Suponhamos que um senhorio tenha alugado sua casa a um mau inquilino, que bebe, joga, pragueja e seja uma desgraça para a vizinhança, além de nunca pagar o aluguel. Por fim, o senhorio perdoa todos os aluguéis atrasados e coloca na casa um novo inquilino – tranquilo, respeitável, trabalhador, e com autoridade suficiente para manter o mau inquilino quieto em um dos aposentos da casa. Ele nunca deverá permitir que o mau inquilino tome o domínio da casa, e jamais deixará que ele abra a porta.
Esta é uma figura um pouco grotesca de um cristão. Seu corpo é a casa; sua velha natureza é o mau inquilino; sua nova natureza é o bom inquilino, e Deus é o proprietário do imóvel, pois nosso corpo não é nosso, mas do Senhor. Não moramos em casa própria, por assim dizer, mas somos meros inquilinos – uma verdade solene e frequentemente esquecida.
Surge, então, uma dificuldade. O mau inquilino é um velho muito forte; o novo inquilino é um jovem ainda fraco. Embora ele tenha completa autoridade, ele não tem poder para cumprir o desejo do proprietário da casa. Ele clama por auxílio e o proprietário envia um forte amigo, de sua própria casa, para ajudar o novo inquilino a subjugar o velho inquilino e mantê-lo sob custódia.
O amigo forte é o Espírito Santo, “para que, segundo a riqueza da Sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o Seu Espírito no homem interior” (Ef 3.16 Almeida Versão Atualizada). É por isso que com frequência lemos acerca dEle subjugando o velho inquilino ao invés do novo inquilino fazê-lo. Devemos, evidentemente, entender que esse amigo nunca interfere, a menos que o novo inquilino o deseje (veja Gálatas 5.17,25).
Suponhamos que eu convide alguns amigos para virem a essa casa e passarem uma noite agradável com meu velho amigo que mora ali. Eu ouvi dizer que aconteceram algumas mudanças naquela casa, mas não sei exatamente o que aconteceu. A porta é aberta pelo velho inquilino, mas ele está com uma aparência intimidada. Quando eu lhe digo a respeito da razão de minha vinda, ele diz, “Bem, evidentemente eu gostaria de convidá-lo a entrar, mas não posso fazê-lo pois o novo inquilino não gostaria. Você compreende, agora é ele o responsável por esta casa perante o proprietário, e ele é muito exigente quanto a mantê-la em ordem e em silêncio. Eu só vim atender porque ele está dormindo, mas se houver qualquer barulho na casa ele logo me trancará novamente”.
Fica evidente, neste caso, que fui atendido pela mesma pessoa que conhecia há tempos, com a única diferença que ele teve seus aluguéis perdoados e que há agora um novo inquilino na casa, do qual ele tem medo.
Suponhamos, agora, que eu volte depois de alguns meses para tentar induzir meu velho amigo a sair e passar uma noite divertida junto comigo. Está bem escuro quando eu bato à porta, portanto não posso ver quem vem abri-la, mas supondo que seja meu velho amigo, eu digo:
– Venha ao teatro comigo.
– Eu nunca vou lá – é a resposta que ouço.
– Eu sei – digo eu – é porque você agora tem medo.
– Não, eu não estou com medo; acontece que não ligo para isso.
– Deixa disso – digo eu – não aceito tal desculpa; eu sei que você gosta, e muito, mas você está com medo do novo inquilino.
– Eu sou o novo inquilino – é a resposta que ouço.
Neste caso, não estou diante do velho homem com seu aluguel perdoado, mas de um homem completamente novo, respondendo às minhas perguntas e declarando que não liga para os prazeres mundanos. Trata-se, aqui, de algo novo, mas é esta também a verdadeira posição do cristão: ele deve sempre deixar que sua nova natureza, e nunca a velha, atenda à porta.
Vamos supor agora que eu continue a bater à porta por alguns meses, e receba invariavelmente a mesma resposta. Não seria surpresa eu pensar que o velho inquilino tivesse morrido, pois ele nunca atende à porta. Assim é ele, ao menos naquilo que diz respeito ao aspecto visível da sua existência. O novo inquilino, no entanto, poderia me contar das muitas tentativas que o velho homem faz para escapar de seu confinamento, quando nada exceto a força do amigo pode evitar que ele se mostre tão mau como sempre foi.
A. T. Schofield