Apresentação
Primeiramente agradeço a Deus por permitir que este material fosse produzido e disponibilizado para milhares de leitores no Brasil e no mundo. As ideias que você encontra aqui não são originalmente minhas, e sim fruto do que tenho aprendido da Palavra de Deus fora dos sistemas denominacionais com irmãos congregados ao nome do Senhor e também com autores de outras épocas que congregavam assim. Foram eles J. G. Bellett, C. H. Brown, J. N. Darby, E. Dennett, W. W. Fereday, J. L. Harris, W. Kelly, C. H. Mackintosh, A. Miller, F. G. Patterson, A. J. Pollock, H. L. Rossier, H. Smith, C. Stanley, W. Trotter, G. V. Wigram e muitos outros.
Para que você compreenda como este livro veio a existir, creio ser necessário voltar um pouco no tempo. Depois de um período trabalhando em São Paulo, em 1988 mudei-me com minha família de volta para Limeira, minha cidade natal, a fim de colaborar com a Editora Verdades Vivas, uma organização sem fins lucrativos que produz e distribui literatura cristã. A grande quantidade de folhetos evangelísticos, livros e calendários distribuídos no Brasil e em outros países de língua portuguesa gerava um volume considerável de correspondência, não só com pedidos de publicações, mas também com perguntas sobre a Bíblia. Todas as cartas eram devidamente respondidas.
Nessa época adquiri o hábito de manter uma cópia das respostas em formato digital. Assim ficava fácil responder perguntas semelhantes ou até mesmo mesclar trechos de diferentes respostas, além de preservar aquele conhecimento. A partir de 1996 passei a usar a Internet e aí as respostas já não precisavam ser impressas, envelopadas e enviadas por carta como era feito até então. O uso do e-mail agilizou o processo e permitiu atender mais correspondentes com maior agilidade.
Em 1998 deixei a editora para atuar como executivo de uma empresa de tecnologia da informação, porém mantendo nas horas vagas minha ocupação com o evangelismo e ministério da Palavra via Internet por meio de diferentes sites e blogs. Em 2001 passei a trabalhar por conta própria como consultor e palestrante empresarial, tendo mais tempo livre e uma agenda mais flexível para dedicar-me ao evangelho.
Em 2005 decidi lançar o blog “O que respondi” no endereço respondi.com.br para disponibilizar as respostas que tinha armazenado em formato digital desde 1988 e acrescentar as que fossem sendo criadas. Algo que muitos perguntam é a razão de o blog não permitir comentários, mas o volume de spam, debates e opiniões deixadas na área de comentários me obrigou a eliminar esta opção de contato para me concentrar no atendimento apenas por e-mail. É sempre bom lembrar que não existe uma “equipe” para responder a correspondência que chega, pois este é um exercício pessoal.
Em 2008 iniciei um trabalho chamado “O Evangelho em 3 minutos — Uma mensagem urgente para quem tem pressa”, com vídeos no Youtube e também em versões de texto e áudio no endereço 3minutos.net. Com a popularização do smartphone e da Internet móvel este formato mostrou-se excelente para alcançar pessoas a qualquer hora e em qualquer lugar com a mensagem da salvação e a sã doutrina. O site “O que respondi” passou a servir de complemento aos vídeos. Enquanto no “Evangelho em 3 minutos” a Palavra de Deus é pregada de forma rápida, no “O que respondi” ela é explicada em detalhes e com referências.
Estas e outras frentes de trabalho via Internet continuam gerando um número cada vez maior de contatos e perguntas. Em 2013 foram mais de três mil perguntas atendidas, porém graças ao blog “O que respondi” nem todas precisaram ser respondidas. Na maioria das vezes é suficiente enviar links para as mais de mil respostas existentes no blog, que já conta com cerca de quatro milhões de acessos desde sua criação.
Assim chegamos à razão deste livro que está sendo lançado nos formatos digital (e-book) e impresso (on demand). Ele atende aqueles que desejam ter acesso ao material do blog sem depender de uma conexão com a Internet. Este é um dos mais de dez volumes projetados para compor esta coleção, se considerarmos todo o conteúdo do blog “O que respondi”.
Ao ler este livro não se esqueça de que está lendo as opiniões do autor, e não a Palavra de Deus. Considere também que os textos são cartas e e-mails de minha correspondência pessoal, e não uma obra literária. A linguagem é informal e despretensiosa como acontece com uma correspondência entre duas pessoas, e é provável também que você às vezes venha a achar a linguagem meio irreverente, mas isso é apenas fruto de meu estilo literário, e não de tratar levianamente as coisas de Deus ou a pessoa a quem respondi. Lembre-se também de que, para a resposta fazer sentido, às vezes incluo o que escreveram meus interlocutores e alguns são incrédulos ou ateus com opiniões depreciativas a respeito de Deus e de sua Palavra.
Não espere encontrar aqui todas as respostas e nem sequer as trate como definitivas. Elas são fruto do meu exercício com o Senhor e do que continuo aprendendo todos os dias. Por isso leia, medite, busque referências na Bíblia e ore para que o Espírito Santo lhe dê o entendimento. Sem isto até a pessoa mais inteligente e versada nas Escrituras será incapaz de entender as coisas de Deus, pois elas se discernem espiritualmente.
É provável que você encontre erros em minhas opiniões. Pode ter certeza de que eu mesmo eventualmente sou obrigado a acessar o blog “O que respondi” para fazer correções após ter sido instruído ou alertado de alguma falha por algum irmão ou por algo que li na Palavra de Deus. Se, ao comparar uma resposta mais antiga com uma mais nova, você encontrar alguma discrepância, saiba que optei por não revisar todas as respostas, mas decidi mantê-las do modo como entendia as coisas quando as escrevi, e lembre-se de que você está lendo textos escritos ao longo de um período de cerca de trinta anos. Se encontrar algum erro de digitação ou de gramática, entre em contato para eu fazer as devidas correções, pois o desejo de disponibilizar este livro o mais rápido possível nas mãos dos leitores foi maior que o tempo que tive para revisá-lo.
Este livro é vendido em formato impresso e distribuído gratuitamente em formato e-book, porém alguns sites de terceiros ou editoras irão cobrar algum valor também para a versão e-book. Em nenhum dos casos isso implica algum ganho para o autor que optou por abrir mão dos ganhos com direitos autorais. Você poderá distribuir o conteúdo deste livro, desde que o faça gratuitamente, não altere o texto e mantenha a referência ao autor.
Peço que se lembre de incluir este trabalho em suas orações e de endereçar ao Senhor, e não a mim, qualquer sentimento de gratidão que porventura possa ter por esta leitura.
“Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor; como a alva, a sua vinda é certa” (Os 6:3).
Mario Persona
www.respondi.com.br
www.3minutos.net
Agosto, 2017
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Não devo ser pobre nem rico?
A oração de Agur no capítulo 30 de Provérbios busca um caminho do meio entre pobreza e riqueza, dando suas razões para isso: Se for muito pobre poderá roubar, se for muito rico poderá se esquecer de Deus. O desejo de Agur é correto, mas não seria correto transformar isso em uma doutrina para a vida do cristão. Devemos sempre entender que o livro de Provérbios ensina a sabedoria e o bom senso para esta vida e para qualquer ser humano, seja ele convertido ou não.
Quando lemos a Bíblia devemos saber “manejar” ou “repartir” a “palavra da verdade” (2 Tm 2:15), isto é, entender a quem cada porção dela foi dirigida, e com que propósito. Aliado a isto, devemos entender que a revelação de Deus só ficou completa com o Novo Testamento, em especial com as epístolas dos apóstolos que trouxeram à tona mistérios desconhecidos até mesmo dos autores do Antigo Testamento.
Apenas a Paulo foram revelados ao menos nove mistérios que eram completamente desconhecidos antes: O mistério do evangelho da graça de Deus (Rm 16:25-26); o mistério do endurecimento de Israel por um tempo (Rm 11:25-27); o mistério do arrebatamento e da ressurreição do corpo de Cristo (1 Co 15:51-53); o mistério do um só corpo, a Igreja (Ef 3:1-9); o mistério da cidadania ou vocação celestial do crente no corpo de Cristo (Ef 1:3; Fp 3:20-21); o mistério do propósito de Deus de reunir todas as coisas em Cristo na dispensação da plenitude dos tempos (Ef 1:9-10); o mistério da graça de Deus (Rm 6:14); o mistério da identificação do crente com Cristo (1 Co 15:1-4); o mistério da iniquidade (2 Ts 2:6-12).
Por isso devemos entender que existem diferentes patamares de conhecimento na Palavra de Deus, e quando encontramos uma verdade no Antigo Testamento devemos buscar no Novo se ocorreu, por assim dizer, um upgrade, como nas partes em que Jesus diz: “ouvistes o que vos foi dito… eu porém vos digo”. Talvez uma figura que ajude a lidar com isto seria imaginar o Velho Testamento como a terra onde nossos pés ainda estão e o Novo Testamento como o céu onde nossa mente já está. Nós aprendemos no Velho Testamento princípios para o nosso andar aqui, mas é do Novo Testamento que vem o entendimento desse andar.
Portanto não se esqueça de que Provérbios é um livro de sabedoria para o homem natural vivendo na terra, ou seja, ali aprendemos a viver aqui no mundo de modo a evitar problemas, o que serve tanto para o crente quanto para o incrédulo. A ênfase demonstrada na repetição da frase “filho meu” também demonstra termos ali princípios bastante apropriados para o homem na sua juventude, quando ainda não atingiu a idade adulta, ainda que isto não seja uma regra do texto.
Quando vamos para as epístolas temos um patamar mais elevado, pois a sabedoria ali é para o novo homem, que já não pede mais um meio termo entre riqueza ou pobreza, porém fica satisfeito com o que Deus determinar, inclusive com os extremos. O cristão já não avalia a si mesmo ou ao seu irmão com base no que tem ou não tem, pois Deus pode querer que uns tenham e outros não. O cristão vive no contentamento de ser suprido de acordo com a vontade de Deus, o que pode incluir apenas as suas necessidades, mas pode ser também de uma abundância que inclua as necessidades também de seus irmãos.
Quando vejo alguns cristãos defenderem que devem ser pobres eu me lembro do caso de José de Arimateia em Marcos 15:43: “Chegou José de Arimateia, senador honrado, que também esperava o reino de Deus, e ousadamente foi a Pilatos, e pediu o corpo de Jesus”. José era um homem rico e influente, e é dele, e também de Nicodemos, que fala a profecia de Isaías 53:9, que diz: “E puseram a sua sepultura com os ímpios, e com o rico na sua morte”. Foi no túmulo desse homem rico e influente que o corpo de Jesus foi sepultado, depois de preparado, à custa de Nicodemos, com 34 quilos de uma mistura de mirra e aloés? A passagem em João 19 não revela o custo dessa mistura, mas podemos imaginar que fosse de milhares de dólares em dinheiro de hoje. O frasco de alabastro que a mulher em Marcos 14 quebrou para derramar seu unguento e ungir a Jesus foi avaliado em 300 denários pelos discípulos, o equivalente ao salário de um ano de um trabalhador. Imagine o quanto Nicodemos gastou com 34 quilos de unguento.
A pergunta é: será que Pilatos teria recebido algum dos pescadores discípulos de Jesus? Provavelmente não. Mas um “senador honrado” tinha acesso ao governador, e Deus proveu um discípulo assim para aquela hora e também para doar o túmulo e o lençol para o corpo de Jesus, além de Nicodemos para pagar por todo aquele unguento aromático. Por sua soberana vontade Deus possui diferentes pessoas em diferentes postos na sociedade, e a responsabilidade destes é aprenderem a se contentar com o que possuem, seja a riqueza, a pobreza, ou um meio termo, como desejava Agur no capítulo 30 de Provérbios. Mas se ficarmos apenas com os pés no chão, como Agur, buscando só a sabedoria para a vida aqui conforme é apresentada em Provérbios, perderemos de vista o patamar mais elevado ao qual o apóstolo Paulo nos conduz em sua epístola aos Filipenses:
“Não digo isto como por necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.” (Fp 4:11-13).
O apóstolo Paulo mostra uma experiência que vai além da experiência de Provérbios, colocando-se numa condição na qual ele já não pede nem riqueza, nem pobreza, nem um meio termo, mas deixa tudo nas mãos do Senhor. Por isso ele diz que sabe estar contente em todas as situações. Se em Provérbios encontramos Agur, dizendo de si mesmo ser bruto e ignorante, dependendo da sabedoria de Deus para esta terra e esta vida, na epístola vemos Paulo se colocando em um patamar superior ao homem na terra, porque ele mostra de onde vem o poder para estar contente em qualquer situação.
Hoje muitos cristãos assumem para si as promessas de prosperidade feitas a Israel no Antigo Testamento, caindo no erro da cobiça e ganância. Querem ser ricos a todo custo e ainda buscam no Antigo Testamento versículos para tentar amparar suas concupiscências carnais. No outro extremo temos os que pregam a pobreza extrema, como algumas ordens monásticas do catolicismo. Não se engane: a carne gananciosa é tão ruim quanto a carne religiosa. Conheci um grupo que se reunia sobre a premissa de que todo cristão devia ser pobre, e cada um ali se esforçava para parecer humilde. Perguntei ao líder deles o que faria se Deus quisesse que ele fosse rico, e ele respondeu que nunca seria, mesmo que Deus quisesse! O grupo se desfez depois que esse mesmo líder abandonou esposa e filha para se juntar a uma colega do trabalho.
A passagem de Provérbios 30 pode servir de antídoto à inclinação da carne, da qual fala a continuação do texto ao citar a sanguessuga que é insaciável. O homem sempre irá naturalmente querer poder e riquezas. Mas, por outro lado, o homem é também naturalmente religioso e existem aqueles que querem ser pobres para serem vistos como mais piedosos do que os que têm alguma riqueza. Todavia, seja na abundância, seja na necessidade, o cristão que tem sua mente nos céus pode dizer: “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece”.
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Eleição ou não?
Você enviou um artigo no qual o autor tenta explicar eleição segundo sua ótica de um clérigo pentecostal, mas o que ele diz ali não tem nada a ver com a eleição ensinada pela Palavra de Deus. Existem os que creem na eleição, os que não creem na eleição e os que creem em algo que não é eleição e tentam fazer parecer que é. Foi o caso do artigo deste “pastor”, que diz que Deus elegeu os salvos, mas apenas coletivamente a todos os que viriam a estar em Cristo, e não individualmente cada salvo antes mesmo de o mundo ter sido criado.
A interpretação que o autor do artigo dá de eleição como sendo algo coletivo e não individual é equivocada. Primeiro porque o versículo em Romanos, que mencionei para você em uma mensagem anterior, mostra que o assunto é claramente de “vasos”, e vasos são pessoas. Segundo, porque a interpretação que ele dá demonstra que não crê na graça de Deus, já que acrescenta a perseverança pessoal como condição para a pessoa ser eleita e salva.
Vamos relembrar Romanos 9:21-24 “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?”.
Foi Deus quem fez os vasos ou seres humanos, tanto aqueles que viriam a ser para honra, como aqueles que seriam para desonra. Mas a confecção dos vasos se deu muito tempo depois de Deus ter elegido os que preparou para honra. Deus confeccionou os vasos que seriam para desonra, mas não os preparou para esse fim. Um fabricante de recipientes não determina se eles serão usados para guardar remédio ou veneno. Repare que a passagem diferencia uns vasos dos outros, aqueles que Deus suportou e aqueles que ele preparou: “Deus… suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição” (Rm 9:22). Percebe que não diz que Deus tenha preparado os vasos para desonra, mas apenas que eles foram preparados? Uma frase assim é o que chamamos de “sujeito indeterminado”. Porém, no caso dos eleitos, Deus quis dar “a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes [Deus] preparou, os quais somos nós [os salvos], a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios”.
O autor o texto diz: “Mas individualmente a certeza dessa eleição depende da condição da fé pessoal e viva em Jesus Cristo, e da perseverança na união com Ele.” Em outras palavras, segundo ele Deus teria elegido a Igreja como um todo, mas apenas os indivíduos deste conjunto que perseverassem na união com Deus seriam salvos. Qualquer pessoa que esteja ciente da condição de ruína total de todos os seres humanos perceberá que se a salvação depender de perseverança ninguém será salvo, mas apenas os hipócritas acreditarão que sim. Graça é um favor imerecido oferecida ao pecador que vai a Cristo do jeito que está, e não uma recompensa pela fidelidade do crente.
O autor do texto ainda afirma que “a escolha por Deus daqueles que creem em Cristo é uma doutrina importante”, e aqui o erro é bem sutil, pois o que ele está insinuando é que Deus elege os que creem. Mas Deus não elege os que creem; Deus elegeu alguns antes da fundação do mundo para que viessem a crer em Cristo. A diferença é enorme. Somos eleitos para sermos santos e irrepreensíveis, e não porque seríamos santos e irrepreensíveis. Efésios 1:4 diz: “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. A eleição é um ato exclusivamente de Deus e não depende de nossa vontade ou de alguma fidelidade de nossa parte. É fácil entender isso quando pensamos nas eleições de governantes. Seus nomes são anunciados, mas não são eles que se elegem. São eleitos por uma decisão que foge ao controle deles próprios.
Infelizmente autor do texto que você enviou não compreende a obra de Cristo e o valor do sangue derramado. Fiz uma busca por trechos do texto e descobri que é de autoria de um pastor de uma igreja pentecostal, o que foi suficiente para entender a origem de suas ideias. Os pentecostais não creem numa salvação unicamente pela graça de Deus, pois segundo essa doutrina cabe ao crente se esforçar para manter-se salvo. Por conseguinte, não creem na segurança eterna do salvo, mas pregam que aquele que não perseverar perderá a salvação. Assim, aquele que se diz salvo é hipócrita, pois estará afirmando que seu andar, fidelidade e perseverança estão à altura do que Deus exige de um crente. Se você for sincero e tão falho quanto eu saberá que em nossa carne não habita bem algum, e carregamos essa carne em todo lugar aonde vamos.
Concluo que seu problema maior não é de entender ou não a eleição, mas sim de obter a segurança eterna, caso contrário, como cristão você viverá em uma destas duas condições: ou será um hipócrita tentando parecer que é fiel, obediente e perseverante, ou será um crente derrotado, vivendo ainda a experiência do capítulo 7 de Romanos que termina com um clamor: “Miserável homem que sou!”. Convido você a entrar no capítulo 8 da mesma epístola e se apossar daquilo que Deus dá livremente ao que crê a segurança, certeza e gozo de sua salvação eterna para ser vivida já aqui nesta terra.
Para entender o Evangelho e da diferença entre alguém que está experimentando o que é descrito em Romanos 7 e aquele que já desfruta da segurança de viver em Romanos 8 sugiro a leitura do livro “Vida através da Morte”, por Charles Stanley, que pode ser baixado em diferentes formatos e-book neste endereço: www.acervodigitalcristao.com.br.
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Será que estou congregado sobre o fundamento da Palavra?
Vivemos dias difíceis. O inimigo é sempre astuto para nos atrair com aquilo que tem aparência de verdade, mas não passa de maquiagem; que parece verdadeiro, porém é falso em seu fundamento. Falo dos muitos grupos que têm surgido combatendo as denominações, o dízimo, o clericalismo e as instituições humanas.
O lugar do cristão não é lutar contra o erro, mas apartar-se dele. Muitos desses grupos acabarão eventualmente se transformando em denominações, enquanto outros já são sistemas eclesiásticos como qualquer denominação, apenas sem nome. Na maioria dos casos são liderados por alguém ou seus membros continuam com um pé no sistema denominacional.
Veja a história dos Batistas. Começaram como um grupo que se opunha ao batismo católico de crianças e eram chamados pelos católicos de “anabatistas”. Daí para eles próprios adotarem um nome e uma estrutura clerical foi um passo. Hoje a denominação tem um clero, um homem à frente da congregação, uma sede central, templos, dízimos e outras coisas emprestadas do catolicismo que, por sua vez, as emprestou do judaísmo.
Mas será que se apartar das denominações para congregar ao nome do Senhor não seria também criar uma denominação, ainda que sem nome? O foco daqueles que estão congregados ao nome do Senhor não é o estar congregado ao nome do Senhor, mas o Senhor ao nome de quem somos congregados pelo Espírito Santo. O foco também não deve ser ”anti-isso” e “anti-aquilo”, mas ”pró-Senhor”.
Também não devemos nos identificar com grupos chamados “desigrejados”, “sem igreja” ou “sem nome”, porque nenhum cristão verdadeiro, ainda que more sozinho numa ilha deserta, é “sem igreja”, pois pertence ao corpo de Cristo que é a igreja. Ele pode não estar congregando com outros irmãos, mas ainda assim é membro do corpo de Cristo. Tampouco deveríamos usar a expressão “nós nos congregamos sem nenhum nome”, porque isso é desprezar o nome que está acima de todo nome, o nome de Jesus. O cristão não deve se congregar sem nome, mas estar congregado ao Nome, o único ao qual deve estar congregado, e deveria ser o único a identificar um cristão: o Nome de Cristo.
Mas volto a dizer que é a Pessoa de Cristo o começo, meio e fim da reunião. Ele é o centro e torno do qual devemos estar congregados pelo Espírito, e não por nossas preferências pessoais. Se o modo de congregar for nossa ocupação acabaremos escolhendo um “modo” mais de acordo com nossas preferências. Se o modo de proceder ou alguma doutrina for o elemento central e a razão de estarmos congregados, não seremos muito diferentes dos que construíram suas congregações em torno de um modo de batizar, como foi o caso dos batistas, de governo eclesiástico, como a própria denominação presbiteriana já revela, da ênfase na manifestação das línguas do dia de Pentecostes, daí o nome “pentecostais”, na guarda de um dia da semana ou ênfase no advento de Cristo para reinar, como os sabatistas que também se denominam adventistas, na identificação com a doutrina de um servo de Deus, como os wesleyanos, e assim por diante.
Hoje muitos grupos “sem denominação” já adotam nomes (mas continuam alegando não ter registro oficial ou placa na porta) e não são poucos que se reúnem liderados por um homem e desprezando a doutrina da Igreja revelada a Paulo. Alguns chegam a dizer que o que Paulo escreveu eram suas opiniões pessoais ou estavam condicionadas à cultura da época, não servindo mais para nossos dias. Mesmo assim empunham a bandeira anti-denominação, anti-clero, anti-dízimo, etc. com tamanho fervor que, se desaparecessem todas as denominações, cleros e dízimos eles ficariam esvaziados de assunto. Seu motivo de congregar e o tema de suas pregações teria se perdido.
Portanto, quando a Palavra nos ensina a nos separarmos da iniquidade e da má doutrina do arraial religioso, isso inclui também não nos achegarmos a grupos ou promovermos aqueles que parecem estar congregado ao nome do Senhor, mas não estão, pois suas doutrinas e práticas não resistem a um exame mais acurado segundo as Escrituras e a sã doutrina.
De vez em quando alguém me escreve dizendo que está congregado ao nome do Senhor ou sem denominação e não demora muito para eu descobrir que a pessoa não crê na Trindade, ou despreza o “mandamento do Senhor” (1 Co 14:37) quanto ao lugar e comportamento da mulher nas assembleias, ou não tem a certeza da salvação (acha que precisam perseverar), ou participa de um grupo que trouxe toda a parafernália acústica da denominação de onde saíram e continuam com seus shows de entretenimento a que chamam de “louvor”, ou seguem um líder carismático, ou…
Portanto, quando encontrar algum grupo de cristãos alegando estarem congregados somente ao nome do Senhor, uma boa ideia é seguir o conselho bíblico que diz: “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos” (1 Tm 5:22) (impor as mãos significa ter comunhão ou aprovar algo) e “Laço é para o homem dizer precipitadamente: É santo; e, feitos os votos, então, inquirir.” (Pv 20:25)
Não quero dizer com isto que pessoas assim não sejam convertidas, ou que aqueles que se colocam na liderança desses grupos sejam todos lobos querendo explorar as ovelhas. Não, pois existem muitos cristãos sinceros em todos os lugares, inclusive nas denominações religiosas e fora delas. Alguém que deixe as denominações religiosas e passe a enxergar os que lá ficaram com um olhar de superioridade, tratando-os como se fossem crentes inferiores ou mesmo incrédulos, ainda não entendeu o que é o evangelho da graça de Deus, e acha que o modo de congregar seja capaz de atribuir alguma virtude ao que não pertence a um sistema religioso.
Penso que os lobos você pode encontrar em qualquer lugar, e já aconteceram casos entre irmãos congregados somente ao nome do Senhor de verdadeiros lobos terem sido detectados. Em sua despedida dos anciãos de Éfeso em Atos 20:29-30, Paulo previa a entrada dos lobos, mas também de uma outra classe, daqueles “dentre vós mesmos” que se levantariam falando coisas distorcidas para atraírem discípulos. Ele escreve: “Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas [ou pervertidas, distorcidas], para atraírem os discípulos após si”.
A questão não é de decidir qual é ou não convertido, mas de identificar que existiriam duas classes de pessoas que colocariam em risco o rebanho, uns mais vorazes e ameaçadores, cuja intenção seria a vantagem própria, e outros mais sutis e sorrateiros, mas não menos perigosos. Com o objetivo de atrair seguidores, estes iriam falar coisas pervertidas ou distorcidas para enganar os incautos. Tentar obter vantagem do rebanho é ruim; minar a doutrina e introduzir o erro é ainda pior, principalmente quando isso é feito com dissimulação. E infelizmente muitos que abandonam as denominações para fugir dos “lobos cruéis” acabam caindo nas mãos de “homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos” (At 20:29-30 NVI).
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Não seria egoísmo de Deus querer ser adorado?
Quando alguém me perguntava por que Deus quer ser adorado, como se isso fosse algum tipo de atitude egoísta de sua parte (falo reverentemente), eu costumava responder “Porque sim” ou “Porque ele é Deus e tem esse direito” ou “Porque se não adorarmos a Deus vamos acabar adorando a nós mesmos” e coisas assim.
Porém, enquanto viajava ouvindo no carro uma gravação em mp3 de uma pregação em inglês de William MacDonald, ele citou um versículo que mudou toda a minha perspectiva. Em suma, o que ele disse foi que o Senhor quer ser adorado porque enquanto nós o adoramos vamos ficando cada vez mais parecidos com ele.
Você já viu o fã de algum artista, que adora tanto o seu ídolo que acaba se transformando à semelhança dele? Suas roupas, seus gestos, seu modo de falar vai gradualmente refletindo o modo de vestir, agir e falar do artista que ele tanto admira. De modo semelhante, porém muito mais sublime e elevado do que uma mera idolatria, adorar o Senhor causa em nós uma metamorfose que vai nos deixando cada vez mais parecidos com ele. Não à semelhança de sua imagem moral aqui na terra, mas de sua condição atual em glória, na qual ele está exaltado à destra de Deus. Portanto, esse desejo que o Senhor tem de ser adorado é por ele desejar o melhor para nós.
“Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.” (2 Co 3:18).
No final de minha viagem decidi ir conferir no “Believer’s Bible Commentary”, também de William MacDonald, e lá ele desenvolve melhor o pensamento assim:
“À medida que nos ocupamos com a glória do Senhor Jesus Cristo ressuscitado, assunto aos céus e exaltado, somos transformados na sua própria imagem. Aqui, em suma, está o segredo da santidade cristã: ocupação com Cristo. Não pela ocupação de nosso próprio ego, que só traz derrota. Não pela ocupação com outros, que traz desapontamento. Mas pela ocupação com a glória do Senhor é que nos transformamos cada vez mais parecidos com ele. Este processo de transformação ocorre de glória em glória, isto é, gradualmente de uma glória para outra. Não é uma questão de mudança instantânea. Nenhuma experiência na vida do cristão irá reproduzir a imagem do Senhor instantaneamente. Trata-se de um processo, não de uma experiência traumática. Não é como a glória desvanecente da Lei (no rosto de Moisés), mas uma glória que fica cada vez maior.O poder desse maravilhoso processo é o Espírito Santo — ‘como pelo Espírito do Senhor’. À medida que nos apropriamos do Senhor da glória; à medida que o estudamos, o contemplamos, focamos nele em adoração, o Espírito do Senhor opera em nossas vidas o maravilhoso milagre de nos conformar a Cristo.” — (W. MacDonald).
Darby indica como Estêvão foi transformado por essa contemplação: “Vemos em Estêvão, ao ser apedrejado, que ele levanta o seu olhar e vê a glória de Deus e Jesus. Cristo havia dito: ‘Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem’; e a visão de Jesus na glória de Deus produz em Estêvão a oração, ‘Senhor, não lhes imputes este pecado’. E mais uma vez, na cruz, Cristo diz: ‘Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito’, e Estêvão diz, ‘Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. Estêvão está transformado à imagem de Cristo” — J. N. Darby.
“Considere a glória transcendente da Nova Aliança. Enquanto na Velha Aliança apenas um homem tinha a glória sobre sua face, hoje este é um privilégio, comprado por sangue para cada filho de Deus. Além disso, ao invés de apenas refletirmos a glória de Deus em nossas faces, na Nova Aliança estamos todos sendo realmente transformados — literalmente ‘metamorforseados’ — na mesma imagem, de glória em glória, como pelo Espírito do Senhor. Enquanto a face de Moisés meramente refletia glória, nossas faces irradiam glória vinda de dentro do nosso ser.” — W. MacDonald.
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Teria Judas citado o Livro de Enoque?
Com frequência pessoas me perguntam a razão de o “Livro de Enoque” não ter sido incluído no cânon das Escrituras, já que ele teria sido citado por Judas em sua epístola. A passagem de Judas é: “E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos; para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele” (Jd 1:14-15).
Acontece que a passagem não diz que isso tenha sido extraído de um “Livro de Enoque” ou que Enoque tenha escrito um livro. Ao escrever sob inspiração divina Judas pode ter sido levado a escreve algo que já fazia parte da comunicação oral da tradição judaica, como também pode lhe ter sido revelado de primeira mão pelo Senhor o que Enoque teria profetizado em seus dias. Mas não fala de “livro de Enoque”, embora exista um hoje que traz este nome. Costumamos repetir frases de grandes homens que nunca escreveram um livro sequer, mas que disseram alguma frase que acabou registrada na memória da sociedade ou em livros de outros como citação.
Veja, por exemplo, o caso da citação feita por Paulo em Atos 20:35 “Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar os enfermos, e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: ‘Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber’.” Paulo pode não ter se encontrado com Jesus quando andou aqui e temos certeza de que o Senhor não escreveu diretamente nenhum livro. Todavia Paulo cita algo que não está registrado nos Evangelhos, o que ele pode tanto ter recebido da comunicação de outros apóstolos, como tendo vindo diretamente o Senhor nas revelações que fez a ele. Seria insano afirmar que por Paulo ter citado palavras de Jesus deveria necessariamente existir um “Livro de Jesus” (Antes que você me pergunte, sim, existe também um apócrifo chamado “Livro de Jesus”).
Como o suposto “Livro de Enoque” traz passagens muito parecidas com algumas das epístolas de Pedro e Judas, muitos acreditam que estes tenham buscado sua inspiração no apócrifo “Livro de Enoque”, porém se levarmos em conta que tudo o que existe é um manuscrito produzido na era cristã, o contrário é pode ser verdadeiro: o anônimo autor que emprestou o pseudônimo de Enoque pode ter utilizado ideias correntes em seu tempo e também buscado “inspiração” no que já era ensinado pelos cristãos. Digo isto porque existe no “Livro de Enoque” uma expressão que jamais teria sido utilizada nas escrituras anteriores à era cristã, por ser uma revelação trazida pelo Senhor quando esteve na terra, ou seja, que o Messias de Israel era o “Filho de Deus”. O Concise Bible Dictionary (Morrish Edition) explica assim:
“Judas cita uma profecia de Enoque que não é encontrada no Antigo Testamento. Considerando que Judas escreveu sob a inspiração de Deus, isso pode ter sido revelado a ele, como aconteceu com muitas outras coisas nas Escrituras, as quais não poderiam ter sido conhecidas de outra maneira. Ou talvez ele tenha sido inspirado a registrar o que havia sido transmitido de forma oral ao longo do tempo. Existe um livro apócrifo chamado “O Livro de Enoque”, do qual alguns acreditam que Judas tivesse obtendo sua citação, porém não é um livro inspirado. Mas também não há qualquer evidência de que tal livro existisse nos tempos de Judas. Ele se refere ao Messias como “Filho de Deus”, o que pode ser considerado uma prova conclusiva de que ele tenha sido escrito na era cristã.” — Concise Bible Dictionary.
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Por que Jesus não foi onibenevolente?
Você escreveu contando da conversa que teve com um ateu, e o assunto coincide com a matéria de capa da Revista Veja que vi trazendo a seguinte questão: “Deus, sendo bom, fez todas as coisas boas. De onde, então, vem o mal”? Não li a matéria, portanto não sei a resposta que a revista deu à questão. Mas em seu e-mail você conta de como seu amigo ateu teria acusado Jesus de intolerante para com os fariseus.
Usando Mateus 13:13, onde o Senhor diz que falava por parábolas para que os incrédulos, vendo, não vissem, e ouvindo, não ouvissem e nem compreendessem, o ateu argumentou que, ao fazer isso, Jesus condenava logo de cara os fariseus. Mas você refutou corretamente o raciocínio dele, apontando que aquele modo de proceder era consequência de os fariseus não terem recebido o Senhor como seu Messias e Rei, passando assim à categoria daqueles que não queriam saber de Deus.
Mas o ateu não parou aí. Disse que, se Jesus andava com pecadores como publicanos e prostitutas, deveria andar também com os fariseus, igualmente pecadores. A pergunta dele foi: “Se Jesus é Deus e Deus é onibenevolente, por que condenava os fariseus? Por que não andava com eles independentemente do modo como o tratavam? Se ele é onibenevolente deveria perdoar os fariseus, e não os condenar. A conclusão é que Deus não pode ser bom, pois se fosse bom não condenaria os incrédulos no lago de fogo, mas salvaria a todos, inclusive os que não creem nele”.
Ao dizer que Jesus não deveria ter julgado e repreendido os fariseus, e sim continuado andando com eles apesar de todo o ódio que destilavam contra o Senhor, seu amigo ateu está assumindo que ele próprio (seu amigo) pode julgar as pessoas (no caso ele está julgando Deus), mas Deus não podia julgar os fariseus. Então vemos um verme humano, como eu e você, achando-se grande coisa e levantando seu dedo contra o Criador. Veja você, um réu dizendo como o Juiz deveria ter agido! Seria cômico se não fosse trágico. Como esse ateu, que obviamente não é onibenevolente e onisciente poderia julgar aquele que tem tais qualidades e muitas outras? O ateu já começa se achando algo que não tem capacidade de ser: Juiz de Deus.
Não costumo perder muito tempo com ateus, uma porque a Bíblia diz que Deus “… pôs no coração do homem o anseio pela eternidade” (Ec 3:11 NVI), outra porque “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19:1), e também porque “o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1:19-22). Ou seja, o Deus que é onibenevolente providenciou para que até mesmo os ateus tivessem conhecimento dele, e sendo onisciente, sabe que cada ateu tem esse conhecimento, ainda que reconheça isso apenas quando põe a cabeça no travesseiro.
Portanto, o problema com ateus é que eles NÃO QUEREM crer. O problema deles não é por não terem evidências para crer. O problema deles é de vontade. Ao julgar Jesus como mau por não ter feito vista grossa para a rejeição de seus opositores, o incrédulo ateu aponta o dedo acusador para o próprio peito. Tenho certeza de que seu amigo ateu não gostaria de morar num país onde as autoridades fizessem vista grossa para o crime e as pessoas pudessem fazer o que bem entendessem, sem sofrerem qualquer tipo de penalidade. Nesse país imaginário de seu amigo ateu as pessoas deveriam simplesmente fazer de conta que estava tudo bem e abraçar forte o assaltante quando este apontasse a faca para o peito de sua vítima. Não, nem mesmo um ateu iria querer viver em um país assim onde o mal fosse chamado de bem. Ele chamaria a polícia se alguém invadisse sua casa, sem saber que foi Deus quem delegou autoridade à polícia para agir e até matar um bandido que ameaçasse a vida das pessoas.
Seu amigo ateu não percebe que aquele Jesus, que andou aqui tão humilde, e ao mesmo tempo tinha o poder de estancar uma tempestade, multiplicar os pães e ler o pensamento das pessoas, além de curá-las de toda enfermidade, também poderia ter transformado aqueles fariseus em cinzas com uma só palavra. Sim, a mesma palavra que teve o poder de trazer os mundos à existência a partir do nada é a que um dia reduzirá a nada os céus e a terra que agora existem. Mas não era nesse caráter que Jesus veio. Ele não veio para condenar, mas para salvar, e não levou em conta os pecados daqueles seus opositores enquanto andou aqui. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados, e pôs em nós [os crentes] a palavra da reconciliação” (2 Co 5:19). Mas Jesus voltará, aí sim sem misericórdia, e naquela aparência terrível em que ele aparece no livro de Apocalipse. Ele virá para julgar os incrédulos, seu amigo ateu, inclusive.
Quanto a Jesus ser onibenevolente, por ser Deus, ele próprio afirmou que só Deus é bom, o que obviamente incluía a ele próprio na afirmação. Portanto creio sim na onibenevolência de Deus e de Jesus, que é o Filho de Deus e ele próprio uma das três Pessoas divinas da Trindade. Os seres humanos podem até praticar alguma bondade, mas não são essencialmente bons porque a onibenevolência é uma qualidade exclusiva de Deus, como é a onipotência, onisciência, onipresença etc. Perceba que todas essas características são elevadas à perfeição, quando falamos de Deus. Elas não são relativas ou condicionadas às circunstâncias, como acontece com algum tipo de bondade vinda de nós.
Aí entra a questão do mal: Se Deus é onibenevolente, de onde vem o mal? Se Deus é onisciente, por que não previu que o mal entraria na Criação? E se Deus é onipotente, por que não cortou o mal pela raiz e ainda permite que ele prevaleça no mundo? Por que um Deus onibenevolente teria deixado morrer afogado um menino como Aylan Kurdi, de 3 anos, que se transformou em símbolo da catástrofe humanitária gerada pela violência dos radicais islâmicos e pela relutância dos países europeus em receber os refugiados. Para mim a questão é facilmente resolvida para quem crê na absoluta onibenevolência, onisciência e onipotência de Deus, e também na soberania da sua vontade e perfeição dos seus desígnios, e também na absoluta incapacidade do homem pecador em entender os desígnios de Deus. Ou seja, a criatura que se coloca no seu devido lugar não irá questionar o modo de Deus agir porque entende que as razões de Deus estão muito acima de nossa vã compreensão.
Seria algo como uma criança de dois anos de idade perguntar: “se meus pais são bons, por que não me deixam virar a noite brincando? Por que me obrigam a comer vegetais e me privam de refrigerante e doces? Por que me largam numa creche o dia inteiro enquanto vão se divertir nisso que eles chamam de ‘emprego’? Só posso concluir que meus pais não são bons; meus pais não me amam como eles dizem”. Nem preciso dizer que seria inútil explicar as razões para uma criança assim, pois ela não iria entender. Sua visão é ainda muito estreita e sua mente muito limitada para entender razões elevadas demais para ela.
