós o seu rosto, se vos converterdes a ele.” (2 Cr 30:5-9).

Quando visto da forma correta, aquilo era um apelo por demais tocante e poderoso. Ezequias se coloca no terreno mais elevado e quer que os outros façam o mesmo. Ele próprio estava conscientemente sobre terreno divino e gostaria que outros ocupassem o mesmo lugar com ele. Seus olhos estavam fitos no Deus de Abraão — na terra de Israel — em Jerusalém — e em toda a nação do povo de Deus. Pode ser, e sem dúvida aconteceu, que no julgamento de muitos a atitude de Ezequias de usar de uma linguagem assim tão elevada, falando como se ele e aqueles que estavam com ele fossem os únicos que estavam certos e todos os seus irmãos errados, cheirava a presunção. Mas isso dependeria tão somente do espírito no qual a carta fosse recebida e lida. Para o orgulho e a autossuficiência um apelo assim seria absolutamente intolerável, mas onde existisse uma contrição e humildade genuínas, ela seria recebida com calorosa aprovação. E foi o que realmente aconteceu, pelo que lemos na passagem diante de nós. “E os correios foram passando de cidade em cidade, pela terra de Efraim e Manassés até Zebulom; porém riram-se e zombaram deles. Todavia alguns de Aser, e de Manassés, e de Zebulom, se humilharam, e vieram a Jerusalém”.

Isso, irmãos, é exatamente o que sempre acontecerá. A fé e suas ações serão motivo de zombaria por aqueles que se encontram sobre um terreno falso, aqueles que andam nas faíscas do fogo que eles mesmos acendem. Mas o coração contrito e quebrantado obtém a bênção que sempre flui quando se crê no que Deus diz e quando se atua com base em Sua verdade eterna. Aqueles que humildemente acataram o apelo de Ezequias se reuniram sobre o terreno de Deus e reconheceram o centro de Deus. Eles não disseram: “Não vale a pena adotar um terreno tão elevado nas condições atuais da nação. É o cúmulo da tolice e presunção Ezequias tentar levar adiante princípios assim em meio à desalentadora ruína da atual dispensação”. Não, eles “se humilharam” e foram a Jerusalém. Em verdadeira humildade de propósito eles se reuniram para levar adiante o objetivo de Deus — isto é, celebrar a páscoa.

E qual foi o resultado? Ficaram todos desapontados? Será que aquilo mostrou que não passavam de meros entusiastas visionários agindo de acordo com alguma tola quimera inventada por Ezequias, ou consequência de alguma idéia maluca deles próprios? Ah, não! Eles tiveram o privilégio de experimentar uma bênção tão rica quanto a que foi experimentada nos mais brilhantes e prósperos dias da nação. “E os filhos de Israel, que se acharam em Jerusalém, celebraram a festa dos pães ázimos sete dias com grande alegria; e os levitas e os sacerdotes louvaram ao Senhor de dia em dia, com estrondosos instrumentos ao Senhor. E Ezequias falou benignamente a todos os levitas, que tinham bom entendimento no conhecimento do Senhor; e comeram as ofertas da solenidade por sete dias, oferecendo ofertas pacíficas, e louvando ao Senhor Deus de seus pais. E, tendo toda a congregação conselho para celebrarem outros sete dias, celebraram ainda sete dias com alegria. Porque Ezequias, rei de Judá, ofereceu à congregação mil novilhos e sete mil ovelhas; e os príncipes ofereceram à congregação mil novilhos e dez mil ovelhas; e os sacerdotes se santificaram em grande número. E alegraram-se, toda a congregação de Judá, e os sacerdotes, e os levitas, toda a congregação de todos os que vieram de Israel, como também os estrangeiros que vieram da terra de Israel e os que habitavam em Judá. E houve grande alegria em Jerusalém; porque desde os dias de Salomão, filho de Davi, rei de Israel, tal não houve em Jerusalém. Então os sacerdotes e os levitas se levantaram e abençoaram o povo; e a sua voz foi ouvida; porque a sua oração chegou até à santa habitação de Deus, até aos céus.” (2 Cr 30:21-27).

