Uma palavra sobre a responsabilidade dos pais
“E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi: e Jônatas o amou, como à sua própria alma. E Saul naquele dia o tomou, e não lhe permitiu que tornasse para casa de seu pai. E Jônatas e Davi fizeram aliança: porque Jônatas o amava como à sua própria alma. E Jônatas se despojou da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, como também os seus vestidos, até a sua espada, e o seu arco, e o seu cinto” 1 Samuel 18:1-4
Que estranha cena temos diante de nós aqui! Trata-se de uma figura do amor de um que se despoja para vestir aquele a quem ama. Existe aqui uma imensa diferença entre Saul e Jônatas. Saul levou Davi para sua casa com o intuito de engrandecer a si próprio, por ter alguém como Davi em sua própria casa. Mas Jônatas despojou-se para vestir Davi. Era o amor em um dos seus atraentes modos de se expressar.
Jônatas, assim como muitos milhares em Israel, havia assistido com o fôlego em suspense o que acontecera no Vale do Carvalho. Ele tinha visto Davi avançar de mãos nuas para enfrentar o terrível inimigo, cuja altura, porte e palavras haviam semeado terror no coração do povo. Ele viu aquele gigante insolente ser prostrado pela mão da fé. Ele havia participado com todos daquela esplêndida vitória.
Mas Jônatas viu mais do que isso. Ele viu não apenas a vitória, mas o vitorioso, e isso encheu seu coração. Jônatas não se satisfez apenas em dizer: “Obrigado, Deus; o gigante está morto e estamos livres; posso agora voltar para casa e tratar da minha vida.” Oh, não; ele sentiu seu coração ser atraído e ligado à pessoa do conquistador. Ele não teve, com isso, um apreço menor pela vitória, mas teve um apreço maior pelo vitorioso. Sua alegria foi despojar-se de sua capa e de sua armadura para colocá-las sobre aquele que era o objeto de sua afeição.
Jônatas não só nos dá uma lição, mas também uma repreensão. Quão inclinados somos em nos ocupar com a redenção mais do que com o Redentor — com a salvação mais do que com o Salvador! Não há dúvida de que devamos nos regozijar em nossa salvação, mas será que devemos parar aí? Será que não deveríamos, como Jônatas, procurar nos despojar de nós mesmos para magnificar a Pessoa dAquele que desceu ao pó da morte por nós? Sim deveríamos, e mais ainda pelo fato de Ele não exigir nada de nós.
Davi não pediu a Jônatas sua capa ou sua espada. Se o tivesse feito, teria roubado toda a beleza da cena. Foi um ato puramente voluntário. Jônatas esqueceu-se de si mesmo e pensou somente em Davi. E assim deveria ser conosco em relação ao verdadeiro Davi. O amor se apraz em despojar-se para Aquele que é seu objeto. “O amor de Cristo nos constrange”. E também, “Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo Qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo” (2 Co 5:14; Fp 3:7-8).
Oh, quiséramos ter mais desse espírito! Que nossos corações possam ser expandidos e unidos cada vez mais a Cristo neste dia em que prevalece o formalismo de uma profissão religiosa oca e vazia! Possamos estar assim cheios do Espírito Santo para, de todo o coração, permanecermos bem perto de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
“Deixa ir o Meu povo, para que Me celebre uma festa no deserto” Êxodo 5:1
Quanta verdade está contida nesta frase! Trata-se de uma das passagens mais amplas e abrangentes de tudo o que compõe o divino volume, e que captura, com especial poder, o coração, abrindo um extenso campo de preciosa verdade. Expressa, em linguagem simples e resumida, o bendito propósito do Senhor Deus de Israel de ver Seu povo totalmente liberto do Egito e separado para Si no deserto. Nada poderia satisfazer mais o Seu coração, no que dizia respeito a eles, além de sua completa emancipação da terra de morte e escuridão. Ele iria libertá-los não somente dos fornos de tijolos e de seus feitores, mas também de seus templos e altares, e de seus hábitos e associações, de seus princípios e máximas, e de suas modas. Em suma, eles deveriam ser um povo completamente separado para poderem celebrar uma festa a Ele no deserto.
Foi assim que aconteceu com Israel, e é assim conosco. Nós, também, devemos ser um povo total e conscientemente separado a fim de podermos servir, adorar ou andar com Deus de maneira adequada. Não apenas devemos conhecer o perdão de nossos pecados, e nossa total libertação da culpa, da ira, do juízo e da condenação; mas também nossa completa libertação deste presente mundo mau e de tudo o que pertence a ele, a fim de podermos servir o Senhor de modo inteligente. O mundo é, para o cristão, aquilo que o Egito era para Israel; o que muda é apenas a forma de nossa separação do mundo, a qual não é geográfica ou física, mas moral e espiritual. Israel saiu do Egito em pessoa; nós saímos do mundo em espírito e em princípios. Israel deixou o Egito de fato; nós deixamos o mundo pela fé. Para eles foi uma separação real, distante e completa, e é a mesma coisa para nós. “Deixa ir o Meu povo, para que Me celebre uma festa no deserto” (Êx 5.1).