Deus não criou o mal na sua essência, porque ele é onibenevolente. O mal foi inaugurado por Satanás, um querubim que se encheu de orgulho e quis ser igual a Deus. À sua semelhança, os primeiros seres humanos também quiseram ser iguais a Deus, motivados por Satanás, a serpente do Jardim, para assim se verem livres de Deus como seu amigo gosta de pensar que está. Mas como Deus teria criado seres com essa possibilidade de pecar? Por uma razão muito simples: Você fabricaria um carro cuja direção só pudesse virar para a direita?
Então Deus criou os seres livres e perfeitos dentro de seus devidos contextos, e isso incluía a capacidade de decidir. Deus não criou robôs pré-programados para apenas adorarem a Deus. Por isso hoje ele procura aqueles que espontaneamente queiram adorá-lo, como ele mostrou à mulher samaritana em João 4.
O seu amigo ateu nunca entenderá a bondade de Deus sem experimentá-la, mas para isso é preciso primeiro crer na Palavra de Deus. O incrédulo é inescusável nessa condição, assim como eu e você já fomos, porque acaba se condenando naquilo mesmo em que julga os outros. Ao julgar a Deus das razões de Cristo ter deixado de lado os fariseus não convencidos de seu pecado, para cuidar de pecadores convictos, o incrédulo acaba apontando o dedo da acusação contra o próprio peito, porque ele também chamaria a polícia se bandidos entrassem em sua casa para estuprarem sua esposa e filha. Ele não iria dar as boas-vindas a eles e servir uísque para os bandidos se sentirem à vontade em sua farra.
O problema é que, ao julgar o comportamento de Jesus, seu amigo não percebe que seu julgamento é tão imperfeito quanto ele próprio, um pecador arruinado e em constante inimizade contra Deus. Juridicamente ele não poderia julgar a Deus (sem falar da loucura que é cogitar tal coisa) porque estaria sendo um juiz que traz elementos que podem interferir na sua imparcialidade. Quais? Oras, ele nem mesmo acredita na existência de Deus! Como julgar Alguém que nem espera encontrar?
Mas agora vem um ponto interessante. Ao considerar Jesus injusto em suas atitudes por ter deixado de lado os fariseus impenitentes para se ocupar com outros tipos de pecadores, o incrédulo acaba desprezando justamente aquilo que ele diz que Deus não tem: “as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus” é o que o conduz ao arrependimento. Então, segundo a sua dureza e seu coração impenitente, o incrédulo entesoura ou acumula ira para si mesmo no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus, “que recompensará cada um segundo as suas obras; a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção; mas indignação e a ira aos que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade; tribulação e angústia sobre toda a alma do homem que faz ao mal… glória e honra e paz a qualquer que pratica o bem… porque para com Deus não há acepção de pessoas” (Rm 2:1-11).
Ao seu amigo incrédulo cabe também a própria passagem que ele citou e que fará parte de seu processo de condenação, caso ele não se arrependa e creia no Senhor Jesus como seu Salvador e Senhor. Jesus disse, a respeito dos incrédulos: “Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem”. (Mt 13:13). Ele disse isso apenas aos que creram nele, que é a condição inicial para aceitarmos pela fé as razões de Deus, mesmo as que não compreendemos.
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Qual o passo-a-passo para congregar?
Quem nasce em uma cultura ocidental cristã não percebe o quanto de condicionamento cultural e religioso traz debaixo da pele, coisas que foram acrescentadas por anos de contato com religiões cristãs, com clero, doutrinas e outras coisas. Aí fica até difícil saber que caminho tomar quando se deseja caminhar e viver como cristão em meio a tudo isso, separando-se de tudo isso, porém ainda vivendo em meio a essa cristandade toda que tem muito de homem, muito de carne, arraigada a ela.
Então a gente poderia pensar em alguns passos. Primeiro é importante lembrar que pode ser preciso passar por um processo de desaprender tudo o que aprendemos dentro das religiões, pois muitas coisas vieram por dogmas e doutrinas erradas, costumes e tradições, e isso nós precisamos deixar de lado. O processo de separação dos sistemas religiosos criados pelo homem exige alguns passos.
Primeiro: Reconhecer que a má doutrina é contaminante e corrosiva. Ela não é inócua, não é inofensiva. Vou ler este passo a passo seguindo uma passagem de 2 Timóteo capítulo 2.
“E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto; os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns.” (2 Tm 2:17-18).
Segundo: Entender que separar-se do mal doutrinário e eclesiástico não significa deixar de considerar os que ficam como irmãos. Só o Senhor conhece os seus e um dos fundamentos de estar congregado ao nome do Senhor é reconhecer que TODOS os que creem em Cristo, independentemente de onde estejam, fazem parte do ÚNICO corpo de Cristo, a Igreja.
“Todavia, o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus.” (2 Tm 2:19a).
Terceiro: Separar-se da má doutrina e dos sistemas que a professam, inclusive entendendo que o simples fato de existirem denominações (grupos de cristãos denominados por algum outro nome que não seja o de Cristo) já é uma desonra para Deus e para o único NOME que ele deu para identificar os cristãos.
“… e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade.” (1 Tm 2:19b).
Quarto: Entender que a “casa de Deus” que em 1 Timóteo 3:15 deveria ter sido “coluna e firmeza da verdade”, em 2 Timóteo é vista como uma “grande casa” onde existe de tudo, “vasos” (pessoas) para honra e outros para desonra.
“Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra.” (2 Tm 2:20).
Quinto: Purificar-se “destas coisas”, ou seja, das doutrinas e dos “vasos” que as professam para poder ser “vaso para honra”, “santificado” (separado), idôneo e preparado para “toda boa obra”.
“De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor e preparado para toda boa obra.” (2 Tm 2:21).
Sexto: Abandonar tudo os impulsos contenciosos inerentes à energia da juventude e da carne, o que inclui gerar conflitos ou combater pessoas.
“Foge, também, dos desejos da mocidade.” (2 Tm 2:22a).
Sétimo: Seguir aquilo que é positivo segundo a Palavra de Deus, como “a justiça, a fé, a caridade” e não ficar atirando pedras e ofensas naqueles que, por não entenderem, permanecem na “iniquidade” e entre “vasos para desonra”.
“… e segue a justiça, a fé, a caridade e a paz.” (2 Tm 2:22b).
Oitavo: “Com os que” significa congregar, o que muitos se esquecem de fazer. A separação da má doutrina, dos sistemas religiosos e até dos “vasos para desonra” não é o fim, mas apenas o começo de um processo que leva o crente a congregar com aqueles que “com um coração puro”, isto é, já purificados ou separados dessas coisas, “invocam o Senhor”. Ter só o Senhor como o centro do ato de congregar, e não um homem à frente, um dogma, um estatuto, uma denominação etc., é a meta aqui. Mas isso deve ser feito com pessoas igualmente separadas, e não mantendo um pé no sistema e outro fora dele.
“… com os que, com um coração puro, invocam o Senhor.” (2 Tm 2:22c).
Nono: Fugir de debates improdutivos sobre “questões loucas” (que não levam a nada) e “sem instrução” (sem fundamento na Verdade da Palavra) para evitar contendas.
“E rejeita as questões loucas e sem instrução, sabendo que produzem contendas.” (2 Tm 2:23).
Décimo: Manter uma conduta não contenciosa (e não ficar provocando aqueles que permanecem nos sistemas) em mansidão.
“E ao servo do Senhor não convém contender, mas, sim, ser manso para com todos.” (2 Tm 2:24a).
Décimo primeiro: Buscar aprender a Palavra e a sã doutrina para não cair no erro na hora de ensinar os que se mostrarem dispostos a aprender, fazendo isso com “mansidão” e pronto a perder a discussão (“sofredor”) quando for o caso, lembrando que nesta carta Paulo está falando de cristãos que estão sendo enganados e presos pela mentira, da qual o diabo é autor.
“…apto para ensinar, sofredor; instruindo com mansidão os que resistem, a ver se, porventura, Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade e tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em cuja vontade estão presos.” (2 Tm 2:24b-26).
Estes são os principais passos da separação do mal e da mentira para ocupar-se com o bem e a verdade. Infelizmente muitos param na separação do mal e aí passam a vida atirando pedras nos sistemas e em seus irmãos que ficaram neles. É preciso lembrar que o cristão deve se ocupar com Cristo e que o Senhor continua alimentando os Seus, mesmo aqueles que não tiveram luz para se apartarem dos sistemas humanos. Ele tem dons espalhados por todos os lugares, e um verdadeiro crente que entende a verdade do “um corpo” e do que é estar congregado ao nome do Senhor não poderá desconsiderar seus irmãos, pois “o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não tenho necessidade de vós.” (Leia todo o trecho de 1 Coríntios 12:12-27).
Finalmente deve existir uma ação prática de buscar a comunhão com aqueles que já estejam congregados ao nome do Senhor, pedindo formalmente à assembleia mais próxima para estar à mesa do Senhor. A assembleia, ao receber tal pedido, irá examinar o irmão ou irmã quanto à realidade de seu pedido, isto, como partindo de alguém que efetivamente se separou do pecado doutrinário e eclesiástico, e que também não esteja vivendo em pecado moral. Uma vez que exista paz entre os irmãos a respeito disso esse irmão ou irmã será recebido à comunhão. Em uma cristandade tão imersa em má doutrina e apostasia esse cuidado passou a ser cada vez mais importante para não contaminar a mesa do Senhor, porque a mesa é dele, apenas cuidada por homens.
Quando esse irmão ou irmã mora longe de alguma assembleia congregada ao nome do Senhor deverá procurar visitar a mais próxima ou será visitado por irmãos congregados nela ou em outras localidades. Depois de recebido à comunhão passará a partir o pão sempre que for visitado por irmãos ou visitar uma assembleia, até que o Senhor acrescente mais um ou dois com a mesma disposição e a mesma comunhão naquela localidade, quando então passam a ser os “dois ou três” dos quais o Senhor falou, que constituem um testemunho congregado ao nome do Senhor.
A partir daí esta nova assembleia poderá receber pedidos de outros irmãos igualmente apartados dos sistemas, ou recém convertidos, para estarem em comunhão e deverá considerar esses pedidos da mesma forma como cada um ali foi analisado quando buscou estar à mesa do Senhor.
Quando a assembleia é formada apenas por um irmão e uma irmã, ou um irmão e duas ou mais irmãs, lhe faltará “quórum” para funcionar regularmente como uma assembleia em todos os aspectos de suas reuniões, como os cristãos do princípio que “perseveravam na doutrina e dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão e nas orações” (At 2:42), além do julgamento para poder “ligar” ou “desligar”. Eles poderão congregar como assembleia para partir o pão na ceia do Senhor e para oração, já que não são reuniões de ministério da Palavra, portanto não sujeitas à ordem de falarem dois ou três e os outros julgarem.
Na ceia pode existir apenas um varão, o mesmo acontecendo na reunião de oração, pois ele nada mais fará do que sugerir hinos e dar ações de graças, ou orar pelas necessidades que podem ter sido previamente compartilhadas pelas irmãs em conversa particular. Para entender isso é preciso lembrar que as irmãs devem permanecer “caladas nas igrejas”, o que as impede, não só de falar em reuniões de ministério da Palavra, como também de deliberar como agir quando os irmãos se reúnem para tomar decisões relativas à assembleia (como receber alguém à comunhão ou excomungar quem está em pecado, por exemplo).
Então aquela assembleia, limitada em número, deve reconhecer suas limitações e buscar ajuda de irmãos de outras assembleias quando precisarem tomar decisões. Não se trata de buscar ajuda em alguma sede ou junta de homens, e nem mesmo em alguma assembleia que seja maior em número, mas em irmãos varões aptos a julgar para ajudarem em um tempo de tanta fraqueza e necessidade como este em que vivemos. Devem se lembrar de que o Senhor é capaz de cuidar deles, inclusive em sua pequenez, evitando a todo custo um espírito de independência, o que é contrário à natureza do corpo de Cristo, onde os membros agem em harmonia uns com os outros.
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Onde encontrar a chave da sabedoria?
Quando você busca pela chave da sabedoria ou do conhecimento em religiões e filosofias, irá encontrar listas de coisas para fazer para obter delas algum benefício para você mesmo. Geralmente se busca a chave do conhecimento ou da sabedoria como forma de se adquirir poder sobre as pessoas, sobre o mundo espiritual. Na verdade, isso é uma tentativa malandra de querer repetir o que aconteceu no jardim do Éden, quando Satanás prometeu a Eva que se eles comessem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal seriam como Deus, conhecedores do bem e do mal.
Então essa chave do conhecimento, da ciência, da sabedoria, alguém poderá dizer a você que levará anos de exercícios espirituais, meditação, estudos, entrar para alguma sociedade secreta, até atingir um grau ou nível de conhecimento capaz de desvendar os mistérios do Universo, ou até mesmo ter alguma ideia do que poderá encontrar no além. Essa é a chave do conhecimento ou chave da sabedoria que normalmente as filosofias oferecem a você. Mas a chave do conhecimento ou da sabedoria é bem mais acessível do que muita gente pensa.
Jesus disse aos fariseus que eles “se apoderaram da chave do conhecimento. Vocês mesmos não entraram e impediram os que estavam prestes a entrar”! (Lc 11:52). A “chave do conhecimento” é o próprio Jesus; é dele que Deus falou por meio de todos os que escreveram o Antigo Testamento, e é dele que Deus fala pelos apóstolos no Novo Testamento. Ao apoderarem-se dele para o matarem aqueles religiosos judeus queriam impedir o acesso ao conhecimento da Verdade. Afinal, “o testemunho de Jesus é o espírito de profecia” (Ap 19:10).
A Bíblia é a Palavra de Deus, dada aos homens do modo como um compositor distribui sua partitura à orquestra. Os diferentes instrumentos imprimiram nela a tonalidade de cada um, mas um só compositor e maestro esteve por detrás de suas notas. Sua execução levou 1500 anos, tocada por 40 homens de diferentes culturas e níveis sociais. Muitos nunca se conheceram e trabalharam separados por séculos e quilômetros de distância. Pense nesses vídeos do Youtube, com uma mesma música executada por artistas de diferentes países, e você terá uma vaga ideia de como foi a composição do texto sagrado.
Um só é o seu tema, princípio e fim: Cristo. Ele é o Alfa, a primeira letra do alfabeto grego, e o Ômega, a última. Por isso Jesus aparece de Gênesis a Apocalipse, e se você deseja conhecer a Verdade e se aproximar de Deus precisará conhecer a Jesus. Ele disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo 14:6). Este é o genuíno. Qualquer outro caminho, verdade e vida são falsos. Não se chega a Deus sem Jesus, por isso é tão importante conhecê-lo. Se você ainda não confia nele é porque não o conhece.
Uma vez uma senhora me ligou pedindo referências de uma empregada que havia cuidado de meu filho deficiente. Ela buscava alguém para tomar conta de sua mãe idosa, mas queria uma pessoa de confiança. À medida que eu ia falando, ela ia conhecendo melhor a pessoa e eu podia perceber que sua confiança ia crescendo. Nós pedimos referências de alguém para sabermos o quanto podemos confiar. O mesmo ocorre com Jesus. Como você poderia ter total confiança nele sem conhecê-lo? Portanto, leia a Bíblia, não para saber o que Deus exige de você ou como se fosse um texto motivacional para recarregar suas baterias. Leia para encontrar Jesus em suas páginas, conhecê-lo e confiar nele cada vez mais.
Você sabia que ele aparece no primeiro versículo da Bíblia, em Gênesis 1:1? Sim, ali diz no original: “No princípio criou Elohim os céus e a terra”. Sabia que a palavra hebraica “Elohim” é plural? “Elohim” é plural, mas o verbo “criar” está no singular, mostrando que Deus é um, mas em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. No momento da criação o Filho eterno de Deus, Jesus, já participava da gênese de todas as coisas. João diz em seu Evangelho que “Ele estava com Deus, e era Deus… Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito” (Jo 1:1-2).
Jesus está também no último versículo da Bíblia, em Apocalipse 22:21, onde diz: “A graça do Senhor Jesus seja com todos. Amém”. E entre o primeiro e o último versículo da Bíblia você encontrará Jesus em todas as páginas da Palavra de Deus, nos mais diversos tipos e figuras, e também em Pessoa nos evangelhos.
Em Gênesis você encontra Adão, o primeiro homem, de cuja costela Deus tirou uma esposa (Gn 2:21-24). Não é difícil enxergar nele uma figura do segundo Homem, Jesus, que Deus colocou no sono da morte para de seu lado saírem sangue e água, os meios da criação e purificação de uma noiva, a Igreja. Você acha que é muita imaginação enxergar Cristo em Adão? A carta de Paulo aos Romanos declara que Adão “era um tipo daquele que haveria de vir” (Rm 5:14).
Após a queda, Deus disse ao diabo: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar” (Gn 3:15). Só existe um homem descendente apenas de mulher: Jesus, o filho da virgem Maria. Satanás usaria seus agentes para trai-lo e levá-lo à morte, mas na cruz a cabeça da serpente, que é onde está o veneno, seria esmagada perdendo seu poder mortífero. “Visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele [Jesus] também participou dessas coisas, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o diabo” (Hb 2:14).
Mais uma vez Jesus aparece em Gênesis tipificado no animal que Deus sacrificou para, com sua pele, cobrir a nudez de Adão e Eva (Gn 3:21). Era uma figura do Cordeiro de Deus, que um dia viria ao mundo para morrer como consequência do pecado. Graças à morte de Cristo você pode ser purificado de seus pecados, perdoado de sua culpa e vestido da justiça que é segundo Deus (2 Co 5:3). Abel é outra figura de Cristo, pois ofereceu a Deus um sacrifício de sangue (Gn 4:4) e “depois de morto, ainda fala” (Hb 11:4). Sete, cujo nome significa “Escolhido”, nasceu depois da morte de Abel e é uma figura de Cristo ressuscitado, do qual veio a linhagem que “começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4:26).
Seu descendente, Enoque, o “sétimo depois de Adão” (Jd 1:14), “foi arrebatado, de modo que não experimentou a morte; ele já não foi encontrado porque Deus o havia arrebatado, pois antes de ser arrebatado recebeu testemunho de que tinha agradado a Deus” (Hb 11:5). Enoque é uma figura de Cristo subindo para o Pai, depois de andar em perfeita obediência e agradar em tudo a Deus.
Por meio de Noé o Espírito de Cristo pregou aos incrédulos antes do dilúvio, os quais agora são espíritos em prisão. Se Adão foi uma figura de Cristo como Senhor de todas as coisas e Cabeça da Igreja, Noé representa Jesus como o regente do mundo vindouro em seu reinado de mil anos numa terra restaurada. Ao sair da Arca, Deus disse a Noé: “Os animais selvagens, as aves do céu, as criaturas que se movem rente ao chão e os peixes do mar; eles estão entregues em suas mãos” (Gn 9:2). Você encontra as mesmas palavras no Salmo 8, porém falando de Cristo.
Em nossa jornada em busca de Jesus nas páginas da Bíblia nós o encontramos em Gênesis 14 prefigurado em Melquisedeque, aquele que era “sem princípio de dias nem fim de vida, feito semelhante ao Filho de Deus, ele permanece sacerdote para sempre”. Além de ser chamado de sacerdote eternamente, Melquisedeque é também “rei de justiça” e “rei de Salem”, que significa “rei de paz” (Hb 7:2-3), títulos dados também a Jesus.
Em Gênesis 22 vemos Isaque, o filho de Abraão, como figura de Cristo tanto em sua morte como em ressurreição. A diferença entre o tipo e o antítipo foi que Deus providenciou um carneiro para substituir Isaque, porém Jesus não teve um substituto na morte. Tendo Isaque sido libertado da morte, assim como Cristo na ressurreição, no capítulo 24 de Gênesis Abraão envia um servo através do deserto em busca de uma esposa para seu filho, uma figura de Deus Pai enviando o Espírito Santo a este mundo para reunir a Igreja, a noiva de Cristo.
Vemos então Esaú e Jacó, representando respectivamente o fruto da carne e do Espírito, e ao seguirmos a carreira de Jacó a vida de Cristo vai pouco a pouco sendo revelada nele, até ter sua plenitude em seu filho José. Este, o predileto de seu pai, é também uma figura de Cristo. José foi odiado por seus irmãos, vendido como escravo e dado como morto. No Egito, preso por resistir à tentação da mulher de Potifar, ele se destacou na prisão como capaz de revelar os sonhos e segredos das pessoas. Mais tarde ele revelaria também o que havia por detrás do sonho de Faraó e acabaria exaltado ao trono de vice-rei de todo o Egito.
Não é coincidência encontrarmos Jesus no capítulo 4 do Evangelho de João justamente à beira do poço em “Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José”, conversando com uma mulher samaritana. Impressionada com a capacidade de Jesus descobrir seus segredos, a mulher correu à cidade anunciando: “Venham ver um homem que me disse tudo o que tenho feito”. Os habitantes do lugar, depois de conhecerem Jesus, disseram a ela: “Agora cremos não somente por causa do que você disse, pois nós mesmos o ouvimos e sabemos que este é realmente o Salvador do mundo” (Jo 4:1-42).
Hoje Jesus é Salvador de todos os que nele creem e em breve voltará, primeiro para buscar sua Igreja, e depois em glória para reinar. Então ele será reconhecido pelos judeus assim como José foi reconhecido por seus irmãos em uma das mais dramáticas passagens da Bíblia. Depois de rejeitado, vendido e dado como morto por seus próprios irmãos, José se tornou o salvador deles e em amor e graça tirou deles qualquer temor de revanche, ao dizer: “‘Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos. Por isso, não tenham medo. Eu sustentarei vocês e seus filhos’. E assim os tranquilizou e lhes falou amavelmente” (Gn 50:20-21).
Moisés surge no livro de Êxodo como figura de Jesus, o Libertador de seu povo do jugo de Satanás. Se você leu os Evangelhos deve se lembrar de que o rei Herodes mandou matar os meninos na tentativa de livrar-se de Jesus, a mesma estratégia usada por Satanás ao inspirar Faraó a eliminar os meninos hebreus. Mas Moisés escapou da morte e mais tarde o encontramos casando-se com Zípora, uma mulher gentia cujo nome significa “passarinha”, algo pequeno e insignificante.
Paulo também descreveu a Igreja, a noiva de Cristo, como insignificante aos olhos do mundo: “Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento. Mas Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são, para que ninguém se vanglorie diante dele” (1 Co 1:26-29).
A libertação do povo no Egito aconteceu por meio de outra figura de Cristo: um cordeiro sem defeito sacrificado na instituição da Páscoa. Seu sangue, aplicado ao batente das portas das casas dos hebreus, seria a garantia de que a morte não entraria ali quando o juízo de Deus caísse sobre todo o Egito. Depois, em outra figura representando o crente associado a Cristo em sua morte, vemos os hebreus passando pelo fundo do mar, um lugar de morte, e saindo triunfantes e salvos do outro lado, porém ainda num deserto a caminho da terra prometida.
O deserto é uma figura do mundo onde o cristão se encontra depois de salvo por Cristo. Assim como ocorre hoje com o crente em Jesus em sua jornada rumo à pátria celestial, os hebreus eram guiados por Cristo, representado na coluna de nuvem de dia, e na coluna de fogo à noite. Em sua carta aos Coríntios, Paulo explica que “todos comeram do mesmo alimento espiritual”, referindo-se ao maná que caía do céu, “e beberam da mesma bebida espiritual; pois bebiam da rocha espiritual que os acompanhava, e essa rocha era Cristo” (1 Co 10:3).
Chegamos ao Monte Sinai, e ali Moisés é uma figura de Cristo como Mediador entre Deus e os homens e também como o Profeta. Em Deuteronômio Deus disse a Moisés, referindo-se a Jesus: “Levantarei do meio dos seus irmãos um profeta como você; porei minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar. Se alguém não ouvir as minhas palavras, que o profeta falará em meu nome, eu mesmo lhe pedirei contas” (Dt 18:18). E no evangelho Jesus diz: “Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia” (Jo 12:48).
No Monte Sinai Moisés ficou quarenta dias e noites ouvindo falar de Jesus, representado em cada detalhe da Lei que homem algum seria capaz de cumprir, exceto o Homem perfeito, Jesus. Em obediência e perfeição ele caminhou neste mundo revelando o Homem segundo o coração de Deus. Imaculado, sem pecado e sem a possibilidade de pecar, por ser Deus e Homem, somente ele poderia, em graça soberana, libertar o pecador da maldição da Lei que o condenava, e torná-lo irrepreensível e sem pecado aos olhos de Deus.
A Lei dada a Moisés não se limitava aos dez mandamentos, porém incluía centenas de ordenanças encontradas nos escritos de Moisés. Cada oferenda ali nos fala de Cristo e cada sacrifício aponta para o sangue que seria derramado na cruz para a glória de Deus e a salvação do pecador. O Tabernáculo, a grande tenda que Deus ordenou como o lugar de adoração dos hebreus, é uma figura de Cristo, bem como seus utensílios e até mesmo o véu, a grande cortina que impedia o acesso ao Santo dos Santos, figura da presença de Deus. É disto que fala a carta aos Hebreus, ao mencionar o véu do Templo rasgado no momento da morte de Jesus: “Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, do seu corpo” (Hb 10:19).
Aarão, irmão de Moisés, era uma figura do sacerdócio de Cristo, intercedendo por nós junto a Deus. Cada detalhe de suas vestes e de seu ministério apontava para o caráter e ministério de Jesus como nosso Sumo Sacerdote. Porém, por mais preciosas que sejam as figuras do Antigo Testamento, a carta aos Hebreus nos exorta a não nos ocuparmos com tabernáculos, templos, sacerdotes humanos e rituais copiados do judaísmo, mas com a realidade que agora é Cristo. Aos Colossenses Paulo referiu-se ao Antigo Testamento como “sombras do que haveria de vir” (Cl 2:16-17) e aos Coríntios que “essas coisas ocorreram como exemplos para nós” (1 Co 10:6), e Hebreus diz que são “figura e sombra das coisas celestes” e devem ser vistas como “figura do verdadeiro” (Hb 8:5; 9:24).
“Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora presentes”, diz a carta aos Hebreus, “ele adentrou o maior e mais perfeito Tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não pertencente a esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção… Temos um sumo sacerdote… o qual se assentou à direita do trono da Majestade nos céus e serve no santuário, no verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não o homem” (Hb 8:1-2).
Depois de saber disto, como um cristão pode de sã consciência adorar a Deus em um templo feito de tijolos, com um sacerdote humano, um altar de mentirinha e tantos utensílios piratas, cópias baratas das figuras do Antigo Testamento?
No capítulo 21 do livro de Números encontramos Jesus representado na serpente de bronze que Moisés fez para curar os israelitas das picadas de serpentes no deserto. “O Senhor disse a Moisés: ‘Faça uma serpente e coloque-a no alto de um poste; quem for mordido e olhar para ela viverá’. Moisés fez então uma serpente de bronze e a colocou num poste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, permanecia vivo” (Nm 21:8-9).
Não teríamos como ver Jesus ali se não fosse pela explicação dada a Nicodemos no Evangelho de João, ao falar da vida que está disponível para o pecador moribundo que crê no crucificado: “Da mesma forma como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3:14-15). No mesmo livro de Números o mercenário Balaão, um profeta pagão, é obrigado a falar de Jesus, que virá para a Igreja como a Estrela da Manhã, e para Israel como o cetro que reinará por mil anos. Balaão profetizou: “Uma estrela surgirá de Jacó; um cetro se levantará de Israel” (Nm 24:17).
Deixamos de lado muitas outras figuras do Pentateuco para entrarmos no livro de Josué, o qual é um tipo de Jesus ressuscitado e liderando o seu povo na conquista da terra prometida. É por Jesus que “somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou… e nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8:37-39).
No livro de Juízes vemos a triste figura de um povo que se desviou de Deus, mas ainda ali é possível ver, nos diferentes juízes e libertadores levantados por Deus, uma tênue figura de Jesus, o verdadeiro Libertador e Juiz. Entramos no livro de Rute e nele visitamos Belém, onde nasceu Obede, figura do verdadeiro Servo de Deus que nasceria na mesma cidade e seria descendente do próprio Obede, pai de Jessé, e pai de Davi, do qual viria o Cristo.
Nos dois livros de Samuel vemos o profeta de mesmo nome, que Deus levantou em meio à ruína do testemunho e é uma figura do verdadeiro Profeta por meio de quem Deus falaria nos últimos dias. Ali encontramos Davi, o Rei segundo o coração de Deus e figura do Rei que virá em glória e majestade para reinar. Mas no caráter de um reino de Paz Jesus é prefigurado por Salomão. Nos Evangelhos ele fez questão de se apresentar como aquele “que é maior do que Salomão” (Mt 12:42), mostrando que as sombras, por mais representativas que sejam da realidade, podem se desvanecer como aconteceu com o final inglório da vida do primeiro Salomão.
Deve ter sido maravilhoso para os dois discípulos a caminho de Emaús ouvirem Jesus falar do Antigo Testamento. “E começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras”. Mais tarde ele diria aos discípulos: “‘Foi isso que eu lhes falei enquanto ainda estava com vocês: Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’. Então lhes abriu o entendimento, para que pudessem compreender as Escrituras” (Lc 24:27; 44-45).
Embora ele tenha citado apenas a Lei, os Profetas e os Salmos, é possível vê-lo também nos livros de Reis e Crônicas, porém com uma nitidez cada vez menor à medida que Deus esgotava as tentativas de despertar fidelidade em seu povo. Guardadas as devidas proporções, algumas figuras de Cristo são os reis Asa, Josafá, Ezequias e Josias. Então vem o cativeiro e chegamos ao livro de Ester, o único que não menciona o nome de Deus, e nele conhecemos Mordecai, um tipo do verdadeiro Libertador dos judeus. Em Esdras e Neemias vemos figuras de Jesus como o Restaurador do povo e da adoração ao Deus verdadeiro.
A chave para entendermos o livro de Jó continua sendo Cristo, porém ali demonstrado como aquele que é o único cuja justiça pode prevalecer aos olhos de Deus. Era esta a lição que Jó, orgulhoso de sua justiça própria, precisava aprender. Para isto Deus usou Eliú, uma figura de Cristo, nosso Grande Sumo Sacerdote. Ao mesmo tempo em que intercedia por Jó, “Eliú… indignou-se muito contra Jó, porque este se justificava a si mesmo diante de Deus” (Jó 32:2).
O livro de Salmos é como um diário pessoal de Jesus, no qual ele anotou os seus sentimentos em sua identificação com o seu povo. No Salmo 16 encontramos “Jesus, autor e consumador da nossa fé” (Hb 12:2) e em muitos outros ele pode ser visto sofrendo o abandono que sofrerá o remanescente judeu fiel — os “pequeninos irmãos” de Mateus 25 — na “grande tribulação”. O Salmo 22 mostra sua senda de sofrimento, desamparado por Deus e massacrado pelos homens. No Salmo 40 ele aparece cumprindo a vontade de Deus pelo sacrifício de si mesmo, e mais detalhes surgem no Salmo 69. O Salmo 102 revela seus sentimentos de pequenez, “como o pardal solitário no telhado” (Sl 102:7).
Porém nos Salmos 8 e 91 nós o vemos como o Segundo Homem, em seu domínio sobre todas as coisas, e no Salmo 18 o Rei aparece triunfante, e no Salmo 24 o Rei da glória toma posse daquilo que é seu por direito. No Salmo 45 ele é o Conquistador, cuja espada não poupa os ímpios em sua vingança a favor do sofrido remanescente fiel, que é amparado na jornada rumo ao reino milenial. Este tem suas glórias descritas no Salmo 100. Falta tempo para mostrar Jesus em todos os Salmos, portanto leia todos eles, começando com o Salmo 1, que mostra a perfeição da sua Pessoa, verdadeiro Deus e genuíno Homem.
No livro de Provérbios encontramos Jesus, o verdadeiro Filho de Davi e aquele que é “maior do que Salomão”, como a personificação da sabedoria de Deus. Reserve alguns minutos para ler o capítulo 8 de Provérbios e conhecer melhor este que é de “eternidade a eternidade, porque dele são a sabedoria e a força” (Dn 2:20). É neste livro que você encontra Jesus também como “o amigo [que] ama em todos os momentos” e “um irmão na adversidade” (Pv 17:17).
O livro de Eclesiastes quase deixa Cristo de fora, por ser um compêndio de sabedoria humana debaixo do sol, ou seja, como o homem enxerga sua vida neste mundo. Mesmo assim nós o encontramos na alegoria de “uma pequena cidade, de poucos habitantes. Um rei poderoso veio contra ela, cercou-a com muitos dispositivos de guerra. Ora, naquela cidade vivia um homem pobre, mas sábio, e com sua sabedoria ele salvou a cidade. No entanto, ninguém se lembrou daquele pobre” (Ec 9:14-15). A carta de Paulo aos Coríntios nos faz lembrar “de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por amor de vocês” (2 Co 8:9).
Mas se a descrição árida de sabedoria humana encontrada no livro de Eclesiastes só aumenta nossa sede por Jesus, o livro de Cantares abre um manancial de água pura. Trata-se de uma alegoria que fala de Salomão, uma figura de Cristo, e sua noiva, a Sulamita, uma figura do povo terrenal de Deus, em especial o remanescente judeu fiel que será oprimido durante a “grande tribulação”. Ali tudo aponta para Cristo e sua extrema formosura. Ao perguntarem: “Que diferença há entre o seu amado e outro qualquer?”, a Sulamita responde:
“O meu amado tem a pele bronzeada; ele se destaca entre dez mil. Sua cabeça é ouro, o ouro mais puro; seus cabelos ondulam ao vento como ramos de palmeira; são negros como o corvo. Seus olhos são como pombas junto aos regatos de água, lavados em leite, incrustados como joias. Suas faces são como um jardim de especiarias que exalam perfume. Seus lábios são como lírios que destilam mirra. Seus braços são cilindros de ouro engastados com berilo. Seu tronco é como marfim polido adornado de safiras. Suas pernas são colunas de mármore firmadas em bases de ouro puro. Sua aparência é como o Líbano; ele é elegante como os cedros. Sua boca é a própria doçura; ele é mui desejável. Esse é o meu amado, esse é o meu querido” (Ct 5:9-16).
Seguem-se os livros dos profetas, que falam de Cristo, de sua obra e do reino vindouro. Digno de nota é o capítulo 53 de Isaías, escrito 700 anos antes da morte de Jesus e dizendo que ele “foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades… Pois ele carregou o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores”. Chegamos então aos Evangelhos e em Mateus Jesus é o Rei de Israel, em Marcos o Profeta e Servo fiel, em Lucas o perfeito Homem e em João o Verbo de Deus, a própria habitação de Deus com os homens.
A revelação dada por Deus aos homens foi progressiva, portanto Moisés e os profetas que vieram depois dele não entenderam a profundidade das revelações que eles próprios recebiam. Muitas coisas só fariam sentido para aqueles que tivessem a revelação completa de Deus, por isso é impossível alguém entender corretamente as sombras e figuras do Antigo Testamento sem ler a realidade apresentada no Novo Testamento. Em sua primeira carta o apóstolo Pedro nos dá uma ideia mais clara disto, ao mencionar a salvação eterna pela fé em Jesus, que hoje o crente pode ter como certa e segura. Ele escreveu:
“Foi a respeito dessa salvação que os profetas que falaram da graça destinada a vocês investigaram e examinaram, procurando saber o tempo e as circunstâncias para os quais apontava o Espírito de Cristo que neles estava, quando lhes predisse os sofrimentos de Cristo e as glórias que se seguiriam àqueles sofrimentos. A eles foi revelado que estavam ministrando, não para si próprios, mas para vocês, quando falaram das coisas que agora lhes foram anunciadas por meio daqueles que lhes pregaram o evangelho pelo Espírito Santo enviado do céu; coisas que até os anjos anseiam observar” (1 Pe 1:10-12).
Mesmo assim, nem os próprios apóstolos tiveram toda a revelação de Deus durante o período dos Evangelhos. Algumas coisas ficaram ocultas como “mistérios” e foram reveladas especificamente ao apóstolo Paulo. Ele é o autor do “quinto evangelho”, a carta aos Romanos, onde diz, “pelo meu evangelho e pela proclamação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério oculto nos tempos passados, mas agora revelado e dado a conhecer pelas Escrituras proféticas por ordem do Deus eterno” (Rm 16:25-26). A expressão “agora revelado e dado a conhecer” significa que antes de Paulo ainda era um mistério.
Um dos mistérios revelados a Paulo foi a ressurreição dos santos no arrebatamento. Ele escreveu: “Eis que eu lhes digo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados” (1 Co 15:51-52). A carta aos Tessalonicenses dá mais detalhes deste mistério, e Paulo se inclui ali entre os que já esperavam por este evento: “Dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares” (1 Ts 4:16).
Mas existe muito mais na maneira peculiar como Cristo se revelou a Paulo, como um apóstolo “abortivo” ou “nascido fora de tempo” (1 Co 15:8).
No Antigo Testamento Jesus foi apresentado em tipos e figuras e depois sua Pessoa descrita em detalhes nos Evangelhos. Mas o modo como ele se revelou a Paulo foi peculiar. Os outros discípulos haviam conhecido Jesus antes de sua morte e também depois, já ressuscitado. A Paulo ele apareceu glorificado e, como se isto não bastasse, levou-o para conhecer o Paraíso ou “terceiro céu”, onde o apóstolo “ouviu coisas indizíveis, coisas que ao homem não é permitido falar” (2 Co 12:4).
Portanto, ainda que você encontre Jesus em figuras no Antigo Testamento, e vivo, morto e ressuscitado nos Evangelhos, é por meio de Paulo que poderá conhecê-lo glorificado e em sua relação com a Igreja, o corpo de Cristo. Isto por causa da “revelação do mistério guardado em silêncio nos tempos eternos, e que, agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno, para a obediência por fé, entre todas as nações” (Rm 16:25-26). A chave para você abrir o cofre dos segredos ou mistérios de Deus é a “obediência por fé”. Não apenas fé, mas a fé daquele que está disposto a obedecer para conhecer a “a sabedoria de Deus, o mistério que estava oculto, o qual Deus preordenou, antes do princípio das eras, para a nossa glória” (1 Co 2:7).
Trata-se de coisas que pertencem a outra dimensão; que Deus tinha em mente antes que existisse o tempo, pois “olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam; mas Deus o revelou a nós por meio do Espírito”, diz o apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios (1 Co 2:8-9). Por mais privilegiados que tenham sido os homens de Deus do Antigo Testamento ou mesmo os discípulos no período dos evangelhos, nenhum deles teve o Espírito Santo habitando em si como o crente tem agora, depois de Pentecostes, e é somente pelo Espírito que estas coisas podem ser compreendidas.
Quando Deus decidiu revelar a verdade do mistério ele escolheu um vaso muito especial, e sabemos disso porque em Efésios 3 Paulo diz: “Certamente vocês ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocês pela graça de Deus, isto é, o mistério que me foi dado a conhecer por revelação” (Ef 3:2-3). Paulo ainda não tinha recebido a revelação do mistério quando o Senhor mostrou a ele a essência da verdade deste mistério no caminho para Damasco, ao perguntar: “Saulo, Saulo, por que você me persegue?” (At 9:4). Jesus revelava assim que os santos, que Saulo perseguia na terra, formavam um corpo e estavam unidos a Cristo, a Cabeça, nos céus.