Aqui estava, portanto, a resposta de Deus à fé de Ezequias, pois Ele nunca desaponta um coração que conta com Ele. Aqueles quatorze alegres dias, passados pela congregação em torno do banquete pascal, forneceram a mais ampla prova da realidade de se confiar no Deus vivo, apesar de todo o fracasso e ruína que sempre marcam a história e os caminhos do ser humano. “Desde os dias de Salomão, filho de Davi, rei de Israel, tal não houve em Jerusalém”. Deus pode preencher o coração do Seu povo com gozo, ações de graças e louvor, ainda que tudo ao redor esteja caracterizado por confusão e desolação.

E é bom que se lembre — sim, que nunca nos esqueçamos disso — que todo esse gozo e bênção podem muito bem comportar o mais profundo senso do fracasso e infidelidade do homem. Aliás, são duas coisas que sempre serão encontradas juntas. Assim, no caso de Ezequias, nós o vemos reconhecendo da forma mais completa a verdadeira condição da nação na prática. Isto é visto no fato de terem celebrado a páscoa no segundo mês ao invés de fazê-lo no primeiro. “Então sacrificaram a páscoa no dia décimo quarto do segundo mês; e os sacerdotes e levitas se envergonharam e se santificaram e trouxeram holocaustos à casa do Senhor”. Observamos aqui a congregação se beneficiando da graça conforme mostrado em Nm 9:10-12. Isso era feito dentro de uma adorável ordem moral. A fé sempre reconhece a verdadeira condição das coisas, mas conta com as mesmas amplas provisões da graça divina. Ezequias sentia que as pessoas não estavam em conformidade com o padrão divino, mas sabia que a graça de Deus podia atendê-las onde estivessem, desde que elas tão somente se colocassem em seu devido lugar. Portanto ele orou por eles, dizendo, “o Senhor, que é bom, perdoa todo aquele que tem preparado o seu coração para buscar ao Senhor Deus, o Deus de seus pais, ainda que não esteja purificado segundo a purificação do santuário. E ouviu o Senhor a Ezequias, e sarou o povo”.

Assim foi nos dias de Ezequias e assim é hoje. Havia a confissão do fracasso humano e, todavia, a avidez pela fidelidade divina. Se Israel não estava em condições de celebrar a páscoa no primeiro mês, Deus podia abençoá-los no segundo mês. Embora a condição de Israel não estivesse de acordo com o padrão de Deus, a graça de Deus podia descer à condição de Israel. O segundo mês não era, evidentemente, o primeiro, mas se tão somente existisse um preparo do coração, Deus podia abençoar tanto em um como no outro. De nada adianta assumir o que não somos. Devemos assumir nosso verdadeiro lugar, e Deus pode nos encontrar ali, em conformidade com o que Ele é em Si mesmo. É assim que a fé aumenta em Deus, e se apodera daquelas coisas que são decorrentes de Sua infalível fidelidade.

Por conseguinte — e para aplicarmos nossa ilustração — leio no quarto capítulo da epístola aos Efésios que “há um só corpo”, e descubro essa verdade colocada lado a lado com as grandes verdades cardeais da religião cristã, de tal modo que se você tocar uma deve tocar todas, se abalar uma irá abalar todas. Não vejo, amados irmãos, como alguém pode solene e verdadeiramente sustentar qualquer verdade de Deus se, ao mesmo tempo, deixa que outra verdade seja desprezada só por ela não estar visível na prática. Suponha que vocês me perguntem: “Você crê nas doutrinas da justificação pela fé, do pecado original e da completa ruína do homem?” Certamente. “Você crê que há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos?” “Por que você crê nestas coisas? Porque as sente, ou as vê?” Não. “Por que você crê nelas?” Creio nelas porque a palavra de Deus as revela. Esta é a única base de fé para qualquer uma das verdades da religião cristã e, portanto, se eu fosse rejeitar a importante doutrina da unidade do corpo de Cristo por causa das inumeráveis divisões da cristandade, estaria julgando por vista, ao invés de estar edificando sobre a verdade de Deus. Estaria raciocinando a respeito do que vejo, ao invés de crer naquilo que Deus me diz.

