Desconheço se esta expressão, “o tribunal de Deus”, ou “o tribunal de Cristo”, seja encontrada em mais alguma passagem além de Romanos 14 e 2 Coríntios 5; na primeira delas com vistas a prevenir-nos contra julgamentos individuais; na segunda com vistas a nos incitar à prática do bem. Este assunto é, em si mesmo, um dos mais solenes e benditos, e mais ainda quando o compreendemos corretamente.
Creio que cada ato de nossa vida será então manifestado, perante o tribunal, segundo a graça de Deus e Seus caminhos para conosco (em conexão com os nossos próprios atos) que serão conhecidos então. Lemos em Romanos 14:12 que “cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”; e a palavra, nesta passagem, menciona o tribunal em conexão com a exortação aos irmãos para não julgarem uns aos outros por causa dos dias, de comidas, ou qualquer outra dessas coisas.
Sou inclinado a pensar que somente os atos estarão sujeitos à manifestação; porém todos os atos privados de nossa vida dependem tão intimamente de nossos sentimentos interiores que é difícil distinguir, num certo sentido, os atos dos simples pensamentos. Os atos manifestam o poder dos pensamentos ou dos sentimentos. Acredito que todos os nossos atos serão ali detalhados, perante o tribunal. Todavia não para nós, como se estivéssemos na carne – portanto não para a nossa condenação – mas para tornar evidente aos nossos próprios olhos a graça que se ocupou conosco – antes ou depois de termos sido regenerados. Nos conselhos de Deus, eu sou eleito desde antes da fundação do mundo; portanto penso que a minha própria história será detalhada perante o tribunal, e, paralelamente, se manifestará a história da graça e da misericórdia de Deus para comigo. O por quê e como fizemos isto ou aquilo será manifestado então. Para nós a cena será declaratória, e não judicial. Não estamos na carne perante Deus; aos Seus olhos e pela Sua graça estamos mortos. Mas então, se tivermos andado segundo a carne, teremos que ver o quanto perdemos em bênçãos, e em que perda incorremos; e, por outro lado, os caminhos de Deus para conosco – todos eles de sabedoria, misericórdia e graça – serão, pela primeira vez, perfeitamente conhecidos e compreendidos por nós. A história de cada um será manifestada em perfeita transparência; será então visto como você fraquejou e como Ele o guardou; como escorregaram seus pés e como Ele ergueu-o novamente; como chegou perto do perigo e da vergonha, e como Ele Se interpôs com Seu próprio braço.
Creio que isto seja a noiva se aprontando, e considero o momento maravilhoso. Não haverá, então, carne para ser condenada, mas a nova natureza entrará no pleno conhecimento do cuidado e do amor que, em verdadeira santidade, justiça, e até mesmo em graça, nos seguiu passo a passo por todo o tempo de nossa carreira. Alguns períodos de nossa vida, até então inteiramente inexplicáveis, serão completamente desvendados e tornar-se-ão perfeitamente claros; algumas tendências de nossa natureza, que talvez não julguemos ser tão perniciosas e fatais, como o são de fato (e para a mortificação das quais talvez estejamos agora sujeitos à disciplina, a qual talvez não temos interpretado corretamente), serão então perfeitamente explicadas; e, ainda, as próprias quedas que hoje nos lançam em amarga angústia, serão vistas, então, como aquilo que Deus usou para nos preservar de algo mais terrível. Não creio que, até então, teremos jamais experimentado um tamanho conhecimento da maldade de nossa carne.
Quão bendito é para nós sabermos que então não somente estará tudo terminado quanto à carne, nos conselhos de Deus, mas que também a carne já não estará ligada a nós! Por outro lado, não tenho dúvida, a manifestação da graça de Deus para conosco individualmente será tão magnificente que, mesmo que o senso da perversidade da carne que tivemos pudesse ali entrar, seria de todo excluído pela grandiosidade da compreensão da bondade divina. Então, por que não negamos e mortificamos a carne quando pensamos naquela hora? Que o Senhor conceda fazermos sempre mais pela glória da Sua graça. O grandioso assunto do tribunal de Deus, leva a um bem pleno conhecimento de nossa posição individual.
J. N. Darby