Como bem sabemos, Satanás tinha, e ainda tem, muitas objeções contra aquela separação tão rígida. Sua primeira objeção foi apresentada com as seguintes palavras, ditas pelos lábios de Faraó: “Ide, e sacrificai ao vosso Deus nesta terra” (Êx 8:25). Palavras sutis — palavras bem calculadas para iludir um coração que não esteja em comunhão com a vontade de Deus. Pois um coração assim poderia, de modo bem plausível e com aparente razão, argumentar: “Acaso já não é uma atitude bem simpática e incomum da parte do rei do Egito, mostrar-se tolerante para com esse modo peculiar de adoração de vocês? Porventura já não é uma grande concessão de liberdade oferecer à religião de vocês um lugar de reconhecimento público? Obviamente vocês poderão seguir praticando sua religião como fazem os outros. Há lugar para todos. Por que essa exigência de separação? Por que não ocupar um lugar junto com seus vizinhos? Certamente não pode existir razão para tanta estreiteza de pensamento. “
Tudo isso pode parecer bem razoável. Mas, note bem, aí entra o elevado e santo padrão de Jeová! Atente para esta clara e inequívoca declaração: “Deixa ir o Meu povo!” (Êx 9:1). Não existem desculpas. É impossível que se permaneça no Egito depois de uma declaração assim. Os mais plausíveis argumentos se desvanecem na presença da autoritária exigência do Senhor Deus de Israel. Se Ele diz: “Deixa ir o Meu povo”, então devemos ir, apesar de todo o poder contrário da Terra e do inferno, de homens e de demônios. De nada adianta argumentar, refutar ou discutir. Devemos obedecer. Os egípcios que façam os planos para si mesmos; para Israel é Deus Quem decide, e a sequência iria mostrar quem é que estava com a razão.
E permita-nos oferecer aqui, de passagem, uma palavra a respeito do assunto da “estreiteza”, acerca do que escutamos tantas coisas nestes dias. A verdadeira questão é esta: Quem é que deve estabelecer os limites da fé do cristão? O homem ou Deus — a opinião humana ou a revelação divina? Quando esta questão é respondida, todo o assunto fica facilmente resolvido. Existem algumas pessoas que são terrivelmente atormentadas pela mania da “estreiteza de mente”. Mas devemos indagar: o que é uma mente estreita, e o que é uma mente aberta? Ora, o que entendemos por estreita é simplesmente uma mente que se recusa a aceitar ser governada pela plena vontade de Deus. Uma mente governada por opiniões humanas, argumentos humanos, sabedoria do mundo, interesses egoístas, vontade própria é — e não hesitamos considerá-la assim — uma mente estreita.
Por outro lado, uma mente maravilhosamente sujeita à autoridade de Cristo — uma mente que se curva em reverente submissão à voz das Sagradas Escrituras — uma mente que recusa-se terminantemente a ir além da Palavra escrita — que rejeita completamente tudo aquilo que não está baseado no “Assim diz o Senhor” — é o que chamamos de uma mente ampla e elevada.
E porventura não é assim — não deve ser assim? Acaso não é a Palavra de Deus — a vontade de Deus — infinitamente mais abrangente, ampla e plena do que a vontade e os caminhos do homem? Acaso não há uma amplitude infinitamente maior nas Sagradas Escrituras do que em todos os escritos humanos debaixo do Sol? E porventura não é motivo de muito maior largueza de coração, e devoção de alma ser governado pelos pensamentos de Deus, em lugar de nossos próprios pensamentos ou daqueles que nos cercam? Parece-nos que não pode haver mais do que uma resposta a estas perguntas; e assim a questão toda da estreiteza resolve-se por esta frase tão simples, mas tão significativa: “Devemos ser tão estreitos quanto Cristo, e tão largos quanto Cristo”.
Devemos ver tudo a partir deste bendito ponto de vista, e então todo o nosso campo de visão será corrigido, e nossas conclusões estarão cem por cento corretas. Mas se não for Cristo o nosso ponto de vista, mas o ego, o homem ou o mundo, então todo o nosso campo de visão será falso, e nossas conclusões estarão cem por cento erradas.
Tudo isso é tão claro como o Sol para o olho simples e para um coração honesto e leal. E, na verdade, se o olho não for simples, e o coração sincero a Cristo, e se a consciência não estiver sujeita à Palavra, será uma completa perda de tempo argumentar ou discutir. De que valerá discutir com alguém que, ao invés de obedecer à Palavra de Deus, só quer mantê-la fechada? De nada adiantará. É uma tarefa inútil discutir com alguém que nunca assimilou o poderoso significado moral dessa palavra tão preciosa que é obedecer.
Devemos voltar agora ao nosso tema. Existe algo de uma beleza ímpar na resposta de Moisés à primeira objeção de Satanás: “Não convém que façamos assim, porque sacrificaríamos ao Senhor nosso Deus a abominação dos egípcios; eis que se sacrificássemos a abominação dos egípcios perante os seus olhos, não nos apedrejariam eles? Deixa-nos ir caminho de três dias ao deserto, para que sacrifiquemos ao Senhor nosso Deus, como Ele nos dirá” (Êx 8:26-27).