Portanto, se eu for questionado da razão de crer na doutrina da justificação pela fé, responderei que é por ela ser apresentada no indestrutível volume da palavra de Deus. É baseado nisto também que creio na unidade do corpo, na deidade de Cristo, na perfeita humanidade de Cristo e na virtude sacrifical de Seu sangue. Creio na eficácia de Seu sacerdócio. Creio no fato de Sua glória vindoura. Creio em todas estas verdades porque estão escritas nas sagradas escrituras. Muito bem, fundamentado no mesmíssimo terreno, há um só corpo e um só Espírito. Vocês acham que eu deveria crer nisto com maior firmeza se todos os verdadeiros santos de Deus em Londres estivessem partindo o pão em um mesmo edifício a cada dia do Senhor? É certo que não. Eu creio, mas não é por ver acontecer na prática, mas por estar declarado no capítulo quatro de Efésios que “há um só corpo”.

Vamos agora abrir, por alguns momentos, nesta história tão interessante e instrutiva que é a de Josias, como está registrada em 2 Cr 34 e 35. Encontraremos ali uma impressionante ilustração deste mesmo importante princípio. Josias, assim como Ezequias e Elias, reconheceu a unidade das doze tribos e agiu sobre sua verdade em meio ao mais humilhante e deprimente estado de coisas. Ele agiu em conformidade com a verdade imutável de Deus, e não de acordo com a condição do povo de Deus na prática. Ele levou adiante suas operações de reforma a todas as cidades que pertenciam a Israel e, ao falar aos Levitas, ordenou-lhes, no início daquele dia maravilhoso que servissem ao Senhor e ao Seu povo Israel. Veja bem este ponto. Ele ordenou que os Levitas servissem a Jeová, e não ao Seu povo Judá; mas ao ‘Seu povo Israel’. Ele só podia falar e agir para com a nação em conformidade com a vontade revelada de Deus, e não de acordo com a condição do povo na prática. É o altar das doze pedras mais uma vez. É a “oferta queimada e a oferta para o pecado para todo o Israel”. São os doze pães sobre a mesa de ouro, sob a luz das sete lâmpadas de ouro. É o Israel de Deus na perspectiva da fé.

E mesmo assim Josias se colocou no ponto mais baixo. A nação estava prestes a se dissolver, Nabucodonosor estava quase diante dos portões — nada disso importava. A coisa toda estava a ponto de se desmoronar em decadência — não importava, a fé não iria desmoronar. Josias em espírito, Josias em princípio, voltou à mesa de ouro — o único lugar para a fé. Oh, irmãos, vocês vêem isso?

Pergunto a cada um de vocês: Você abastece sua alma da preciosa verdade de tal forma que, mesmo que faltasse alguém para apresentar isto a você em linguagem inteligível, você estaria certo — tão certo quanto aquelas lâmpadas ardem diante de mim — de que nos ocupamos neste momento com um princípio que, se você o agarrar, irá trazer reforço à sua alma e prover intrepidez e vigor em toda a sua carreira prática, não importa o que venha contra você?