Faltava um mistério a ser revelado, e a tarefa coube a Paulo. Com este segredo trazido à tona, a revelação de Deus estaria completa. É o que ele diz aos Colossenses, ao falar da Igreja, o corpo de Cristo e habitação do Espírito: “Da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para com vocês, para cumprir a palavra de Deus; o mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi manifesto aos seus santos… que é Cristo em vós, esperança da glória” (Cl 1:24-27).
No grego a palavra traduzida como “cumprir” tem o sentido de completar ou preencher uma lacuna. É a mesma usada por João, ao dizer: “Escrevemos estas coisas para que a nossa alegria seja completa” (1 Jo 1:4). Paulo colocou a peça que faltava na revelação de Deus e nos fez saber que “os gentios são coerdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus”. E continua: “Foi-me concedida… a administração deste mistério que, durante as épocas passadas, foi mantido oculto em Deus” (Ef 3:6-9).
Por ser um mistério que ficou oculto no passado, a Igreja não existia no Antigo Testamento e nem mesmo nos evangelhos. Jesus a menciona pela primeira vez em Mateus 16:18, mas como algo ainda futuro. Ele diz: “Edificarei a minha igreja”. Como toda edificação da época, ela teria um alicerce com uma pedra de canto ou esquina — Cristo —, seguida das outras pedras do alicerce — os apóstolos e profetas do Novo Testamento. Sobre este fundamento as paredes seriam levantadas com o acréscimo de cada salvo por Cristo.
É desta edificação que Paulo fala no capítulo 2 de Efésios ao dizer que somos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular, no qual todo o edifício é ajustado e cresce para tornar-se um santuário santo no Senhor” (Ef 2:20-21). Em 1 Coríntios o apóstolo fala de sua responsabilidade em lançar os fundamentos da Igreja: “Conforme a graça de Deus que me foi concedida, eu, como sábio construtor, lancei o alicerce, e outro está construindo sobre ele” (1 Co 3:10-11). Portanto é impossível você entender o que é a Igreja e saber como ela deve funcionar sem ler as cartas do apóstolo Paulo, a quem foi dada a tarefa de completar a Palavra de Deus.
Obviamente muitos pentecostais ou carismáticos não gostam da ideia de termos uma revelação completa, pois isto não lhes permite trazer suas próprias “revelações”. Por isso é comum ouvirmos frases do tipo “O Espírito Santo me revelou…”, “Deus me disse…”, etc. Será isso uma necessidade de autoafirmação ou insatisfação com a suficiência das Escrituras? Ou talvez um desejo por novidades? Pode ser. Paulo avisou a Timóteo: “Virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo os seus próprios desejos juntarão mestres para si mesmos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (2 Tm 4:3-4)
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A fé cristã é limitada e excludente?
Você escreveu: “Não acho que a sua seja uma visão ruim ou inferior, somente é limitada…”. Acontece que toda fé ou crença, por mais inclusiva, abrangente e politicamente correta que possa parecer, é exclusiva, limitada e excludente. Se eu digo a você que o cristianismo é a única religião verdadeira, obviamente excluo todos os que pensam diferente. Se você diz que todas as religiões são verdadeiras, está excluindo aqueles que pensam como eu. Não há como escapar disso. Ao adotar uma visão ou opinião, qualquer que seja, você exclui todas as outras, mesmo que você deseje ter a mais inclusiva de todas as opiniões. Ela vai excluir os exclusivistas, portanto ela também será uma opinião exclusiva.
Você escreveu: “Essa visão da Bíblia cristã é a mesma que há dois mil anos permite que as igrejas cristãs mantenham sua hegemonia e poder opressor…”. O que os homens fizeram com o cristianismo não invalida seu valor original. São séculos de atrocidades e luta pelo poder usando o cristianismo como desculpa. Qualquer leitor sincero do Novo Testamento irá perceber logo que isso que vemos na história ou ao nosso redor não tem nada de cristianismo. Enquadra-se perfeitamente no que Jesus disse, dos muitos que o chamariam de “Senhor, Senhor” e que fariam milagres e pregariam em seu nome (Mt 7:21). Aliás, o simples fato de ser a religião mais falsificada do mundo já deveria chamar a atenção. Ninguém falsifica o que é falso, só o que é verdadeiro e tem valor.
Você escreveu: “Você coloca Deus longe do homem, que é pecador, sujo, etc..” Sim, você sintetizou a mensagem básica da Bíblia e da natureza do homem, e a história (e o que acabo de escrever acima) demonstra claramente esse fato. O homem é pecador sim, mas eu inverteria suas palavras. Não é Deus quem está longe dos homens, é o homem quem está longe de Deus. Porque não existe proximidade maior do que Deus tomar a forma humana e Jesus morrer por suas criaturas. Mais empatia e proximidade do que isso é impossível, Deus encarnado.
“Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” (Fp 3:5-11).
Se o homem continua longe de Deus é por sua própria escolha. “Vós, que naquele tempo estáveis sem Cristo… não tendo esperança, e sem Deus no mundo… agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto” (Ef 2).
Você escreveu: “A salvação requer esforço sim, pois caso contrário que explicação teria alguém que nasce escravo ou com severas limitações físicas e mentais, por exemplo?”. Se isso for enxergado além dos limites do tempo e espaço, tem explicação sim. A explicação pode não estar ao alcance dos olhos (como acontece nos capítulos 1 e 2 de Jó e no capítulo 10 de Daniel), mas nos bastidores de Deus. A princípio todas as limitações são causa do pecado, consequência da queda do homem. Quer você creia em uma ou outra explicação para elas, o fato é que elas existem e Deus permite que nos aflijam.
Não é por algo ter uma explicação lógica que essa explicação é verdade. E não é por algo não ter uma explicação que isso signifique que uma explicação não exista em algum lugar e dada por alguém com maior conhecimento do assunto. Quando os discípulos perguntaram por que o homem nasceu cego, Jesus explicou que ele tinha nascido para que a glória de Deus fosse manifestada. Em seguida ele curou o homem.
Você escreveu: “A visão reencarnacionista em nada ‘briga’ com a Bíblia ou com o Evangelho”. É óbvio que “briga”. Você não pode conciliar uma ideia de evolução espiritual com a afirmação bíblica da salvação instantânea proporcionada pela obra de Cristo na cruz. A ideia da reencarnação se baseia em um processo; o evangelho se baseia em um ato divino, em um decreto: Quem crer TEM a vida eterna.
“Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida. Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus.” (1 Jo 5:10-12).
Você escreveu: “A visão reencarnacionista é apenas uma ferramenta que nos mostra formas bem mais sofisticadas de entender o sofrimento humano e os caminhos para dele sair. Estude…”.
A ideia é essa, justamente livrar-se do “estude”, “formas bem mais sofisticadas”, “ferramentas”, etc. Percebe que tudo isso aponta para o esforço humano e que um inútil como eu é incapaz de qualquer coisa para chegar a Deus? É este o princípio básico do Evangelho, a inutilidade e nulidade do ser humano e sua dependência total de Deus para sair dessa condição. Em meus tempos de espiritualismo ouvia muito sobre negar-se a si mesmo, livrar-se do eu, desligar-me do corpo físico, atingir o vácuo mental e coisas do tipo.
Foi só no cristianismo que pude entender o que é isso realmente, porque é a única fé possível de ver acontecer na prática. Se eu precisar fazer qualquer coisa para negar, desligar, anular o eu, etc., já sou eu fazendo, o que implica em esforço desse mesmo eu. Ao me render, reconhecendo minha nulidade e incapacidade até de esvaziar-me a mim mesmo ou de fazer qualquer outro exercício espiritual, é Deus quem entra em cena para fazer absolutamente tudo. A fé cristã olha para fora, olha para Cristo. Todas as outras crenças olham para dentro, para si, o que não passa de ocupação com o próprio ego, por mais bonitos que sejam os termos usados para isso.
Em Romanos 7 Paulo diz: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. Como tirar alguma coisa que preste desta carne (estava se referindo ao homem em seu estado natural)? Não é por aí. Por isso Deus oferece a graça, e graça é o favor imerecido. Ele pode fazer isso porque tudo o que precisava ser feito para a salvação do homem foi consumado na cruz. Jesus morreu para pagar os nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação. O evangelho é isso. Qualquer outra coisa é exaltação do homem, não de Deus.
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Minha filha está dormindo?
Sinto pela tristeza que veio sobre você e sua família com a partida de sua filha de doze anos, mas um dia essa tristeza se transformará em alegria (Jo 16:20). Qual foi a certeza que o Senhor deu aos discípulos, de que ressuscitaria após morrer, tal é a certeza que ele também nos transmite acerca dos queridos que partiram antes de nós. “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele.” (1 Ts 4:13-14).
A expressão “aos que em Jesus dormem” é usada apenas para os que morreram em Cristo, enquanto para os perdidos Deus fala dos que morreram. Isto porque para o crente a morte é apenas um sono passageiro para o corpo, que aguarda o despertador da ressurreição. Mas a expressão “os que dormem” se refere apenas ao corpo, já que alma e espírito estão bem acordados e conscientes na presença de Cristo.
É por isso que passagens como em Eclesiastes 9:5, que diz que “os mortos não sabem coisa nenhuma”, pois ali é a situação dos corpos dos mortos “debaixo do sol”, isto é, na terra, e não de suas almas no hades, que é a condição de morte. No caso narrado por Jesus em Lucas 16:19-31, o rico que interage com Abraão está bem desperto e consciente, e quando pede que Lázaro seja enviado até ele para mitigar sua sede, não está pensando em ser ajudado por um sonâmbulo.
Infelizmente a cristandade é influenciada por doutrinas malignas, como as do Adventismo do Sétimo Dia e de outras religiões, que pregam o “sono da alma”, quando a verdade é que o sono é apenas do corpo, por se encontrar em um estado de imobilidade. Essas doutrinas também roubam ao crente qualquer esperança, uma vez que consideram que mesmo os convertidos a Cristo terão de passar pelo juízo final para decidir se estão salvos ou perdidos para sempre. Se esquecem das palavras de Jesus, que disse: “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação (juízo), mas passou da morte para a vida.” (Jo 5:24).
Quando o Senhor disse ao malfeitor que naquele mesmo dia eles estariam juntos no Paraíso, não estava dizendo que ele sairia da cruz para ir dormir no Paraíso. Quando Paulo disse que tinha o “desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” (Fp 1:23) ele não estava querendo dizer que dormir com Cristo era melhor do que ficar acordado aqui.
Portanto, respondendo à sua dúvida, os que morreram em Cristo têm seu corpo sepultado até a ressurreição ou o arrebatamento, mas o espírito e alma (a parte dos sentimentos) já estão bem despertos e desfrutando da companhia de Cristo. Quando Moisés (que morreu) e Elias (que foi arrebatado) apareceram a Pedro, Tiago e João no monte da transfiguração, eles não apareceram dormindo, mas conversando sobre o evento que viria a seguir, que era a morte de Jesus em Jerusalém. Estavam bem despertos e interagindo entre si e com Jesus (Lc 9:31).
Os mártires, mortos “por amor da Palavra de Deus” durante a Grande Tribulação que virá após a Igreja ter sido arrebatada da terra, cujas almas aparecem no céu em Apocalipse 6, não são vistos dormindo, mas clamando “com grande voz” por vingança. A eles foi dito que descansassem (não que dormissem) por mais um pouco até que seu número fosse completado com os que ainda seriam martirizados. Ninguém pensaria neles como pessoas que falam durante o sono.
Esses que partiram ainda não estão no “corpo espiritual” citado por Paulo em 1 Coríntios 15:44, porque “espiritual” ali é apenas para se contrapor ao corpo “natural” que herdamos de Adão. “Corpo espiritual” não é um corpo etéreo, translúcido e sem matéria, porque o próprio Senhor Jesus, que “foi feito as primícias dos que dormem”, ressuscitou com um corpo material de carne e ossos, inclusive tendo convidado Tomé a tocar seu corpo e comido peixe e mel na presença deles. Esse corpo que teremos é chamado de espiritual por sua natureza estar apta a viver na esfera espiritual. Hoje no céu existe um Homem em um corpo de carne e ossos (Lc 24:39). A qualquer momento o céu será povoado, não mais apenas pelas almas dos que morreram, mas por multidões em corpos de carne e ossos como o de Jesus.
Enquanto o “corpo natural”, apto a viver nesta terra, é controlado pela alma (algo que até os animais têm) e instintos naturais, o “corpo espiritual” é chamado assim por ser controlado pelo espírito do homem, a parcela do seu ser que lhe é exclusiva, pois não existe nos animais, e que permite que ele tenha comunhão com Deus. Portanto, os que morreram e estão neste momento com Cristo no céu ainda não estão em um “corpo espiritual”, pois este será o corpo ressuscitado que receberão na ressurreição ou arrebatamento, o que pode ocorrer a qualquer momento.
Sugiro que agora você deixe de estar entre os “ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele.” (1 Ts 4:13-14). Faça como Davi fez, quando perdeu seu filho.
“Viu, porém, Davi que seus servos falavam baixo, e entendeu Davi que a criança estava morta, pelo que disse Davi a seus servos: Está morta a criança? E eles disseram: Está morta. Então Davi se levantou da terra, e se lavou, e se ungiu, e mudou de roupas, e entrou na casa do Senhor, e adorou. Então foi à sua casa, e pediu pão; e lhe puseram pão, e comeu. E disseram-lhe seus servos: Que é isto que fizeste? Pela criança viva jejuaste e choraste; porém depois que morreu a criança te levantaste e comeste pão. E disse ele: Vivendo ainda a criança, jejuei e chorei, porque dizia: Quem sabe se Deus se compadecerá de mim, e viverá a criança? Porém, agora que está morta, porque jejuaria eu? Poderei eu fazê-la voltar? Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim.” (2 Sm 12:19-23)
Enquanto a criança vivia, Davi orou sabendo que Deus era um Deus de misericórdia. Depois que ela morreu ele adorou, porque sabia que Deus era um Deus justo, e ele tinha a certeza de que iria reencontrá-la. Muito antes de Paulo escrever sua epístola, Davi agiu como devemos agir quando vemos um querido passar para a presença do Senhor:
“Uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Fp 3:13-14).
Gosto de lembrar a frase que uma irmã em Cristo postou no Facebook por ocasião do dia dos pais, e falando de seu pai, que tinha partido anos antes para estar com Cristo. Ela escreveu: “Amo tanto meu pai que não gostaria que ele estivesse aqui comigo”.
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Como é uma reunião da assembleia na prática?
Com a formação de algumas novas assembleias em um país do porte do Brasil, muitas delas isoladas e distantes umas das outras, é compreensível que os irmãos procurem ter cuidado com o que fazem para não fazerem algo fora da Palavra. Normalmente as reuniões da assembleia são aquelas descritas em Atos 2:42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações”.
A reunião do partir do pão ou ceia do Senhor é um memorial basicamente de gratidão, louvor e adoração. Nela lembramos o Senhor, pois ele pediu “fazei isto em memória de mim” enquanto comêssemos do pão e bebêssemos do cálice de vinho, figuras (e não a realidade) de seu corpo e sangue. Ao fazermos isso também anunciamos sua morte, conforme ele disse: “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Co 11:26). Fazemos isso, por assim dizer, de cajado na mão e sandálias nos pés, prontos para a partida, porque o “até que venha” nos faz lembrar de que ele logo vem.
A ceia do Senhor não é uma reunião para se pregar o evangelho ou ensinar doutrina, mas para agradecer e louvar a Deus pelo que ele é, a Cristo pelo que fez, recordando nos símbolos do pão e do vinho a morte do Senhor. Também não é uma reunião para pedirmos algo a Deus, pois para isso temos a reunião de oração. Ali nossas orações são no sentido de ações de graças pela morte e ressurreição de Cristo que nos trouxe salvação. Geralmente, após alguns irmãos sugerirem um hino e darem graças a Deus, um irmão se levanta, dá graças, parte o pão (que deve ser um pão inteiro, não uma fatia) e passa aos presentes.
Em assembleias grandes pode acontecer de vários irmãos ajudarem nessa tarefa levando a(s) travessa(s) ou cesta(s), mas na maioria das vezes o pão é passado de um para outro (somente os que já foram recebidos à comunhão à mesa do Senhor) e cada um tira o pedaço que irá comer. Depois o irmão que deu graças pelo pão dá graças pelo cálice de vinho e este é igualmente passado de mão em mão. Em reuniões grandes pode-se usar mais de um cálice, pois o que simboliza unidade é o pão, não o cálice. Mas como o cálice simboliza comunhão, não creio que seja correto utilizar cálices individuais, pois cada um beber em um cálice individual não dá ideia de comunhão.
Na reunião da ceia também se costuma passar um saquinho de tecido para coleta, e isto é feito apenas aos que estão em comunhão à mesa do Senhor. Embora visitantes possam assistir a reunião, eles não participam do pão, do vinho e nem da coleta. O dinheiro coletado é usado para as “necessidades dos santos” (2 Co 9:12), o que pode incluir coisas materiais, como ter um local para as reuniões, comprar cadeiras, pagar contas de água e luz etc., ou necessidades individuais de irmãos enfermos ou desempregados, ou ainda para aqueles que trabalham na obra do Senhor.
No primeiro caso, não se trata de algum tipo de “seguro desemprego” ou “auxílio doença” pago regularmente a irmãos desempregados ou enfermos, mas de ocorrências pontuais conforme o Senhor dirigir a assembleia a fazê-lo. No segundo caso não se trata de “clérigos” ou “missionários” no sentido das religiões, já que aqueles que se propõem a sair pregando o evangelho e visitando assembleias nunca pedem nada a ninguém além do Senhor, e a assembleia não tem qualquer vínculo ou obrigação em “assalariar” alguém neste sentido. Trata-se também de um exercício pontual conforme surgem as necessidades.
A reunião de oração é quando a assembleia está reunida para apresentar suas necessidades a Deus. Podem ser necessidades genéricas, como orar pelas autoridades, como também necessidades pessoais dos irmãos dali ou de outras assembleias. Geralmente os irmãos costumam apresentar as necessidades de oração antes de nos ajoelharmos para orar, pois assim todos poderão orar ou dizer o “amém” com sabedoria. Seria estranho alguém fazer uma oração pelo “Carlos” sem que os irmãos saibam quem é o Carlos e qual a necessidade dele.
Existem motivos de oração que podem ser apropriados para serem feitos em particular, mas nem tanto para serem apresentados em assembleia. Digo isto porque podem ser motivos totalmente estranhos aos irmãos e que também não dizem respeito às necessidades dos santos como um todo. Há também assuntos que muitas vezes são pessoais e privativos de pessoas que conhecemos e apresentá-los em público poderia ser prejudicial àquela pessoa. Minha opinião pessoal é que orar por necessidades de incrédulos também não seria apropriado numa reunião assim. Muitas vezes as dificuldades que um incrédulo está passando são a mão de Deus pesando sobre ele para que se converta, e neste caso minha oração deveria ser no sentido de ele se converter, e não de se livrar dos problemas. Portanto é preciso sabedoria também no que apresentar como necessidade de oração.
Uma terceira reunião da assembleia é aquela em que os irmãos têm o privilégio de serem edificados, consolados e exortados pelo Espírito Santo através do ministério dos dons. É o que vemos em 1 Coríntios 14:29: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem”. Embora uma assembleia nova comece logo a praticar tanto a ceia do Senhor quanto a reunião de oração, pode acontecer de os irmãos ficarem temerosos de colocar em prática reuniões de ministério da Palavra, geralmente por se acharem inaptos para ensinar.
Devemos ser humildes em reconhecer que os vários dons dados por Cristo à Igreja não estão todos ali, mas espalhados por uma cristandade que se dividiu em milhares de denominações. Então não devemos nos achar completos neste sentido, mas apenas um remanescente que busca seguir “a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” (2 Tm 2:22).
Podemos não ter todos os dons de ministério disponíveis numa assembleia local, mas ainda temos o Espírito e ainda temos a exortação de Paulo a Timóteo: “Mas tu, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério” (2 Tm 4:5). Embora ali ele não estivesse falando de um dom que é exercido na reunião da assembleia para a edificação dos santos (pois se supõe que os presentes já estejam todos salvos), e sim exercido no mundo para a salvação de pecadores, parece que Timóteo não tinha exatamente o dom de evangelista, mas foi exortado a fazer o “trabalho de um evangelista”.
Geralmente uma assembleia nova adota a prática de reuniões informais nas quais leem algum livro, acessam algum site ou ouvem algum ministério gravado de reuniões de outras assembleias. Estas reuniões não são reuniões da igreja ou assembleia nos moldes de 1 Coríntios 14, versículos 26 em diante, portanto nelas não se aplica o mandamento dado pelo Senhor por meio de Paulo no versículo 34, que ordena que as irmãs não falem.
Numa reunião informal não há problema em uma irmã fazer perguntas, desde que ela não comece a ensinar doutrina, o que é vedado em 1 Timóteo 2:11-14, de forma geral e não restrita às reuniões de assembleia, onde diz que “a mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.”
Reuniões informais para o estudo da palavra e do ministério escrito ou falado por outros irmãos, e também para cantar hinos e conversar das coisas do Senhor, são muito proveitosas. Mas não devem substituir jamais as reuniões da assembleia para o ministério da Palavra. Precisamos tomar cuidado para não tolher a liberdade do Espírito e acabarmos “viciados” em reuniões informais de estudo, nas quais temos acesso instantâneo a qualquer ministério de qualquer irmão, graças à tecnologia da informação. Apesar de aprendermos muito com isso, uma comparação tosca seria a de ler um livro sobre andar de bicicleta e efetivamente pedalar na prática.
Quando estamos congregados ao nome do Senhor esperando nele e com o Espírito Santo a nos dirigir, ainda que apenas um versículo seja lido e duas ou três palavras faladas a respeito daquele versículo, o Espírito Santo terá uma liberdade de agir de uma forma que não tem quando abrimos livros e enciclopédias. Devemos reconhecer que vivemos em tempos de fraqueza, mas também precisamos ter cuidado de não apagar o Espírito. Estes quatro versículos são para a assembleia:
1. “Não extingais o Espírito” (1 Ts 5:19)
Extinguir o Espírito significa restringir sua liberdade e limitar sua ação. Há coisas que naturalmente extinguem o Espírito, como o pecado não julgado, as tradições e as regras humanas. Concentrar todo o ministério em um só irmão também é uma forma de extinguir o Espírito, pois não podemos supor que o Espírito irá usar sempre e exclusivamente aquele irmão nas reuniões da assembleia.
Apesar de ser aconselhável que os irmãos que ministram sejam como aquele rapaz do Evangelho e já venham de casa trazendo “cinco pães de cevada e dois peixinhos” (Jo 6:9) para o Senhor multiplicar, não devemos tentar organizar ou regular a ação do Espírito na assembleia, pois isso poderia ser uma forma de extingui-lo. O “não extingais o Espírito” inclui também entender que o Espírito Santo poderá usar um irmão pelo qual não nutro total afeição ou que, aos meus olhos, não é um grande entendedor da Palavra. Uma vez li a história de uma assembleia em uma pequena cidade da Inglaterra na qual congregavam lado a lado o juiz, que era o homem mais ilustre da cidade, e o padeiro, homem simples e de pouca instrução. Se nas questões legais da cidade era o juiz quem se manifestava, mas na assembleia o Espírito usava o padeiro para ensinar.
L. M. Grant escreve: “Existe, evidentemente, uma ligação muito próxima entre os versículos 19 e 20. ‘Não extingais o Espírito’ inclui uma genuína consideração de uns para com os outros e com aquilo que o Espírito de Deus possa estar querendo dizer através de um ou outro. Pode acontecer de as profecias serem o tipo de ministério mais desprezado por não se tratar de um ensino formal que apele para o intelecto humano, seja na assembleia ou não, mas sim de um ministério que fala ao coração e à consciência para edificação, exortação e consolação (1 Co 14:3) e que pode ser bem perscrutador.”
O verbo extinguir aqui nos fala de algo como uma chama, e devemos nos lembrar de que podemos apagar uma chama por deixar de dar a ela o combustível necessário (neste caso uma comunhão diária com Deus e com sua Palavra da parte dos que ministram), soprando a chama (neste caso sendo aquele que esfria os ânimos dos irmãos com olhares gélidos ao invés de incentivá-los a participar) ou de forma mais agressiva, apertando o pavio ou dando um tapa na vela (que é quando criamos situações embaraçosas ou críticas que desestimulem nossos irmãos de exercerem seus dons).
Antes de pensarmos que as reuniões da assembleia sejam de proveito apenas dos santos reunidos, é bom lembrar que estamos ali também como espetáculo para os anjos. É através da igreja que a multiforme sabedoria de Deus é conhecida deles. “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus” (Ef 3:10).
2. “Não desprezeis as profecias” (1 Ts 5:20)
Quando extinguimos o Espírito por alguma dessas razões estamos também desprezando as profecias. Profetizar significa falar da parte de Deus, e isto é algo que fazemos às vezes sem perceber. Lembro-me de uma reunião em São Paulo, quando congregávamos em meu apartamento, que uma visitante incrédula levantou-se e saiu correndo e chorando em direção à cozinha. Uma irmã que foi ver se ela estava bem, a escutou dizer: “Por que eles ficam falando o tempo todo de mim?”. É evidente que ninguém estava falando dela, e aquela nem era uma pregação do evangelho dirigida a incrédulos, mas de algum modo o Espírito usou a Palavra que estava sendo dita para mexer com sua consciência.
Este exemplo que aconteceu com uma visitante acontece com frequência com irmãos. Quantas vezes algum irmão, sem saber, trouxe uma palavra que foi como uma seta encravada em meu coração! Quando decidimos adotar o Pedro fizemos tudo sem contar nada a ninguém, exceto ao Senhor. Não contamos de nossa intenção nem aos irmãos, nem aos familiares, pois nós mesmos não estávamos muito certos do passo que iríamos dar. Então, numa reunião da assembleia em São Paulo, que nessa época se reunia no apartamento de outro irmão, quando nosso coração ainda balançava se seria ou não a decisão correta a tomar, um irmão de outra assembleia que nos visitava, e era ele próprio filho adotivo, trouxe uma palavra sobra adoção.
Ele falou de como nós tínhamos sido adotados por Deus para sermos seus filhos. Embora o Espírito possa utilizar de muitos meios para falar ao nosso coração, talvez nossos corações não teriam sido tão impactados se estivéssemos lendo um livro de algum irmão do século 19 ou ouvindo uma gravação. Qualquer um de nós sabe que as coisas são muito melhores quando ao vivo e em cores.
3. “Examinai tudo. Retende o bem” (1 Ts 5:21)
A reunião de ministério da Palavra inclui o julgamento, não da pessoa que fala, mas do que está sendo falado. Como diz em 1 Coríntios 14:29, “falem dois ou três profetas, e os outros julguem”. Em caso de pequenos deslizes (como errar o nome de algum personagem bíblico) não é proveitoso interromper a reunião ou repreender o irmão que está ministrando. Há também questões que não são de importância cardeal e que podem ser conversadas depois da reunião, para não transformar o ministério daquele irmão em um debate ou discussão. Mas há também verdades cardeais, como a da divindade do Senhor, que se forem negadas por alguém que ministra devem ser imediatamente julgadas e o irmão convidado a se calar até que se esclareça o assunto a posteriori.
Este versículo de 1 Tessalonicenses 5:21, que diz “examinai tudo”, costuma ser mal interpretado quando se aplica esse “tudo” a qualquer coisa, como se isto servisse de aval para nos ocuparmos com tudo ao nosso redor, desde que examinássemos direitinho. Costumo receber e-mails de irmãos que dizem estar estudando religiões satânicas e usam este versículo com o pretexto de que, conhecendo bem essas religiões, estarão mais preparados para refutá-las. Mas esse “examinai tudo” obviamente está conectado ao versículo anterior, que é “não desprezeis as profecias” (1 Ts 5:20), o que evidentemente limita-se ao ensino da verdade. Se eu sei que uma coisa é intrinsecamente má, não devo perder meu tempo e correr o risco de me contaminar indo a fundo na questão. Nenhum de nós seria louco de experimentar uma colher do líquido que está no vidro com o rótulo “Ácido Sulfúrico” para saber que gosto tem. Basta ler o rótulo para manter distância daquilo.
4. “Abstende-vos de toda a aparência do mal” (1 Ts 5:22).
Acredito que este versículo na sequência tenha também muito a dizer à reunião dos santos. Às vezes falamos, fazemos ou nos comportamos nas reuniões com total boa vontade e sem qualquer malícia, mas sem perceber que aquelas palavras, atos e atitudes podem estar sendo mal interpretadas por alguns por terem aparência de mal. O amor jamais se justifica dizendo “eu falo o que eu quiser”, ou “eu faço do jeito que achar melhor” ou “eu me comporto do modo como considero ser o correto”. O amor sempre deve levar nossos irmãos em consideração e devemos sim nos preocupar, pensando de antemão: “Será que isto que vou dizer pode chocar alguém?”; “Será que meus gestos ou tom de voz podem ser interpretados como ofensivos ou agressivos?”; “Será que a roupa que vou vestir na reunião não será motivo de tropeço para alguns?”. Sempre que estivermos congregados ao nome do Senhor, e em todos os outros momentos de nossa vida, devemos nos lembrar do que diz a Palavra de Deus:
“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha” (1 Co 13:5-8).
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Os ataques do ISIS são o cumprimento da profecia?
Não, os ataques do ISIS ou Estado Islâmico, não são exatamente o cumprimento da profecia bíblica, mas podem fazer parte da construção do cenário e da preparação do palco para seu cumprimento. Devemos sempre nos lembrar que na atual “dispensação da graça de Deus” (Ef 3:2) as profecias estão em estado de suspensão. A profecia bíblica tem a ver principalmente com Israel e as nações gentias e o relógio profético parou de bater com o advento da Igreja. Ele voltará a bater quando a Igreja for tirada da terra no arrebatamento, e aí sim veremos esse cenário ser utilizado.
Paulo fala dessa suspensão do tratamento com Israel em Romanos 11:25-26 “Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades”. Considerando que a Igreja era um mistério oculto até dos profetas do Antigo Testamento, ela não aparece em suas escrituras e podemos situá-la como um parêntese na profecia de Daniel 9, mais ou menos entre o versículo 26 e o 27:
(Dn 9:26) “Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas”.
Isso já aconteceu, ou seja, o Messias ungido de Deus, o Cristo, foi morto e nunca mais foi visto, exceto pelos seus discípulos como vivo e ressuscitado. Então o povo romano, do “príncipe que há de vir”, destruiu a cidade e o Templo, no ataque executado por Tito. Com a rejeição completa do Messias teve início o parêntese no qual estamos inseridos, que é o tempo da Igreja, que perdurará até o arrebatamento. Então o relógio profético voltará a bater e esse “príncipe”, cujo povo destruiu Jerusalém e o Templo no ano 70 da era cristã, entra em cena:
(Dn 9:27) “Ele fará firme aliança com muitos, por uma semana [de anos]; na metade da semana [ou seja, 3 anos e meio], fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; sobre a asa das abominações virá o assolador, até que a destruição, que está determinada, se derrame sobre ele”.
Aqui você pode inserir tudo o que é dito do princípio das dores e da Grande Tribulação nos Evangelhos, nas epístolas e também na maioria dos capítulos de Apocalipse iniciando no capítulo 4, quando termina o tempo das “7 igrejas” ou sete períodos e características do testemunho da Igreja na terra.
Mas o que tudo isso tem a ver com o ISIS e os radicais islâmicos? Entendo que, como já disse, no sentido de o palco estar sendo armado e o cenário pintado. Mas os principais protagonistas da profecia ainda por se cumprir não são os islâmicos. Estes são apenas peões de um grande tabuleiro; massa de manobra de quem realmente está por detrás disso e quer que nossa atenção fique grudada no cenário e não nos atores principais.
Um mágico desses que vemos nos circos e teatros é perito em disfarces e sabe que deve chamar a atenção para uma mão, enquanto o truque é feito na outra que passa despercebida. Assim é também o maior de todos os mágicos, Satanás. O foco agora está nos terroristas islâmicos, porque é para essa mão que quer que nós prestemos atenção este mestre em disfarces, que em Gênesis 3 apareceu travestido de serpente, e mentor dos magos de Faraó, que em Êxodo 7:11 imitavam os milagres de Deus feitos por meio de Moisés. Porém é sua outra mão que está ativa para preparar o caminho para a entrada em cena de seu representante, o anticristo, que “realiza grandes milagres, até mesmo o de fazer descer fogo do céu sobre a terra à vista de todos” (Ap 13:13).
Os verdadeiros protagonistas do cumprimento da profecia serão os que hoje consideramos os “mocinhos” desse filme, a Europa e seus líderes. Com o argumento de se combater o terrorismo, veremos um recrudescimento do controle dos cidadãos, eliminando a privacidade e preparando o caminho para uma ditadura disfarçada de democracia. Uma pesquisa feita na França, após os ataques de novembro de 2015 em Paris, indicou que 84% dos franceses estariam dispostos a aceitar restrições às liberdades individuais para ficarem mais seguros.
Este processo em que os interesses do estado se misturam aos da população é a concretização da profecia de Daniel 2:33 na qual o “barro” de humanidade irá se mesclar com o “ferro” do poder e da tirania como foi na Roma antiga. Este é o último estágio da estátua profética que representava os grandes impérios da terra, terminando com as pernas (Roma antiga) e os pés (Roma moderna): Daniel descreve “as pernas, de ferro, os pés, em parte, de ferro, em parte, de barro”. Nesse dia as pessoas se sentirão aliviadas quando se levantar um homem poderoso, com a aparência de um cordeiro, mas que falará “como dragão” (Ap 13:11) para trazer paz, segurança e prosperidade.
Quem conhece a história de como Hitler tirou a Alemanha do fundo do poço nos anos 1930 para transformá-la numa grande potência de guerra, e isso com o aplauso dos cidadãos alemães, perceberá que aquilo foi só um ensaio. Como toda peça teatral precisa de ensaios antes da apresentação final, Satanás também experimenta para ver se as pessoas seguirão direitinho o roteiro. Com Hitler elas seguiram. Com o anticristo não será diferente.
Paul-Henri Spaak, que morreu em 1972 e foi Primeiro Ministro da Bélgica e um dos principais arquitetos da União Europeia, declarou algo que descreve bem a disposição do povo europeu diante de uma crise: “Não queremos outro comitê, já temos muitos. O que queremos é um homem de estatura suficiente que mantenha a aliança de todo o povo, e que nos livre do pântano econômico no qual estamos afundando. Dê-nos um homem assim, e seja ele Deus ou o diabo, e nós o receberemos”.
Quem se recusa a crer em Cristo na presente dispensação da graça de Deus ficará aqui quando a ressurreição de entre os mortos e o arrebatamento acontecer. Os que tiveram a oportunidade de crer, mas “não creram na verdade”, serão seduzidos por um poder enviado pelo próprio Deus para darem as boas-vindas a esse que “é segundo a ação de Satanás, com todo o poder, com sinais e com maravilhas enganadoras. Ele fará uso de todas as formas de engano da injustiça para os que estão perecendo, porquanto rejeitaram o amor à verdade que os poderia salvar. Por essa razão Deus lhes envia um poder sedutor, a fim de que creiam na mentira, e sejam condenados todos os que não creram na verdade, mas tiveram prazer na injustiça” (2 Ts 2:9-12).
Como eu disse, os radicais islâmicos são os bandidos da hora, mas no fundo não passam de massa de manobra e peões de um grande tabuleiro sobre o qual eles não têm qualquer controle. Os mocinhos da hora é que serão os bandidos após a Igreja ser retirada da terra para dar início aos sete anos que precedem a vinda de Cristo para reinar. Jesus previu esse tempo nos Evangelhos, quando serão salvos apenas um remanescente de judeus fieis e também gentios que não tiveram suficiente conhecimento do evangelho para crerem na presente dispensação, porém tomarão para si as dores dos judeus perseguidos e os protegerão das investidas do anticristo e seus asseclas:
“Porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais. Não tivessem aqueles dias sido abreviados, ninguém seria salvo; mas, por causa dos escolhidos, tais dias serão abreviados. Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali! Não acrediteis; porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. Vede que vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto!, não saiais. Ou: Ei-lo no interior da casa!, não acrediteis. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do Homem. Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres. Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória. E ele enviará os seus anjos, com grande clamor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus. Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão. Assim também vós: quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas” (Mt 24:21-33).
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Devo seguir as palavras de Paulo?
Tenho dúvidas se devo perder meu tempo explicando a você essas coisas, pois você parece não crer na Palavra de Deus revelada. Mas pensei melhor e decidi dar uma resposta mais detalhada pois poderá servir aos milhares de pessoas que irão ler, ouvir ou assistir em vídeo esta mesma resposta.
O sarcasmo, ironia e desprezo contidos em suas palavras quando fala do apóstolo Paulo são evidentes. Você escreve: “Onde é que Jesus ensina isso nos evangelhos? É um ensino de Paulo. É Paulo quem diz isso e não Cristo. Onde é que Jesus ensinou isso? Foi somente revelado em espírito para Paulo? E os demais, teriam de ‘aprender’ com Paulo sobre isso?”.
Ao questionar os escritos do apóstolo e duvidar que sejam Palavra de Deus, dizendo que “Jesus não disse nada disso que Paulo escreveu”, sua atitude fica muito parecida com a dos espíritas, que para fugirem da condenação que a Lei Mosaica faz da invocação de mortos, dizem que creem só nas palavras de Jesus. Eles se esquecem de que Jesus deu sua chancela a tudo o que Moisés escreveu: “Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele. Mas, se não credes nos seus escritos [de Moisés], como crereis nas minhas palavras?” (Jo 5:46-47).
No caso de Paulo o próprio Senhor Jesus deu a ele a autoridade de apóstolo e revelou muitas coisas. Até mesmo a revelação da ceia do Senhor Paulo não recebeu dos outros apóstolos, mas diretamente de Jesus: “Eu recebi do Senhor o que também vos ensinei” (1 Co 11:23). Na verdade, foram ao menos nove revelações de mistérios que permaneceram ocultos até serem revelados a Paulo e que não conheceríamos se não existissem suas cartas às igrejas:
1. O mistério do evangelho da graça de Deus (Rm 16:25-26)
2. O mistério do endurecimento de Israel por um tempo (Rm 11:25-27)
3. O mistério do arrebatamento e da ressurreição do corpo de Cristo (1 Co 15:51-53)
4. O mistério do um só corpo, a Igreja (Ef 3:1-9)
5. O mistério da cidadania ou vocação celestial do crente no corpo de Cristo (Ef 1:3; Fp 3:20-21)
6. O mistério do propósito de Deus de reunir todas as coisas em Cristo na dispensação da plenitude dos tempos (Ef 1:9-10)
7. O mistério da graça de Deus (Rm 6:14)
8. O mistério da identificação do crente com Cristo (1 Co 15:1-4)
9. O mistério da iniquidade (2 Ts 2:6-12)
Quanto à sua dúvida da citação que em 1 Coríntios 14:34, para que as mulheres “estejam sujeitas, como também ordena a Lei”, ele não está pregando a Lei Mosaica, que foi dada a Israel, mas simplesmente dizendo que há mandamentos do Senhor dados à Igreja que na Lei também eram assim. Esse era também o modo de se proceder na Lei, quando a mulher não tinha um papel atuante nos serviços do Templo.