Teria sido moralmente inconveniente apresentar a Jeová, em sacrifício, o objeto da adoração egípcia. Porém, mais do que isso, o Egito não era o lugar apropriado para se erigir um altar ao Deus verdadeiro. Abraão não teve altar quando voltou ao Egito. Ele abandonou sua adoração e sua condição de estrangeiro quando desceu para lá; e se Abraão não pôde adorar ali, tampouco poderiam fazê-lo os seus descendentes. Um egípcio poderia perguntar: Por quê? Mas uma coisa é fazer uma pergunta, e outra coisa é entender a resposta. Como poderia a mente de um egípcio penetrar nas razões da conduta de um verdadeiro israelita? Impossível. O que poderia alguém assim entender do significado de uma “jornada de três dias”? Absolutamente nada.
Amados, “o mundo nos não conhece; porque O não conhece a Ele” (1 Jo 3:1). Os motivos que atuam no verdadeiro crente, e os objetivos que o movem, estão bem além do campo de visão do mundo. E podemos descansar na certeza de que a exata proporção em que o mundo pode penetrar nos motivos do cristão, e entendê-los, é a mesma em que o cristão pode ser infiel para com o seu Senhor.
Falamos aqui, evidentemente, dos motivos que são apropriados ao cristão. Sem dúvida há muita coisa na vida cristã que o mundo pode admirar e valorizar. Integridade, honestidade, fidelidade, bondade desinteressada, cuidado para com os pobres, renúncia própria — todas essas são coisas que podem ser entendidas e apreciadas. Mas, cientes de tudo isso, voltamos à afirmação apostólica de que “o mundo nos não conhece” (1 Jo 3:1), e se desejarmos andar com Deus — se quisermos fazer uma festa para Ele — se o desejo verdadeiro e sincero do nosso coração for o de seguir uma carreira celestial coerente, devemos romper de uma vez por todas com o mundo, e romper com o ego também, e tomar o nosso lugar fora do arraial, junto com um Cristo que foi rejeitado no mundo, mas aceito no Céu. Possamos nós agir assim, com um firme propósito de coração, para a glória de Seu precioso e incomparável nome!
A segunda objeção de Satanás é muito semelhante à primeira. Se ele não consegue manter Israel no Egito, tentará ao menos conseguir manter o povo o mais perto possível do Egito. “Deixar-vos-ei ir, para que sacrifiqueis ao Senhor vosso Deus no deserto; somente que indo, não vades longe; orai também por mim” (Êx 8:28).
Mais do que a permanência no mundo, o abandono aparente do mundo, um abandono parcial e de coração dividido, tem sido a causa de maior dano à causa de Cristo. Cristãos professos inconstantes, indecisos e parciais trazem mais injúria ao testemunho do Senhor do que o mundanismo aberto. E mais ainda, podemos afirmar que, na verdade, existe uma diferença muito grande entre se abrir mão de algumas coisas do mundo, e abrir mão do próprio mundo. Uma pessoa pode abandonar certas formas de mundanismo e ao mesmo tempo manter o mundo arraigado no coração. Podemos abrir mão do teatro, do baile, da corrida de cavalos, da mesa de bilhar, etc., e continuarmos grudados no mundo do mesmo jeito. Podemos podar alguns ramos e ainda assim nos agarrarmos tenazmente ao velho tronco.
Isto é algo que deve ser cuidadosamente considerado. Sentimo-nos persuadidos de que aquilo que as multidões de cristãos professos necessitam é de um rompimento claro com o mundo — esta palavra que é tão abrangente. É totalmente impossível dar um primeiro passo, e muito menos fazer qualquer progresso, enquanto o coração estiver brincando, livre e solto, com as santas reivindicações de Cristo. Não hesitamos em expressar, como nossa firme convicção, que em milhares de casos em que as almas queixam-se por terem dúvidas e temores, altos e baixos, escuridão e peso no coração; queixam-se por falta de segurança, conforto, luz, liberdade, gozo, paz e de uma compreensão clara, tudo se deve ao simples fato de ainda não terem rompido verdadeiramente com o mundo. Elas estão tentando fazer festa ao Senhor no Egito, ou permanecem tão perto dele que podem ser facilmente levadas de volta novamente; tão perto que não são nem uma coisa nem outra.
Como podem ser felizes? Como podem ter paz fluindo como um rio? Como podem andar na luz da face do Pai, ou no gozo da presença de Um Salvador? Como podem os benditos raios daquele Sol que brilha na nova criação alcançá-las por entre a densa atmosfera que cobre a Terra de morte e escuridão? Impossível! É preciso que rompam com o mundo e rendam-se, de coração e mente, a Cristo. Deve haver um Cristo integralmente para o coração e um coração integralmente para Cristo.
Podemos descansar na certeza de que é este o grande segredo do progresso cristão. Devemos iniciar da maneira correta antes de podermos seguir adiante; e para iniciar corretamente, devemos romper nossos vínculos com o mundo ou, mais ainda, devemos crer e viver na prática — no fato de que Deus já rompeu esses vínculos para nós na morte de nosso Senhor Jesus Cristo. A cruz já nos separou para sempre deste presente mundo mau. Ela não apenas nos libertou das consequências eternas de nosso pecado, mas do atual poder do pecado, e também dos princípios, da sabedoria e das modas de um mundo que jaz nas mãos do maligno.