Não suponham que eu esteja conduzindo vocês por estas cenas históricas do Antigo Testamento meramente para ocupar uma hora. Não, irmãos, estou entregando a vocês os fatos que Deus tem colocado em meu coração para que eu fale. Pois qual é o grande objetivo desta assembléia? Qual a razão de estarem aqui? Passar uma hora? Não, vocês devem se lembrar de que o objetivo de uma assembléia como esta é levar as pessoas a um contato pessoal e real com a verdade de Deus. Tal é o objetivo de reuniões assim, e é um dever sagrado que cabe a cada homem que se encontra numa posição como esta falar aos ouvidos de seus irmãos. Digo que é seu dever sagrado — e deveria o único objetivo a ocupá-lo — colocar a alma e Deus em um vivificante contato pessoal. Isso é poder. Posso pregar um sermão, posso desenvolver uma série de palestras e nunca colocar a alma face a face com Deus, ou trazer a consciência à luz e autoridade das sagradas escrituras. Ora, foi isto o que Josias fez. Após sentir em sua própria alma a poderosa ação da palavra de Deus, ele procurou trazer as almas de seus irmãos sob a mesma influência poderosa. (Veja 2 Cr 34:29, 30). E qual foi o resultado? O resultado foi que desde os dias do Rei Salomão, desde aqueles dias prósperos e refulgentes, jamais havia ocorrido uma páscoa como a que foi celebrada por Josias bem no final da história da nação. Qual o significado disso? Trata-se de outro elo da corrente; trata-se de outra pérola do colar; trata-se de outra gema da tiara. Trata-se da resposta de Deus à fé de Seu servo. Josias assumiu sua posição de fé em Deus, e Deus correspondeu à fé. Nunca fora celebrada uma páscoa assim em todo o período dos reis. Pense nisto! O reinado de Salomão teve todas aquelas glórias, o reinado de Davi todas as suas vitórias, mas o testemunho do Espírito Santo é de que nunca fora celebrada uma páscoa como a do reinado de Josias. E você vê que Deus foi mais glorificado pela atitude de Josias do que jamais havia sido por todo o ouro e prata derramado no tesouro de Salomão, exatamente pelo fato das circunstâncias de Josias terem colocado uma auréola em torno de sua fé. Todavia, vou pedir que se voltem para outro exemplo. Aqueles casos que já abordamos são extraídos, conforme irão observar, do período antes do cativeiro. Agora quero que vocês vejam um exemplo tirado do período durante o cativeiro. Peço que abram no sexto capitulo de Daniel, e ali vocês encontram outra encantadora porção da história de fé. Este capítulo descortina para vocês o mesmo grande princípio. Aqui vemos um grupo de exilados, cativos de entre os filhos de Judá, sob as mais deprimentes e humilhantes circunstâncias. A glória e o poder tinham deixado Israel. Os Atos judiciais de Deus, os atos governamentais de Deus, tinham exercido sua influência sobre eles. Foram todos quebrantados e levados cativos, a cidade fora deixada em ruínas, tudo estava acabado!

Porém, irmãos, a palavra de Deus não estava em ruínas; a verdade de Deus não estava em ruínas; a fidelidade de Deus não estava em ruínas. E pela simples razão de a verdade de Deus e a fidelidade de Deus não estarem em ruínas, tampouco a fé do povo de Deus estava em ruínas. Esta última brilha com um fulgor peculiar nas atitudes daquele ilustre exilado Daniel. Na verdade, a julgar por sua história, poderia parecer que quanto maiores as trevas que engolfavam a nação como um todo, mais brilhantes eram os lampejos da fé individual.

Assim aconteceu durante o cativeiro babilônico. Embora os cativos tivessem que pendurar suas harpas nos salgueiros; embora a glória tivesse deixado Israel; embora os vasos da casa do Senhor estivessem no templo de um deus falso; embora tudo fosse lúgubre e opressivo como era de se esperar; ainda assim a fé de Daniel se elevou de forma majestosa acima da obscuridade das circunstâncias, e se apossou da imutável e eterna verdade de Deus; e não apenas se apossou dela, mas a colocou em prática.

Daniel abriu sua janela e orou voltado para Jerusalém. Por que fez isso? Por que orar voltado para Jerusalém? Seria isso idéia sua, ou seria a consequência de algum importante princípio divino? Sem dúvida alguma era esta a razão, como logo se vê em 2 Cr 6:36-38. Esta passagem é um prenúncio da própria posição na qual Daniel se encontrava, e prescreve sua forma de agir. “E se converterem a ti com todo o seu coração e com toda a sua alma, na terra do seu cativeiro, a que os levaram presos, e orarem para o lado da sua terra, que deste a seus pais, e para esta cidade que escolheste, e para esta casa que edifiquei ao teu nome”.

Era este o fundamento do modo de agir de Daniel em Babilônia nos dias de Dario; aí estava a autoridade para agir assim.