Portanto, o que Paulo diz sobre a mulher é mandamento do Senhor e também Palavra de Deus, como deixa claro aqui: “Porventura saiu dentre vós a Palavra de Deus? Ou veio ela [a Palavra de Deus] somente para vós? Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que AS COISAS QUE VOS ESCREVO SÃO MANDAMENTOS DO SENHOR” (1 Co 14:36-37).
Sendo assim, seu argumento de que não temos de seguir essas coisas porque Jesus não falou isso nos evangelhos cai por terra. Se não foi Jesus quem falou então Paulo era um mentiroso e devemos imediatamente arrancar de nossas Bíblias todas as suas epístolas e esquecer coisas como os dons, a casa de Deus, o evangelho da graça (Jesus pregava o evangelho do Reino), o arrebatamento, o Corpo de Cristo, a vocação celestial do crente etc.
Na última carta de Paulo antes de morrer ele disse que todos os da Ásia o abandonaram. Isso é significativo e reflete muito bem o estado da cristandade hoje, que questiona o que o Espírito Santo revelou através de Paulo e cada vez mais abandona o seu ensino, usando de raciocínios e mestres segundo seus desejos. Isso se chama apostasia, que é o abandono da verdade. Talvez você não creia no que Paulo diz a este respeito em suas últimas palavras registradas, mas vou repetir assim mesmo:
“Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.” (2 Tm 4:3-4).
Ao escrever aos Tessalonicenses Paulo deixou claro que esses cristãos recebiam a Palavra que lhes pregou como vinda de Deus. “Por isso também damos, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade), como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes” (1 Ts 2:13).
Paulo chamou de “meu evangelho” a mensagem que lhe foi revelada em caráter de mistério outrora oculto: “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé” (Rm 16:25-26).
Paulo não só viu o Senhor, como ouviu de sua própria boca e ainda recebeu dele o que devia testemunhar. “Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi eu a Jesus Cristo Senhor nosso? Não sois vós a minha obra no Senhor?” (1 Co 9:1) Na sua conversão Paulo foi instruído pelo próprio Senhor Jesus a ir ao encontro de Ananias que lhe diria aquilo que ele deveria fazer, obviamente inspirado pelo mesmo Jesus de quem ouviria ainda muitas revelações:
“Então disse eu: Senhor, que farei? E o Senhor disseme: Levanta-te, e vai a Damasco, e ali se te dirá tudo o que te é ordenado fazer. E, como eu não via, por causa do esplendor daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo, e cheguei a Damasco. E um certo Ananias, homem piedoso conforme a lei, que tinha bom testemunho de todos os judeus que ali moravam, vindo ter comigo, e apresentando-se, disseme: Saulo, irmão, recobra a vista. E naquela mesma hora o vi. E ele disse: O Deus de nossos pais de antemão te designou para que conheças a sua vontade, e vejas aquele Justo e ouças a voz da sua boca. Porque hás de ser sua testemunha para com todos os homens do que tens visto e ouvido” (At 22:10-15).
Não faltava ousadia a Paulo quando o assunto era desobedecer seus escritos, pois ele bem sabia que seus escritos eram revelados por Deus e que isso significava uma desobediência direta à Palavra de Deus. Aos Tessalonicenses ele escreveu: “Se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe” (2 Ts 3:14).
O mesmo fez com os Coríntios, dentre os quais havia os que questionavam sua autoridade apostólica: “Já anteriormente o disse, e segunda vez o digo como quando estava presente; mas agora, estando ausente, o escrevo aos que antes pecaram e a todos os mais, que, se outra vez for, não lhes perdoarei; visto que buscais uma prova DE QUE CRISTO FALA EM MIM, o qual não é fraco para convosco, antes é poderoso entre vós” (2 Co 13:2-3).
E mais uma vez, aos Coríntios, deixa claro que ele é portador da Palavra de Deus, a qual não dependia de julgamento da parte deles, mas de simplesmente ser obedecida: “Porventura saiu dentre vós a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Co 14:36-37).
E para completar, a afirmação do próprio Pedro, que muitos usam na tentativa de denegrir os escritos de Paulo como se fossem complicados demais, sem perceber que estão incorrendo na própria crítica e condenação de Pedro, isto é, assumindo a carapuça de “indoutos e inconstantes” que torcem as Escrituras ao seu bel prazer. Pedro coloca os escritos de Paulo no mesmo nível das “outras Escrituras”, obviamente referindo-se aí ao Antigo Testamento.
“E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2 Pe 3:15-16) .
Finalmente, quem diz que devemos crer com segurança apenas nas palavras e Jesus é melhor rever sua tese. Digo isto porque as “palavras de Jesus” que encontramos na Bíblia foram escritas, não por ele pessoalmente, mas por Mateus, Marcos, Lucas e João. Do mesmo modo como usou Paulo para escrever outras coisas que ele disse depois de ter ressuscitado.
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Quem são os anticristos?
Ficamos tão curiosos em saber quem será “o anticristo” que nos esquecemos de perguntar quem são “os anticristos”. O apóstolo João utiliza o termo “anticristo” em suas epístolas, enquanto outros escritores podem se referir ao mesmo com diferentes designações. Existe uma diferença entre “o anticristo”, também chamado de “homem do pecado” e “iníquo” (2 Ts 2:3-8), e “um anticristo”. Vou me limitar a falar dos diferentes “anticristos” que podemos encontrar por aí, já que “o anticristo” só se manifestará após a saída da Terra daquele que o detém, isto é, o Espírito Santo, e com este a Igreja no arrebatamento.
João fala de “anticristos” que tinham saído de entre os cristãos, o que já nos ajuda a identificar como anticristos pessoas que orbitam em torno de doutrinas cristãs sem, contudo, professarem as principais, dentre elas a inspiração divina das Escrituras, a Divindade em três Pessoas distintas, Pai, Filho e Espírito Santo, a salvação pela graça e fundamentada na obra expiatória de Cristo na cruz, sua divindade, morte, ressurreição e ascensão aos céus, o juízo eterno etc. Portanto, quando falamos de “anticristos” estamos falando de pessoas que podem até se identificarem como cristãos, mas que são na verdade inimigas de Cristo.
“Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora. Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós” (1 Jo 2:18-19).
“Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas” (Fp 3:18).
De acordo com o mesmo apóstolo João, existe ainda outra característica que define um anticristo: ele nega a divindade de Cristo. Muito embora o catolicismo romano tenha diversas doutrinas errôneas, apenas esta característica citada por João já elimina de vez as teorias que colocam o Papa como candidato a anticristo, já que a doutrina católica confessa que Cristo é Deus feito Homem. João escreve:
“E todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já está no mundo” (1 João 4:3).
“E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5:20).
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez… E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1:1-14).
Confessar que Jesus Cristo veio em carne, e não apenas que nasceu, é reconhecer que antes de vir ele já existia na eternidade, ou seja, é confessar sua pré-existência como Deus. Isto é negado por todas as religiões e filosofias espíritas e espiritualistas que se arvoram como cristãs, e também por seitas como as Testemunhas de Jeová e Mórmons. Os TJs asseveram que Jesus teria sido “um deus”, mas não o Deus todo-poderoso, o Jeová do Antigo Testamento, e os Mórmons chegam a afirmar que um dedicado membro de sua “Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias” — a seita que venera Joseph Smith — poderá ascender ao status de deus e criar seu próprio Universo, se tiver paciência para aguardar alguns bilhões de anos para tanto.
Mas acredito que podemos fazer um teste bem simples para determinar se estamos diante de um anticristo, e para isto basta voltarmos ao princípio. Em Gênesis encontramos Satanás travestido de serpente tentando Eva, e qual foi o teor de sua tentação? “Sereis como Deus” (Gn 3:5). O diabo já havia desejado o mesmo quando pecou pois, vemos em Isaías 14:13-14 o desejo de seu coração denunciado pela revelação divina: “E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas [anjos] de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do Norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo”.
O grande atrativo que Eva enxergou na promessa da serpente foi alcançar o estágio de igualdade com Deus e, por conseguinte, desvencilhar-se de Deus. Em linguagem popular Eva queria mesmo era ser “dona de seu próprio nariz”, viver sem dar satisfação a ninguém, muito menos ao seu Criador. “Adão não foi enganado” (1 Tm 2:14), mas deliberadamente entrou em conluio com sua esposa e por isso toda a raça adâmica foi arruinada conforme Deus havia alertado.
Depois de alguns milênios gastos provando que a espécie humana estava tão perdida que seria impossível reciclá-la, Deus começou tudo de novo a partir de um protótipo perfeito, Jesus. Aquela história que ensinam nas aulas de religião de que “religião” tem o objetivo de “religar” o homem com Deus é bobagem. Deus não está nem um pouco interessado em religar consigo uma humanidade destroçada pelo pecado. Se estivéssemos falando em linguagem de seguro de veículos o termo correto seria atribuir ao ser humano “perda total”.
Para não deixar dúvidas quanto a isso Deus deu uma Lei que era santa e boa, que tornava o pecado claro e patente e que nenhum ser humano, exceto Jesus, seria capaz de cumprir. “E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno. Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado” (Rm 7:12-14).
A Lei mosaica foi a placa de contramão que Deus enviou para mostrar que não existia um ser humano sequer, exceto Jesus, capaz de andar na direção correta. A Lei não podia salvar, “porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” (Rm 8:3).
Agora muita atenção aqui: Considerando que o homem da primeira Criação recebeu o carimbo de “Perda Total”, Deus enviou outro Homem, Jesus, perfeito e não portador do defeito ou pecado do primeiro homem, para tirar o pecado do mundo e levar sobre si os pecados dos que viessem a crer nele. Então, na cruz, o Homem Jesus recebeu sobre si o juízo devido ao pecado, morreu, foi sepultado e… FIM! Assim Deus colocou um ponto final na raça adâmica. Na ressurreição Cristo daria início a uma nova raça, agora celestial, uma nova criação.
“Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo… Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial. Assim que, se alguém está em Cristo, nova criação é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (1 Co 15:21-22, 45-49; 2 Co 5:17).
Você deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com os anticristos. Simples. Se o teste das doutrinas fundamentais for muito complicado para você determinar se alguém é um anticristo, use este teste: Verifique se o que a pessoa ensina é o cântico de sereia do diabo, tipo “sereis como Deus” (Gn 3:5), via autoconhecimento, evolução espiritual, reencarnação etc. etc. etc. ou é o reconhecimento da completa ruína do velho homem, morto e sepultado em Cristo, a fim de receber por graça e pela fé o perdão dos pecados e a salvação eterna, sendo feito, por Deus, uma nova criação em Cristo.
Antes de minha conversão vivi intensamente o espiritualismo e esoterismo, mergulhado no misticismo e superstições das religiões orientais que nunca me davam certeza de coisa alguma, mas apenas faziam meu ego sentir-se mais “elevado” que outros meros mortais que não comiam a comida que eu comia, nem seguiam os ensinamentos dos gurus que eu seguia. Até meu viver despojado era uma farsa que eu não gostava de admitir.
Todos aqueles gurus, à uma, sussurravam em meus ouvidos o sussurro da serpente no Éden: “Sereis como Deus”, afirmação esta seguida de receitas dialéticas e dietéticas. Todos fingiam honrar a Cristo falando dele como um “espírito puro e elevado”, um “Mestre ascenso” ou “avatar de uma nova era”, mas negavam ser ele Deus e Homem e o único caminho para o Pai. Alguns chegavam a dizer que ele teria passado a juventude na Índia e Tibete para aprender o que depois iria ensinar. Nem imaginavam que Jesus não veio ao mundo para ensinar; ele é a Sabedoria de Deus em Pessoa, mas sua missão aqui foi morrer, ressuscitar e subir aos céus como o Cristo de Deus.
Os gurus que eu seguia não passavam de anticristos, tal como eu também era por acreditar neles e propagar seus pensamentos. Eles eram anticristos porque negavam o Cristo e colocavam o homem no pedestal da capacidade de regeneração, fazendo de Cristo no máximo um coadjuvante, um figurante no processo da evolução humana, um vice decorativo ou exemplo a ser seguido. Rejeitavam assim o valor do seu sangue derramado na cruz que colocou um fim na raça adâmica. Não há desonra maior que subestimar tudo o que Cristo é fingindo honrá-lo com quirelas. O que você acha que Einstein se sentiria honrado se você saísse por aí elogiando sua capacidade de recitar a tabuada do dois?
Portanto, anticristo é todo o que rejeita o Cristo de Deus, aquele que Deus ungiu e escolheu para ser e fazer o que fez, e exalta o homem como capaz de ser. Se os povos da antiguidade elevavam répteis, quadrúpedes e aves ao status de deuses, honrando a criatura em lugar do Criador, hoje a idolatria voltou às raízes lançadas pela serpente no Éden: “Sereis como Deus”. Repare que na passagem de Romanos 1:23 a adoração de aves, quadrúpedes e répteis veio depois da glória dada ao homem:
“Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (Rm 1:21-23).
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Posso pedir dinheiro para a obra do evangelho?
Sua dúvida é se um cristão que trabalhe na obra do evangelho poderia pedir dinheiro a irmãos e assembleias para custear seu trabalho. A resposta é NÃO. É o Senhor da seara quem envia trabalhadores para a seara. Se ele envia, é ele quem dá os recursos. Portanto nenhum irmão deve pedir recursos, seja a outros irmãos, seja a assembleias.
Se os recursos não vierem é porque o Senhor não enviou esse obreiro. Se o Senhor enviou, então ele providenciará os recursos tocando no coração de irmãos individualmente ou de assembleias coletivamente para terem comunhão com o obreiro em seu trabalho. É um erro pedir dinheiro a homens para fazer a obra de Deus. Se cremos que a obra é realmente do Senhor, então devemos pedir os recursos ao dono da seara e ele irá mover os corações neste sentido.
Mais errado ainda é pedir doações de forma geral, as quais poderão vir de incrédulos. É uma vergonha encontrarmos “igrejas”, cristãos e sites evangelísticos pedindo doações. Ainda que não exista qualquer problema em cristãos venderem Bíblias e livros (porque eles têm um custo de produção), está fora de questão pedir doações de incrédulos para ajudar na obra de Deus. “Que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Co 6:14).
Alguém poderia alegar que encontramos os israelitas pedindo aos egípcios suas coisas preciosas em sua saída do Egito. De fato, em Êxodo 12:35-36 lemos: “Fizeram, pois, os filhos de Israel conforme a palavra de Moisés e pediram aos egípcios objetos de prata, e objetos de ouro, e roupas. E o Senhor fez que seu povo encontrasse favor da parte dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que pediam. E despojaram os egípcios”.
É preciso entender que aquilo tinha sido uma ordem específica de Deus para o povo de Israel e tinha o propósito de indenizar os israelitas por todos os bens que os egípcios lhes haviam tirado quando fizeram deles escravos, assim espoliar os egípcios. Lembre-se de que algum tempo antes aquele mesmo povo não era escravo e vivia em uma posição privilegiada como protegidos de José. Este, com o consentimento de Faraó, havia reservado para eles a melhor e mais fértil parte da terra do Egito. Faraó havia dito: “A terra do Egito está perante ti; no melhor da terra faze habitar teu pai e teus irmãos; habitem na terra de Gósen” (Gn 47:6).
Já o cristão, um estrangeiro neste mundo, deve se fazer guiar pelo exemplo de Abraão, o pai da fé e estrangeiro na terra, que não quis aceitar nem uma correia da sandália do rei de Sodoma. “Mas Abrão lhe respondeu: Levanto a mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, o que possui os céus e a terra, e juro que nada tomarei de tudo o que te pertence, nem um fio, nem uma correia de sandália, para que não digas: Eu enriqueci a Abrão” (Gn 14:22-23).
Temos também para nós o magnífico exemplo dos primeiros cristãos quando saíram pelo mundo dando testemunho de sua fé, e para isso não tomaram nada dos gentios.
“Pois por causa do Nome foi que saíram, nada recebendo dos gentios” (3 Jo 1:7).
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Por que não otimizar o tempo das reuniões?
Você visitou uma assembleia na Ceia do Senhor e teceu alguns comentários, apresentando dúvidas que podem ser as mesmas de alguns que visitam uma assembleia de irmãos congregados somente ao nome do Senhor e fora de todo o sistema denominacional. Você comentou:
P: Percebi que os irmãos são rigorosos quanto o horário, porém houve mais tempo de silêncio do que de ministério da Palavra.
Quanto ao rigor no horário, assim deve ser, porque quando a assembleia decide o horário de iniciar e terminar a reunião isso é “ligado” nos céus (Mt 18:18), ou seja, o Senhor honra a decisão da assembleia e se coloca no meio quando estão assim congregados ao seu nome.
A reunião que você visitou é a ceia do Senhor, que não é uma reunião de ministério da Palavra ou de exercício dos dons de ministério. É apenas para recordar o Senhor e anunciar sua morte conforme ele pediu. Ele não pediu “fazei isto em memória de mim e procurem pregar a Palavra ao mesmo tempo”, mas só “fazei isto em memória de mim”. Portanto não espere por conteúdo na ceia do Senhor além de hinos de louvor, ações de graças e um irmão dando graças pelo pão e pelo vinho. Como estamos na presença do Senhor devemos aguardar por direção também nestas coisas, até mesmo para evitar a “bronca” do apóstolo aos Coríntios, que celebravam a ceia de forma desordenada:
“De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor. Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia; e assim um tem fome e outro embriaga-se” (1 Co 11:20-21).
P: A assembleia não poderia abreviar o tempo previsto para a ceia e fazê-la em 10 minutos?
A assembleia é que determina o tempo previsto para cada reunião (lembre-se, Mt 18:18 novamente), e devemos nos lembrar de que quando estamos ali estamos na presença do Senhor. Você já ficou em silêncio na presença de alguém que ama e mesmo assim desfrutou daquele momento? Já aconteceu de abrir a boca na hora errada e estragar o momento? Assim deve ser na ceia do Senhor. Se acontece silêncio pode ser por isso mesmo, por estarmos desfrutando da presença do Senhor. Mas para não pensar que está diante de irmãos super-espirituais, o mais provável do silêncio em demasia é que vivemos em tempos de ruína e fraqueza, quando nem sempre chegamos à ceia na condição espiritual e de comunhão com o Senhor que deveríamos, e isto para vergonha nossa. Então, se o silêncio for contemplativo, isso é graças ao Senhor, mas se for por falta de comunhão em nossa vida diária, isso é culpa nossa.
P: Um irmão mais experiente não poderia conduzir a ceia e preencher o tempo para evitar isso?
Só se estivéssemos dando à carne o poder de resolver o problema da fraqueza do homem ou de privar aquele que aguarda sentir que deve trazer um hino, uma ação de graças ou tomar a iniciativa de dar graças pelos símbolos (pão e vinho).
P: Os irmãos não poderiam determinar antes da reunião o que cada um iria fazer?
Você acaso encontra tal modelo nas Escrituras? Não, ao contrário, nas instruções dadas aos Coríntios vemos claramente que nada ali foi pré-determinado com funções previamente distribuídas, pois o apóstolo escreve, referindo-se a uma reunião de ministério da Palavra e exercício dos dons:
“E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro” (1 Co 14:29-30).
Imagine “o primeiro” irmão ali reclamando: “Ei, irmãos, não foi isso que combinamos!” Não faria qualquer sentido, não é mesmo?
P: Percebo que muito tempo é perdido em silêncio. Por que não aproveitá-lo com adoração e ministério da Palavra.
Já expliquei que a ceia do Senhor não é uma reunião de ministério da Palavra, agora seria bom entender também que adoração não significa necessariamente atividade física. O cristão adora em espírito e em Verdade, o que significa que pode adorar em silêncio e imóvel, sem precisar de um templo de pedras, uma banda de música ou uma roupa especial. Isso é maravilhoso quando consideramos o contraste com a adoração judaica que exigia todo um aparato físico para adorar.
P: A escola dominical me pareceu muito fixa, sem espaço para algum menino compartilhar suas angústias e aflições.
A escola dominical não é uma reunião da assembleia (como é a ceia do Senhor, a reunião de oração e a de ministério da Palavra). Em Atos 2:42 você encontra as atividades da igreja reunida e ali não há escola dominical ou pregação do evangelho para incrédulos. “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações”. A escola dominical é evangelismo para crianças e jovens, e pode acontecer tanto no mesmo local das reuniões da assembleia ou debaixo de uma árvore.
O formato é aquele que cada assembleia escolhe de antemão e cede o espaço para o irmão responsável por aquele trabalho (como é também o caso de se promover pregações do evangelho no mesmo local das reuniões). A escola dominical é de responsabilidade do irmão que ensina nela, ou da irmã, no caso de crianças pequenas. A ordem para a mulher não ensinar não se aplica às crianças, porque o ensino ali é apenas o anúncio das boas novas, e não ensino doutrinário.
Mesmo assim não é correto que atividades envolvendo irmãs sejam feitas na presença de irmãos, por isso em algumas assembleias as crianças pequenas são levadas para uma sala de atividades onde ficam com o irmão ou irmã que conversa com elas, enquanto jovens ficam em outro lugar com algum irmão ministrando para eles. Um irmão prega e as crianças ou jovens escutam e fazem ou não perguntas. Em alguns lugares os jovens são estimulados a perguntar, em outros não. Em alguns lugares crianças pequenas têm atividades lúdicas (pintar, brincar, etc.), em outros não. É importante entender o caráter de cada reunião para não confundir.
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A arca de Noé transportou dinossauros?
Você perguntou se Noé levou dinossauros em sua arca. Não, a arca de Noé não transportou dinossauros porque eles já não existiam nos tempos do dilúvio. É um erro pensar que nosso planeta tenha apenas seis mil anos, como costumam afirmar alguns teólogos, principalmente das religiões católicas e protestantes fundamentalistas. A Bíblia dá sinais de que a Terra seja muito mais antiga, o que é corroborado pelos indícios geológicos, porém não há nas Escrituras muita informação a respeito porque estaria fora do escopo da revelação, que tem seu ponto focal em Cristo.
O que você encontra na Bíblia faz parte do contexto que Deus achou importante para nos levar ao conhecimento de seu Filho e sua obra. O que você não encontra pode ser até importante para a ciência, a geologia, a zoologia, a arqueologia etc., mas não tem qualquer importância para entender os pensamentos de Deus. Não fazemos a mínima ideia de quantos milhares, milhões ou bilhões de anos em tempo atual tenham se passado desde a criação original e o estado de caos em que o planeta mergulhou, e nem quanto tempo durou esse período em que a terra ficou “sem forma e vazia” (Gn 1:2).
É nessa condição caótica que inclui “trevas” e “abismo”, elementos estranhos a um Deus de luz e ordem, que encontramos o planeta antes de ser totalmente remodelado para servir de habitação ao homem. É dessa criação que podemos contar seis mil anos, mas não da original que aconteceu em tempos imemoráveis.
No século 19 os cientistas começavam a dar maior atenção aos fósseis que estavam sendo descobertos e a teoria da evolução de Charles Darwin pegava carona nisso, enquanto muitos céticos aproveitavam o ensejo para desprezar a Bíblia. Afinal, até então as religiões haviam ensinado que o planeta era bem jovem e o desconhecimento dos muitos fósseis encontrados depois levavam a crer que apenas os animais que conhecemos teriam pisado este chão. Porém, mesmo em meio àquele ceticismo plantado pelos cientistas e céticos, muitos cristãos tinham um entendimento que em nada contrariava a descoberta dos fósseis.
Uma boa leitura é o livro “In the Beginning”, por William Kelly, que viveu no século 19. Se não me engano já tive uma edição deste livro em português e talvez seja possível encontrá-lo em algum sebo.
Outro autor contemporâneo de Kelly foi John Nelson Darby, e são deles os comentários que traduzo e transcrevo a seguir sobre os primórdios da criação de Deus extraídos de seu livro “Hints of the Book of Genesis”.
“A palavra ‘criou’ no versículo 1 está correta, isto é, originalmente (embora seja a mesma usada para as ‘grandes baleias’ e também para o ‘homem’ quando em sua formação progressiva). Mas no versículo 2 a ação toda se resume em trevas sobre a face do abismo. A menção de trevas esconde toda uma gama de infidelidade geológica, pois a impressão que dá é que a luz tenha começado aqui. Mas você descobre que os ictiossauros tinham olhos, e eles foram criados muito tempo antes. Tudo o que diz é que as trevas estavam sobre a face do abismo, e nada de que não existisse luz; ao contrário, isso fica implícito.
Onde havia ictiossauros devia existir luz; e eles são encontrados nas camadas geológicas que, se você as levar em consideração, irão mostrar que milhares de anos se passaram desde a época em que viveram. Se você encontra algo que possui olhos é lógico supor que existisse luz para ele. O abismo era caos, um estado de coisas informes, e isso foi depois de um estado de luz. Não tenho qualquer dificuldade com a luz. No que diz respeito à geologia, não é assunto das escrituras ensinar isso.
As escrituras não me dizem nada desses antigos animais. Por que iria a Bíblia me dizer algo sobre peixes que comem outros peixes? Ali estão eles, e eu posso visitá-los vendo seus fósseis se quiser. O mesmo se pode dizer da morte, ela pode ter existido muito tempo antes entre esses animais; não há nada que insinue que a morte não tenha existido. Se alguém insistir no pensamento geral de que a morte veio sobre os animais por causa do pecado, a resposta é que assim aconteceu no presente estado deste mundo.
Os geólogos acham que um determinado banco de areia deve ter levado tantos milhares de anos para se formar, e assim por diante. Mesmo que não endossemos tudo o que dizem, eles podem atribuir o tempo que desejarem e mesmo assim a Palavra de Deus continuará suficiente para o crente. Encontramos a criação dos céus e da terra, e então todo um cenário do qual nada é dito, e então esta terra ficou sem forma e vazia.
Quem poderia dizer o que Deus devia criar? A passagem em Isaías 45:18 é conclusiva ao afirmar que no princípio Deus não criou a Terra vazia ou caótica. Ali diz que Deus ‘formou a terra, e a fez; ele a confirmou, não a criou vazia (ou “caótica”), mas a formou para que fosse habitada’. A terra passou a esse estado de caos e pode ser que foi isso que destruiu os animais, mas nada sabemos a respeito. Tudo o que sei pela fé é que Deus criou todas as coisas.” Extraído de “Hints of the Book of Genesis” — J. N. Darby.
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Acaso sou eu guardador de meu irmão?
Sou pai e acredito que o nascimento de um filho deficiente tenha efeitos devastadores numa família. Usando das palavras dos pesquisadores Alberto Giubilini e Francesca Minerva, em um artigo publicado em 2011, um filho deficiente pode ser um fardo inesperado em “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”. A solução, segundo eles, seria não só o aborto convencional, quando o problema fosse detectado na gravidez, mas até mesmo o que chamaram de “aborto pós-parto”. Antigamente isso era conhecido como infanticídio.
A opinião desses pesquisadores causou impacto na mídia quando foi publicada em 2011, mas será que causaria o mesmo impacto hoje? Falo isso por causa do número cada vez maior de mulheres grávidas afetadas pelo vírus Zika, que pode causar microcefalia se atingir o feto. O pessoal da campanha pró-aborto já colocou o bloco na avenida e se eu posso me arriscar a fazer previsões, eu diria que o carro que vem logo atrás é o do infanticídio. Sim, a eliminação sumária dos bebês com microcefalia não detectada na gravidez.
Os autores do artigo alegam que, “se critérios como custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial são razões boas o suficiente para um aborto, até mesmo quando o feto é saudável, e se o status moral do recém-nascido é o mesmo do feto, já que nenhum deles possui qualquer valor moral em razão de não passarem de uma pessoa em potencial, então as mesmas razões que justificam o aborto deveriam também justificar a morte de uma pessoa em potencial quando ela ainda está no estágio de um recém-nascido.”.
O que eles querem dizer é que um feto ou um bebê ainda não são pessoas, pois não desenvolveram as qualidades morais que definiriam um ser humano. Na opinião desses pesquisadores, fetos e recém-nascidos são meros projetos de seres humanos, como é a planta de um edifício que ainda não saiu do papel. Não haveria, portanto, qualquer problema em jogar fora o projeto, caso ele esteja rasgado ou manchado.
Mas o que uma criança é ao nascer não garante o que ela irá ser depois, e nem se trará ou não “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”, como definiram os pesquisadores. Por exemplo, o bebê Adolfo nasceu saudável e cresceu uma criança normal, sem deficiências físicas ou mentais. Seus olhos azuis faziam dele um garotinho que qualquer um gostaria de ter como filho. Até saber que seu sobrenome seria Hitler.
Todo tirano, terrorista ou assassino veio ao mundo como uma criança normal e saudável e, no entanto, o estrago que fizeram para a humanidade é incalculável. Só isso seria suficiente para colocarmos em dúvida se alguém é capaz de detectar que um bebê irá acarretar “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”. Quantos filhos você conhece que nasceram saudáveis e transformaram a vida dos pais em um verdadeiro calvário de visitas a presídios e clínicas de reabilitação. Isso quando a mãe não tem de viver com a mágoa de ter colocado no mundo um assassino.
Talvez você alegue que é fácil falar porque eu não sei o que é precisar conviver com os “custos sociais, psicológicos e econômicos” de uma criança deficiente. Na realidade eu sei, porque há mais de trinta anos convivo com um filho adotivo e deficiente. Pedro entrou em minha família aos quatro anos de idade quando já tínhamos dois filhos biológicos e saudáveis, e veio com problemas genéticos, paralisia cerebral e cegueira, além da incapacidade de andar e falar. Você olharia para ele hoje e teria coragem de dizer que seria melhor ele ter sido abortado ou morto após o parto?
Não, não tenha medo de deficientes. Eles não podem fazer mal a ninguém. Já os saudáveis podem se transformar em ditadores, terroristas e assassinos, trazendo “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”.
Quando Deus perguntou a Caim, “Onde está Abel, teu irmão?”, sua resposta foi: “Sou eu guardador do meu irmão?”. Um dia todos nós daremos contas de nossos atos a Deus, e se você estiver pensando em se ver livre de seu filho, o que dirá quando ele perguntar: “Onde está o teu filho?”. Será que terá coragem de responder: “Acaso sou eu guardador de meu filho?”.
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Qual foi o sinal que Deus colocou em Caim?
Você perguntou que marca ou sinal teria sido este que Deus colocou em Caim. A passagem diz que Deus amaldiçoou Caim por ter matado seu irmão, e por isso ele seria fugitivo e errante na terra. Deus não disse que seria impossível Caim ser perdoado de seu pecado, mas o próprio Caim lançou tal sentença sobre si mesmo ao dizer “É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada” (Gn 4:13). Muitos que pecam usam do pecado como desculpa para se afastarem ainda mais de Deus e mergulharem de vez na iniquidade alegando que não podem ser perdoados. Deus poderia ter perdoado Caim como pode também perdoar o mais vil pecador.
Caim parece confirmar sua determinação de manter distância de Deus quando repete a maldição que recebeu, de ser expulso por Deus e tornar-se fugitivo e errante na terra, ao acrescentar: “… e da tua face me esconderei… e será que todo aquele que me achar, me matará” (Gn 4:14).
Mas Deus, que é em extremo “longânimo, e grande em misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão” (Nm 14:18) não queria todo esse mal que Caim julga cair sobre si mesmo. Ao contrário, providencia uma salvaguarda para Caim, dizendo: “Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4:15). Depois disso “saiu Caim de diante da face do Senhor e habitou na terra de Node”, nome este que significa “errante”.
A Bíblia não diz qual era a natureza desse sinal ou marca, e alguns já apresentaram algumas ideias mais ou menos absurdas, como dizer que Deus tornou a pele de Caim negra, ou que a marca seria uma tatuagem. Nada disso tem fundamento e ao nos ocuparmos com a identificação do aspecto físico de tal marca acabamos perdendo de vista seu significado.
O que Deus estava fazendo com Caim era um ato de misericórdia e graça, já que Deus ainda não havia dado ao homem o governo, que daria mais tarde a Noé, com poder e autoridade de vida e morte sobre o homicida. Por isso Deus enquadra Caim na mesma categoria que mais tarde, na Lei, Deus enquadraria o israelita que inadvertidamente matasse seu semelhante. Deus deu aos levitas seis “cidades de refúgio” que foram distribuídas pela terra de Israel. Uma vez ouvi um comentário de que essas cidades poderiam ser alcançadas de qualquer ponto da terra de Israel sem ultrapassar a distância permitida pela Lei de Moisés para uma jornada de sábado, mas ainda não pesquisei mais sobre isso.
De qualquer modo, a marca colocada em Caim tinha o mesmo valor dessas cidades de refúgio onde um homicida poderia se abrigar até ser julgado para determinar se era culpado ou não, sem que ali os familiares do morto pudessem exercer vingança e matá-lo. Hoje a “cidade de refúgio” do pecador é Cristo, a quem ele pode ir para ficar abrigado do juízo eterno.
Voltando à história de Caim, William Woldridge Fereday, que viveu no século 19 e esteve congregado somente ao nome do Senhor, comenta que “se Abel é uma figura de Cristo como a testemunha que foi morta, Caim representa os judeus, que o mataram, apesar de não terem sido os judeus apenas, já que todo mundo esteve envolvido naquele terrível crime (Atos 4:27). Mas Caim não devia ser destruído, pois ‘pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse’ (Gn 4:15). Da mesma maneira, os judeus têm sido preservados por Deus para uma outra e melhor época. Deus prefere considerar o judeu um ‘homicida’ (Nm 35) ao invés de um ‘assassino’. Se considerarmos que a história do judeu representa a história da humanidade, saber que Deus irá voltar a abençoar esse povo significa que ainda existe uma bênção universal por vir para a humanidade”.
Outro bom comentário que encontrei foi o de Leslie M. Grant, que diz:
“O Senhor colocou um sinal em Caim, demonstrando que quem matasse Caim seria vingado sete vezes. Deus estava tratando com Caim e nenhum homem deveria interferir. Mais tarde, no tempo de Noé, Deus daria autoridade governamental ao homem para executar um homicida (Gn 9:5-6), mas nos tempos de Caim ainda não tinha sido introduzido o governo humano. Deus estava tratando diretamente com Caim. Isto é uma notável figura do modo de Deus tratar com a nação de Israel quando esta passou a sofrer como fugitiva, fugindo do Deus de seus pais, e como errante na terra, não encontrando um lugar para descansar seus pés. Mesmo assim Deus não permitiu que os gentios exterminassem o povo, apesar de isto ter sido tentado muitas vezes. A marca de Deus foi colocada sobre Israel, e aquelas nações que fizerem com que Israel sofra irão, elas próprias, sofrer a vingança de Deus” — Leslie M. Grant.
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Um salvo irá pecar como antes?
Sua dúvida está em como conciliar o fato de alguém já estar salvo eternamente e eventualmente cometer algum pecado, já que 1 Co 6:9-10 dá uma lista de pecados ou injustiças nas quais até um cristão pode cair. Perderia ele a salvação se caísse? Precisaria ser salvo novamente caso arrependesse? O processo teria de ser repetido “n” vezes, como uma roleta russa, vivendo tal pessoa em constante ansiedade para não ter o azar de morrer antes de se “re-arrepender” e ser “re-salvo”?
Imagine uma lei que proíba carros com motor 1.0 de trafegarem e avisa que todos serão guinchados e sucateados. Então você corre e troca o motor de seu carro para 1.6. Aí o fiscal do DETRAN para você porque seu modelo é 1.0, mas você abre o capô e mostra que o motor não é o original. O fiscal libera seu veículo. Um motor 1.6 pode ter momentos em que vai se comportar como se fosse 1.0, por falha mecânica ou combustível ruim, mas é momentâneo. Ele nunca mais vai ser considerado como se fosse 1.0 pelas autoridades.
Assim é o cristão. Circunstancialmente ele pode até vir a falhar e praticar injustiças, mas posicionalmente ele já está em outra categoria. Uma melhor tradução de 1 Coríntios seria:
“Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. Tais FOSTES alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1 Co 6:9-11).
Às vezes eu me pego fazendo algo que é contrário à vontade de Deus e digo para mim mesmo: “Mario, você não é assim!” Exatamente, eu era assim, mas agora não sou mais porque em Cristo sou “nova criação” (esta é a melhor tradução do versículo a seguir). O que antes me caracterizava era um “motor” condenado, mas agora tenho em mim um “motor” aprovado, embora a lataria continue a mesma. Para entender isso é preciso entender que recebemos uma nova natureza quando somos salvos, mas conservamos em nós a velha natureza.
“Se alguém está em Cristo, é uma nova criação; passou o que era velho, eis que se fez novo… criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas” (2 Co 5:17; Ef 2:10).
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Se Deus julga os adúlteros, por que os irmãos precisam saber?
Sua dúvida está no julgamento que é mencionado em Hebreus 13:4: “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros.” Que juízo seria este? Se é Deus quem o julgará, por que os irmãos teriam de lidar com isso? Não bastaria ele se arrepender diante de Deus para tudo ficar resolvido?
Para entender isso é preciso entender as diferentes esferas de juízo mencionadas na Palavra de Deus. Existe o juízo eterno, quando todos os incrédulos serão lançados no lago de fogo. Você encontra isso em Apocalipse 20:
“Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros. Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo as suas obras. Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo.” (Ap 20:11-15)
Esse não será um juízo para ver quem vai para o céu e quem vai para o lago de fogo, mas uma sessão judicial para lavrar as sentenças dos que não creram. Quando esse juízo final ocorrer, os salvos já estarão com Cristo e não aparecerão ali. Repare que no texto não fala de ninguém sendo salvo ou livre desse juízo. A promessa do Senhor para os que creem foi esta:
“Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.” (Jo 5:24).
Entre aqueles que professaram fé na Pessoa e obra de Cristo existe o juízo exercido pela assembleia, em nome do Senhor e com a autoridade que ele delegou nos capítulos 16 e 18 de Mateus, e depois vemos sendo exercida em outras passagens da doutrina dos apóstolos nas epístolas.
Em Mateus 16:18-19, depois de anunciar que edificaria (no futuro) sua igreja, o Senhor disse que “tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” Ali ainda não era o momento de tal ordem ser cumprida, pois ela estava associada à fundação futura da igreja que se daria no dia de Pentecostes em Atos 2. Mas a autoridade para “ligar” e “desligar” já estava sendo anunciada.
É preciso entender que esse “ligar” e “desligar” tem o sentido de “decretar” e “anular um decreto”, ou “decidir” e “desfazer a decisão”, e não de ligar ou desligar alguém do corpo de Cristo. Um membro do corpo de Cristo jamais pode ser desligado por decisão humana, como o papado achava poder fazer com suas excomunhões e condenação dos hereges à fogueira, O próprio Senhor afirmou: “Dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.” (Jo 10:28-29).