Uma das obras-primas de Satanás é levar cristãos professos a descansarem satisfeitos com a contemplação da Cruz para a salvação, enquanto permanecem no mundo ou ocupam uma posição nas suas fronteiras — “somente que indo, não vades longe” (Êx 8:28). Trata-se de um terrível engano, contra o qual solenemente alertamos o leitor cristão. Qual é a solução? Um coração verdadeiramente devotado e comunhão com um Cristo rejeitado e glorificado. Para andarmos com Cristo, nos deleitarmos com Ele e nos alimentarmos dEle, é necessário que estejamos separados do ímpio, iníquo e anticristão mundo separados dele no espírito de nossa mente e nas afeições do nosso coração — separados dele, não meramente de suas formas mais grosseiras de depravação moral, ou da selvagem extravagância de sua leviandade e clima festivo, mas separados de sua religião, sua política e sua filantropia separados do mundo no mais amplo sentido da palavra.
Mas podemos perguntar aqui: Será que o cristianismo não passa de um despojamento, um esvaziamento, um desistir de tudo? Será que consiste apenas de proibição e negação? Nossa resposta, com profunda ênfase e júbilo é: NÃO! Mil vezes NÃO! O cristianismo é algo preeminentemente positivo — intensamente real — divinamente compensador. O que é que nos dá em troca do que nos tira? Dá-nos insondáveis riquezas, em lugar de esterco e escória. Dá-nos “uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardada nos céus”, em lugar de uma pobre bolha passageira na correnteza do tempo. Dá-nos Cristo, o gozo do coração de Deus, o objeto da adoração do Céu, o tema da canção dos anjos, o eterno Sol da nova criação, em lugar de alguns momentos de proveito no pecado e de culposos prazeres. E, finalmente, nos dá uma eternidade de felicidade e glória inefável na casa do Pai nas alturas, ao invés de uma eternidade nas terríveis chamas do inferno.
Querido leitor: O que é que você tem a dizer acerca destas coisas? Porventura não é uma boa troca? Será que não encontramos aqui as mais convincentes razões para abrirmos mão do mundo? Às vezes acontece de alguns concordarem conosco apresentando suas razões para se renunciar a isto ou aquilo, ou àquele outro ramo de mundanismo; mas é maravilhoso como todas essas razões poderiam ser resumidas em uma, que pode ser expressa desta maneira: “A razão de eu renunciar ao mundo é que encontrei a Cristo”. É este o verdadeiro modo de se colocar a questão. Os homens não acham muito difícil trocar brasas por diamantes, cinzas por pérolas, ou escória por ouro. Não; e do mesmo modo, quando alguém já experimentou a preciosidade de Cristo, não encontra dificuldade em renunciar ao mundo.
Se Cristo preenche o coração, o mundo não só é colocado fora, mas mantido lá. Não somente voltamos as costas para o Egito, mas vamos longe o suficiente para não voltarmos nunca mais. E para quê? Para nada? Para não termos nada? Para vivermos tristes, sombrios, melancólicos, mal humorados ou cínicos? Não; mas para celebrarmos uma festa ao Senhor. Sim, é verdade que a festa é no deserto; mas o deserto nos parece o início do Céu quando temos Cristo conosco. Ele é o nosso Céu, bendito seja o Seu nome — a luz de nossos olhos, o gozo do nosso coração, o alimento de nossa alma; pois até mesmo o Céu não seria Céu sem Ele, e o próprio deserto é transformado em Céu por Sua presença tão querida, tão brilhante e de tanta satisfação para a alma.
Mas isso não é tudo. Não se trata de apenas o coração estar completamente satisfeito com Cristo; mas a mente deve estar também divinamente tranquilizada no que diz respeito às dificuldades do caminho, e às questões que tantas vezes brotam para preocupar e confundir aqueles que não conhecem a profunda bem-aventurança de se ter a Cristo como seu objeto, e a enxergar todas as coisas em relação direta com Ele.
Por exemplo, se sou chamado a agir por Cristo em qualquer circunstância e, ao invés de olhar para a questão simplesmente em sua relação com Ele e Sua glória, eu a vejo quanto ao modo que irá afetar a mim, com toda a certeza mergulharei em trevas e confusão, e chegarei a uma conclusão errônea. Mas se eu simplesmente olhar para Ele, e considerar a Ele, e ver como é que a questão toda diz respeito a Ele, passarei a enxergar a coisa clara como um raio de Sol, e me movimentarei com uma santa flexibilidade e com propósito firme por aquele bendito caminho que está sempre iluminado pelos brilhantes raios do semblante de aprovação de Deus. Um olho simples nunca olha para as consequências, mas olha direto para Cristo, e então tudo se torna simples e claro; o corpo é cheio de luz, e o caminho assinalado por clara determinação.