A fé sempre procura e encontra justificativa para suas ações na palavra de Deus. Isto é mais oportuno do que nunca. Se Daniel não tivesse um fundamento divino para orar voltado para Jerusalém, sua conduta teria sido completamente absurda. Teria sido o cúmulo da tolice se arriscar a ser lançado na cova dos leões meramente por causa de uma teoria inventada por ele. Todavia, se existia um princípio divino envolvido, então sua conduta era o que podemos chamar de perfeitamente sublime. Era, na verdade, “a oferta queimada e a oferta pelo pecado de Israel”; era a repetição do altar de doze pedras; eram os doze pães sobre a mesa genuína; era reconhecer o centro de Deus e se colocar sobre o fundamento divino, ao invés de basear-se na incorrigível ruína daquela dispensação e na escuridão moral que pairava sobre o horizonte da nação. A fé atua com base na verdade de Deus, deixando de fora as circunstâncias, não importam quais sejam, e Deus sempre hora a fé e permite que ela faça sua colheita em um campo dourado em meio às mais terríveis e humilhantes circunstâncias.

Portanto, assim vemos que Daniel simplesmente seguiu as pegadas dos Josias, Ezequias e Elias de outros tempos. Ele dividiu o palco com aqueles homens de Deus que, diante de pavorosas dificuldades, tinham erguido com mão firme o estandarte da verdade eterna. Ele tem o seu lugar em meio à “grande nuvem de testemunhas” das quais o Espírito Santo fala em Hb 11, testemunhas do poder e valor da fé no Deus vivo. Daniel abriu sua janela e orou voltado para Jerusalém, apesar de Jerusalém estar em ruínas; orou voltado para o templo, apesar de o templo ter sido transformado em cinzas. Ele não olhava para as coisas que podia ver, mas para aquelas que não eram visíveis. Ele reconhecia o centro de Deus — o ponto de reunião das doze tribos de Israel, embora aquele centro não estivesse dentro do alcance da visão humana, e as doze tribos estivessem espalhadas até os confins da terra. Ele não baixou o padrão de Deus a fim de adequá-lo às condições de Israel, mas o sustentou com a mão vigorosa da fé.

E qual foi o resultado? Um esplêndido triunfo! É certo que ele precisou descer até a cova dos leões, mas saiu de lá. Desceu como testemunha e subiu como vencedor. Todos os personagens de Deus descem antes de subir. É uma regra do reino. Daniel desceu até a cova, mas duvido que tenha passado uma noite mais feliz neste mundo do que aquela que passou na cova. Ele estava ali por Deus, e Deus estava ali com ele.

Isto apenas para falar da noite. E o que dizer da manhã? Maior foi a vitória! O mais orgulhoso monarca do mundo é vencido pelo exilado cativo. Daniel pôde tornar realidade em sua própria pessoa a verdade da antiga promessa feita a Israel — “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda”. É sempre assim. A pessoa que age de acordo com a verdade de Deus, independente de quais sejam as circunstâncias exteriores, pode experimentar uma comunhão tão elevada como jamais conheceu ou poderia conhecer nos momentos mais brilhantes de sua dispensação.

Este é um princípio de imensa importância; um princípio que sinceramente gostaria de incutir em todos os cristãos. Às vezes, sob as debilitantes influências da incredulidade, somos capazes de supor que é impossível desfrutar dos elevados privilégios que fazem parte de nosso chamado como cristãos, achando que a igreja fracassou e está em ruínas. Este é um terrível erro causado por uma incredulidade sombria e deprimente. A fé, ao contrário, conta com Deus. Ela mantém seus olhos fixos em sua imutável e indestrutível revelação. Ela descansa na infalível fidelidade de Deus e, deste modo, desfruta de comunhão com a mais elevada verdade que caracteriza a dispensação na qual atua.

Daniel provou isso em seus dias, e o mesmo pode ser dito de todos aqueles que tão somente agirem sobre o mesmo grande princípio.