Portanto, o juízo exercido pela assembleia ao nome do Senhor Jesus é um juízo administrativo ou governamental visando a disciplina e/ou exclusão da comunhão apenas (e não do corpo de Cristo) daquele que está em pecado. Em Mateus 18:20 o Senhor deu mais detalhes disso quando apresentou o caso de algum irmão que tivesse algum litígio com outro e se recusasse, primeiro a aceitar a admoestação do irmão ofendido, depois a aceitar a reprimenda feita na presença de testemunha, para finalmente ser encaminhado a uma decisão da assembleia:
“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o [1] entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; mas, se não te ouvir, [2] leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, [3] dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mt 18:15-20)
Esse “considerar como um gentio ou publicano” significava deixar de tratá-lo como irmão em Cristo (mesmo que fosse genuíno), chegando até a evitá-lo como vemos um exemplo prático no capítulo 5 de 1 Coríntios, no caso de um homem da assembleia em Corinto que estava em pecado por manter relações sexuais com a madrasta. Ali Paulo diz:
“Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou?” (1 Co 5:1-2).
Na continuação do texto você vê o apóstolo dar mais instruções, como mostrar “que um pouco de fermento faz levedar toda a massa”, ou seja, um pecado não julgado pode contaminar outros na assembleia como uma pitada de fermento faz com uma bacia de massa de pão, e também que eles não deveriam se associar ou ter comunhão com quem estivesse de pecado. Paulo, inspirado pelo Espírito, deixa claro que não está falando de evitar contato com incrédulos, pois para isso seria preciso sair do mundo, já que não poderíamos nem sequer ir à escola ou ao trabalho, onde obviamente existem incrédulos. A separação seria com o que, “dizendo-se irmão”, está em pecado. Diz ele:
“Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem. Isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo. Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais” (1 Co 5:9-11).
Tal disciplina, que pode parecer drástica demais (deixar de comer com o que pecou), tem um objetivo de amor, que é o de restaurar o pecador arrependido. No Antigo Testamento temos uma figura disso em Levítico 13. Quando a lepra, que é figura do pecado, atingisse um israelita. Ele devia ser separado do acampamento dos filhos de Israel e mantido longe. Eventualmente o sacerdote poderia visitá-lo para examinar sua lepra. Quando o sacerdote constatasse que a lepra havia coberto o homem da cabeça aos pés ele o declararia limpo da lepra.
Parece não fazer sentido considerar alguém totalmente coberto de lepra como limpo, mas isso era para nos mostrar que um pecado só pode ser considerado resolvido quando o que pecou se reconhece culpado da cabeça aos pés. Ele já não nega o que fez e nem acusa outros por ter caído em pecado. Assume completa e total responsabilidade por seu ato após sofrer a reprimenda dos irmãos, e pode então ser restaurado à comunhão dos santos. Em 2 Coríntios Paulo parece exortar os irmãos a restaurarem o que pecou para que não fosse mergulhado em excessiva tristeza pelo justo tratamento que vinha recebendo dos irmãos. Se ele tinha assumido sua “lepra”, que fosse restaurado.
“Porque, se alguém me contristou, não me contristou a mim senão em parte, para vos não sobrecarregar a vós todos. Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor.” (2 Co 2:5).
A restauração à comunhão era tão importante quanto a disciplina para tirar do meio dos irmãos o malfeitor. Se antes Satanás estava tentando arruinar o testemunho pela vista grossa dos irmãos de Corinto, permitindo que um pecado grave seguisse sem julgamento, agora Paulo demonstra que o mesmo Satanás poderia se aproveitar da dureza do coração deles em não perdoar o transgressor devidamente arrependido:
“E para isso vos escrevi também, para por esta prova saber se sois obedientes em tudo. E a quem perdoardes alguma coisa, também eu; porque, o que eu também perdoei, se é que tenho perdoado, por amor de vós o fiz na presença de Cristo; para que não sejamos vencidos por Satanás; porque não ignoramos os seus ardis” (2 Co 2:9-11).
Em uma época de início e grande poder manifestado na igreja, quando ainda existiam apóstolos e profetas que recebiam de Deus a autoridade e a revelação inédita da Palavra, a responsabilidade em julgar o pecado tinha consequências claras e drásticas. Aqueles irmãos do passado não podiam ir à livraria da esquina comprar um Novo Testamento, pois este ainda estava para ser escrito. Portanto eles dependiam da revelação dada aos profetas e da autoridade dos apóstolos para estabelecer os critérios e as jurisprudências, por assim dizer, que acompanhariam a ordem e disciplina na casa de Deus. Foi usando dessa autoridade e poder que o apóstolo deu a sentença para o que pecou e não tinha sido ainda julgado pela assembleia:
“Eu, na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já determinei, como se estivesse presente, que o que tal ato praticou, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus.” (1 Co 5:3-5).
Repare que o apóstolo não passa por cima da autoridade do Senhor delegada à assembleia para tomar medidas disciplinares contra quem pecou, mas acrescenta a ela a sua autoridade apostólica de entregar a Satanás para destruição da carne a fim de aquela pessoa ser salva no dia do Senhor. Isto significa que os apóstolos tinham um poder e autoridade que ninguém hoje possui, que era a de invocar a morte de alguém. É bom lembrar que os que hoje denominam a si mesmos “apóstolos” não passam de usurpadores.
Essa autoridade apostólica foi demonstrada no caso de Ananias e Safira em Atos 5, que caíram mortos aos pés do apóstolo Pedro por terem mentido ao Espírito Santo. Isto é também o que é chamado na doutrina dos apóstolos de “pecado para morte” em 1 João 5:16-17. Ainda que hoje não tenhamos apóstolos para invocar tal sentença sobre alguém, o “pecado para morte” continua existindo nos casos em que um verdadeiro crente em Cristo decide viver em pecado e deixa de ser um testemunho útil para Deus na terra. Deus pode tirá-lo daqui para não atrapalhar.
Parece ser isso que estava acontecendo na assembleia em Corinto, quando Paulo menciona a maneira desordeira, inconsequente e irreverente com que tratavam a ceia do Senhor. Muitos já estavam “dormindo”, que é a expressão usada no Novo Testamento para a morte de um crente em Cristo:
“Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem. Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” (1 Co 11:30-32).
O Senhor se incumbiria de julgar e repreender um crente em pecado ainda nesta. Além disso, aquele que a assembleia julgasse culpado de pecado e colocasse fora da comunhão à mesa do Senhor estaria vulnerável ao juízo de Deus nesta vida, por já não estar no círculo de comunhão dos irmãos. “Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor” (1 Co 5:13).
É aqui que voltamos ao ponto que você levantou de Hebreus 13:4, onde diz que “Deus julgará os impuros e adúlteros”. Obviamente não quer dizer que a assembleia deva fazer vista grossa para o pecado em seu meio, porque temos instruções claras de como tratar em juízo com o que pecou. Também não quer dizer que este julgamento efetuado por Deus seja o julgamento dos ímpios para a condenação eterna, como vemos em Apocalipse. Ainda que um salvo por Cristo cometa um adultério, ele jamais voltará à condição de perdido, pois recebeu a salvação por graça e sem merecimento, um presente ou dom de Deus, e “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11:29), isto é, irreversíveis.
Portanto essa expressão “Deus os julgará” tem a ver com o julgamento governamental ou administrativo de Deus nesta vida. No momento em que um crente é colocado fora da comunhão por pecado ele passa para o terreno comum do julgamento divino que recai sobre todos os homens nesta vida. É disto que o apóstolo Paulo fala em Gálatas 6:7: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará”. Alguém que tenha caído em adultério, mesmo sendo um crente genuíno no Senhor, irá colher as consequências de seu pecado.
Eventualmente seu cônjuge poderá requerer o divórcio (embora o perdão seja a forma cristã de proceder), a pessoa com quem adulterou poderá exigir alguma coisa ou importunar o adúltero ou adúltera, se o casal tem filhos estes serão envolvidos na ruína do lar, o que adulterou pode precisar passar o resto da vida com a saúde arruinada por uma doença venérea etc. São muitos os juízos nesta vida que podem cair sobre o cristão que peca, mesmo sabendo que ao confessar seu pecado ele tem garantido de Deus o perdão.
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Basta confessar a Deus para tudo ficar bem?
Você perguntou se Davi obteve o perdão de seu pecado quando confessou a Deus. Sim, certamente Davi recebeu de Deus o perdão de seu pecado, mas isso não significa que tenha escapado das consequências do que fez ainda nesta vida. Devemos nos lembrar de que a confissão é necessária, mas não garante que iremos escapar da mão de Deus que disciplina aquele a quem ama. O caso de Davi é emblemático, pois revela quanta ruína seu pecado trouxe à sua vida e à de sua família. Veja a seguir quantas consequências ruins seu pecado trouxe.
Primeiro ele perdeu sua comunhão com Deus, ficou com o coração endurecido e sua consciência anestesiada, o que é demonstrado pelo modo como julga o homem rico da parábola contada pelo profeta Natã. Uma pessoa em pecado se transforma em um juiz severo contra os pecados dos outros como forma de encobrir os seus.
“E o Senhor enviou Natã a Davi; e, apresentando-se ele a Davi, disse-lhe: Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. O rico possuía muitíssimas ovelhas e vacas. Mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma pequena cordeira que comprara e criara; e ela tinha crescido com ele e com seus filhos; do seu bocado comia, e do seu copo bebia, e dormia em seu regaço, e a tinha como filha. E, vindo um viajante ao homem rico, deixou este de tomar das suas ovelhas e das suas vacas para assar para o viajante que viera a ele; e tomou a cordeira do homem pobre, e a preparou para o homem que viera a ele. Então o furor de Davi se acendeu em grande maneira contra aquele homem, e disse a Natã: Vive o Senhor, que digno de morte é o homem que fez isso. E pela cordeira tornará a dar o quadruplicado, porque fez tal coisa, e porque não se compadeceu” (2 Sm 12:1-6).
Davi estava tão cego e insensível por seu pecado e falta de comunhão com Deus que nem percebeu que aquela era sua própria história. Foi preciso o profeta declarar isso e ainda profetizar que a espada nunca se apartaria de seu reino, o que mais tarde sabemos seria a razão de Deus não ter escolhido a Davi, mas a seu filho Salomão, para construir o Templo. Em 1 Crônicas 28:3 é o próprio Davi quem diz: “Deus me disse: Não edificarás casa ao meu nome, porque és homem de guerra, e derramaste muito sangue”. Mas vamos ver como Natã aqui finaliza sua parábola:
“Então disse Natã a Davi: Tu és este homem. Assim diz o Senhor Deus de Israel: Eu te ungi rei sobre Israel, e eu te livrei das mãos de Saul; E te dei a casa de teu senhor, e as mulheres de teu senhor em teu seio, e também te dei a casa de Israel e de Judá, e, se isto é pouco, mais te acrescentaria tais e tais coisas. Porque, pois, desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o mal diante de seus olhos? A Urias, o heteu, feriste à espada, e a sua mulher tomaste por tua mulher; e a ele mataste com a espada dos filhos de Amom. Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher” (2 Samuel 12:7-9).
Uma pessoa em pecado também poderá cometer outros e mais outros, muitas vezes até mais graves do que o primeiro, na tentativa de encobrir o que fez. É como a mentira, que quando contada, precisará de outras mentiras para encobrir a primeira. Ouvi alguém dizer que, em um interrogatório, depois de ouvir a sequência dos fatos o policial pode pedir para o suspeito relatar os fatos de trás para frente. Fazer isso sem cair em contradição é difícil se tudo não passar de uma série de mentiras. Por isso, ao pecar, o primeiro passo deve ser sempre reconhecer e confessar, e não tentar encobrir o pecado. Como diz um ditado, “se estiver no fundo do poço, não cave”.
Na continuação das consequências do pecado de Davi vemos o profeta Natã declarar que aquilo que Davi tentou, de todas as formas, manter oculto seria manifestado publicamente e com juízos severos caindo sobre Davi e sua família. “Eis que suscitarei da tua própria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres perante este sol. Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei este negócio perante todo o Israel e perante o sol” (2 Samuel 12:11-12). Lembre-se de que seu pecado em oculto poderá se transformar em espetáculo público.
Na sequência de eventos ou juízos de Deus que vieram sobre Davi em razão de seu pecado vemos a morte de seu filho (2 Sm 12:15-18). Um caso de incesto e estupro em sua própria família (2 Sm 13:1-19) levou à perda de outro filho de Davi (2 Sm 13:20-29) e a consequente fuga do filho feito homicida por este ato (2 Sm 13:30-39) e também incendiário (2 Sm 14:28-23), além de traidor, inimigo de Davi e usurpador do reino (2 Sm 15:1-3).
Davi se vê obrigado a fugir do próprio filho (2 Sm 15:14) e é apedrejado e amaldiçoado por seus próprios súditos (2 Sm 16:5-8). Cumprindo a palavra dada por intermédio do profeta Natã, seu filho Absalão manda armar uma tenda em lugar público para possuir as mulheres de Davi, seu pai (2 Sm 16:20-22). Davi é então obrigado a fazer algo que nenhum pai gostaria de fazer: guerrear contra seu próprio filho (2 Sm 18:1-8) e mais tarde chorar sua morte (2 Sm 14:11).
Como pode ver, o pecado traz consequências ainda nesta vida até para um escolhido por Deus, como foi Davi. Mas como Davi chegou a tanto? Deixando de cumprir com suas obrigações de Rei e marido, e dando lugar à indolência e ao voyeurismo, que é a curiosidade de olhar pessoas nuas ou no ato sexual. Em 2 Samuel 11:1-2 diz que “no tempo em que os reis saem à guerra, enviou Davi a Joabe… e aconteceu que numa tarde Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real, e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista”.
Já ouviu o ditado que diz “mente vazia, oficina do diabo”? É mais ou menos o que acontece aqui. Afinal, o que Davi estava fazendo em casa “no tempo em que os reis saem à guerra”? Por que ele teria dormido tanto para “numa tarde” se levantar de seu leito? Tudo isso serviu de preâmbulo para o ato que viria a cometer.
O pecado que começa com a concupiscência ou desejo extremo por algo, logo leva você a agir, como aconteceu com Davi. Aquilo que se passava apenas na esfera dos olhos e o pensamento acaba se transformando em palavras e atos. “E mandou Davi indagar quem era aquela mulher; e disseram: Porventura não é esta Bate-Seba, filha de Eliã, mulher de Urias, o heteu?” (2 Sm 11:2). Neste ponto Davi poderia ter dito “Oops!” e voltado aos seus afazeres.
Mas não. Ele manda buscar a mulher e se deita com ela em seu palácio. Sendo rei, nenhuma mulher se recusaria a uma ordem real, pois uma recusa poderia trazer consequências graves para ela e seu marido. Mas aquilo que Davi achou que passaria despercebido logo se manifesta na gravidez de Bate-Seba e ele se vê no fundo do poço tentado a continuar cavando. E é o que faz, mandando buscar, Urias, o marido traído que estava no campo de batalha para que ele pudesse ficar uns dias em sua própria casa, dormir com a esposa e depois achar que o filho era seu. Davi ainda envia um presente a Urias.
Mas Urias, ao contrário de Davi, sabia que seu dever como soldado estava no campo de batalha, por isso se recusa a dormir em casa, mas dorme à porta da casa do rei. Quando fica sabendo, Davi pergunta: “Não vens tu duma jornada? Por que não desceste à tua casa? E disse Urias a Davi: A arca, e Israel, e Judá ficaram em tendas; e Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados no campo; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber, e para me deitar com minha mulher? Pela tua vida, e pela vida da tua alma, não farei tal coisa” (2 Sm 11:6-11).
Na continuação do mesmo capítulo, aquilo que começou com indolência do rei, passou ao voyeurismo e se transformou em adultério, acaba em homicídio, quando Davi dá ordens para que Urias seja abandonado na frente de batalha para ser morto pelo inimigo. Davi ainda combina um teatrinho com seus assessores para quando viessem dar notícias do campo de batalha. A questão é que, se homens podem ser enganados por dissimulações, nada escapa aos olhos de Deus.
Daquele episódio saíram Urias, com um testemunho de fidelidade que certamente brilhou como o sol aos olhos de Deus, e Davi, sendo atacado de todos os lados o resto de sua vida pelas consequências de seu pecado. Apesar de sabermos que Davi foi perdoado e hoje goza da presença de Deus, é sempre bom lembrar: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6:7).
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A cruz de Cristo foi um fracasso como o Papa afirmou?
Andei recebendo muitas mensagens de pessoas perguntando se eu concordava com o que o Papa disse, e eu simplesmente respondia que não costumo acompanhar notícias do que o Papa diz ou faz. Quando vejo a palavra “Papa” no noticiário nem me preocupo em saber de que se trata. Não é implicação ou sentimento anticatólico, mas simplesmente por enxergar nele um homem comum querendo ser algo que não é e nem tem respaldo bíblico.
Basta ver que ele leva títulos como “sacerdote”, algo que hoje só cabe a Cristo nos céus, e a nenhum homem na terra. Se estivéssemos nos tempos do Antigo Testamento e o Papa fosse um israelita não veria problema em ele se denominar sacerdote, desde que pertencesse à linhagem sacerdotal. Mas quando Cristo morreu e ressuscitou Deus colocou um fim ao judaísmo e deu início ao povo celestial de Deus, a Igreja, na qual todos os salvos por Cristo formam um sacerdócio santo representados nos céus pelo único e genuíno Sumo Sacerdote, Cristo. O apóstolo Pedro, que supostamente deveria endossar a existência de um sacerdote humano como o Papa declara ser, escreveu acerca de todos os crentes como pedras e sacerdócio santo edificados sobre a única Rocha reconhecida por Deus: Cristo:
“Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que credes, é preciosa, mas, para os rebeldes, a pedra que os edificadores reprovaram, essa foi a principal da esquina, e uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2:5-9).
A carta aos Hebreus também mostra que o privilégio restrito ao Sumo Sacerdote do judaísmo, de ter acesso ao santíssimo lugar representando o povo, é hoje estendido a todo crente em Cristo: “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa, retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu” (Hb 10:19-23).
A mesma epístola aos Hebreus também deixa claro o privilégio que temos com um Grande Sumo Sacerdote assim: “Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4:14-16). “Ora, a suma do que temos dito é que temos um sumo sacerdote tal, que está assentado nos céus à destra do trono da majestade, ministro do santuário, e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem” (Hb 8:1-2).
Portanto, com tamanho privilégio, por que eu iria me ocupar com o que diz ou faz um homem que se declara “sacerdote”? Para que eu precisaria dele se tenho livre acesso a Deus por intermédio de Jesus, meu Sumo Sacerdote? Além disso, seria muita ingenuidade minha acreditar que um homem como o Papa, cercado de luxo e portando uma mitra tecida com fios de ouro e joias preciosas, realmente seja um “Servo dos Servos”, outro título dado aos Papas. O Servo dos Servos que conheço é aquele que, “sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2 Co 8:9), e jamais aprovaria tamanha ostentação, especialmente de alguém que diz representá-lo.
Se você for um católico e admirador do Papa, entenda que estas palavras não têm por objetivo denegrir a pessoa que ocupa o trono papal, mas exaltar a Cristo, o único que merece nossa total consideração, respeito e admiração como Advogado e Sacerdote diante de Deus. A devoção a Cristo não pode ser dividida com ninguém. Abaixo dele temos todos os salvos por ele, igualmente sacerdotes, igualmente pedras vivas. “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Tm 2:5). Mas não ache que eu desaprovo tudo no Papa. Não, tem algo que até gosto nele, e é o fato de também se chamar Mario. Sim, seu verdadeiro nome não é Francisco, mas Jorge Mario Bergoglio.
Outra razão de eu não me interessar por notícias que falam do Papa, é que já faço ideia do que ele irá dizer. Não sei quantos Papas já apareceram naquela janelinha, mas o discurso é sempre o mesmo: “Parem de fazer guerras… Vamos viver em paz… Oremos pelo mundo… Vamos construir um mundo melhor…” etc. Muito bonito se palavras assim saírem de uma candidata a miss que só leu o “Pequeno Príncipe”, mas para alguém que lê a Bíblia a ideia de um mundo de paz e amor soa como delírio. Isto porque a Palavra de Deus deixa muito claro que o cristão não deve esperar encontrar paz e segurança neste mundo, mas o contrário:
“Não cuideis que vim trazer a paz à terra… Não rogo pelo mundo… Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno… Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão” (Mt 10:34; Jo 17:9; 1 Jo 5:19; 1 Ts 5:3).
Mas o fato de não concordar com a posição que o Papa ocupa, ou não me interessar pelo que ele diz, não significa que deva sair por aí atirando pedras em católicos ou mesmo nos que compõem o clero romano. Tenho certeza de que encontrarei muitos católicos salvos no céu, não porque foram católicos, mas porque creram verdadeiramente em Cristo como Salvador.
E é aí que entra o que o Papa disse, com o que eu não me preocupei e nem procurei saber, até alguém me enviar um vídeo como se ele tivesse falado uma barbaridade ou desonrado a Pessoa e obra de Cristo. Os comentários são do tipo: “Você ouviu o Papa dizer que a cruz de Cristo foi um fracasso?!!! Que heresia!!!”. Ok, então vamos ver o que o Papa realmente disse, que ele depois teria repetido numa versão compacta em outro discurso, para saber se está certo ou errado.
“A cruz nos mostra uma maneira diferente de avaliar o sucesso. A nossa [ocupação] é plantar as sementes: Deus vê os frutos de nosso trabalho. E se às vezes nossos esforços e trabalhos parecem fracassar e não produzir fruto, precisamos nos lembrar de que somos seguidores de Jesus… e sua vida, humanamente falando, terminou em fracasso, no fracasso da cruz”. — Jorge Mario Bergoglio ou “Papa Francisco”.
A razão de muitos evangélicos gritarem tanto é a mesma de muitos estudantes brasileiros não irem bem nas provas de redação. Ninguém mais sabe ler e interpretar textos como antigamente. Será que você percebeu que o Papa disse “humanamente falando”? Pois é, sabe o que significa? Ele está falando da perspectiva humana, tanto do trabalho do cristão, como da obra de Cristo na cruz. Se você dedica tempo e dinheiro para levar o evangelho, como seus amigos incrédulos veem isso? Será que dizem: “Uau! Que trabalho importante o Zé está fazendo!”. Ou será que dizem: “O Zé é um otário! Fica gastando tempo e dinheiro falando de religião!” Pois é, para os seus amigos, “humanamente falando”, você é um otário.
Do ponto de vista humano, as coisas de Deus são loucura para o homem natural. “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido” (1 Co 2:14-15). Paulo explica que tinha sido enviado para evangelizar “para que a cruz de Cristo não se faça vã” (1 Co 1:17). O que ele quis dizer? Que a menos que uma pessoa seja evangelizada e creia no evangelho e passe a ser nova criação, a cruz de Cristo não fará qualquer sentido. Será vista como uma derrota ou fracasso. Afinal, que Salvador é esse ali pregado naquela cruz cercado por malfeitores? Que fim inglório foi esse para alguém que era esperado para libertar o povo? No mesmo capítulo de 1 Coríntios Paulo continua mostrando o contraste entre o ponto de vista humano — ou o “humanamente falando” a que o Papa se referiu — e o ponto de vista de Deus:
“Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus…. Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos… Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Porque… Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são” (1 Co 1:18-28).
O Papa se referiu à visão humana da cruz como fracasso, mas ele também poderia ter dito que a cruz de Cristo é “loucura… escândalo… fraqueza… vil… desprezível”, pois são os adjetivos que Paulo usa, tanto para a mensagem da cruz, como para os que creem nela. Não se esqueça de que a ideia de fracasso estava muito clara na mente dos tristes e desiludidos discípulos no caminho de Emaús quando eles comentaram: “…os nossos príncipes o entregaram à condenação de morte, e o crucificaram. E nós esperávamos que fosse ele o que remisse Israel” (Lc 24:20-21).
Qual a visão humana que o mundo tem de Jesus? Aquela que só pode constatar pelos sentidos. Eles olham e veem um filme de Mel Gibson e só. Uma parede de derrota e fracasso. Por que um crente em Jesus acha absurda a ideia da cruz como fracasso? Porque ele enxerga o que está atrás dessa parede; com os olhos da fé ele vê a coisa toda, e não a cruz como ponto final na trajetória de Jesus. Lembre-se: Ninguém viu Jesus ressuscitado, só os discípulos. Nenhum incrédulo viu Jesus ascender aos céus, só os crentes. Ninguém o verá quando viver buscar sua Igreja no encontro entre nuvens nos ares, só os salvos.
Então como poderia o mundo — o “humanamente falando” da expressão usada pelo Papa — enxergar outra coisa que não um fracasso completo? Os mais bem-intencionados podem ver Jesus crucificado com a piedade com que enxergam um Tiradentes enforcado, mas só isso. E você, como o enxerga? Se ficar só com os olhos da carne não verá muito mais que uma “Via Crucis” ou um filme de Hollywood. Mas, se crer nele, terá olhos de fé para poder afirmar: “Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2:9). Você verá que a cruz é apenas a ponta visível do iceberg, pois terá então a certeza da ressurreição e de todo o resultado glorioso daquele Homem crucificado em fraqueza e ignomínia. Se Jesus tivesse encerrado seu ministério na cruz, como enxergaram os incrédulos de então e enxergam os céticos de hoje, estaríamos todos perdidos. Se você só enxerga Jesus “humanamente falando” você ainda precisa de salvação.
“Se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsas testemunhas de Deus, pois testificamos de Deus, que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E também os que dormiram em Cristo estão perdidos. Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Co 15:13-19).
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Devo ouvir o “profeta”?
Tenho recebido muitas mensagens de pessoas perguntando sobre o “profeta” e se devem dar crédito ao que ele diz. Seu nome é Dr. David Owuor e assume para si mesmo o pomposo título de “O Poderoso Profeta de Deus do Fim dos Tempos”. Ele tem feito seguidores na África e em outras partes do mundo pregando arrependimento e santidade de vida.
Levando sempre um “Dr.” antes do nome, por causa de seus muitos títulos na área da pesquisa médica, ele afirma que o Senhor lhe apareceu, tocou sua boca e o transportou milagrosamente para outro cômodo da casa. Depois apareceu novamente acompanhado de Moisés e Elias, ao lado da Arca da Aliança, enquanto o profeta Daniel permanecia do outro lado. Mais tarde apareceria outra vez para apresentar a ele João Batista, ordenando que saísse aos quatro cantos da terra para preparar o arrependimento entre as nações, preparando-as para a vinda de Cristo.
Você iria duvidar de um currículo assim? Bem, mesmo que você não seja “profeta”, sugiro que coloque as barbas de molho antes de engolir o discurso de alguém que diz ser “O Poderoso Profeta de Deus do Fim dos Tempos”. Ah, mas ele faz chover, faz surgir luzes no céu, cura pessoas, não pede dinheiro e denuncia os pecados da cristandade. Mesmo assim, ainda que ele transforme sua vara em serpente e água em sangue, não é hora de desligar o “desconfiômetro”. Você poderia acabar seguindo um mago de Faraó achando que era Moisés. Ou você espera que um falso profeta venha com um crachá pendurado na barba escrito “Falso Profeta”?
“E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos” (Mt 24:11).
“Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7:15).
“Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios” (Mt 24:24).
Bem, o que temos aqui? As passagens dizem que os falsos profetas não seriam poucos, mas muitos, que iriam parecer por fora o que não são por dentro e que também fariam grandes sinais e prodígios. Geralmente as pessoas dão crédito a quem faz milagres, mas será que não prestaram atenção no aviso? Muitos falsos profetas têm surgido se declarando “profetas de Deus” e dizendo ser Elias ou João Batista. E aí, com ou sem barba, abrem uma mala de profecias catastróficas, assistem a previsão do tempo antes de “profetizar” que vai chover e ganham seguidores às pencas.
É claro que você terá dificuldade em identificar um falso profeta se não tiver entendido que não somos Israel, porém Igreja; que não estamos mais na Lei, mas na dispensação da graça de Deus, e que os profetas eram enviados a Israel para admoestá-los a cumprir a Lei. Essa distinção fica muito clara na própria mensagem dada pelo profeta Malaquias ao falar do arauto que viria para preparar o caminho para a vinda do Messias. Veja se encontra alguma referência à Igreja neste anúncio:
“Lembrai-vos da lei de Moisés, meu servo, que lhe mandei em Horebe para todo o Israel, a saber, estatutos e juízos. Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor; e ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra [de Israel] com maldição” (Ml 4:6).
Repare que toda a encenação desse “Dr. Profeta” quer nos fazer crer que temos diante de nós um profeta bem no estilo do Antigo Testamento, o que nada tem a ver com os profetas da Igreja que nos legaram o Novo Testamento. Este “Dr. Profeta” queniano diz ser parte de um trio formado por Elias, João Batista e… ele próprio, claro.
Assim como João Batista pregava o arrependimento diante da chegada do Messias e Rei de Israel, este “profeta” finge que faz o mesmo em relação à segunda vinda de Cristo. Sua pregação consiste em aterrorizar as pessoas com ameaças de fogo e enxofre, e basta uma visita ao seu site para perceber que mais parece um site de notícias sensacionalistas, desses que só falam de crime e catástrofes, do que um site evangelístico que anuncie a graça de Deus para salvar o pecador.
Geralmente “profetas” assim, além de falarem um monte de si mesmos, fazem alarde de supostas profecias cumpridas, e convenientemente esquecem as que não deram certo. Sabe aquelas previsões de astrólogo de fim de ano, que todo Ano Novo é chamado outra vez pela emissora de TV, porque todo mundo já esqueceu que ele não acertou uma no ano anterior? Pois é. Nossa memória naturalmente se lembra daquilo que prefere lembrar. Se eu disser a você cem coisas que podem acontecer este ano e só uma acontecer você irá se lembrar dessa e ficará impressionado como eu acertei.
Mas voltando ao profeta que diz ter vindo como se fosse o Elias e João Batista dos tempos do fim para avisar da vinda de Cristo… espere um pouco. Acaso o Senhor não afirmou que “todos os profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir” (Mt 11:23-24)? E acaso Jesus não disse também, acerca de João Batista, que “este é aquele de quem está escrito: Eis que envio o meu anjo diante da tua face, o qual preparará diante de ti o teu caminho” (Lc 7:27)?
Bem, então estamos com um problema quando aparece alguém dizendo ser alguém que já apareceu, não é mesmo? E pior ainda, quando o aparecido se denomina “Poderoso Profeta de Deus do Fim dos Tempos”. Lembre-se de que Jesus disse que “entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João o Batista” (Lc 7:28). Jesus não estava falando de um moderno doutor que anda de limusine com guarda-costas armados, mas de um homem vestido de peles e se alimentando de gafanhotos e mel silvestre, que pregava no deserto e “não fez sinal algum” (Jo 10:41), do tipo fazer chover ou curar enfermos.
Agora eu me pergunto: Um profeta de Deus precisaria colocar “Dr.” antes do nome? O Senhor Jesus nos alertou, ao falar dos falsos profetas, que “por seus frutos os conhecereis” (Mt 7:16). Somos rápidos em interpretar a palavra “frutos” como as ações do falso profeta, tipo pedir dinheiro, agir de forma desonesta e coisas do tipo. Mas podemos também interpretar “frutos” como consequências naturais de uma árvore, e não as coisas que a árvore faz. E o que você vê como frutos deste e de outros profetas que aparecem por aí? Basta uma rápida olhada nas fotos para ver dezenas de pessoas se prostrando aos pés desse “Poderoso Profeta de Deus do Fim dos Tempos” e até empunhando escovões para lavar as ruas de cidades por onde seu carro iria passar.
Com um currículo de doutor, especializado em engenharia genética molecular, doutorado em Israel e pós-doutorado em quimioterapia, que aparecia em seu site inicial e foi tirado depois que ficou famoso, ele disse ter sido chamado para pregar. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que, de um homem comum e sem barba pregando nas ruas de cidades da África, em poucos anos ele passou a celebridade. Ah, e também deixou crescer uma longa barba, porque profeta sem barba não vale. No noticiário envolvendo o “profeta” não faltam fotos ao lado de presidentes e políticos que emprestam seus aviões para transportá-lo. É claro que políticos gostam de paparicar quem atrai multidões, e é por isso que muitos países não cobram impostos de igrejas. Quando um político tem um líder religioso no bolso basta convencer o líder que a multidão vota no automático.
Talvez você me considere ferino em meus comentários, mas devo lembrar que antes de minha conversão fui enganado por diferentes gurus espiritualistas. Como diz o ditado, que “cachorro mordido de cobra tem medo de guru” e “gato escaldado tem medo de guru”, adquiri um certo faro para essas coisas, principalmente quando envolve a exaltação própria de quem diz ser alguma coisa ou ter algum poder espiritual. O apóstolo João nos alerta: “Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1 Jo 4:1).
Quer ver como é fácil detectar a falsidade de um “profeta” assim? Fiz uma busca na Bíblia pela expressão “sou profeta” e só encontrei um homem afirmando isso de si mesmo: aquele “velho profeta” que enganou um profeta de Deus dizendo para ele fazer o contrário do que Deus havia dito (1 Reis 13:18). E João Batista, a quem esse “Dr. Profeta” se compara e diz ser o sucessor? Quando lhe perguntaram: “És tu profeta? E respondeu: Não” (Jo 1:21). Acredito que não vamos encontrar na Bíblia um profeta que diga ser profeta, mas ou ele é chamado assim por Deus, ou pelo povo. Então, se quiser identificar um falso profeta, basta ver se ele fala grandes coisas de si e faz alarde de supostos milagres, visões e profecias. Veja estas três instâncias de falsos profetas encontradas na Bíblia, e como elas apontam para a autoproclamação:
“Quem FALA DE SI MESMO busca a sua própria glória” (João 7:18).
“Porque antes destes dias levantou-se Teudas, DIZENDO SER ALGUÉM…” (Atos 5:36).
“E estava ali um certo homem, chamado Simão, que anteriormente exercera naquela cidade a arte mágica, e tinha iludido o povo de Samaria, DIZENDO QUE ERA GRANDE PERSONAGEM” (Atos 8:9).
Agora, deixando de lado as imitações, vamos falar um pouco de João Batista, o genuíno precursor do Messias de Israel e o Elias que veio aplainar os caminhos do Senhor. Não quer dizer que João era Elias em carne e ossos, mas ele era o que representava Elias, pois veio no poder e virtude de Elias com a missão prevista pelos profetas do Antigo Testamento. Repare que ele negou que era o Elias justamente para os incrédulos fariseus que fizeram a pergunta:
“Quando os judeus mandaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para que lhe perguntassem: Quem és tu? E confessou, e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo. E perguntaram-lhe: Então quê? És tu Elias? E disse: Não sou. És tu profeta? E respondeu: Não. Disseram-lhe pois: Quem és? Para que demos resposta àqueles que nos enviaram; que dizes de ti mesmo? Disse: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías. E os que tinham sido enviados eram dos fariseus” (João 1:19-24).
Todavia, ele era sim o Elias para os que cressem, enquanto que para os incrédulos ele não era nem profeta e nem o Elias. Simples assim, porque foi o que Jesus disse: “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir” (Mt 11:14). Dou um exemplo: para os que creem em Cristo ele é o Salvador e Advogado, mas para os que não creem ele não é Salvador e nem Advogado. Ele é Juiz e Algoz.
Malaquias profetizou: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor; e ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição” (Ml 4:5-6).
As últimas palavras do Antigo Testamento trazem à memória Moisés, por meio de quem Israel recebeu a Lei. Fala também de Elias, usado para profetizar às dez tribos para que permanecessem na Lei em tempo de grande abandono e idolatria. Sabemos que João Batista veio para Israel no espírito e poder de Elias e, embora ele tenha negado ser o Elias, para os fariseus incrédulos, o Senhor afirmou que ele era Elias para quem lhe dava crédito. Isto é, cumpria-se assim a promessa do aviso que precederia a vinda de Cristo para reinar. Depois disso esse “Dr. Profeta” e outros profetas modernos que vez ou outra surgem dizendo-se Elias ou João Batista ficam sobrando. Mesmo porque a mensagem de arrependimento foi dada a Israel, não à Igreja, e o evangelho da graça que hoje pregamos é “Crê no Senhor Jesus e serás salvo”, enquanto o evangelho do reino, pregado por João Batista, e por Jesus e seus discípulos nos evangelhos, era “Arrependei-vos porque é chegado o reino de Deus”.
O que muitos não entendem é que, entre o aviso de arrependimento dado por João Batista e a efetiva vinda de Cristo em poder e glória para julgar as nações e estabelecer seu reino na terra, haveria um parêntesis profético no qual Deus incluiria a presente dispensação da graça e a Igreja, o povo celestial de Deus. Isto estava oculto até mesmo dos profetas do Antigo Testamento e seria revelado inicialmente a Paulo. Quando a igreja for arrebatada será como se emendássemos a proclamação de João Batista com o remanescente judeu que irá se converter após o arrebatamento, nos sete anos que precederão a vinda de Cristo. Nesse período também haverá duas testemunhas, como mostra Apocalipse 11:3-13, pregando no espírito ou disposição de Moisés e Elias, e seu discurso também terá tudo a ver com o de João Batista.
Se você segue a teologia do pacto terá dificuldade para entender que o Antigo Testamento é a história do homem sob a Lei, uma história que termina em “maldição”, a última palavra de Malaquias. O Novo Testamento é a história da graça de Deus, “Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1:17), portanto suas últimas palavras são que a graça do Senhor Jesus Cristo esteja com todos os santos (Ap 22:21). Sabendo disso, você daria ouvidos a um suposto profeta, que alardeia seus próprios feitos, anda em ostentação cercado por seguranças, e prega maldição para quem não se arrepender e guardar a Lei, como faziam os profetas de Israel? Ou você repousa na graça de Deus e na certeza de sua salvação, e espera pela iminente vinda de Cristo para arrebatar sua Igreja, a qual ele já tornou apta ao céu, não por arrependimento ou obras da Lei, mas por graça e por seu sangue derramado na cruz?
Quase ia me esquecendo de outra característica de um falso profeta que tem tudo a ver com seus “frutos” ou consequências de seu ministério. Os seguidores de um falso profeta sentem o sangue ferver quando ouvem uma crítica àquele a quem seguem, ficam cegos para a verdade, negam a realidade e são capazes de dar a vida por ele. Mesmo que antes de seguirem o tal “profeta” professassem ser cristãos, passam a defendê-lo com uma energia e vontade que nunca usaram para defender a Cristo. Um falso profeta leva as pessoas ao fanatismo religioso. Ou o que você acha que levou aqueles radicais islâmicos a metralharem os cartunistas que zombaram de seu “profeta”?
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Por que você critica a “minha” igreja?
Você é a terceira, das três pessoas indignadas que entraram em contato comigo nos três últimos dias. Uma, por telefone, tentou explicar por que sua “igreja local” era a correta e minhas informações sobre ela equivocadas. Outra, por e-mail, exigiu que eu tirasse do ar tudo o que escrevi sobre sua “congregação”, chegando ao ponto de dizer que quem fala mal dela está em desobediência! Agora você, via Youtube, dizendo que eu deveria guardar os mandamentos da Lei e não falar do que não entendo, além de respeitar a “profetiza” de sua religião sabatista. Consegue enxergar um padrão aí?