É isto que é tão necessário nestes dias de profissão cristã leviana, religiosidade mundana, interesses egoístas e satisfação própria. Queremos fazer de Cristo nosso único ponto de vista queremos olhar para o ego, para o mundo, e para a assim chamada Igreja, sem temer as consequências. Oh, que possa ser assim conosco, pela infinita misericórdia de nosso Deus! Então iremos compreender algo da força, da profundidade, da beleza, e da plenitude da frase que abriu este artigo: “Deixa ir o Meu povo, para que Me celebre uma festa no deserto” Êxodo 5:1.
Observe como é que Satanás disputa cada palmo de terra na grande questão da libertação de Israel da terra do Egito. Ele permitiria que eles fossem adorar na própria terra do Egito, ou perto da terra do Egito; mas é à libertação completa e absoluta deles da terra do Egito que Satanás vai querer obstinadamente se opor, usando de todos os meios ao seu dispor.
Porém Jeová, bendito seja Seu nome eterno, está acima do grande adversário, e terá Seu povo totalmente liberto, apesar de todos os poderes unidos do inferno e da Terra. O padrão divino nunca pode ser rebaixado — “Deixa ir o Meu povo, para que Me celebre uma festa no deserto”. Esta é a exigência de Jeová e deve ser cumprida, mesmo que o inimigo venha a colocar dez mil objeções. A glória divina está intimamente envolvida na completa separação de Israel do Egito e de todos os povos que se encontram sobre a face da Terra. “Eis que este povo habitará só, e entre as gentes não será contado” (Nm 23:9). A isto o inimigo se opõe; e para impedir usa de todo o seu maligno poder, e de todas as suas engenhosas artimanhas.
Já consideramos duas de suas objeções, e vamos continuar mostrando a terceira.
“Então Moisés e Aarão foram levados outra vez a Faraó, e ele disse-lhes: Ide, servi ao Senhor, vosso Deus. Quais são os que hão de ir? E Moisés disse: Havemos de ir com os nossos meninos, e com os nossos velhos; com os nossos filhos, e com as nossas filhas, com as nossas ovelhas, e com os nossos bois havemos de ir; porque festa ao Senhor temos. Então ele lhes disse: Seja o Senhor assim convosco, como eu vos deixarei ir a vós e a vossos filhos: olhai que há mal diante da vossa face. Não será assim: andai agora vós, varões, e servi ao Senhor; pois isso é o que pedistes. E os lançaram da face de Faraó” (Êx 10:8-11).
Estas palavras contém uma lição muito solene para o coração de todos os pais cristãos. Elas revelam um profundo e engenhoso propósito do arqui-inimigo. Se ele não pode manter os pais no Egito, irá ao menos procurar manter os filhos, e assim arruinar o testemunho da verdade de Deus, embotar Sua glória refletida no Seu povo, e impedir a bênção que Eles encontram nEle. Pais no deserto e filhos no Egito! — quão contrário é isto à vontade de Deus, e quão subversivo à Sua glória manifestada no andar do Seu povo.
Deveríamos sempre nos lembrar — e estranho é que venhamos a nos esquecer! — de que nossos filhos são parte de nós mesmos. A criativa mão de Deus os fez assim; e, certamente, aquilo que o Criador uniu, o Redentor não iria querer despedaçar. Portanto encontramos, invariavelmente, que Deus une um homem e sua casa. “Tu e a tua casa” é uma frase de profunda importância. Ela envolve as mais elevadas consequências, e concede a mais rica consolação a cada pai ou mãe cristãos; e, podemos seguramente acrescentar que a negligência disso tem acarretado as mais desastrosas consequências em milhares de círculos familiares.
Muitos — oh, e quantos são! — pais cristãos, por meio de uma aplicação totalmente falsa das doutrinas da graça, permitiram que seus filhos crescessem na obstinação e mundanismo; e enquanto o faziam, consolavam-se a si mesmos com a ideia de que nada poderiam fazer, e que na hora que aprouvesse a Deus os seus filhos seriam reunidos, caso estivessem incluídos nos propósitos eternos. Eles virtualmente perderam de vista a grande verdade prática de que Aquele que determinou o fim estabeleceu os meios para alcançá-lo, e que trata-se do cúmulo da tolice pensar em se atingir o fim negligenciando os meios.
Estaríamos nós, com isto, querendo dizer que todos os filhos de pais cristãos estão, necessariamente, incluídos entre os eleitos de Deus; que serão todos infalivelmente salvos? — e que, se não o forem, foi devido a uma falha dos pais? Não pretendemos afirmar nada disso. Todas as obras de Deus são conhecidas dEle desde o princípio do mundo. Nada sabemos dos eternos decretos e propósitos. Nenhum olho mortal jamais viu a página de Seus conselhos secretos.
O que é, então, que está envolvido na expressão de tanto peso que é: “Tu e a tua casa”? Há duas coisas envolvidas nela. Em primeiro lugar, existe o mais precioso privilégio; e, em segundo lugar, uma profunda responsabilidade. É inquestionável o privilégio que todos os pais cristãos têm de poder confiar seus Filhos a Deus; mas trata-se também de seu obrigatório dever (será que não gostamos desta palavra feia?) educar seus filhos para Deus.