Não há dúvida de que devem ter dito a ele, como não é incomum falarem em nossos dias: “É o cúmulo da presunção; você só pode ser um entusiasta visionário para ficar orando voltado para um lugar que não passa de uma cena de desolação. Ao invés disso você deveria lançar esse nome no esquecimento; deveria baixar uma cortina de silêncio sobre o próprio nome de Jerusalém, pois se trata da própria cena de sua ruína e humilhação”. Todavia, ah, amados, Daniel estava imerso no profundo e precioso lugar secreto de Deus. Ele ocupava o lugar divino e via tudo daquela perspectiva; daí a precisão e amplitude de sua visão, daí a firmeza de sua carreira, daí o esplendor de sua vitória.

E aqui, mais uma vez, permita-me lembrar-lhes daquilo que ressaltei antes, de que esta verdade não se tratava de especulação; não era algo que você pudesse conservar de modo quieto e confortável em algum secreto recanto de sua mente, enquanto permanecesse em casa, sentado muito confortavelmente em sua poltrona ao lado da lareira, professando que Israel era uma única nação. Não. Daniel agiu daquela forma tendo diante de si a cova dos leões. A cova dos leões já abria sua boca para recebê-lo, mas Daniel nunca se preocupou com ela; ele não tinha nada a ver com a cova dos leões — tanto quanto não tinha nada a ver com as ruínas de Jerusalém. Ele tinha a ver com a verdade de Deus. Ele se voltou para os doze pães, para a mesa de ouro com o candelabro no santuário de Deus — ele se voltou para aqueles doze pães e ali enxergou, com os olhos da fé, a fonte de luz viva que descia do céu sobre a ininterrupta união do amado Israel de Deus.

Como podem ver não se tratava de especulação, tratava-se de uma verdade que deve ser confessada, custe o que custar, e ele a confessou. Sim, ele “orou voltado para Jerusalém”. Alguém que não entendesse o que ele fazia poderia dizer, “Não consigo de modo algum entender isso. Tenho certeza de que você poderia orar da forma mais sincera e confiante possível, com suas cortinas baixadas e sua janela fechada. Poderia se retirar para a privacidade de seus aposentos, mas por que orar assim?” Vocês acham que ele estava agindo com base em alguma idéia tirada de sua cabeça? Não, amados, gostaria que vocês enxergassem isso, e não posso continuar sem antes deixar clara esta verdade, de que Daniel estava agindo com base apenas e tão somente na verdade de Deus, quando abriu sua janela e orou voltado para Jerusalém. Daniel poderia muito bem ter dito, “Tudo bem, vocês podem me lançar na cova esta noite, mas jamais abrirei mão da verdade e Deus. Devo permanecer nela, custe o que custar. Não tenho nada a ver com os resultados — nada a ver com as consequências. Estas eu as deixo totalmente com Deus. Minha função é simplesmente obedecer”.

E é nisto que está o maior valor. Hoje em dia escutamos muito falar de ausência de poder na igreja. Dizem-nos que não há poder para isto, não há poder para aquilo. Nossa resposta para todo raciocínio desse tipo é simplesmente que não se trata, de modo algum, de uma questão de poder, mas de obediência. Acaso havia grande poder nos dias de Daniel? Havia. Havia o poder da fé e o poder da obediência. É este o tipo de poder que queremos. Não se trata de poder exterior — ou dons para exibir — ou milagres impressionantes, mas aquele quieto, humilde, constante espírito de obediência que conduz o homem de Deus pela estreita senda de Seus mandamentos. É isto que queremos. É com isto que nosso Deus se apraz e é a isto que Ele concede o doce selo de Sua presença.

Digam-me, amados irmãos, em quê Deus coloca o selo de Sua presença? Ele concede isso onde existir fé para crer em Sua palavra, onde existir fé para confessar a verdade de Deus. Não importam quais sejam as dificuldades, não importa o quão desencorajados possamos estar, o padrão nunca deve ser baixado. Alguém dirá: “Oh, não faz sentido falar assim; você deve abrir mão. Não vê que o próprio Deus está contra você?” No sentido governamental, se me permite, o blasfemo está sendo apedrejado fora do arraial, mas os doze pães continuam intactos sobre a mesa. É este o princípio — trata-se do duplo princípio que envolve toda a história dos caminhos de Deus, seja com o Israel do passado, seja com a igreja hoje. O juízo de Deus pode pairar sobre nossa condição prática, ao mesmo tempo em que os olhos da fé permanecem fixos no indestrutível padrão de Deus. A fé individual se banha à luz da verdade eterna de Deus, apesar da ruína e dos destroços daquele que professa ser o povo de Deus.