Todas essas pessoas defendem sistemas religiosos criados por homens em algum momento da história, geralmente séculos depois de Cristo fundar sua igreja em Atos 2. Não estão ocupadas em “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 1:3) ou defendendo o “um corpo” de Cristo, a Igreja que o próprio Senhor disse que edificaria em Mateus 16:18, contra a qual as portas do inferno não prevaleceriam. Ao contrário dessa Igreja, da qual fazem parte todos os crentes em Cristo e foi fundada no dia de Pentecostes há dois mil anos, essas pessoas gastam saliva, tempo e energia em defender alguma seita que alguém um dia decidiu criar para diferenciar um grupo de cristãos de outros por diferentes nomes e doutrinas.
“Ah!” — dirá você — “mas a minha igreja foi criada por uma revelação dada à nossa profetiza!”. “O Senhor revelou essa obra ao irmão Fulano!” — dirá o outro. “Não estamos mais ligados à sede nos Estados Unidos que você citou em seu vídeo!” — afirma o terceiro.
Tá bom, vá acreditando que o Espírito Santo iria revelar algo contrário à Palavra, que diz coisas como “há um só corpo… assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também… que não haja entre vós dissensões”, etc. (Ef 4:4; 1 Co 1:10; 12:12). Ou então tente se convencer de que a verdadeira igreja, o corpo de Cristo, seja apenas o grupo do qual você faz parte.
A Igreja, a genuína, é o Corpo de Cristo do qual fazem parte TODOS os salvos. Entendeu? Todos! Não se trata de um grupo denominado ou não denominado. Trata-se de um só corpo cuja expressão local está representada por dois ou três congregados pelo Espírito ao nome do Senhor.
Deixe-me desenhar: Sabe o Exército Brasileiro? Pois é, só existe um, mas em cada localidade existe um quartel. Aquele quartel não é independente do Exército Brasileiro e nem tem outro nome ou direção. É apenas a expressão local do mesmo Exército. Quando um recruta é acrescentado ao Exército Brasileiro ele é acrescentado a todo o corpo do Exército, e não a uma facção. As denominações estão para a verdadeira Igreja como as milícias estão para o verdadeiro Exército. São espúrias e não condizem com a unidade que caracteriza o corpo como um todo.
Assim é com a Igreja, lembrando que quem acrescenta membros ao seu corpo é o próprio Senhor, e não algum ritual de batismo ou formulário de membresia. Nem mesmo a própria pessoa pode se acrescentar ao corpo de Cristo. “Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor” — e não o homem — “dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2:47). Biblicamente falando você só pode ser membro do corpo de Cristo; não se pode querer ser membro do corpo de Cristo, que é a Igreja, e também querer ser membro e alguma facção ou milícia paralela tipo “Igreja A” ou “Igreja B”. Experimente criar facções ou milícias assim no Exército Brasileiro esperando ganhar alguma medalha por sua ideia.
Quer um conselho? Se você realmente crê no Senhor Jesus e busca só a glória da Pessoa dele, não perca tempo pregando uma religião, “igreja”, denominação, ou seja lá o que for. Faça como os apóstolos e discípulos em Atos e nas epístolas: defenda apenas Cristo, o nome que está sobre todo nome. Não gaste tempo e saliva me escrevendo ou ligando para defender uma agremiação de pessoas, ou as pessoas de algum grupo, por mais cristãs que sejam. Eu nunca falo mal das pessoas, de meus irmãos em Cristo, espalhados pelas denominações. O que eu deixo claro é que as organizações nas quais eles estão espalhados não existem na Bíblia. São coisas criadas para dividir cristãos em diferentes facções. Paulo, em 1 Coríntios, chama a isso de carnalidade, quando dizem eu sou de Paulo, eu sou de Cefas, etc. Nem preciso falar de defender algum líder ou suposto “profeta”, não é mesmo? Pessoas que falam “eu sou do Pastor Fulano”, “sou da igreja do Missionário Sicrano”. Que igreja do Pastor Fulano? Só existe a igreja que é do Grande Pastor das ovelhas, Cristo.
Quando Cristo vier buscar sua igreja ele vai levar os salvos, todos eles, independentemente de onde estejam espalhados nessa grande casa, a Laodiceia em que se tornou a cristandade. Qualquer grupo de cristãos que disser que salvos são apenas eles, ou ao menos que são eles os “mais espirituais”, “as virgens com azeite” ou “os únicos que guardam o sábado” não passa de um ninho de soberbos pretensiosos. Os de Filadélfia em Apocalipse 2 (nome apenas geográfico, não de alguma “igreja” ou denominação) nada disseram de si mesmos. Quem disse deles, que tendo pouca força guardaram a Palavra e não negaram seu nome, foi o próprio Senhor. Eles não estavam preocupados com eles mesmos, se eram isso ou aquilo. Os únicos preocupados consigo mesmos, seus feitos e realizações, eram os de Laodiceia, que também elogiava a si mesma. Mas na sequência vemos o Senhor buscando a comunhão de quem estivesse disposto a abrir a porta para cear com ele.
Jesus não vai voltar para arrebatar e levar para o céu algum sistema ou organização religiosa apelidada de “igreja”. Essas organizações, com seus templos e infraestrutura, permanecerão na terra recheadas com os que forem cristãos apenas de nome (porque os genuínos serão levados ao céu) e serão usadas pelo anticristo na perseguição do remanescente judeu que irá se levantar depois do arrebatamento. Ou por que você acha que o apóstolo João tomou o susto que tomou, quando viu uma mulher, que deveria ser uma noiva virgem e pura, aparecer no seu radar profético como uma grande meretriz?
“Veio um dos sete anjos que têm as sete taças e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei o julgamento da grande meretriz que se acha sentada sobre muitas águas, com quem se prostituíram os reis da terra; e, com o vinho de sua devassidão, foi que se embebedaram os que habitam na terra… Então, vi a mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus; e, quando a vi, admirei-me com grande espanto” (Ap 17:1-6).
O cristão tem um trabalho neste mundo, e este não é defender alguma denominação ou organização religiosa como se tivesse vindo de Deus. Não veio. Apenas a Igreja, o corpo de Cristo, estava nos planos eternos de Deus, não alguma seita criada por algum falso profeta ou mesmo um santo com boas intenções. O Senhor disse que “toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada” (Mt 15:13), e eu pergunto: Alguma dessas organizações foi plantada pelo Pai ou é iniciativa meramente humana? Se é obra de Deus, então quem não está nela está perdido. Se não é, por que razão a defender?
Paulo, o apóstolo, também deixa claro em que devemos empenhar nossos esforços: quando feitos novas criaturas, fomos “criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10). Você teria coragem de afirmar que a “Igreja A” ou “Congregação B” está na lista de boas obras que Deus de antemão preparou? Se é caracterizada como Igreja, então seu plano e origem só pode estar “antes da fundação do mundo”, que foi quando Deus elegeu os que seriam membros do corpo de Cristo, a Igreja (Ef 1:4). Paulo escreve ainda:
“Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo. Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo” (1 Co 3:9-17).
Você teria coragem de afirmar que, por “lavoura de Deus” e “edifício de Deus” Paulo estava se referindo à “igreja”, “congregação” ou “comunidade” à qual você dedica tanto tempo, saliva e esforços para defender? Se você vacilou em afirmar que Paulo estava falando de sua organização religiosa, então utilize sua saliva e esforços para edificar sobre o único fundamento que Deus estabeleceu. Seja você também um construtor daquilo que vai permanecer; utilize materiais nobres, raros e duradouros, e não o feno, palha e madeira triviais. Porque tudo o que for construído fora desse fundamento não vai permanecer. E o que for construído com material descartável também não.
“Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Fp 1:27).
“Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 1:3).
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Apocalipse 1:7 prova que a terra é plana?
Sua dúvida é sobre Apocalipse 1:7, que diz que Cristo “vem com as nuvens, e todo olho o verá”, e se isso pode ser visto como uma evidência de que a terra seria plana. Pois, afinal, como todo olho poderia ver Cristo descer dos céus se metade dos “olhos” estiverem do outro lado de uma terra esférica? Pelo jeito você foi seduzido por essa teoria conspiratória, e não apenas ficou nas tentativas de comprovação usuais, mas tenta usar a Bíblia para comprová-la.
Toda teoria conspiratória traz elementos intrigantes e sedutores, e algumas são realmente verdadeiras obras de arte. Mas se você fizer uma simples pergunta irá perceber o quanto elas são vazias de significado prático. A pergunta é: “Em como isso vai mudar minha vida quando eu acordar na segunda-feira para ir trabalhar?”.
Teorias conspiratórias viciam, porque é impossível amarrar suas pontas, e aí gera aquela discussão: “Ok, você não pode provar que seja assim, mas também não pode provar que não seja”. Elas satisfazem aquela necessidade humana que surgiu no Jardim do Éden de apontar o dedo e culpar alguém pela desgraça. Adão culpou Eva e o próprio Deus, que deu a ele uma esposa: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”. Eva culpou a serpente: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3:12-13). As teorias conspiratórias irão culpar os bancos, a CIA, o FBI, a indústria de medicamentos, o McDonald’s, os reptilianos, a NASA… a lista é interminável. Um dos pronomes mais usados pelos adeptos de teorias conspiratórias é: “Eles”.
Quem conhece um pouco da hierarquia das necessidades de Maslow vai perceber que uma teoria conspiratória pode envolver uma ou mais necessidades básicas do ser humano, tipo comida, segurança, sentimento de ser aceito, autoestima, realização pessoal… Um adepto das teorias conspiratórias tem algo de adolescente; sente-se um Homem Aranha lutando por uma causa, um salvador da espécie humana, e seu ego é alimentado disso. Apesar de correr o risco de perder amigos, emprego e às vezes até o cônjuge, ele se sentirá incluído e aceito dentro de seu pequeno clube de teoristas conspiratórios. Afinal, no desfile dos bilhões de habitantes do planeta eles serão os únicos marchando com o passo certo.
Se você cair na rede de uma teoria conspiratória vai se sentir ativo e motivado em suas investigações, mas qualquer pessoa com um mínimo de bom senso irá enxergá-lo como um cão correndo atrás do próprio rabo. Do ponto de vista médico, um teorista de conspirações pode cair nessa rede por sofrer de alguma disfunção, como ansiedade, paranoia, psicose etc., ou então desenvolver sintomas decorrentes de sua nova mania. Alguns destroem seus relacionamentos quando mergulham nessa onda, portanto encare a obsessão por teorias conspiratórias como uma droga sem a qual você acha que não pode viver.
Não trate esse problema como algo inofensivo. Pessoas em estágio avançado de envolvimento com uma teoria conspiratória não são muito diferentes dos seguidores fanáticos de alguma seita religiosa. Eventualmente chegam a cometer crimes ou arrastar a família atrás de si para viver em alguma gruta numa montanha, tentando evitar que “Eles”, o inimigo, possa alcançá-los. Se você já passou por diferentes “fins do mundo”, como “bug do milênio”, “calendário maia” e coisas semelhantes deve conhecer alguém que destruiu a família indo atrás dessas coisas.
A coisa fica ainda mais séria quando se tenta usar a Bíblia para fundamentar uma teoria conspiratória, como essa da “Terra Plana” que você citou. O versículo que deu origem à sua dúvida pode ser facilmente explicado com um pouco de conhecimento da profecia bíblica. Vejamos:
“Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Sim. Amém” (Ap 1:7).
É verdade que “todo olho o verá, até os mesmos que o traspassaram”, mas isto não significa que acontecerá de forma simultânea. Ele virá sim com as nuvens do céu como os discípulos o viram subir quando estavam no Monte das Oliveiras, mas aí se dará um processo gradual de comparecimento de todos à sua presença. Se ler Mateus 25 verá que isso é o que é chamado de julgamento das nações, com base no modo como elas se comportaram em relação aos seus “pequenos irmãos”, os judeus. Olhando o panorama completo da profecia você percebe que diferentes juízos estarão caindo em diferentes partes do mundo nesse momento, e que ele irá tratar primeiro, de forma privativa, com o seu povo, os judeus, representados pelas duas tribos, Judá e Benjamim.
Uma bonita figura disso você encontra na maneira como José, um tipo de Cristo no Reino, se revelou a seus irmãos. “Então José não se podia conter diante de todos os que estavam com ele; e clamou: Fazei sair daqui a todo o homem; e ninguém ficou com ele, quando José se deu a conhecer a seus irmãos” (Gn 45:1). Da primeira vez Cristo “veio para o que era seu (os judeus), e os seus não o receberam” (Jo 1:11), e só depois ele passou a tratar com os demais. Assim será também em sua segunda vinda.
A dificuldade começa quando você associa este versículo a outra passagem em Mateus 24, que parece falar de uma manifestação gloriosa, como aquelas que artistas costumam pintar em quadros ou são publicadas em revistas de religiões como Testemunhas de Jeová e Adventismo do Sétimo Dia. Nelas há multidões olhando para uma imagem de Jesus descendo das nuvens abertas e cercado de raios de luz e anjos tocando trombetas. Obviamente quem passou a vida sendo condicionado a imagens assim acaba achando que, para o mundo inteiro enxergar este evento, só com a terra sendo plana, ou com transmissão global de TV via satélite, o que condicionaria a vinda de Cristo à invenção da TV, satélites, repórteres etc. Vamos à passagem:
“Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem. Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias… Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória” (Mt 24:28-30).
Esta passagem começa falando dos falsos anúncios da volta de Cristo que poderão confundir o remanescente judeu fiel que irá se converter em tempos de grande tribulação. Neste capítulo 24 de Mateus a Igreja já terá sido arrebatada ao céu anos antes, e se você não entende o arrebatamento ou as diferentes dispensações precisará aprender isso, pois são coisas fundamentais para se compreender a profecia bíblica. O significado de palavras como “relâmpago”, “ocidente” e “oriente” é que sua vinda será inquestionável, mas aqui o foco está no juízo que ele traz consigo. O “relâmpago” nos fala de um juízo rápido. Quando um raio cai sobre uma árvore esta é queimada imediatamente. Águias ou aves de rapina têm o mesmo sentido de juízo rápido sobre os cadáveres — homens com aparência de que vivem, mas que estão mortos espiritualmente.
Resumindo, a volta de Cristo para julgar as nações será inequívoca, e seu juízo rápido como um raio ao qual ninguém escapará. Mas para saber aonde e como ele virá precisamos saber como e de onde ele partiu ao despedir-se dos discípulos no Jardim das Oliveiras.
“E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois homens vestidos de branco. Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir. Então voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à distância do caminho de um sábado” (At 1:9-12).
Se este versículo fala da subida, Zacarias 14:4 fala da descida: “E naquele dia estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e para o ocidente, e haverá um vale muito grande; e metade do monte se apartará para o norte, e a outra metade dele para o sul”.
Nesse momento do encontro com “a casa de Davi”, ou seja, os judeus (porque as outras tribos ainda estarão para ser recolhidas pelos anjos), ele será visto pelos que o pregaram na cruz, não as mesmas pessoas, mas os descendentes daqueles que há dois mil anos disseram: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27:25). Zacarias 12:10 detalha esse encontro: “Mas sobre a casa de Davi, e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o Espírito de graça e de súplicas; e olharão para mim, a quem traspassaram; e pranteá-lo-ão sobre ele, como quem pranteia pelo filho unigênito; e chorarão amargamente por ele, como se chora amargamente pelo primogênito”.
Quando eu digo que é preciso conhecer as dispensações, o arrebatamento da Igreja e o panorama todo da profecia para entender essa vinda de Cristo para reinar, é porque podemos ser enganados pela visão reducionista normalmente propagada pelas religiões. Muitas delas nem mesmo conseguem distinguir a diferença entre a vinda do Senhor para buscar sua Igreja, e a manifestação de Cristo para estabelecer o seu reino, o que acontecerá no mínimo sete anos mais tarde. E mesmo esta manifestação tem uma sequência que começa com sua aparição em particular para os judeus, levando-os a sair pela terra para dar a boa notícia de que Cristo voltou. É disto que fala a passagem em Isaías que costumamos usar como exemplo de evangelização. No entanto sua aplicação primeira é profética:
“Portanto o meu povo saberá o meu nome; pois, naquele dia, saberá que sou eu mesmo o que falo: Eis-me aqui. Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina! Eis a voz dos teus atalaias! Eles alçam a voz, juntamente exultam; porque olho a olho verão, quando o Senhor fizer Sião voltar” (Is 52:6-8).
Agora, voltando à passagem de Apocalipse 1:7 que gerou a dúvida, veja como faz sentido entendê-la como coisas distintas:
“Eis que vem com as nuvens…” — isto realmente acontecerá, pois foi assim que os discípulos o viram subir.
“… e todo o olho o verá” — também acontecerá, mas não necessariamente de forma simultânea, mesmo porque muita gente estará trabalhando em minas debaixo da terra.
“… até os mesmos que o traspassaram” — os judeus, de cujos antepassados eles herdaram essa culpa.
“… e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele” — cada uma por sua vez, um exemplo do que podemos ver no modo como ele tratará as ovelhas (gentios), os bodes (os que maltrataram os judeus) e os “pequeninos irmãos”, que são os judeus, “irmãos” do Senhor por ele ter vindo da tribo de Judá.
Quanto a outras passagens que os seguidores da teoria da “Terra Plana” usam para tentar embasar suas ideias, é preciso entender um pouco de hebraico para decifrar as que eles utilizam. Eu não entendo hebraico, mas lendo quem entende descobri que no hebraico antigo a palavra “círculo” era a mesma utilizada para “esfera”. Daí a confusão, quando alguns leem “Ele é o que está assentado sobre o círculo da terra” (Is 40:22).
Para outras passagens que falam de “confins da terra”, “cantos da terra”, “centro da terra” ou “colunas do céu” etc., a dificuldade dos teoristas da “Terra Plana” está por terem tirado nota baixa em redação e interpretação de texto, ou por não saberem diferenciar linguagem poética, analogias e coisas do tipo. Ou ainda por perderem de vista o fato de que muitas passagens na Bíblia falam do de vista humano, de quem está na terra. Por isso dizemos que o sol está subindo ou descendo no horizonte, quando na verdade é a Terra que está girando. Mas aí talvez algum adepto da teoria me escreva insistindo que a Terra é plana e não gira, mas é o sol que fica dando voltas como uma mosca prestes a pousar numa pizza. Então eu nada mais tenho a dizer, mas um psiquiatra pode ajudar.
De vez em quando aparece alguém querendo insistir que a terra é plana usando versículos da Bíblia e a pseudociência das teorias conspiratórias, que supostamente “prova” também que o homem não foi para o espaço (e muito menos para a Lua), que é tudo mentira da NASA, etc.
Aí sou obrigado a contar outra vez minha experiência como estudante de intercâmbio morando 6 meses na casa de um engenheiro que projetou as baterias do projeto Apollo. Wallace F. Payne também tinha patentes de várias coisas e era um habitual colaborador da Wikipédia, antes de falecer há alguns anos com quase 90 anos.
Mas você acha que minha história convence? Nada. Quem é “convertido” a uma teoria conspiratória sofreu lavagem cerebral e não arreda pé nem se colocarem o cara num foguete e mandarem para a Lua. Ele vai chegar lá e achar que está na Disneylândia.
Faz lembrar o caso de uma velhinha numa cidadezinha no sertão. Ela nunca tinha visto um avião ou helicóptero e dizia que o homem não tinha sido criado para voar, então não voava e que tudo não passava de enganação. Então um dia desceu um helicóptero no campinho de futebol do lugar e a cidade toda foi ver, inclusive os netos que levaram a vovó.
Chegando lá viu o bicho pousado e quando disseram que daqui a pouco a máquina iria subir, duvidou: “E essa coisa lá sobe?!”. Motores ligados, ventania, helicóptero subindo e ganhando os céus. “E aí, vó, o que diz?” — cobraram os netos. A velha não titubeou: “E essa coisa lá desce?!”.
A propósito, se você viu o filme Apollo 13, a cena em que o diretor de voo manda chamar os engenheiros que trabalharam no módulo aconteceu mesmo. Wallace foi acordado à noite para confirmar que a bateria iria aguentar o tranco para trazer os astronautas de volta à terra.
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Os cristãos deveriam fazer mais caridade?
Sem dúvida, a caridade faz parte da vida cristã, mas gostaria de pegar um gancho em sua pergunta para tecer alguns comentários sobre isso. Assim como você, também tenho um filho adotivo com paralisia cerebral, hoje com 35 anos (foi adotado aos 4 anos), e assim como você estou bem ciente das necessidades de muitas crianças abandonadas. Porém um grande risco de fazermos alguma caridade é acharmos que todos precisem fazer o mesmo. Achamos que nós somos o padrão a ser seguido. Existe um perigo aí, porque nossa carne é demasiadamente ladina e irá sempre querer comparar nossos feitos com os de nossos irmãos. Muito cuidado porque esse terreno é pura areia movediça.
Quando somos salvos por fé e unicamente pela graça de Deus temos diante de nós obras que Deus preparou para que andássemos nelas, como diz Efésios: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:8-10).
Essas obras variam de pessoa para pessoa e no final não serei eu ou você quem irá julgar se a obra que alguém fez foi ou não válida. Alguns fazem obras de caridade mais práticas e visíveis, outros se entregam ao ministério da Palavra de forma pública e notória, porém há muitos anônimos que se dedicam a uma vida de oração em segredo e parecem não fazer coisa alguma aos olhos do mundo. Será somente no Tribunal de Cristo (o julgamento, não do crente, mas das obras do crente) que saberemos se construímos com material nobre ou com aquilo que não vai permanecer; se edificamos sobre o fundamento que é Cristo, ou fora dele; se gastamos o tempo com “as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” ou fizemos aquilo que parecia bom aos nossos olhos só para sermos vistos.
“E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo” (1 Co 3:12).
“Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão [que era serem vistos pelos homens]. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente. E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão” (Mt 6:1-5).
Então tenha sempre cuidado com a soberba que pode vir de fazer alguma obra que você acha boa. Meu pai costumava contar de missionários na África que levaram leite para uma tribo que consideravam subnutridas e muita gente morreu, porque o leite não fazia parte da dieta daquele povo depois que cresciam. Eles não tinham no intestino as bactérias necessárias para processar o leite.
Julgarmos nossas próprias obras como dignas é fazer como o fariseu no Templo, comparava-se ao publicano e se achava mais justo por causa das obras que fazia. Na verdade, ele estava louvando a si mesmo, não a Deus, e foi o publicano quem saiu dali justificado. Elias achava que só ele era fiel a Deus e precisou ouvir que Deus havia reservado 7 mil joelhos que não haviam se curvado a Baal. Foi quando todos os discípulos fugiram diante da condenação e morte de Jesus, e um até negou conhecê-lo, que dois improváveis discípulos, José de Arimateia e Nicodemos, tomaram a dianteira e sepultaram suas carreiras para poderem sepultar Jesus. Quando Pedro ficou curioso por saber o que seria de João, Jesus lhe disse: “Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu” (Jo 21:22).
É louvável sua preocupação com as crianças abandonadas e deficientes, e também fico feliz por saber que fez algo a respeito. Mas eu jamais diria para alguém adotar uma criança deficiente porque isso é algo que precisa vir de um exercício entre o crente e seu Senhor. E também não posso olhar de cima para baixo para aqueles que não fazem o mesmo. Somente o Senhor poderá dizer se o que fiz foi na carne ou guiado pelo Espírito Santo de Deus. E somente ele poderá também julgar se meu irmão está ou não fazendo as obras que Deus preparou para ele. Gosto de uma frase de John Nelson Darby de uma carta que ele escreveu ao seu editor que o tinha elogiado além da medida:
“Você pode estar certo, além do mais, que nossa vista é muito curta para sermos capazes de julgar o grau de piedade de nosso irmão; não somos capazes de julgar corretamente sem a balança do santuário, e ela está nas mãos daquele que sonda o coração. Não julgue nada antes do tempo, até que o Senhor venha, e torne manifesto os conselhos do coração, e renda a cada um o devido louvor. Até então, não julguemos nossos irmãos, seja para bem seja para mal, senão com a moderação que convém, e lembremo-nos que o melhor e mais certo juízo é aquele que temos de nós mesmos quando consideramos aos outros melhores do que nós… O mais eminente Cristão é um daqueles de quem nunca se ouviu falar, algum pobre trabalhador ou servo, para quem Cristo é tudo, e que faz tudo para ser visto por Ele, e somente por Ele.” — J. N. Darby em “Uma carta sobre louvar homens”.
“Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado” (Romanos 14:22-23).
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Você citou um versículo (Atos 15:21) fora do contexto. “Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados”. Os apóstolos não estavam incentivando a guarda da Lei, mesmo porque se incentivassem estariam indo contra o ensino de Romanos, Gálatas, Hebreus e outros.
“Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado… pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão… Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé. Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gl 2:16, 21; 3:10-13).
Voltando para a passagem de sua dúvida, em Atos 15 havia surgido uma celeuma entre judeus e gentios convertidos acerca de preceitos da lei como circuncisão, alimentos, ordenanças etc. Todo o argumento de Pedro é no sentido de demonstrar que a Lei já não tinha mais lugar na atual dispensação da graça de Deus, porque, como Paulo explicaria mais tarde em Romanos, ninguém era capaz de guardar a Lei: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós?” (At 15:10).
Pedro conclui seu discurso dizendo: “Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (At 15:19-21).
Repare que a questão era de evitar ao máximo que os judeus ficassem escandalizados pela liberdade dos gentios, e o argumento para que alguns pontos da Lei fossem ali adotados entre os gentios tinha apenas o sentido de evitar escândalos e contendas. Isso Pedro faz mencionando que “Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados”.
Ou seja, aqueles cristãos estavam vivendo em uma cultura bastante influenciada pelo judaísmo onde a Lei de Moisés era pregada nas sinagogas dos judeus, portanto para que os gentios convertidos não escandalizassem os judeus que se convertiam, deviam se abster da carne sacrificada aos ídolos, animais sufocados etc. O objetivo claro disso era não escandalizar, algo que Paulo vai discorrer melhor em Romanos 14 quando fala dos que comem e dos que não comem. Quando o apego ao judaísmo se tornou excessivo por parte dos hebreus convertidos foi preciso o Espírito dar a eles a epístola aos Hebreus, mostrando que deviam romper com tudo o que dizia respeito ao arraial judaico.
Sua dúvida surgiu também porque você leu no Antigo Testamento que a aliança com seria perpétua e eterna (G 17:7-19), mantida de geração em geração. Porém depois você fala da Lei, dada no Monte Sinai, como se fosse a mesma aliança perpétua, mas acredito que você esteja misturando as coisas. Uma coisa foi a aliança feita com Abraão e a promessa da descendência de fé. Outra foi a Lei dada a Israel, um povo que se propôs a guardar tudo o que o Senhor mandasse (o que demonstrava excessiva autoconfiança).
Então você citou Isaías 59:21 como se a passagem embrulhasse as duas coisas em um mesmo pacote, esquecendo-se de citar o versículo anterior que demonstra ser uma ordem específica para o povo de Sião, ou seja, o povo de Jacó que se converterá no futuro, por ocasião do estabelecimento do reino milenial de Cristo na terra.
“Virá o Redentor a Sião e aos de Jacó que se converterem, diz o Senhor. Quanto a mim, esta é a minha aliança com eles, diz o Senhor: o meu Espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se apartarão dela, nem da de teus filhos, nem da dos filhos de teus filhos, não se apartarão desde agora e para todo o sempre, diz o Senhor” (Is 5:19-20).
Você não entenderá a Bíblia se não entender as dispensações e que Deus tem dois povos: Israel e Igreja. São povos distintos. Sugiro que leia o livro “Teologia do Pacto ou Dispensações” em www.acervodigitalcristao.com.br.
Hoje Deus não está tratando com Israel, mas com a Igreja sobre o princípio de uma nova criação. Quando Cristo morreu, morreu também o último Adão, ou seja, o homem na carne. Quando Cristo ressuscitou ele surgiu como o segundo homem, o protótipo ou primícias de uma nova raça humana que nada tem a ver com a linhagem de Adão. É nesta nova raça que o cristão está. Quando a igreja for tirada da terra Deus voltará a tratar com Israel e assim será durante o Milênio — o Reino de Cristo na terra — que terá um retorno às práticas da Lei e do Antigo Testamento, do qual o reino de Salomão foi uma figura.
A questão que importa para nós é saber que a Lei nunca acabará, porém o que acabou foi o homem para o qual a Lei foi dada, isto é, o homem na carne. E na nova criação não temos mais o compromisso com a Lei dada para o velho homem.
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Devemos denunciar pessoas, ações e doutrinas?
Você perguntou se, quando um cristão detecta erros e abusos de líderes religiosos, deve direcionar suas denúncias às pessoas, ao seu modo de proceder ou às doutrinas que elas pregam? Tudo depende das circunstâncias, mas em momento algum devemos fazer vista grossa para o erro e ter o comportamento inclusivo e ecumênico de nivelar a verdade pelo mínimo denominador comum. A resposta nós encontramos na maneira como o Senhor tratou com os fariseus nos evangelhos e os apóstolos trataram com pecadores e hereges em Atos e nas epístolas. Eventualmente denunciavam as pessoas, suas ações ou suas doutrinas, dependendo da situação.
É preciso entender que o pecado, seja qual for, deve sempre ser tratado primeiramente entre a pessoa que pecou e aquela que detectou o pecado. É triste quando denunciamos publicamente um pecado de alguém antes de tratar isso com a pessoa que pecou. Até mesmo o herege deve ser advertido antes de ser notado, todavia sua doutrina deve sim ser denunciada para a proteção daqueles que possam estar sendo engodados pelo erro. A experiência demonstra que é muito mais fácil alguém que caiu em pecado moral se arrepender e ser restaurado, do que alguém que professe má doutrina e busque seguidores.
Em Coríntios aprendemos que aqueles em pecado moral devem ser disciplinados pela assembleia e colocado fora da comunhão, e os irmãos não devem nem sequer comer com eles, ainda que não sejam proibidos de comer e se relacionar com os incrédulos.
“Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem; isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo. Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (1 Co 5:9-13).
Também aprendemos da Palavra que os irmãos não devem sequer saudar aquele que traz má doutrina, embora obviamente podemos continuar cumprimentando os incrédulos.
“Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne [isto significa não confessar a divindade de Cristo]. Este tal é o enganador e o anticristo… Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras” (2 Jo 1:7-11).
Também em 2 Tessalonicenses 3:14 aprendemos que aquele que não anda segundo a sã doutrina, seja por ações, pelo seu modo de vida ou pelas coisas que professa, deve ser publicamente notado e não devemos ter qualquer tipo de relacionamento com ele, para que se envergonhe. “Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe” (2 Ts 3:14). Um caso do modo como os irmãos de Corinto lidaram com a disciplina de um em pecado pode ser vista nesta passagem: “Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2 Co 2:6-8). A passagem mostra que houve mudança no tratamento e uma repreensão “feita por muitos”, mas que a finalidade disso era o perdão, consolação e amor.
Essas instruções são grandemente negligenciadas hoje na cristandade com a desculpa de que devemos dar maior importância ao amor e inclusão. Isso só tem ajudado o “pé de mostarda” e a “massa” a crescerem (Mateus 13:31-33), porém não pela ação do Espírito, mas pela ação da má doutrina e do pecado para o qual se faz vista grossa. Repare que na parábola do grão de mostarda a ideia de “inclusão” permitiu que as aves, que um pouco antes são identificadas como agentes de Satanás, se aninhassem nos galhos daquele aberrante pé de mostarda que se transformou em uma árvore de crescimento surreal. Repare também que na parábola da massa foi permitido a uma mulher (que é proibida de ensinar em 2 Tm 212) introduzir seu fermento (má doutrina, conforme Mt 16:12), como faz Jezabel em Apocalipse 2:20.
Jamais devemos comprometer a verdade em prol da unidade. Quando verdade e amor aparecem na epístola de João, elas aparecem nesta ordem: primeiro verdade, depois amor. “Graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, seja convosco na verdade e amor” (2 Jo 1:3).
Mas como lidar com alguém que, embora professe fé em Jesus, ande de maneira contrária a essa mesma fé ou — o que é muito pior — procura disseminar sua posição para contaminar outros? Costumamos dar grande importância ao pecado moral e nem sempre a mesma importância ao pecado doutrinal, apesar de vermos nos evangelhos o Senhor tratando com maior rigor os fariseus e escribas, do que com os pecadores morais, como a prostituta ou o publicano.
Pode ser fácil julgar um pecado moral, mas nem tanto quando se trata de má doutrina ou heresias (espírito faccioso), porque o herege não acha que está pecando, enquanto o imoral tem certeza disso até porque o que fez vai contra os valores que recebeu de berço, mesmo que tenha sido criado em uma família incrédula. Qualquer denúncia ou tratamento de má doutrina ou pecado deve ser tratada tendo-se em mente a glória de Deus, e não o massacre do que pecou. Devemos agir no Espírito em qualquer caso, lembrando disto:
“E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela” (Hb 12:5-11).
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O ladrão de João 10 é o diabo?
Sua pergunta é se o ladrão de João 10:1 seria o diabo. Na realidade o ladrão não é o diabo, pois o diabo não precisa roubar as almas. Ele já é dono daquelas que permanecem na incredulidade. Por isso a vinda de Cristo foi também para o “mais valente do que” o diabo espoliar seus bens.
“Quando o valente guarda, armado, a sua casa, em segurança está tudo quanto tem; mas, sobrevindo outro mais valente do que ele, e vencendo-o, tira-lhe toda a sua armadura em que confiava, e reparte os seus despojos” (Lc 11:21-22).
Isso Jesus fez ainda em vida, enquanto andava aqui libertando os enfermos e possessos, mas ele não parou aí. Para aniquilar o diabo, foi até a cruz e ali morreu, colocando um ponto final ao domínio do inimigo sobre o homem.
“E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2:14-15).
A Palavra de Deus também nos exorta quanto ao modo que devemos tratar as pessoas que resistem à verdade para que Deus nos use a fim de libertar os que continuam presos nos laços do diabo:
“Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade, e tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos” (2 Tm 2:25).
Indo agora para a passagem do evangelho de João 10, encontramos ali diferentes personagens e situações.
“Aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos… Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens… O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas… Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” (Jo 10:1-16).
Para entender este capítulo é importante ler o anterior também, porque eles fazem parte de um único discurso dirigido aos judeus. O rebanho aqui nesta parábola é Israel, não a Igreja. O curral ou aprisco das ovelhas é a Lei, que é chamada aqui de “aio” ou “tutor”, como um professor particular que uma família rica contrata para educar seus filhos. O papel da Lei fica muito claro lendo esta passagem:
“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados [como dentro de um curral] para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio [tutor], para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio” (Gl 3:23-25).
Esse curral possui uma porta pela qual só pode passar quem tiver as credenciais necessárias. Os profetas do Antigo Testamento deixaram claras estas credenciais nas dezenas de profecias que falam da vinda do Messias. Apenas um que cumprisse todas elas seria o Ungido ou Escolhido credenciado para entrar no curral, e foi o que Jesus fez. Não faltaram ladrões e salteadores, que são os que não entram pela porta, porque não estão autorizados, mas por outro lugar. Estes são os falsos profetas que tentaram se apoderar do povo de Israel. Um exemplo disso eram os fariseus.
O porteiro provavelmente represente a terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo, que juntamente com o Pai colocou seu selo no ministério do verdadeiro Pastor, Jesus, quando este foi batizado no batismo de João Batista. Os estranhos podem ser também pessoas como os fariseus, que queriam se aproveitar das ovelhas.
Mas o melhor da passagem é o que Pastor faz ao entrar no curral pela porta. Ele não passa a incrementar o curral, pintá-lo, trocar o piso. Não! Ele veio para tirar suas ovelhas do curral. Não veio destruir ou abolir o curral, mas simplesmente esvaziá-lo de ovelhas. No Antigo Testamento Deus tratou com um povo de maneira nacional. Aqui o vemos chamando, não o rebanho inteiro para fora do curral, mas cada ovelha, uma a uma. “As ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora” (Jo 10:3). Essas ovelhas que ele chama e saem são nascidas de Deus, como ensina João 3.
Repare que Jesus disse isso ainda antes de passar pela morte, porque essa obra de tirar as ovelhas do curral não dependia de ele morrer na cruz, mas simplesmente de chamar as ovelhas e elas escutarem sua voz. Depois de chamá-las elas o seguem e as leva para pastagens que ficam fora do curral. Não existem cercas ali, como no confinamento de um curral, e o comportamento das ovelhas agora é outro. Se antes elas eram mantidas dentro de certo comportamento pela imposição da Lei e dos mandamentos, agora não é um cercado que as reúne, mas a atração do Pastor. Elas não mais são conservadas um só rebanho porque estão dentro da Lei, mas porque têm o Pastor como seu centro.
Jesus ainda menciona ter outras ovelhas que não faziam parte desse aprisco que era Israel, e é aí que nós gentios também entramos. “Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” (Jo 10:16). Um pouco ante ele fala de outra personagem, “o mercenário”. Mercenário é um soldado que vai à guerra em troca de salário, e não por convicção. Aqui o mercenário não é como o ladrão ou salteador, mas alguém que se coloca na função de cuidador do rebanho, porém visando lucro. Ele não é o verdadeiro Pastor, porque assim que vem o lobo o mercenário foge, e é no “lobo” que podemos enxergar uma figura do diabo.
Embora a parábola tenha sido dita com respeito a Israel, hoje nós cristãos podemos desfrutar dessa bendita posição como aqueles que se encontram fora do curral ou aprisco de Israel, atraídos por Cristo e tendo somente a ele como nosso centro. Norman Berry, em seu comentário “Chapter-a-Day” coloca desta maneira:
“As ‘outras ovelhas’ somos nós, gentios. Alguns escutaram o Pastor. Repare que há um só rebanho. Ele é o Pastor. Nós permanecemos próximos a ele porque ele atrai nossos corações. Não existe uma cerca ao nosso redor, não existe uma lei, mas ele é o Centro de atração.”
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Se os homens morrem uma vez, por que Lázaro morreu duas?
Sua dúvida é se em Hebreus 9:27 é dito que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” como foi que Lázaro morreu duas vezes? Sua pergunta é interessante, mesmo porque apesar de não termos na Bíblia um relato da segunda morte de Lázaro, sabemos que ele deve ter morrido novamente por ninguém ter visto Lázaro caminhando por aí desde então. E ele também não poderia ter ressuscitado porque sabemos que “Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co 15:20).
Mas quero acrescentar um pouco mais de dificuldade à sua pergunta colocando outras: Se “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” como foi que Enoque nunca morreu, mas foi arrebatado? O que dizer de Elias, que subiu ao céu em um redemoinho sem ter experimentado a morte? Se parecia difícil explicar como Lázaro teria morrido duas vezes, o que dizer destes que nunca morreram nem uma vez sequer?