Temos aqui a suma e essência de todo o assunto — os dois lados desta grande questão. Em cada parte da Palavra de Deus, ela liga o homem à sua casa. “Hoje veio a salvação a esta casa.” “Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e a tua casa” (Lucas 19: Atos 16). Aqui está o sólido fundamento do privilégio e responsabilidade dos pais. Agindo sobre o importante princípio que é posto aqui estaremos, definitivamente, entrando no terreno que Deus estabeleceu para nossos filhos, e iremos criá-los diligentemente, confiando nEle para o resultado. Devemos começar bem do começo, e seguir firmes em frente, dia após dia, mês após mês, ano após ano, educando nossos filhos para Deus.
Do mesmo modo como um sábio e habilidoso jardineiro, enquanto suas árvores frutíferas são ainda novas e maleáveis, começa a dirigir os ramos ao longo do muro onde possam receber os benéficos raios do Sol, assim deveríamos fazer também, enquanto nossos filhos são jovens e maleáveis, procurando moldá-los para Deus. Seria o cúmulo da tolice, da parte do jardineiro, esperar até que os ramos se tornassem velhos e nodosos, para então tentar vergá-los. Ele logo descobriria ser aquela uma tarefa fadada ao fracasso. E, com toda certeza, trata-se da maior tolice de nossa parte, deixar que nossos filhos passem anos e anos sob a mão moldadora de Satanás, do mundo e do pecado, antes de nos lançarmos ao santo trabalho de moldá-los para Deus.
Não queremos ser mal compreendidos. Que ninguém pense que estamos querendo ensinar que a graça é hereditária, ou que possamos, por qualquer ação ou método de educação, fazer de nossos filhos cristãos. Não! Nada disso. A graça é soberana, e os filhos de pais cristãos devem, assim como todas as pessoas, nascer da água e do Espírito, para poderem ver ou entrar no reino de Deus. Tudo isso é algo simples e tão claro quanto as Escrituras podem torná-lo, mas, por outro lado, as Escrituras são igualmente claras e simples quanto ao dever que cabe aos pais cristãos: “criai-os na doutrina e admoestação do Senhor” (Ef 6:4). E o que é que envolve esse “criai-os”? O que é que significa? Em que consiste? Certamente estas são perguntas importantes para o coração e para a consciência de todo pai ou mãe cristã. Na verdade, é de se temer que bem poucos de nós entendemos o que significa uma educação cristã, ou como deve ser levada a efeito. Uma coisa é certa: a educação cristã significa muito mais do que injetar religião em nossos filhos, fazendo da Bíblia um livro de tarefas, ensinando nossos filhos a repetir textos e hinos como papagaios, e transformando o círculo familiar numa escola. Não há dúvida de que seja muito bom preencher a memória de uma criança com versículos e doces hinos. Ninguém ousaria colocar isto em dúvida. Mas, acaso o que geralmente acontece não é que a religião acaba se tornando um aborrecimento para a criança, e a Bíblia um repulsivo livro-escolar?
Isso nunca levará a nada. O que é realmente necessário é cercarmos nossos filhos com uma atmosfera totalmente cristã, desde os seus primeiros dias de vida: deixá-los respirar o ar puro da nova criação; permitir que enxerguem em seus pais os genuínos frutos da vida espiritual — amor, paz, pureza, ternura, santo desinteresse, bondade genuína, altruísmo, amável preocupação para com os outros. Estas coisas têm uma poderosa influência moral sobre a mente maleável de uma criança, e o Espírito de Deus pode, com certeza, utilizá-las para atrair o coração a Cristo — o centro e a fonte de todas essas belas graças e influências celestiais.
Mas, por outro lado, quem pode tentar definir o efeito pernicioso que é produzido em nossos filhos por nossas inconsistências, por nosso mau gênio, nossa maneira egoísta de ser, nosso mundanismo e cobiça? Será que podemos ser considerados como aqueles que tiram os filhos do Egito, quando os princípios e hábitos do Egito são vistos em toda a nossa carreira? Talvez possamos usar e ensinar o palavreado do deserto ou de Canaã; mas nossos caminhos, nossas maneiras, nossos hábitos são os mesmos do Egito, e nossos filhos são suficientemente espertos para notarem a grosseira inconsistência, e o efeito sobre eles é mais deplorável do que se pode expressar. Não fazemos mais do que uma pequena ideia do modo como a infidelidade de pais cristãos tem contribuído para fazer crescer a maré de infidelidade que está se elevando ao nosso redor com espantosa rapidez.
Pode-se afirmar, e isto de modo incontestável, que os filhos são responsáveis, apesar da inconsistência de seus pais. Mas, com toda certeza, qualquer que seja o grau de verdade que possa haver nesta afirmação, os pais não devem querer apressar as coisas. Somos tentados a nos apoiar na responsabilidade de nossos filhos por causa do nosso próprio fracasso em cumprirmos com a responsabilidade que cabia a nós. Não há dúvida de que eles sejam responsáveis, mas nós também o somos; e se falhamos em exibir, aos olhos de nossos filhos, aquelas provas vivas e inquestionáveis de que nós mesmos já deixamos o Egito, e que o deixamos para sempre, será surpresa se eles permanecerem no Egito?