Este é um princípio da mais extrema simplicidade, mas da maior magnitude e valor prático. Sua aplicação para o assunto especial que temos diante de nós, a saber, a unidade da Igreja de Deus, é tão clara quanto convincente. Se olharmos ao redor — se julgarmos por aquilo que nossos olhos vêem — se tirarmos nossas conclusões a partir das ruínas da cristandade, passará a ser mera quimera falar da unidade da igreja de Deus. Mas não, nós simplesmente confiamos na palavra de Deus, cremos no que Ele diz, não porque vemos ou sentimos algo, mas porque Ele diz. Isto é fé. Por que cremos no perdão dos pecados? Por que cremos na presença do Espírito Santo? Por que cremos em qualquer uma das grandes verdades fundamentais do cristianismo? Simplesmente porque as encontramos na eterna página inspirada. Portanto, é exatamente sobre a mesma base que cremos no um só corpo e na indissolúvel unidade da igreja de Deus.

“Há um só corpo”. Ele não diz, “havia um só corpo” ou “haverá um só corpo”. Não, ele diz “há um só corpo”. Eis aqui nossa autoridade para crer e confessar esta gloriosa verdade e usá-la em nosso testemunho prático contra tudo aquilo que venha negá-la. O primeiro passo ao confessar a unidade da igreja de Deus é sair das divisões da cristandade. Não devemos parar antes disso para perguntar qual deve ser nosso segundo passo. Deus nunca dá luz para dois passos de uma só vez. É verdade que não há mais do que um só corpo? Isto é inquestionável. Deus o afirma. Bem, então as divisões, as seitas e os sistemas da cristandade estão totalmente contra o pensamento, a vontade e a palavra de Deus. É verdade. O que devemos fazer? Abandonar isso tudo. Este é, podemos estar seguros, o primeiro passo na direção certa. Se o lugar que ocupamos for falso, então toda a nossa perspectiva será falsa. Devemos adotar uma posição verdadeira e então nossa perspectiva será correta. É impossível fazer qualquer confissão prática da unidade da igreja de Deus e, ao mesmo tempo, permanecer ligado àquilo que nega isto na prática. Acabaremos tendo a teoria nos domínios de nosso entendimento, enquanto negamos a realidade em nossa carreira prática. Porém, se desejamos confessar a verdade do único corpo, nosso primeiro compromisso — nosso dever primário — é estar em total separação de todas as seitas e divisões da cristandade. “Todavia” — alguns podem inquirir — “será que isso não resultaria na formação de uma nova seita, e não apenas isto, mas na formação da mais restrita e intolerante dentre todas as seitas?” De modo algum. Pode parecer isso, segundo o raciocínio meramente natural — até mesmo de natureza religiosa. Mas a questão é: As divisões da cristandade estão em conformidade com Deus? Os muitos corpos da igreja professa estão em conformidade com o “um só corpo” de Ef 4? É claro que não. Portanto é nosso dever divinamente designado sairmos fora disso tudo, e é impossível pensar que o fato de colocar em prática um dever divinamente ordenado poderia levar ao sectarismo ou ao cisma. Ao contrário, trata-se de um testemunho em direta e positiva oposição ao sectarismo e, além disso, o primeiro grande passo para a manutenção da unidade do Espírito no vínculo da paz é sair das divisões da cristandade. E depois? Olhar para Jesus, e isto significa continuar até o fim. Será que isto — repetimos a pergunta — significa formar uma nova seita ou se filiar a um novo corpo? De modo algum, trata-se de fugir das ruínas ao nosso redor para encontrar nossa fonte na total suficiência do nome de Jesus. Trata-se de abandonar o barco ao ouvir a ordem de Jesus, manter o olhar fixo nEle em meio ao lamaçal revolto, até chegarmos à segurança do porto de glória e descanso eternos.

C. H. M.