Podemos ir mais longe se pensarmos nos outros que ressuscitaram, no Antigo Testamento e no Novo Testamento, obviamente nenhum deles a ressurreição para viverem eternamente, mas apenas a volta ao velho corpo de carne. No Antigo Testamento temos o filho da viúva (1 Reis 17:17-24), a mulher sunamita (2 Reis 4:32-37) e o homem cujo cadáver tocou nos ossos de Eliseu (2 Reis 13:20-21). No Novo Testamento temos o filho da viúva (Lucas 7:11-15), a filha de Jairo (Lucas 8:41-42, 49-55), Lázaro (João 11:1-44), os muitos santos que haviam morrido e ressuscitaram por ocasião da morte de Jesus (Mateus 27:52), Tabita (Atos 9:36-43) e Êutico (Atos 20:9-10), apesar de não ficar claro se ele morreu ou não, já que apesar de a passagem dizer que ele “foi levantado morto”, Paulo diz que “sua alma nele está”. Obviamente não incluo aqui Jesus, porque sua ressurreição até agora foi a primeira e única de alguém que está em um corpo glorioso.
Mas espere, ainda não terminei. Pense também nos milhões e milhões que serão arrebatados quando Cristo vier buscar sua Igreja e não experimentarão a morte. Acredito que este seja um grupo diferente daquele de Enoque e Elias, porque neste caso seremos transformados para termos nosso corpo semelhante ao de Cristo ressuscitado, ou seja, corpos gloriosos prontos para a eternidade. Se Cristo é “as primícias dos que dormem” no sentido da ressurreição definitiva, Enoque e Elias ainda não desfrutaram deste privilégio. A aparição de Elias, com Moisés, no monte da transfiguração poderia ser explicada do mesmo modo como o Senhor apareceu diversas vezes no Antigo Testamento, mesmo sem ter vindo antes em carne, ou do mesmo modo como ocorriam as aparições de anjos em forma humana.
Portanto entendo que em Hebreus 9 temos uma ordem genérica, ou seja, aos homens está ordenado morrerem uma só vez vindo depois disso o juízo. E em todos os casos que citei temos milagres ou exceções à ordem genérica. Para entender isso, pense na força da gravidade, que atinge tudo e todos debaixo do céu. Essa força foi a mesma que derrubou Êutico da janela e da qual é dito que “no lugar em que a árvore cair ali ficará” em Eclesiastes 11:3. No entanto em 2 Reis 6:1-6 vemos o relato de um machado que flutuou e, no caso de Elias, sabemos que ele subiu desafiando a gravidade. Também sabemos que Jesus caminhou sobre as águas, o que contradiz essa lei que atinge a tudo e a todos.
Resumindo, o que diz em Hebreus 9 é o que acontece, como diria meu professor de química, “em condições normais de temperatura e pressão”. Os casos excepcionais são milagres operados por Deus que extrapolam a ordem natural e normal das coisas, e sabemos que Deus é soberano em mexer os pauzinhos conforme lhe apraz. Você vê nisso um problema? Não, graças a Deus por isso! Caso contrário jamais teríamos sido salvos, pois o pecado leva à morte e ao juízo, e nossa salvação é claramente uma exceção à regra genérica de que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9:27). No caso do crente que for arrebatado a morte nunca virá, e para o crente que já morreu o juízo nunca chegará. Pois Jesus mesmo garantiu isso, ao dizer: “quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24).
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Não querer filhos é pecado?
Você pergunta se é pecado não querer ter filhos. Ter ou não filhos é, em primeira instância, uma decisão humana, não divina; é da “vontade do homem” (Jo 1:13). Portanto um casal que decida ter filhos poderá tê-los, caso seja também o plano de Deus, que pode dar ou não fertilidade para que isso aconteça. Mas se o casal decidir não ter filhos, não terá, a menos que ocorra um descuido em seu controle de natalidade.
Sempre que tivermos alguma dúvida o melhor caminho é irmos ao projeto original de Deus, para saber como ele gostaria que procedêssemos. Jesus nos ensinou a agir assim ao comentar a questão do divórcio levantada pelos fariseus: “Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne?” (Mt 19:4-5). Na continuidade ele é indagado da razão de Moisés ter permitido dar carta de divórcio, ao que responde que aquela exceção se devia, não ao plano original de Deus, mas à dureza do coração dos homens.
Então, o que dizem as Escrituras, a Palavra de Deus, no projeto original de Deus? “E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” (Gn 1:28). Para mim fica claro que uma das razões da Criação foi a multiplicação da espécie. A procriação é algo que permeia toda a Criação, já que todos os seres vivos foram equipados para isso, em alguns até mesmo como a principal razão de sua existência. Há insetos que permanecem vivos por um período muito curto e morrem após o ato de procriar, o que faz desse ato o ponto alto da existência deles.
Obviamente não somos insetos, mas seres inteligentes criados à imagem e semelhança de Deus. Não fomos criados com a expressa e única finalidade da procriação, mas para algo mais elevado, e para o cristão isso inclui também “procriar” no sentido de filhos na fé. Paulo, ao escrever aos Coríntios aos quais havia levado as boas novas da salvação, diz: “Admoesto-vos como meus filhos amados. Porque ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; porque eu pelo evangelho vos gerei em Jesus Cristo” (1 Co 4:15). Ele tinha sido responsável por apresentar a eles o evangelho da graça de Deus (At 18:1) e agora podia chamá-los de “meus filhos amados”. A mesma alegria e privilégio tinha o apóstolo João, falando com orgulho de sua “prole”: “Não tenho maior gozo do que este, o de ouvir que os meus filhos andam na verdade” (1 Jo 1:4).
Voltando ainda ao Jardim do Éden vemos que, apesar da ordem dada por Deus de procriar, ela preferiu ter outra agenda quando foi enganada pela serpente e acreditou em suas palavras: “Sereis como Deus” (Gn 3:5). A tentação que sugeria a insubordinação, independência e autossuficiência falou mais alto, e antes mesmo de Adão e Eva se dedicarem aos prazeres da relação sexual, obviamente aprovada por Deus naquela união marido-mulher, e conceberem um filho para perpetuar a espécie, eles conceberam o primeiro pecado que passou de geração em geração. E lembre-se de que, para Eva, um parto no Jardim do Éden seria indolor (Gn 3:16).
O Salmo 127:3 diz que “os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava” (Sl 127:3-5), mostrando que filhos não são um castigo, mas uma recompensa. Na Igreja filhos são como credenciais para aqueles que desejam atuar no cuidado da assembleia local, como ensina o apóstolo ao falar das credenciais de um ancião: “Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição” (1 Tm 3:4). Para que viúvas não ficassem desamparadas e pudessem receber o auxílio da assembleia local, os filhos faziam parte dessa qualificação: “Nunca seja inscrita viúva com menos de sessenta anos, e só a que tenha sido mulher de um só marido; tendo testemunho de boas obras: Se criou os filhos, se exercitou hospitalidade, se lavou os pés aos santos, se socorreu os aflitos, se praticou toda a boa obra” (1 Tm 5:9-10).
Portanto, existe também o aspecto da velhice, quando os papeis se invertem: aquela mãe que cuidou dos filhos terá filhos e netos que poderão dela, como ensina esta passagem: “Se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus” (1 Tm 5:4).
Depois de considerar tudo isso, eu pergunto: Qual a razão de você não querer ter filhos? Você citou o versículo em Lucas 21:23-24: “Ai das grávidas, e das que criarem naqueles dias! Porque haverá grande aperto na terra, e ira sobre este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem”. Esta passagem já aconteceu quando da destruição de Jerusalém no ano 70 da era cristã e subsequente diáspora ou dispersão dos judeus. Repare que a passagem menciona “este povo”, uma referência ao povo judeu em contraste a “todas as nações” para onde seriam dispersos, e também diz que “Jerusalém será pisada pelos gentios até que os tempos dos gentios se completem”. Estamos ainda nos “tempos dos gentios”, que começaram com Nabucodonosor, ao qual Deus deu o controle da terra de Israel e do mundo de então. Os “tempos dos gentios” só terminarão quando Cristo estabelecer seu reino na terra e Israel voltar a ser a principal nação no mundo, como foi nos dias de Salomão.
Hoje Jerusalém parece estar nas mãos dos judeus, porém a cidade e a terra estão divididas, e eles não têm total controle sobre sua nação, e nem são o expoente entre as nações do mundo. O Estado de Israel existe à sombra do poderio dos Estados Unidos e Europa, sem o qual ele seria dizimado pelos inimigos que o cercam.
Mas você poderia ter citado outra passagem semelhante, em Mateus 24:19, que diz: “Mas ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias!”. Apesar de ser parecida com a de Lucas 21, esta passagem ainda não aconteceu e só se cumprirá durante a Grande Tribulação, alguns anos após o arrebatamento da Igreja. Então Deus levantará um remanescente judeu fiel que deverá perseverar até a vinda do Messias para estabelecer seu Reino. Repare que na continuação diz que “haverá então grande aflição, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem tampouco há de haver” (Mt 24:21). Isto indica algo muito maior e global do que a destruição de Jerusalém no ano 70 da era cristã, ou maior até que o Dilúvio universal. De qualquer modo a Igreja, que é o conjunto dos salvos por Cristo na presente dispensação, já terá sido levada para o céu antes que isso aconteça.
Não quero dizer com isso que o mundo seja um lugar maravilhoso para se criar filhos. Não é, nem para incrédulos, nem para cristãos. Aqueles que são pais sabem dos desafios de se criar os filhos na “admoestação do Senhor” (Ef 6:4) numa sociedade cada vez mais degradada pelo pecado. Todavia, para aqueles que alegam não querer colocar filhos em um mundo tão problemático e hostil para evitar que sofram, a resposta de Deus aparece nas instruções dadas ao seu povo da antiguidade, quando este foi levado para o cativeiro na Babilônia. Ao invés de se revoltarem contra o inimigo que os desterrou, ou boicotar o progresso da adversária Babilônia, a ordem divina foi para que levassem uma vida em paz no território inimigo, e nessa ordem fica clara a importância de gerar filhos:
“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os do cativeiro, os quais fiz transportar de Jerusalém para Babilônia: Edificai casas e habitai-as; e plantai jardins, e comei o seu fruto. Tomai mulheres e gerai filhos e filhas, e tomai mulheres para vossos filhos, e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; e multiplicai-vos ali, e não vos diminuais. E procurai a paz da cidade, para onde vos fiz transportar em cativeiro, e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz” (Jr 29:4-7).
Mas quais outras razões levariam alguém a não querer ter filhos? Muitas, além da que já mencionei de recear o mundo mau em que vivemos. Existe também o argumento de que Cristo poderá voltar a qualquer momento e nem ter tempo de criar um filho, mas isso não seria um problema, e sim um privilégio. Crianças que ainda não atingiram a idade da razão para poderem entender sua condição e crer em Cristo se enquadram naquilo que o Senhor disse em Marcos 10:14: “Deixai vir os meninos a mim, e não os impeçais; porque dos tais é o reino de Deus”. O sacrifício de Cristo também proveu o necessário para que fetos abortados, natimortos e crianças pequenas sejam salvas. E se a dúvida é o que iria acontecer com os filhos de um pai ou uma mãe crente no arrebatamento, basta olharmos para as figuras desse evento no passado para descansarmos no cuidado de Deus. Nenhuma criança israelita foi deixada no Egito quando da partida do povo de Israel. Bem que Faraó queria impedir os pais de levarem seus filhos, mas Deus não aceitou tal condição.
Uma razão que costuma ser muito forte quando se fala em evitar filhos é o egoísmo, geralmente por a pessoa querer ter uma vida centrada em si mesma, ou no máximo dividí-la apenas com seu cônjuge. Aparentemente a ideia é que quanto mais gente você tiver ao redor para compartilhar seu tempo, esforços e bens, menos sobrará para si mesma. Acredito que um bom exemplo disso tenha sido Onã, em Gênesis 38:8-10: “Então disse Judá a Onã: Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão. Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou”.
Onã atendeu ao pedido de Judá, porém apenas em parte. Ele efetivamente tomou a viúva de seu irmão como esposa, mas não tinha a intenção de gerar descendência dela, pois de acordo com os costumes da época o descendente não seria seu, mas de seu irmão. Então ele interrompia o coito e “derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão”. É muito fácil perceber que seu motivo era egoísta e fica claro também que Deus reprovou de forma dramática seu modo de proceder.
Outra objeção que às vezes escuto de mulheres que não desejam ter filhos é que filhos atrapalhariam suas carreiras. Esta não é senão outra forma de egoísmo, pois coloca o interessa da mulher acima do desejo que Deus tem para as mulheres, que é o de que “se casem, gerem filhos, governem a casa, e não deem ocasião ao adversário de maldizer” (1 Tm 5:14). Se olharmos quem é a mulher virtuosa aos olhos de Deus, veremos que ela não apenas tem uma carreira bem-sucedida, com empregados e tudo mais. Ela também é sujeita a seu marido, cria bem seus filhos e não se deixa seduzir pela “vã formosura”, que leva algumas mulheres a evitarem filhos para não estragar a boa forma e a aparência do corpo.
“Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de rubis. O coração do seu marido está nela confiado… Busca lã e linho, e trabalha de boa vontade com suas mãos. Como o navio mercante, ela traz de longe o seu pão. Levanta-se, mesmo à noite, para dar de comer aos da casa, e distribuir a tarefa das servas. Examina uma propriedade e adquire-a; planta uma vinha com o fruto de suas mãos… Vê que é boa a sua mercadoria; e a sua lâmpada não se apaga de noite… Estende as suas mãos ao fuso, e suas mãos pegam na roca… Faz para si cobertas de tapeçaria; seu vestido é de seda e de púrpura… Faz panos de linho fino e vende-os, e entrega cintos aos mercadores… Está atenta ao andamento da casa, e não come o pão da preguiça… Levantam-se seus filhos e chamam-na bem-aventurada; seu marido também, e ele a louva… Enganosa é a beleza e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa sim será louvada” (Pv 31:10-31).
Mas existem também situações quando, por questões de saúde uma mulher não pode se sujeitar aos riscos de um parto. Há também casais atingidos pela infertilidade, que desejam procriar, mas não podem. Em casos assim sempre existe a possibilidade de adoção. Afinal, se Deus nos adotou, por que acharmos que um filho adotivo será menos que um biológico?
Existem situações quando um casal decide não ter filhos para poder se entregar com maior afinco à obra do Senhor, mas não vejo isso acontecer com frequência. Há também o caso mencionado na passagem de 1 Coríntios 7:25 em diante, onde o assunto não é ter filhos, mas deixar de se casar para poder se ocupar com as coisas do Senhor. Alguém poderia tentar usar esta passagem para evitar colocar filhos no mundo “por causa da angustiosa situação presente” (1 Co 7:26), mas na passagem Paulo está falando, não que os casados evitem filhos, mas que simplesmente os solteiros não se casem. Se o argumento de evitar colocar filhos no mundo para não sofrerem com “a angustiosa situação presente” fosse válido, tanto judeus quanto cristãos já seriam povos extintos, porque sempre passaram por algum tipo de perseguição neste mundo.
Vale lembrar que a condição normal e natural de uma mulher é a de mãe, pois ela é biologicamente preparada para isso e também inclinada para o cuidado da criança. Mulheres são até naturalmente atraídas pelo cheiro de bebês (sim, bebês têm um cheiro peculiar) e a isso chamamos de instinto maternal. É como se ela já nascesse com um sistema operacional instalado no cérebro e com esta finalidade. Sentir o contrário não é normal, biologicamente falando, mas pode ser consequência da influência cultural de nossos dias e de toda a carga de informação voltada à “igualdade dos gêneros” que a mídia descarrega sobre a sociedade.
Não é difícil perceber de onde vem essa influência que começou no Éden: daquele que é o maior inimigo da mulher, “o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás” (Ap 20:2). Por ocasião da queda Deus colocou inimizade entre Satanás e a mulher, passando ela a ser o principal alvo dos ataques do inimigo, porque da mulher viria também aquele que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3:15). Depois daquilo Satanás não sossegou em sua empreitada de matar crianças. Basta recordar a matança ordenada por Faraó, certamente energizado pelo diabo, vitimando meninos em toda a terra do Egito. Também por ocasião do nascimento de Jesus o rei Herodes mandou matar crianças de até dois anos de idade. E hoje, quando nem sempre ele destrói fisicamente, certamente faz questão de incutir nas crianças uma carga cada vez maior de ocultismo e magia através da mídia, na tentativa de levar as novas gerações a acreditarem que o mal faz bem e que o dragão é amigo.
Agora podemos entender melhor o que diz 1 Timóteo 2:13-15: “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação”. A única maneira de Deus trazer ao mundo o Salvador, aquele que esmagaria a cabeça da serpente, seria através de uma mulher que quisesse ter filhos. Antes que alguma mulher pense que a maternidade seja uma posição inferior à do homem, leia com atenção o que vou repetir: O Salvador só poderia vir ao mundo por meio de uma mulher disposta a conceber. Jesus não teve pai humano, mas teve mãe humana. O varão era, por assim dizer, “dispensável” no processo da vinda do Salvador ao mundo. A mulher não. Sem ela nunca teríamos conhecido a exclamação de Isabel dirigida a Maria: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre” (Lc 1:42).
Dada a imensa importância da mulher na obra de salvação do mundo, Deus quis “salvá-la” da influência de seu arqui-inimigo, o Diabo. A verdade de que a serpente passaria a ser inimiga da mulher persiste até hoje, daí Deus preferir não expor a mulher para que ela não volte a ser enganada pelo Diabo. Mas essa salvaguarda a mulher só tem enquanto permanece na posição que Deus reservou a ela, ou seja, “Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação” (1 Tm 2:15). Este “salvar-se-á” não se refere à salvação de sua alma, mas a mantê-la a salvo dos ataques da serpente.
Depois de ter citado a ordem da Criação, do “crescei e multiplicai-vos”, eu me atreveria a acrescentar algo voltando ainda mais no tempo, a um ponto bem mais distante da Criação, e invadir a eternidade para saber qual a disposição de Deus a respeito do assunto. Ter um filho é algo que faz parte da própria natureza divina, pois mesmo antes da fundação do mundo sempre existiu o Pai e o Filho, além do Espírito Santo. Não é preciso se aprofundar muito nos Evangelhos para perceber o quanto existe ali de relação Pai e Filho, e do amor envolvido nessa ligação. Mas o Pai quis ir além da relação de amor que cultivou eternamente com o Filho. Ele quis ter mais filhos, um número incontável deles, para que estes pudessem desfrutar de um tremendo privilégio: “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e coerdeiros de Cristo” (Rm 8:16-17).
O Evangelho de João mostra que Cristo veio ao mundo para morrer a fim de que Deus tivesse muitos filhos: “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto… a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome” (Jo 12:24; 1:12). Em Hebreus 2:10 lemos que “convinha que aquele [Jesus], para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles”. E Efésios 1:1 nos exorta a sermos “imitadores de Deus, como filhos amados”. Juntando tudo, só posso concluir que o desejo de Deus, ainda nos tempos eternos, foi o de ter filhos, muitos filhos. Pergunto: Você é grata por Deus ter tido esse desejo ou não?
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Devo celebrar a Páscoa?
A Páscoa era uma celebração instituída por Deus no livro de Êxodo, capítulo 12, para os israelitas comemorarem sua libertação do Egito. A palavra “páscoa” significa, no original, “passar por cima”. Na noite em que seriam libertados Deus ordenou que cada família sacrificasse um cordeiro e passasse seu sangue nos batentes da porta da casa. Assim, quando o “anjo do Senhor” passasse sobre a terra do Egito para ferir os primogênitos dos egípcios, ele “passaria por cima” das casas assinaladas com sangue e livraria da morte aqueles cujas famílias tivessem crido na Palavra de Deus e sacrificado o cordeiro no lugar do filho mais velho.
Aquele cordeiro e aquele sangue servem para nós como sombras e figuras do verdadeiro Cordeiro de Deus, que derramou seu sangue na cruz para livrar do juízo eterno o pecador que crê na Palavra de Deus e em Cristo como Salvador. Uma vez que já temos o verdadeiro “Cordeiro pascal”, não precisamos mais nos ocupar com as sombras. Nossa Páscoa não é uma celebração; nossa Páscoa é uma Pessoa: “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1 Co 5:7). Quando você vê um filme projetado na tela de um cinema, onde aparece seu ator preferido, o que você vê são apenas sombras criadas pelo projetor e pela luz que atravessa a película. Se naquela hora alguém gritar para a plateia: “Pessoal, o ator principal acaba de chegar e está no saguão!”, você continuaria assistindo o filme ou sairia correndo para pegar um autógrafo? Continuaria ocupado com as sombras ou com o verdadeiro?
“Porque tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam… Então [o Filho de Deus] disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade… Na qual vontade temos sido santificados pela oblação [oferenda] do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez. E assim todo o sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados; mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. Porque com uma só oblação [oferenda] aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (Hb 10:1-14).
A celebração da Páscoa por cristãos, uma tradição não encontrada na doutrina dos apóstolos inventada quatrocentos anos depois de Cristo, bem como a proibição de determinados alimentos no período chamado de “Quaresma”, não fazem qualquer sentido hoje. O mesmo vale para outras celebrações emprestadas do judaísmo ou mesmo aquelas criadas com base em episódios encontrados nos Evangelhos, como “Quarta Feira de Cinzas”, “Domingo de Ramos”, “Quaresma”, “Sexta-feira Santa”, “Pentecostes”, “Finados”, “Natal”, “Cristo Rei”, etc., além de datas em homenagem a mártires e cristãos da antiguidade, os chamados “santos”. “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Cl 2:16-17).
Alguém poderia indagar por que então Jesus celebrou a Páscoa com seus discípulos na ocasião em que acabaria instituindo a Ceia para celebrar sua morte (que nem havia acontecido naquela ocasião). Muito simples: Jesus era judeu e seus discípulos também. Todos eles viviam dentro do contexto do judaísmo e praticavam tudo o que ordenava a Lei dada a Moisés. Por isso, quando Jesus curava alguém, ele ordenava que a pessoa cumprisse o rito determinado na Lei, como neste exemplo em que ele cura um leproso: “E disse-lhe: Olha, não digas nada a ninguém; porém vai, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para lhes servir de testemunho” (Mc 1:44). Do mesmo modo, Jesus ordenava que os judeus dessem o dízimo: “Ai de vós, fariseus, que dizimais a hortelã, e a arruda, e toda a hortaliça, e desprezais o juízo e o amor de Deus. Importava fazer estas coisas, e não deixar as outras” (Lc 11:42).
José e Maria também eram judeus vivendo no judaísmo, e por isso fizeram a oferta pós-parto exigida na Lei. “E, quando os oito dias foram cumpridos, para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido. E, cumprindo-se os dias da purificação dela, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor (segundo o que está escrito na lei do Senhor: ‘Todo o macho primogênito será consagrado ao Senhor’); e para darem a oferta segundo o disposto na lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2:21-24). Repare que por três vezes a Lei é mencionada, o que indica que estamos diante de uma cena típica do judaísmo. O ritual de purificação você encontra em Levítico 12.
Se você acha que os cristãos devem realmente imitar o que faziam José, Maria, Jesus e seus discípulos nos Evangelhos, então celebre a Páscoa, mas lembre-se de sacrificar um animal que, obviamente, não poderá ser um bacalhau. Terá também de circuncidar seu filho e, ao apresentá-lo no Templo, oferecer “um cordeiro de um ano por holocausto, e um pombinho ou uma rola para expiação do pecado” (Lv 12:6). Não se esqueça de entregar o dízimo de tudo, e procurar os sacerdotes quando for curado de alguma enfermidade para cumprir os ritos exigidos em casos assim. O espaço é pouco para descrever todas as outras ordenanças ditadas pela Lei mosaica, e nem pense em apanhar lenha no dia de Sábado, pois a pena para o transgressor é o apedrejamento. A grande dificuldade que você encontrará é que a maioria das ordenanças e cerimônias deverão ser cumpridas no Templo de Jerusalém, o qual não existe mais. Nem tente fazer essas coisas na mesquita islâmica que agora ocupa seu lugar ou você será culpado de iniciar uma guerra.
A dificuldade que a maioria dos cristãos tem para entender isso é por terem faltado à aula de Português quando a professora ensinou a conjugação do verbo “edificar”. Depois de ouvir a declaração de Simão, que disse a Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, o Senhor lhe disse: “… edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:16-18). Ainda em tenra idade aprendi com minha professora que “edificarei” é o futuro do presente do verbo “edificar”, ou seja, construir algo que ainda não existe. Se Jesus disse “edificarei a minha igreja” evidentemente não poderia estar falando de algo que já existia no seu tempo. Quando entramos no livro de Atos, e depois nas epístolas dos apóstolos, aprendemos que a Igreja, que é o corpo de Cristo e inclui TODOS os salvos, e não os membros de alguma organização chamada de “igreja” e criada por homens. A Igreja começou no dia de Pentecostes, no capítulo 2 de Atos quando o Espírito Santo desceu à terra, só depois de Jesus morrer, ressuscitar e ser glorificado.
Em sua Carta aos Coríntios, ao se referir ao que ocorreu em Atos 2, quando nem Paulo, nem os irmãos em Corinto eram convertidos ainda, o apóstolo explicou a eles que naquela ocasião eles haviam sido agregados de forma corporativa a esse “um só corpo”: “Assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também. Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito” (1 Co 12:12-13). Esse é o verdadeiro “batismo no Espírito”, que muitos cristãos confundem com o “selo do Espírito” que recebemos por ocasião da conversão. O “batismo no Espírito” só aconteceu uma vez na fundação da Igreja e sua abrangência vale para todos os verdadeiros salvos por Cristo de todas as épocas. O “selo do Espírito” acontece individualmente e garante que o crente será levado para o céu, “depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória” (Ef 1:13-14).
Resumindo tudo o que disse até aqui, a Páscoa e todos os rituais ordenados na Lei dada a Moisés faziam parte do judaísmo, a única religião que Deus instituiu. Jesus e seus discípulos, nos Evangelhos, estavam inseridos no contexto da Lei e do judaísmo, por isso observavam as festas, sacrifícios e ofertas quando a Igreja nem sequer existia. Esta somente seria formada em Atos 2, mas mesmo assim a revelação do que ela significava só seria dada mais tarde a Paulo, depois de sua conversão. Para nós que somos cristãos, o Antigo Testamento e suas ordenanças e rituais servem de sombras ou figuras que mais tarde seriam concretizadas nos muitos aspectos de Cristo e sua obra. Hoje seguimos a doutrina dos apóstolos dada à Igreja, que pode ser encontrada nas epístolas, portanto para nós existem apenas duas ordenanças: o batismo e a ceia do Senhor. O batismo você precisa apenas uma vez na vida; a Ceia deve celebrar a cada primeiro dia da semana, o dia que chamamos de “Domingo” e não tem o mesmo caráter do “Sábado” judeu.
Então como agir quando parentes e amigos celebram a Páscoa ao nosso redor? Fazendo o que Paulo fez quando visitou os gregos e ficou impressionado ao ver como eles eram “supersticiosos” ou “religiosos”, dependendo da versão da Bíblia que você usa. Paulo não gastou saliva criticando as muitas superstições e idolatrias que ocupavam a vida dos pagãos. Ele simplesmente percebeu que havia um altar dedicado ao “Deus Desconhecido” e concentrou-se neste para anunciar o Deus verdadeiro. É mais ou menos a técnica de se lidar com um cão entretido a roer um osso velho e seco. Tente tirar seu osso e você vai sair mordido da experiência. Ofereça a ele um filé fresquinho e ele largará de bom grado o osso insosso. “E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: ‘AO DEUS DESCONHECIDO’. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio” (At 17:22-23).
Portanto, quando alguém que celebra a Páscoa por causa de tradições católicas ou protestantes, convidar você para comer uma suculenta bacalhoada e saborear uma “Colomba Pascal” ou um “Ovo de Páscoa”, não se faça de rogado. Agradeça o convite, coma essas iguarias que talvez fugissem ao seu orçamento, limpe os fiapos dos dentes, e aproveite para perguntar a seu anfitrião se ele sabe o real significado e importância da ressurreição de Cristo. A partir daí apresente a ele o puro evangelho da graça de Deus.
“Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também recebestes, e no qual também permaneceis. Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão. Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Co 15:1-4).
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O que significa “pagar o último centavo”?
A passagem que gerou sua dúvida está em Lucas 12:54-59, e já posso lhe adiantar que ela nada tem a ver com alguma espécie de purificação pós-morte. A passagem diz: “E dizia também à multidão: Quando vedes a nuvem que vem do ocidente, logo dizeis: Lá vem chuva, e assim sucede. E, quando assopra o Sul, dizeis: Haverá calma; e assim sucede. Hipócritas, sabeis discernir a face da terra e do céu; como não sabeis então discernir este tempo? E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo? Quando, pois, vais com o teu adversário ao magistrado, procura livrar-te dele no caminho; para que não suceda que te conduza ao juiz, e o juiz te entregue ao meirinho, e o meirinho te encerre na prisão. Digo-te que não sairás dali enquanto não pagares o derradeiro ceitil [ou centavo]” (Lc 12:54-59).
Como estamos nos Evangelhos, e estes foram dirigidos primeiramente aos judeus que deveriam receber seu Messias, porém decidiram rejeitá-lo, é sempre importante entender o caráter dispensacional da passagem e sua relação com Israel. Jesus está se referindo à sua vinda, e depois de expressar os princípios que deveriam prevalecer em seu Reino, dirige-se certamente aos fariseus, pois começa a passagem chamando-os de “hipócritas”. William Kelly explica da seguinte maneira:
“Os homens eram bons para julgar os sinais do clima; eram sagazes o suficiente para formar uma opinião quanto àquilo que observavam, mas eram um tremendo fracasso em julgar aquilo que somos como seres humanos. O homem não consegue julgar aquilo que está moralmente acima dele; fazer um julgamento daquilo que lhe diz respeito em seu relacionamento para com Deus; em julgar o que concerne ao seu futuro eterno. Nestas coisas eles falharam miseravelmente, e eram hipócritas. Seu amor pelo mal tapava seus olhos com um véu de aparência religiosa e os tornava cegos. O amor por seus próprios interesses faziam com que fossem rápidos em discernir e praticar tudo o que dizia respeito às coisas desta vida. Mas falhavam completamente em suas consciências, e por isso o Senhor passa a reprová-los. O problema não estava apenas no fato de serem cegos para os sinais que Deus dava exteriormente, mas por que não podiam eles por si mesmos julgar aquilo que era o correto? Esta linguagem é peculiar de Lucas. Mateus fala dos sinais exteriores que Deus tinha prazer em apresentar a eles, mas não tinham olhos para isso. Somente Lucas fala de a responsabilidade de julgamento partir deles próprios, e não apenas basear-se num julgamento que já lhes chegava pronto de fora para dentro. A verdade é que tudo no interior deles estava errado, portanto não julgavam o que era certo.
Israel passava agora por seu julgamento, pois é aqui um obstáculo. Havia uma oportunidade de o povo ser liberto, mas será que iriam recusar? Será que jogariam fora essa oportunidade? Eles precisam aproveitá-la, já que não havia da parte deles diligência em serem achados dignos de merecer aquilo que Deus agora lhes garantia, pela presença de Jesus. Caso contrário a justiça seguiria o seu curso e eles seriam arrastados ao juiz, e o juiz certamente iria entregá-los ao meirinho e este lançá-los na prisão. O resultado seria que nunca poderiam sair dali até que tivessem pago o último ceitil. E isto é, na verdade, o que acabou ocorrendo com a história dos judeus. Eles continuam na prisão e não sairão dessa condição até que toda a dívida seja paga na forma de um castigo imposto por Deus, uma vez que o Senhor irá declarar que Jerusalém recebeu da mão de Deus o dobro por todos os seus pecados. Mas Deus não permitirá que Israel sofra mais. A misericórdia de Deus irá assumir a causa de seu povo no último dia, e sua mão irá executar plenamente aquilo que sua boca prometeu desde o princípio” — William Kelly em “Notes on the Gospel of Luke — The Bible Treasury”.
“Falai benignamente a Jerusalém, e bradai-lhe que já a sua milícia é acabada, que a sua iniquidade está expiada e que já recebeu em dobro da mão do Senhor, por todos os seus pecados” (Is 40:2).
Se os judeus entendessem a importância do momento em que viviam, e estivessem prontos para identificar isso como identificavam as mudanças climáticas, iriam logo fazer as pazes com o adversário deles, no caso aqui representado por Deus, de quem todo ser humano é inimigo. “Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida” (Rm 5:10). “E quanto àqueles meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim” (Lc 19:27).
A Bíblia tem uma só interpretação, mas muitas aplicações. E podemos também pedir licença para usarmos a passagem de uma forma mais pessoal e evangelística, e não dentro do contexto dispensacional relacionado aos judeus, que foi a intenção inicial do Espírito que a inspirou.
Lemos aqui de “magistrado”, “meirinho”, “adversário”, “juiz”, “prisão” e “fiança”. A passagem usa termos extraídos dos sistemas judiciais humanos, porque é diante de um Juiz que todo aquele que não se converter irá se apresentar. Será um processo tão cristalino que não haverá qualquer dúvida de que o réu é culpado e digno de ser lançado nas prisões eternas, ou seja, no lago de fogo. A expressão “não sairás dali enquanto não pagares o derradeiro ceitil” é facilmente entendida quando lida no contexto de todo o plano divino, que mostra o homem pecador como não tendo condições de atender as santas demandas de Deus. Ou seja, ele nunca será capaz de pagar a tal fiança porque não possui recursos de si mesmo. Para todo pecador, nascido nessa condição por causa do pecado de Adão, vale o que foi dito ao Rei Belsazar em Daniel 5:27: “Pesado foste na balança, e foste achado em falta”.
Portanto, o significado aqui é de buscar o quanto antes a reconciliação com Deus porque se precisar enfrentar o Juiz não terá mais escapatória. A passagem nada tem a ver com um suposto purgatório ou expiação de pecados por meio de sofrimentos, orações ou boas obras. A doutrina católica do purgatório não é muito diferente do espiritismo e sua ilusão de reencarnação, e o diabo usa essas coisas para enganar as pessoas com a ilusão de que poderão purgar seus pecados depois ou voltar para pagá-los numa próxima vez. Uma vez vi o cartaz de um filme espírita que tinha um título mais ou menos assim: “Sempre existirá outra chance”.
Como todo ser humano gosta de deixar as coisas para depois nem é preciso dizer que preferem essas doutrinas. A grande preferência das celebridades pelo espiritismo é explicada pela vida dissoluta que muitas delas levam e não querem deixar de levar. Acham que deixando para depois, ainda que sejam conduzidas ao “juiz” e este as entregue ao “meirinho”, e o meirinho as “encerre na prisão”, vivem na ilusão de que lá terão a chance de pagar a fiança, ou “o derradeiro ceitil”.
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 11:28); “Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6:68).
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Por que esse “estilo de culto”?
Você enviou uma série de perguntas questionando o que chamou de “estilo de culto dos congregados em nome do Senhor”. Pelo que entendi você deve ter visitado uma assembleia de irmãos congregados somente ao nome do Senhor e ficou confuso com o que viu, pois nada se assemelhava ao que tem observado em reuniões cristãs de diferentes denominações.
Este é o grande erro da maioria das pessoas, que partem do que veem na cristandade para julgar aquilo que encontram na Bíblia, quando deveriam fazer o inverso: Buscar na Palavra de Deus o padrão e por meio dele julgar o que os homens dizem e fazem nas muitas religiões que criaram. Vamos às suas dúvidas:
P. Por que os irmãos não ficam falando durante a reunião ou gritando, “glória a Deus”, “aleluia”, “amém”?
Porque não encontramos isso na doutrina dos apóstolos. Quando um fala, ele está sendo “a boca” através da qual os santos estão se expressando, pois fala por toda a assembleia. “Para que concordes, a uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15:6).
Além disso, gritaria e confusão em qualquer reunião de pessoas não é considerado ordem, mas bagunça. “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro” (1 Co 14:29-30). “Faça-se tudo decentemente e com ordem.” (1 Co 14:40). “Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão” (1 Co 14:31-33).
O cristão tem o privilégio de adorar a Deus “em espírito e em verdade” (Jo 4:23) e com o pleno domínio de suas faculdades mentais. Seu culto a Deus não é uma demonstração de histeria coletiva ou de perda do controle de seu corpo e sentidos, como fazem os pagãos que são invadidos e dominados por espíritos malignos. O verdadeiro culto a Deus é algo sereno e controlado. “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Rm 12:1-2).
“Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento. De outra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto, o Amém, sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes? Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado” (1 Co 14:15-17).
P. Por que não há apelos para ir a frente aceitar Jesus como Salvador?
Porque a igreja não se reúne para pregar o evangelho, mas para as funções mencionadas em Atos 2:42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações.” Evangelismo é algo que se faz no mundo e a critério daquele que evangeliza. Eventualmente pode-se utilizar o mesmo espaço das reuniões da assembleia para uma pregação do evangelho, mas aí o caráter da reunião é outro. Não se trata de uma reunião de assembleia, de “dois ou três” congregados ao nome do Senhor, mas de uma preleção do evangelho feita por um evangelista.
As reuniões da igreja ou assembleia não têm por objetivo evangelizar, mas a edificação do corpo de Cristo pela manifestação dos dons, em especial de ministério da Palavra. O evangelismo é uma atividade que traz a matéria prima para a assembleia; busca os perdidos, estes são convertidos a Cristo, e então passam a congregar, não para serem salvos, mas porque já foram salvos.
Em Atos 11:19-26 você encontra uma maravilhosa ordem disso. Primeiro, os dispersos pela perseguição saem pelo mundo levando o evangelho (At 11:19-20). Através da obra do Espírito Santo muitos em Antioquia se convertem (At 11:21). Barnabé vem para ajudá-los e ensinar os rudimentos da fé e de como congregar para adoração, ministério da Palavra, comunhão e oração (At 11:22-24). Barnabé reconhece as limitações de seu dom e vai buscar Saulo (Paulo), e ambos congregam naquela igreja recém-formada e ensinam os irmãos (At 11:25-26).
Os dons de Efésios 4:11-12, concedidos pelo próprio Cristo glorificado e não por uma faculdade de teologia, são ali demonstrados em plena ação e direção do Espírito: “E ele mesmo [Cristo] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo”. Aqueles que têm dom de evangelista pregam o evangelho e pessoas se convertem. Alguém com dom de pastor (Barnabé) exorta as ovelhas a terem o Senhor como o centro de sua reunião e a permanecerem nele. Um irmão com o dom de mestre ou doutor (Paulo), que também tem o dom de apóstolo, os ensina com a ajuda daquele que tem o dom de pastor (Barnabé).
P. Por que quem está na frente pregando, não grita e não pula?
Normalmente nas reuniões não existe um homem à frente pregando, a menos que seja uma reunião especial em que um irmão vai à frente para apresentar um tema específico, mas pode ser que outro faça o mesmo depois dele. O mais provável é que você tenha ouvido uma preleção assim quando visitou uma assembleia, ou então havia um irmão usando o salão de reuniões para pregar o evangelho, o que não se caracterizaria uma reunião da assembleia, mas uma pregação do evangelho. Geralmente nas reuniões mais de um irmão ministra.