De que pode valer falar sobre a vida no deserto, e de estarmos em Canaã, enquanto nosso modo de ser, nossos hábitos, nossos caminhos, nossa conduta, nosso espírito, a tendência de toda a nossa vida, carrega, e exibe em si, a estampa do Egito? De nada valerá. A linguagem da vida faz soar falsa a linguagem dos lábios, e sabemos muito bem que a primeira é muito mais convincente do que a segunda. Nossos filhos irão julgar a partir de nossa conduta, e não de nossa conversa, onde é que realmente estamos; e será que devemos nos espantar com isso? Acaso não é a conduta o verdadeiro índice da convicção? Se realmente deixamos o Egito, isto será visto em nossos caminhos; e se não for visto em nossos caminhos, a conversa dos lábios torna-se algo pior do que inútil; ela só tende a criar desgosto nas mentes de nossos filhos, e a levá-los à conclusão de que cristianismo não passa de fingimento.
Tudo isso é profundamente solene, e deveria levar os pais cristãos ao mais intenso exercício de alma na presença de Deus. É bom que acreditemos que há muito mais envolvido nesta questão de educação do que muitos de nós estamos pensando. Nada senão o poder direto do Espírito de Deus pode preparar os pais para a grande e santa obra de educar seus filhos, nos dias em que vivemos e em meio ao cenário que atravessamos. Esta palavra cai no coração com doçura e poder celestiais: “A minha graça te basta” (2 Co 12:9). Podemos, com a mais plena confiança, depender de Deus para que abençoe o mais débil esforço de nossa parte para guiar nossos filhos para bem longe do Egito. Mas o esforço deve ser feito, e feito também com um real, fixo e sincero propósito de coração. De nada adiantará cruzarmos nossos braços e dizermos: “A graça não é hereditária. Não podemos converter nossos filhos. Se eles fizerem parte dos eleitos de Deus, serão salvos; se não, não poderão se salvar”.
Isso tudo é algo parcial e totalmente falso. Não poderá durar; não poderá suportar a luz do tribunal de Cristo. Os pais não podem se livrar da santa responsabilidade de educar seus filhos para Deus; esta responsabilidade começa com o parentesco, e está baseada nele; e o desempenho contínuo dela, em relação aos nossos filhos, exige um contínuo exercício de alma diante de Deus. Devemos nos lembrar de que os fundamentos do caráter são lançados no berço. É na mais tenra infância que tem início a educação cristã, e ela deve prosseguir, dia após dia, mês após mês, e ano após ano, em uma dependência simples e de coração em Deus que irá, com toda certeza, no seu devido tempo, ouvir e responder o sincero clamor do coração de um pai ou de uma mãe, e coroar com Sua rica bênção os fiéis esforços vindos das mãos dos pais.
E enquanto tratamos deste assunto de educar crianças, gostaríamos de, em amor sincero e fraternal, oferecer uma sugestão a todos os pais cristãos quanto à imensa importância de inculcar nos filhos um espírito de obediência implícita. Se não estamos enganados, há um fracasso generalizado a este respeito, pelo qual temos que nos julgar diante de Deus. Seja devido a uma falsa ternura, ou por indolência, deixamos que nossos filhos andem de acordo com a sua própria vontade e desejo, e os passos que dão nesta estrada são assustadoramente rápidos. Eles passam de uma etapa a outra com grande velocidade, até que, no final, atingem o terrível objetivo de desprezarem totalmente seus pais, rejeitando completamente sua autoridade, calcando sob seus pés a santa ordem de Deus, e transformando o círculo familiar numa cena de ímpia anarquia e confusão.
O quão terrível isto é, nós nem precisamos dizer, ou o quão completamente oposto à vontade de Deus, conforme é revelada em Sua santa Palavra. Mas será que não devemos nos culpar, a nós mesmos, por isto? Deus colocou nas mãos dos pais as rédeas de governo e o chicote da autoridade, mas se os pais, por indolência, deixam que as rédeas caiam de suas mãos; e se por falsa ternura ou fraqueza moral, o chicote da autoridade não é aplicado, será que precisamos nos admirar se as crianças crescerem em total iniquidade? E como poderia ser diferente? As crianças são, como regra geral, muito daquilo que nós mesmos as tornamos. Se forem feitas obedientes, assim serão; se forem deixadas para que sigam seus próprios caminhos, o resultado será condizente com isso.
Será que isto significa que devemos estar sempre puxando as rédeas e brandindo o chicote? De modo nenhum. Isto seria quebrar o espírito da criança, ao invés de sujeitar sua vontade. Onde quer que a autoridade dos pais esteja bem estabelecida, as rédeas podem repousar tranquilamente sobre o pescoço, e o chicote pode ser deixado pendurado. A criança deveria ser ensinada, desde o primeiro momento, que seu pai só deseja o seu bem, mas a vontade dos pais deve ser soberana. Não há nada mais simples. Um olhar é o suficiente para uma criança que foi educada de modo adequado. Não há necessidade de estarmos continuamente fazendo afirmação de nossa autoridade; aliás não há nada que gere mais contenda do que isto, seja em um marido, em um pai ou em um patrão. Existe uma silenciosa dignidade naquele que realmente tem autoridade; ao contrário dos espasmódicos esforços da fraqueza que só geram contendas.
Temos visto, nos muitos anos de experiência e de cuidadosa observação, que o verdadeiro segredo de sucesso na educação está em um tempero bem feito de firmeza e ternura. Se o pai ou a mãe estabelece desde o princípio sua autoridade, poderá expressar tanta ternura quanto o mais amoroso coração pode desejar ou demonstrar. Quando a criança é verdadeiramente preparada para sentir que as rédeas e o chicote estão sob o direto controle de um julgamento sadio e de verdadeira afeição, e não de um gênio amargo e de urna vontade arbitrária, haverá pouca dificuldade em treiná-la.
Em resumo, a firmeza e a ternura são os dois ingredientes essenciais em toda educação sadia; uma firmeza que a criança não ousará questionar; uma ternura que leva em consideração toda vontade verdadeira da criança, e todo desejo justo. É realmente triste quando a ideia que uma criança faz da autoridade dos pais é de uma interferência arbitrária, ou de fria indiferença para com seus pequenos desejos e vontades. Não é assim que nosso Pai celestial trata conosco; e Ele deve ser nosso modelo em tudo isso, assim como nas outras coisas também.
Se está escrito — e está escrito — “Filhos, obedecei em tudo a vossos pais; porque isto é agradável ao Senhor”; é também com um maravilhoso poder regulador que está escrito: “Pais, não irriteis a vossos filhos, para que não percam o ânimo” (Cl 3:20-21). E se está escrito, “Filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo”, também é dito, “E vós, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do Senhor” (Ef 6:1-4). Em resumo, a criança deve ser ensinada a obedecer; mas deve ser permitido à criança obediente que respire uma atmosfera de ternura, e que ande para cima e para baixo sob a luz da afeição dos pais. É este o espírito da educação cristã.
De boa vontade continuaríamos neste grande assunto prático; mas cremos que já foi falado o suficiente para despertar os corações e as consciências de todos os pais cristãos para o senso de sua elevada e santa responsabilidade com referência aos seus amados frutos; e também para mostrar que há muito mais envolvido no ato de se tirar nossos filhos do Egito, e em se assumir a posição que Deus determina para eles, do que muitos de nós pensamos. E se a leitura destas linhas puder ser usada por Deus para levar algum pai ou mãe a um exercício de oração quanto a esta matéria de tão grande importância, não teremos escrito em vão.
Devemos terminar este artigo com a mais breve referência possível à quarta e última objeção de Satanás, que está expressa nas seguintes palavras: “Então Faraó chamou a Moisés, e disse: Ide, servi ao Senhor: somente, fiquem vossas ovelhas e vossas vacas: vão também convosco as vossas crianças” (Êx 10:24). Ele os deixaria ir, mas sem meios de servir ao Senhor. Se ele não podia mantê-los no Egito, ao menos poderia mandá-los embora sem quaisquer recursos. É esta a última objeção de Satanás.
Mas repare na nobre resposta de um coração devoto. Veja sua grandeza moral. “Moisés, porém, disse: Tu também darás em nossas mãos sacrifícios e holocaustos, que ofereçamos ao Senhor nosso Deus. E também o nosso gado há de ir conosco, nem uma unha ficará; para servir ao Senhor nosso Deus: porque” — medite nestas sugestivas palavras — “não sabemos com que havemos de servir ao Senhor, até que cheguemos lá” (Êx 10:25-26).
É preciso que estejamos completa e desimpedidamente na posição que Deus quer, e enxergando a partir do Seu ponto de vista, antes de podermos formar qualquer ideia verdadeira da natureza e extensão de Suas exigências. É totalmente impossível, enquanto estamos cercados por uma atmosfera mundana, e governados por um espírito mundano, por princípios mundanos, e tendo objetivos mundanos, que tenhamos ainda que apenas um senso do que é devido a Deus. Devemos permanecer no elevado terreno de uma redenção já consumada — na plena luz da nova criação — separados deste presente século mau, se quisermos servir a Cristo de maneira apropriada.
É só quando enxergamos, no poder de um Espírito habitando em nós, aonde fomos levados pela morte e ressurreição de Cristo “caminho de três dias” (Êx 8:27) — que podemos entender de uma só vez o que é o verdadeiro serviço cristão; e então veremos claramente, e reconheceremos totalmente, que tudo o que somos, e tudo o que temos, pertence a Ele. “Não sabemos com que havemos de servir ao Senhor, até que cheguemos lá” (Êx 10:26). Preciosas palavras! Possamos nós entender melhor sua força, seu significado e sua aplicação prática! Moisés, o homem de Deus, enfrenta todas as objeções de Satanás com uma simples, porém decidida, dedicação à exigência de Jeová: “Deixa ir o Meu povo, para que Me celebre uma festa no deserto” (Êx 5:1).
Este é o verdadeiro princípio que somos chamados a manter apesar de todas as objeções. Se este padrão for rebaixado, ainda que só um pouco, o inimigo ganhará seu ponto, e tanto o serviço como o testemunho cristão são enfraquecidos — quando não se tornam até mesmo impossíveis.
C. H. Mackintosh