Mas você perguntou por que a pessoa que ministra não grita e não pula. Porque a fé é pelo ouvir, e a capacidade de ouvir é dada pelo poder da própria Palavra de Deus, e não pelo esforço, inteligência, expressão corporal, técnicas de persuasão, eloquência, etc. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus.” (Rm 10:17). Alguém que seja influenciado por essas coisas vindas do homem não estará sendo convencido pelo Espírito Santo, mas pela carne; não estará recebendo a nova vida que há em Cristo, mas talvez apenas alguma mudança de atitude e comportamento que poderiam ter sido causadas da mesma maneira por um palestrante motivacional. Paulo deixa isso claro em sua primeira carta aos Coríntios, ao dizer:
“E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria. Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado. E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor. A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder; para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus” (1 Co 2:1-5).
P. Existe algum dia em que as pessoas caem no chão, pela unção? Nesse dia ninguém caiu no chão.
Quando a igreja está reunida é para Cristo, para se ocupar com ele, e não com manifestações de histeria individuais ou coletivas. A igreja não congrega para se ocupar com demônios, mas com Cristo. É uma reunião de crentes, não de incrédulos. Vemos, principalmente no livro de Atos que é um período de grande poder e de início do cristianismo, manifestações como as que descreveu, porém não nas reuniões da assembleia. Essas coisas aconteciam nas ruas quando os apóstolos e discípulos saíam a pregar aos incrédulos. Uma vez que aquelas pessoas estivessem libertas de algum demônio e cressem em Cristo elas passavam a ter o Espírito Santo habitando em si. Uma casa ocupada por um inquilino dessa magnitude jamais será ocupada por outro.
P. Por que é sempre silencioso nas reuniões dos congregados ao nome do Senhor?
Quando estamos congregados ao nome do Senhor Jesus Cristo devemos esperar pela direção do Espírito Santo e não tentar organizar as coisas na carne. O silêncio tem esse objetivo, mas quando é demasiado pode denotar também o estado de fraqueza em que nos encontramos, o qual é a marca registrada destes últimos dias da igreja na terra. Não existe razão para tentar fazer de conta que não estamos fracos ou iniciar algum tipo de teatrinho só para preencher o tempo. Devemos nos humilhar e esperar no Senhor.
A passagem em 1 Coríntios 14 diz que “tratando-se de profetas [os que proferem a Palavra de Deus], falem apenas dois ou três” (1 Co 14:29), indicando que o ministério da Palavra em uma reunião da assembleia ou igreja não está limitado a um “padre” ou “pastor” e muito menos a pessoas indicadas por eles. É o Espírito quem decide e levanta quem trará a Palavra porque somente o Espírito de Deus sabe as reais necessidades daquela assembleia para aquele momento.
Além disso, vemos claramente a necessidade de esperarmos uns pelos outros quando estamos congregados. Um princípio disso é ensinado quando Paulo escreve sobre a ceia do Senhor: “Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros” (1 Co 11:33). Também precisamos ter clareza em nossos corações se devemos sugerir um hino, fazer uma oração ou trazer uma palavra de edificação, exortação e consolação. É bom lembrar que mais de um pode ministrar, mas aquele que ministra está tendo seu ministério julgado pelos demais e poderá ser interrompido ou corrigido caso fale algo fora da Palavra de Deus. Mas isso não significa “engessar” a liberdade do Espírito, o qual não deve ser “extinto” ou “apagado”. “Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo. Retende o bem” (1 Ts 5:19-21).
P. Tem algum dia em que as mulheres vão à frente pregar? Não vi mulheres pregando.
As mulheres nunca pregam, porque isto estaria fora da ordem que Deus estabeleceu para elas. Mulheres têm um ministério dentro da esfera que Deus lhes concede, e isso é entre outras mulheres e com crianças. Mas quando a igreja está reunida a ordem é para que fiquem caladas: “Como em todas as igrejas dos santos as vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja” (1 Co 14:33-35). Isso nada tem a ver com a cultura da época, e o apóstolo continua justamente para deixar muito claro que também não é opinião dele: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Co 14:37).
Aprendemos também em 1 Timóteo 2:11-14 que a mulher não deve assumir a posição e autoridade dadas ao homem, deve aprender em silêncio e submissão e não ensinar. “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade de homem, mas que esteja em silêncio” (1 Tm 2:11-12). A razão também é explicada na mesma passagem: “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão” (1 Tm 2:13-14). A mulher é também o alvo preferido de Satanás até os dias de hoje em razão da inimizade que Deus colocou entre os dois em Gênesis 3:15, quando disse à serpente: “E porei inimizade entre ti e a mulher”.
P. Existem testemunhos, narrações de acontecimentos das pessoas na frente falando de quando não eram crentes?
Em nenhum lugar em Atos e nas epístolas vemos a igreja congregada para ouvir experiências pessoais, mas sempre para se ocupar com Cristo, a mesma ocupação que teremos por toda a eternidade. Existe na cristandade hoje um comércio dos chamados “testemunhos” e muitas denominações contratam pessoas que cobram para falar de sua vida devassa e criminosa e depois dizerem que foram salvas por Cristo. Quanto mais tenebrosa a vida que a pessoa levou em sua incredulidade, maior o cachê cobrado para sua apresentação. A carne gosta de ouvir histórias e principalmente se essas despertarem paixões carnais, como acontece em qualquer novela, filme ou noticiário sensacionalista. O crente está morto para o que passou e vivo para Deus.
Aqui vale a recomendação do apóstolo Paulo aos Colossenses: “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra; porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3:1-3).
P. Não teve revelação das pessoas. Tem algum dia em que Deus “revela” alguém para o pregador?
Não sei exatamente do que você está falando, mas talvez seja daqueles pregadores que dizem que o Espírito Santo está revelando que ali tem uma pessoa com este ou aquele problema. Você não encontra nada disso na ordem das reuniões da igreja segundo o padrão bíblico, e uma pessoa inteligente imediatamente percebe que o que se faz nessas chamadas “igrejas” é um truque de manipulação. Algo do tipo: “Deus mandou dizer que seus problemas irão acabar em breve”, ou “Tenho uma grande obra para ti, meu filho” e coisas do tipo. Qualquer pessoa fácil de ser manipulada cai nesse tipo de conversa.
Existem casos mais sofisticados (inclusive denunciados publicamente) em que o pregador tem um “ponto” no ouvido, como aqueles usados por artistas e comentaristas na TV, através do qual lhe são passadas informações sobre pessoas da audiência, as quais foram previamente investigadas por sua equipe. Hoje isso ficou ainda mais fácil graças às redes sociais, que permitem que você saiba quem é quem, se existe alguém doente na família, se o namorado foi embora e coisas do tipo.
Repare que todas as suas perguntas não foram baseadas na Palavra de Deus, mas nas coisas que viu em denominações, principalmente pentecostais, e também em programas de pregadores mercenários na TV. Quando os costumes dos homens se tornam o padrão adotado pelos cristãos estamos vivendo uma apostasia, que é o abandono da Verdade. Nosso tempo é de uma ruína semelhante aos dias de Juízes, no Antigo Testamento, quando prevalecia, não uma direção vinda de cima, mas a opinião pública: “Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos” (Jz 21:25).
Me causou surpresa você não ter perguntado a razão de não terem pedido dinheiro a você, de os irmãos não terem solicitado sua participação na coleta ou insistido em que pagasse algum carnê ou comprasse algum objeto supostamente “ungido”. Ainda que não tenha perguntado, vou responder mesmo assim, pois é o que você mais vê nas ditas “igrejas” neopentecostais por aí. Outro dia um homem incrédulo foi convidado a um “culto” em um lugar assim e contou que saiu horrorizado. Ele marcou no relógio que a maior parte do tempo foi gasto pelo pregador pedindo dinheiro. Depois disso, como falar do evangelho para alguém tão enojado com o falso cristianismo que viu?
Nas reuniões dos irmãos congregados ao nome do Senhor ninguém iria fazer isso porque a Bíblia é clara em mostrar que as necessidades dos santos devem ser supridas por aqueles que também são santos. Existe uma coleta, como ensina 1 Coríntios 16:1-3: “Ora, quanto à coleta que se faz para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que não se façam as coletas quando eu chegar. E, quando tiver chegado, mandarei os que por cartas aprovardes, para levar a vossa dádiva a Jerusalém”. Como pode perceber, são recursos dos santos conhecidos para os santos conhecidos que estejam passando por necessidades (acontecia isso em Jerusalém por causa da perseguição). Não se tratava de obter dinheiro para manter alguma organização religiosa ou um pregador assalariado.
Quando há visitantes, ainda que se digam cristãos (porque hoje no Ocidente a maioria se diz cristão), não é solicitada nenhuma ajuda, pois seria preciso conhecer melhor a pessoa para ter a certeza de não estarmos sendo ajudados por ímpios. Abraão deixou um princípio a este respeito, quando disse ao Rei de Sodoma: “Levantei minha mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra, jurando que desde um fio até à correia de um sapato, não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu; para que não digas: Eu enriqueci a Abrão” (Gn 14:22-23). Devemos seguir este exemplo e também aquele comportamento que o apóstolo João elogiou em sua carta: “Amado, procedes fielmente em tudo o que fazes para com os irmãos, e para com os estranhos… Porque pelo seu Nome saíram, nada tomando dos gentios” (3 Jo 1:5-7).
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Por que Faraó e Judas foram culpados?
Alguém perguntou: “Se foi Deus quem endureceu o coração de Faraó para não deixar os israelitas saírem do Egito, e se foi Satanás quem entrou em Judas para este trair Jesus, como se poderia atribuir a eles culpa pelo que fizeram?” O processo de endurecimento de Judas (e posterior morada de Satanás) é semelhante ao de Faraó e ao dos que receberão o anticristo no futuro, e também ao de qualquer pessoa que rejeite a Palavra de Deus. Primeiro a pessoa endurece o próprio coração para não dar ouvidos a Deus, depois Deus endurece o coração da pessoa.
Ao que parece Faraó endureceu seu próprio coração cinco vezes (número da responsabilidade humana) antes de Deus endurecer seu coração: “Porém o coração de Faraó se endureceu, e não os ouviu…” (Êx 7:13, 22; 8:15, 19, 32). “Porém o Senhor endureceu o coração de Faraó” (Êx 9:12).
O endurecimento próprio não vem da ignorância, mas justamente o contrário. Vem de conhecer e deliberadamente rejeitar. Judas encaixa-se no que é dito em Hebreus 6:4-6, como alguém que teve todos os privilégios de ter andado com Jesus, porém sem nunca ter crido nele: “Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento”.
No futuro, os que receberão o anticristo… “esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano da injustiça para os que perecem” chegarão a esse ponto “porque não receberam o amor da verdade para se salvarem.”. Uma vez tendo eles próprios endurecido seus corações quando havia oportunidade de se salvarem, e não o fizeram, Deus age para que aceitem a mentira como verdade. “E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira; para que sejam julgados todos os que não creram a verdade” (2 Ts 2:9-12).
Isso é mais ou menos o que está em Provérbios 29:1: “O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz, de repente será destruído sem que haja remédio”.
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Seria Eva a segunda esposa de Adão?
Existe uma lenda que alguns tentam associar ao livro de Gênesis, porém isso só pode vir de pessoas que, ou não conhecem a Bíblia, ou não sabem o que é uma lenda, ou estão empenhadas em minar a fé cristã. Ou ainda, que foram reprovadas em interpretação de texto em todos os exames. Trata-se da ideia de que Adão tinha uma primeira esposa chamada Lilith, que teria mantido uma relação com Satanás e gerado uma linhagem de seres malignos.
Outra teoria diz que Lilith teria sido a própria serpente que enganou Eva, e a moda parece que pegou depois que Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina uma Lilith metade mulher, metade serpente, enroscada no tronco de uma árvore. Numa época quando ainda não existiam os gibis a garotada devia adorar ir à missa, mesmo se voltasse para casa com torcicolo. Apocalipse 20:2 deixa claro que a serpente era Satanás e não uma mulher: “Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos”.
Tudo isso tenta se basear na ideia de que, se em Gênesis 1:27 está escrito que “criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”, e Gênesis 2:18 diz “disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele”, então supõe-se que a mulher do segundo capítulo seja outra, já que Adão já tinha recebido uma mulher no primeiro capítulo.
O problema é que em Gênesis 1:27 diz que Deus criou o homem, mas em Gênesis 2:7 também diz que Deus criou o homem, o que na mente limitada dos adeptos da teoria de Lilith deveria significar também que Deus teria criado dois homens! Se eu enviar um e-mail a você dizendo que estou de carro novo, e amanhã enviar outro e-mail para dizer que agora tenho um carro que vai me ajudar em meu trabalho, o que você vai pensar? Que no primeiro dia comprei um sedã e no segundo um utilitário? Nota zero de interpretação de texto para você!
Mas aí vem alguém e diz que existem até manuscritos antigos falando dessa outra mulher de Adão. É, devo admitir que existem mesmo, e esses manuscritos dão conta de que Lilith era o nome de uma deusa conhecida como o demônio da noite que assombrava os lugares desolados de Edom ou também poderia ser um animal noturno que habitava nos desertos. O texto de Isaías 34:14 também traz, no original, uma Lilith: “E as feras do deserto se encontrarão com hienas; e o sátiro clamará ao seu companheiro; e Lilite pousará ali, e achará lugar de repouso para si” (Versão Almeida Revista e Atualizada).
A passagem está falando da terra de Edom no futuro, a qual ficará desolada e entregue às feras quando Deus derramar seu juízo ali. Se essa for a mesma Lilith do Éden é de admirar que não tenha envelhecido depois de tanto tempo! Dependendo da versão da Bíblia você encontrará a palavra hebraica traduzida como “animais noturnos”, “fantasmas”, “bruxa do deserto”, “espectro”, “coruja” ou “demônios”. Seja qual for o significado real da palavra ou sua tradução mais correta, o contexto da passagem claramente nada tem a ver com Adão ou com a Criação.
A lenda de Lilith durante séculos habitou o imaginário popular dos hititas, egípcios, israelitas e gregos, ressurgindo na Idade Média pela pena de autores judeus junto com outras personagens como o Golem. Não sabe quem é o Golem? Você viu o “Quarteto Fantástico”? Não, não estou falando dos Beatles, mas dos super-heróis da Marvel. Pois é, pense no “Coisa” e você terá uma ideia do Golem dos judeus. E aproveite para pensar na “Mulher Invisível” como uma Lilith, só que do mal, não só invisível como também inexistente.
Já nos tempos modernos grupos ligados ao esoterismo e bruxaria passaram a admirar essa figura maligna. O autor irlandês James Joyce a chamou de “padroeira dos abortos”, enquanto alguns grupos feministas veem nela uma heroína por ter simbolicamente ‘rasgado o sutiã’ e se livrado de Adão. Existe até uma revista feminina e feminista judaica que leva o seu nome e também um festival, Lilith Fair, celebrado anualmente para angariar fundos para vítimas de câncer nos seios.
Mas a verdade é que a lendária Lilith, que entre os sumérios seria uma entidade plural de demônios femininos representando o caos, a sedução e a impiedade, era chamada por eles de Lilitu. Os sumérios acreditavam que ela habitava os desertos e era um perigo para mulheres grávidas e crianças, pois seus seios seriam cheios de veneno, e não de leite. Ardat Lilitu, uma lenda derivada, representaria mulheres estéreis frustradas e inimigas de homens. Pense em Lilith como uma versão feminina do “Bicho Papão”.
Não perca seu tempo tentando encontrar lendas e mitologias pagãs nas páginas da Bíblia. Ocupe-se procurando Cristo em suas páginas. Sabia que ele aparece em todos os livros da Bíblia? No Antigo Testamento em sombras, figuras e às vezes pessoalmente, e no Novo Testamento ele vem ao mundo em um corpo humano e depois parte daqui como o protótipo de uma nova Criação. Pois, quantos são os povos pagãos, tantas são as lendas da origem do homem, do pecado, do Éden, do dilúvio e até do Messias vindo ao mundo. O aviso de Paulo cabe aqui para você identificar quem são esses que espalham essas lendas como se fossem verdades bíblicas:
“O Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios; pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência… Rejeita as fábulas profanas e de velhas, e exercita-te a ti mesmo em piedade… Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas” (1 Tm 4:1-2, 7; 4:3-4).
Se não existissem esses que hoje tentam fazer você engolir fábulas como verdade, a previsão do Espírito Santo através do apóstolo Paulo nunca teria se cumprido. Mas como eles estão por aí, disseminando o que aprendem com “espíritos enganadores e doutrinas de demônios”, tendo suas consciências “cauterizadas” por “hipocrisia” e “mentiras”, podemos descansar no fato de que todos os avisos de Deus se cumprem. Não esteja você entre os que têm “coceira nos ouvidos” e vivem navegando nos sites dos “doutores conforme suas próprias concupiscências”. Esses são os que vivem disseminando lendas e teorias conspiratórias para inquietar os cristãos.
Portanto, esqueça a Lilith, Lilite, Lilitu, ou seja lá o nome que ela recebe nas diferentes versões. Prefira a Branca de Neve ou a Bela Adormecida, pois ao menos estas não tentam detonar a verdade da Palavra de Deus. Em um site onde o autor jura que a tal Lilith existiu alguém comentou, “Se existiu, como é que ela não é literalmente mencionada em Gênesis?” A resposta do autor é a mesma de todos os que duvidam da Palavra de Deus e só a utilizam até onde dá para cumprirem seus propósitos. Ele respondeu que “a igreja católica adulterou os manuscritos originais para fazer a Lilith desaparecer”. Fica aqui uma dica de como identificar um apóstata: ele usa a Bíblia para levantar uma teoria, e aí nega a veracidade da mesma Bíblia quando ela coloca em xeque o que ele quer dizer.
Se você acredita mesmo nessa lenda de Lilith como esposa de Adão, então terá de crer também em outras lendas como “verdadeiras”. Tem aquela da Branca de Neve, por exemplo. Eu não acredito em Branca de Neve, e você? Se ficar navegando na Web atrás de lendas e mitologias vai ter baldes e mais baldes de maionese para viajar. Não sou profeta, mas se o mundo ainda existir daqui a alguns milhares de anos alguém irá escavar um manuscrito de um escriba chamado Walt Disney que viveu no século 20, e então publicar um tratado arqueológico afirmando que em nossa época os ratos falavam. E sempre vão existir incautos sentindo coceira nos ouvidos para acreditar nisso.
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O que acha do pregador Fulano?
Muitos escrevem perguntando o que eu acho do pregador Fulano ou Sicrano, e a pergunta às vezes vem acompanhada de um link de áudio ou vídeo do pregador, que na maioria das vezes não tenho tempo para escutar. Não posso julgar a pessoa do pregador, pois isto cabe a Deus. Afinal, somente Deus conhece o coração de cada pessoa, e esta passagem é um alerta muito claro no modo como devemos agir em qualquer caso:
“O fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra” (2 Tm 2:19-21).
Depois de tirar de nós a responsabilidade de decidirmos quem é salvo e quem não é, o Espírito Santo, por intermédio do apóstolo Paulo, nos exorta a nos apartarmos da iniquidade, que no contexto é claramente a má doutrina. Também devemos nos apartar dos vasos ou pessoas que as professam nessa “grande casa” em que se tornou a cristandade, se quisermos ser vasos preparados, não para apenas algumas obras, mas para toda a boa obra. No capítulo todo ele vai demonstrar que nunca saímos ilesos do contato com a má doutrina, pois ela contamina fermento e nos corrói como um câncer.
Se você ler os versículos anteriores verá que ele está se referindo a alguns pontos importantes. Primeiro, que devemos nos fortificar “na graça que há em Cristo Jesus” (2 Tm 2:1), o que elimina de vez qualquer doutrina que ensine que a salvação seja por obras. Segundo, que Deus deu os apóstolos com fonte fidedigna da Verdade que deve ser recebida, pregada e ensinada a outros para que façam o mesmo (2 Tm 2:2). Terceiro, devemos nos manter livres dos embaraços das coisas desta vida, o que neste contexto significa não misturarmos a Verdade de Deus com as modas e tendências do mundo (2 Tm 2:4).
O quarto ponto é que devemos “militar legitimamente” (2 Tm 2:4-5), ou seja, dentro das regras que Deus estabeleceu, o que já descarta de vez esse comércio da fé praticado pelos mercenários e estelionatários encontrados aos montes na mídia e nos templos dedicados à avareza, que é o amor ao dinheiro, e a Mamom. O quinto ponto é que aquele que prega ou ensina como se comportar como um “lavrador” (2 Tm 2:6) que sabe que seu papel é apenas o de semear e regar a planta, enquanto o poder de germinar e o crescimento vêm de Deus, e não de técnicas de persuasão e hipnose que ele aprendeu em alguma faculdade teológica. No sexto ponto, você encontra a exortação para não sermos sábios segundo nossa própria inteligência, “porque o Senhor te dará entendimento em tudo” (2 Tm 2:7).
Se quiser acrescentar mais alguns pontos ao contexto, repare que o apóstolo nos lembra de que Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos; que trabalhos, perseguições e prisões não são elementos estranhos à vida daquele que prega a Verdade, e que apesar de todos os esforços do inimigo, “a Palavra de Deus não está presa” (2 Tm 2:9). As cartas de Paulo, em sua maioria, foram escritas na prisão, para onde o diabo o tinha enviado para evitar que suas palavras chegassem ao povo. Se você possui um Novo Testamento já percebeu que a estratégia do inimigo não funcionou.
Saltando agora para o versículo 15, chegamos mais rapidamente ao assunto de sua pergunta. Repare que ele vai falar agora de “manejar bem a Palavra da verdade” (2 Tm 2:15). Na versão inglesa da Bíblia traduzida por John Nelson Darby esta frase aparece como “cortando com precisão a Palavra da verdade”. A expressão lembra a precisão cirúrgica na hora de dissecar um corpo e separar cada órgão segundo a sua finalidade. É assim que devemos ler a Bíblia, entendendo o que é dito, para quem, quando, onde, em que circunstâncias e com que finalidade.
Antes de ir a esse ponto nevrálgico da compreensão bíblica, que é saber repartir a Palavra da verdade, o apóstolo nos alerta a não nos envolvermos “em discussões acerca de palavras”, pois estas “não têm proveito e servem apenas para perverter os ouvintes”, acrescentando depois que devemos evitar “as conversas inúteis e profanas, pois aos que se dão a isso prosseguem cada vez mais para a impiedade”. Na mesma linha de pensamento ele nos alerta que esse tipo de coisa “alastra como câncer; entre eles estão Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já aconteceu, e assim a alguns pervertem a fé” (2 Tm 2:14-18).
A súmula do que ele diz é que não devo ficar por aí buscando novidades extra bíblicas, em especial aquelas que possam minar os fundamentos da fé cristã (como a mentira que Himeneu e Fileto estavam espalhando sobre a ressurreição), pois a ocupação com o mal em “conversas inúteis e profanas” poderá perverter minha fé, se alastrar como câncer e me levar “cada vez mais para a impiedade”.
Quer um exemplo prático? Fuja dessa profusão de pregadores que negam a ressurreição de Cristo, ou colocam em dúvida sua divindade e a Trindade, ou que causam sobressaltos com teorias conspiratórias envolvendo ETs, Illuminati, chips, terra plana, lua vermelha, calendário maia e outras bobagens que só servem para tirar a paz do cristão. Afinal, depois de ouvir essas coisas, acaso você poderá fazer algo a respeito ou tornar sua vida melhor quando acordar na segunda-feira?
Voltando à sua pergunta, como já disse, ainda que eu não possa julgar a pessoa do pregador ou suas intenções, devo sim julgar suas obras e doutrinas. Jesus alertou os discípulos: “Acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus… Então compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus” (Mt 16:6-12). Se for um daqueles pregadores que pedem dinheiro eu nem perco meu tempo em escutá-lo. Na Bíblia não temos ninguém pedindo dinheiro quando pregava, muito menos para uma audiência mista de crentes e incrédulos. Nosso exemplo deve ser o dos primeiros cristãos, “porque pelo seu Nome saíram, nada tomando dos gentios” (3 Jo 1:7).
Se o pregador for católico, também não perderei meu tempo escutando sua pregação, porque a doutrina católica não considera Cristo o substituto do pecador, mas apenas seu representante. A diferença é enorme, e já falei disso em outra ocasião. Além disso, na pregação católica existe uma mistura grande de evangelho com doutrinas marianas e superstições, além do fato de o catolicismo não considerar apenas a Bíblia como Palavra de Deus. A tradição dos papas ou de seu colegiado é usada como “voto de Minerva” quando existir uma discrepância entre o que a Bíblia diz e o que os papas disseram.
Também não paro para ouvir um pregador pentecostal, porque se ele não tem certeza da própria salvação, por achar que ainda precisa perseverar para garanti-la, como pode falar com certeza que é Cristo quem salva sem a ajuda do homem? Evito também aqueles que pregam a Lei de Moisés, o batismo ou a guarda do Sábado como elementos essenciais à salvação, ou ainda a necessidade de se fazer membro de uma determinada religião. Suas palavras me farão perder tempo e ainda terão o poder de me contaminar, como já expliquei antes.
Se for uma “pregadora” também não pararei para ouvi-la, pois a Palavra de Deus é clara em proibir “que a mulher ensine, ou exerça autoridade de homem” (1 Tm 2:12) e também que “as mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar… porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja”, acrescentando que essas ordens “são mandamentos do Senhor” (1 Co 14:34-37). Ainda que os costumes tenham mudado ao longo dos séculos, a Palavra de Deus permanece a mesma e o Espírito de Deus não deu essa ordem por causa de costumes que vigoravam há dois mil anos. Ele remete a razão dessa ordem ao Jardim do Éden, dizendo que “Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão” (1 Tm 2:14).
Restam então alguns pregadores protestantes fundamentalistas, como os metodistas, batistas ou presbiterianos, mas dentre estes é preciso saber se estão pregando o evangelho puro ou um evangelho social, filosófico, político, motivacional ou de psicologia humana. Alguns pregadores, de formação arminiana, pregam um evangelho misturado, como se a capacidade de crer pudesse existir em um pecador morto em seus pecados, quando a verdade é que “não há ninguém que busque a Deus” (Rm 3:11). Outros, de formação calvinista, são mais precisos em demonstrar a incapacidade de o homem pecador e arruinado salvar-se a si mesmo e precisar ter sido eleito antes da fundação do mundo. Mesmo assim, costumo encontrar a maioria deles no hall de entrada do palácio. O que quero dizer com isso?
Quero dizer que, embora apresentem a mensagem da salvação de forma clara e bíblica, o Evangelho é apenas o saguão de um palácio onde existem outros aposentos repletos das riquezas dos desígnios de Deus. Não devo acompanhá-lo aos demais cômodos desse palácio, pois provavelmente não encontrarei neles a sã doutrina dos apóstolos. O mero fato de serem clérigos ou pertencerem a um sistema religioso irá demonstrar que não entenderam a revelação da Igreja que foi dada ao apóstolo Paulo. Se professam a teologia do pacto, idem, pois misturam Antigo e Novo Testamentos e não sabem distinguir Israel, o povo terreno de Deus, da Igreja, o povo celestial.
Um irmão chamado Heinz Brinkmann, que já está com o Senhor, resumiu bem uma lista de verdades encontradas na Bíblia, porém desconhecidas dos reformadores protestantes, que estabeleceram seus dogmas apenas sobre o que ensinaram Lutero, Calvino e outros, que foram depois adotados por religiões protestantes e evangélicas. Algumas verdades dessa lista são:
• A vocação celestial do crente em Jesus.
• A diferença entre a Igreja e o reino.
• A diferença entre o evangelho do reino e o evangelho da graça de Deus.
• O reino futuro ainda assegurado para Israel.
• Nossa posição perfeita diante de Deus.
• A verdade do corpo de Cristo.
• A verdade da casa de Deus e sua ordem.
• O significado de se guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.
• O batismo nas águas sem qualquer ligação com ser membro da igreja.
• A presença do Espírito de Deus na igreja, dirigindo e usando quem ele quer.
• O erro do sistema clerical.
• A ruína da igreja e o testemunho remanescente.
• O significado do arraial.
• A diferença entre pecado e pecados.
• A diferença entre posição e condição do crente.
• A diferença entre perdão eterno e perdão administrativo ou governamental.
Evidentemente o conhecimento dessas verdades não tornará você mais apto à salvação do que estava no momento em que creu em Cristo. Não é pelo conhecimento acumulado que somos salvos, mas pela fé em Jesus. Mas são verdades preciosas para crescermos mais e mais no conhecimento daquele que nos salvou. Contentar-se com a salvação apenas não é exatamente o desejo que Deus tem para nós. Repare nos dois estágios do versículo a seguir: “Deus, nosso Salvador… deseja que todos os homens [1] sejam salvos e [2] cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1 Tm 2:4).
Então, resumindo, será que posso desfrutar da mensagem pura do Evangelho pregada por algum pregador denominacional? Sim, evidentemente, se ele não pedir dinheiro, não falar de salvação por obras, guarda da Lei ou perseverança, e nem condicioná-la a frequentar alguma religião. Será que posso aprender dele verdades relacionadas às diferentes dispensações de Deus, à Igreja, o Corpo de Cristo, e aos eventos proféticos? Nem sempre, pois dificilmente o que ele pregar chegará até mim sem mistura, pois terá sido processado pela organização à qual pertence e limitado àquilo que ela determinou em seus dogmas que deve ser seguido por seus clérigos e pregadores.
Com isso não estou colocando em dúvida a sinceridade do pregador, sua salvação ou seu dom, mas apenas me precavendo para não ser contaminado pelos dogmas, doutrinas, costumes ou tradições misturados à sua mensagem.
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O ISIS aparece na profecia bíblica?
As perguntas são as mesmas, mudando apenas seus protagonistas. Será o ISIS o cumprimento das profecias bíblicas? Estaremos na iminência de uma invasão islâmica mundial? Será o anticristo alguém de barba e turbante casado com um harém de mulheres vestidas de burca? Se a Internet tivesse sido inventada há mais de mil anos, quando começou a invasão moura da Europa, teríamos vídeos sensacionalistas de cristãos alertando sobre a invasão muçulmana como o cumprimento das profecias. No final daquele período de conquista que durou mais de mil anos, cerca de 75% da população da Península Ibérica havia se convertido ao islamismo.
Mas não é apenas de invasões religiosas que vivem os conspiratórios do Youtube. Se você vivesse na Idade Média e fosse chegado em uma catástrofe biológica, então poderia assistir centenas de vídeos “provando” que a peste negra que se alastrou pelo mundo seria o quinto anjo de Apocalipse 16 derramando sua taça de malignidade. Afinal, que coisa mais apocalíptica poderia existir do que uma praga que matou um terço da população da Europa? E hoje ainda tem gente que usa o vídeo-terror-profético para falar do Zika!
Avance alguns séculos e lá está outra praga de proporções bíblicas se cumprindo no final da Primeira Guerra Mundial, isto se você não achar que a própria guerra já tenha sido o Armagedom, como muitos na época achavam. Estou falando da gripe espanhola que se alastrou pelo mundo e ceifou a vida de quase cem milhões de pessoas. Acha pouco? Que tal a Segunda Guerra e todas as outras que se seguiram? Ou a enorme lista de terremotos, tsunamis e enchentes que são presença constante no calendário da Terra desde o Dilúvio universal?
Acho que você já entendeu que é uma grande tolice viver aos sobressaltos achando que cada vez que aparece um vírus como o Zika, ou terroristas atacam o World Trade Center, ou os países decidem criar chips de identificação, estamos vendo o cumprimento das profecias bíblicas. Será para isso que o cristão foi deixado no mundo ou para se ocupar com algo muito mais importante do que as notícias do jornal?
A primeira chave para entender a profecia bíblica está neste versículo de Apocalipse 19:10, que diz: “O testemunho de Jesus é o espírito de profecia”. Isto significa que o real objetivo da profecia é testemunhar de Cristo, e não desviar o foco para epidemias, guerras e catástrofes. Esses vídeos, sites e blogs que você encontra aos montes na Web e mais parecem jornalecos sensacionalistas obviamente não estão exaltando a Cristo, mas desviando o foco para acontecimentos que amanhã estarão na longa lista de catástrofes históricas deste mundo arruinado pelo pecado.
Se você for um cristão verdadeiro, que creu em Cristo como seu Salvador e recebeu o perdão de todos os seus pecados e a vida eterna, existe uma segunda chave para entender a profecia, a qual está intimamente ligada à primeira. Mas antes de mostrá-la vou fazer uma pergunta que tem por objetivo desfazer a interpretação errônea que as religiões dão à passagem em questão.
Suponha que você esteja comandando um pequeno grupo de soldados responsáveis por guardar uma ilha perdida no Pacífico. De repente seu rádio dá um sinal. É seu comandante dizendo:
“A população nativa do arquipélago tem um excelente conceito de vocês, e todo o exército pensa o mesmo do serviço que vocês têm realizado nessa ilha. Hoje detectamos um tsunami indo na direção de vocês e essa ilha será varrida do mapa. Mas não há motivo para se preocuparem, pois vamos enviar um helicóptero de resgate antes que o tsunami atinja a ilha. Portanto a coisa mais importante para vocês fazerem agora é esperar dos céus o helicóptero que irá livrá-los do tsunami futuro”.
Ao receber essa notícia, o que você e seus comandados esperariam? O tsunami ou o helicóptero de resgate? Agora preste atenção na passagem a seguir e responda: Você está esperando pelo Piloto que irá resgatá-lo ou pelo tsunami que irá varrer sua ilha depois de sua partida? A passagem é esta:
“Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura” (1 Ts 1:9-10).
Quando me converti a Cristo em 1978 eu tinha pouco conhecimento da Bíblia e muita vontade de consumir tudo o que dizia respeito à profecia bíblica. Em minha conversão Deus havia usado, entre outras coisas e pessoas, o livro “A Agonia do Grande Planeta Terra”, de Hal Lindsay, para escrever direito por linhas tortas e me levar a Cristo. Hoje sei que o livro tinha muitos furos que, na época em que foi escrito (1970), pareciam ser o cumprimento das profecias bíblicas. Mas não eram.
Naquele tempo o anticristo da vez nos livros cristãos de profecia era o Gorbachev com sua mancha vermelha na testa e a Guerra Fria era o prenúncio do fim do mundo. Eu assinava duas publicações sensacionalistas de uma organização de nome “Chamada da Meia Noite”, liderada por Wim Malgo, que publicava uma revista de mesmo nome e outra chamada “Notícias de Israel”. Ambas usavam muito da técnica de Hal Lindsay e de centenas de livros, sites e vídeos modernos: a profecia reversa.
Não sei se existe o termo “profecia reversa” relacionada à Bíblia. Pesquisei e encontrei a expressão em português usada apenas em uma edição de gibi do Tio Patinhas com o título “A profecia reversa do fim do mundo”. A julgar pela capa, a história parece brincar com o Calendário Maia que em 2012 fez muita gente mudar-se para Alto Paraíso de Goiás e outros refúgios esotéricos esperando o fim do mundo que nunca veio. Conheço muita gente em Alto Paraíso que trabalha no comércio de lá e torce para que venham outros “fins do mundo” como aquele.
Mas o que seria uma profecia reversa? Algo como “engenharia reversa”, um termo usado na indústria para descobrir segredos do concorrente desmontando um produto e tentando fabricar um similar com peças parecidas. Um bom exemplo de engenharia reversa é Frankenstein, o homem construído com partes de diferentes cadáveres. Se você achar que o resultado final da história de ficção foi bom então vai gostar também do que dizem esses arautos das desgraças em seus livros, sites e vídeos de profecia. Eles fazem algo parecido: Pegam os eventos do jornal de hoje e tentam fazer suas peças se encaixarem na Bíblia na marra, como na antiga propaganda que mostrava um mecânico marretando uma peça não original no motor do carro. O resultado é um Frankenstein profético, que até lembra um ser humano, mas nada tem a ver com a realidade.
Não precisa ser muito inteligente para perceber que essa técnica pode funcionar em qualquer circunstância. Um adolescente aficionado por profecia que vivesse nos anos 1940 e tivesse Internet e Youtube iria produzir vídeos incríveis provando que Hitler era o anticristo, o Nazismo a besta, a Segunda Guerra Mundial o fim do mundo. E no final da guerra ele certamente encontraria uma passagem em Apocalipse onde encaixar a bomba atômica. Que tal esta? “Vi uma estrela que do céu caiu na terra… e abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço, como a fumaça de uma grande fornalha, e com a fumaça do poço escureceu-se o sol e o ar” (Ap 9:1-2).
Se ele continuasse insistindo mais alguns anos iria acabar interpretando os gafanhotos de Apocalipse 9 como helicópteros militares. Durante a Segunda Grande Guerra eles ainda eram rudimentares comparados aos das guerras da Coréia e Vietnã, mas nos anos 1950 eles já poderiam ser encaixados a golpes de marreta na profecia bíblica. Afinal, o texto diz que eles “tinham couraças como couraças de ferro; e o ruído das suas asas era como o ruído de carros, quando muitos cavalos correm ao combate. E tinham caudas semelhantes às dos escorpiões, e aguilhões nas suas caudas” (Ap 9:9-10). O que seriam os aguilhões? Metralhadoras e mísseis, obviamente. Mas não se apegue aos “helicópteros proféticos” porque os drones vieram para ficar e certamente acharão seu lugar no Apocalipse desses autores.
Ao produzir seus textos e vídeos proféticos nosso suposto autor iria então colocar muita ênfase aterrorizante em alertar os cristãos que algo precisaria ser feito para combater aquele “anticristo” que ele achou que foi profetizado nas páginas da Bíblia. Qual? Bem você poderia escolher entre Hitler, Gorbachev, o Papa, Gengis Khan, Osama Bin Laden… O problema é que se existir algo que você possa fazer para evitar isso, então acabará criando um paradoxo, pois você terá evitado o fim do mundo e assim invalidado as profecias bíblicas que o anunciavam.
Eu ainda não era nascido quando os muçulmanos começaram a ocupar a Europa lá pelo ano 700 e chegaram a 300 quilômetros de Paris nos séculos seguintes. Só foram definitivamente expulsos em 1492, no mesmo ano em que Cristóvão Colombo partia para a América. Não, os muçulmanos não fugiram achando que Colombo iria pedir ajuda ao Tio Sam. Os islamitas que ainda estavam em Granada simplesmente se renderam, terminando assim a campanha daqueles avós do ISIS. Portanto, quando você assistir algum vídeo falando do ISIS e sua tentativa de fazer do mundo um grande Califado, lembre-se de que esse filme já esteve em cartaz mais de mil anos atrás.
Uma dica que dou a qualquer um que esteja apaixonado por assuntos proféticos: Verifique antes se o vídeo, blog ou livro falando de profecia não é um disco tocando ao contrário. Quero dizer, confira se não é alguém catando pedaços de notícias no jornal e tentando fazer esses pedaços caberem na Bíblia. Você nunca poderá confiar no que ele diz, porque todo mundo sabe que amanhã o jornal de hoje não presta mais. Não é assim que se estuda profecia, mas no sentido inverso. Devemos ir para a Palavra de Deus e entender o que Deus revelou do futuro e, principalmente, com que parte dessa revelação ele quer que nos ocupemos mais.
Se você fizer isso, irá logo descobrir que o tema da profecia, e seu Ator principal, é Cristo, pois “o testemunho de Jesus é o espírito de profecia” (Ap 9:10). Então também irá aceitar o que Deus diz em sua Palavra, que o objetivo do cristão enquanto está neste mundo é “servir o Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura” (1 Ts 1:9-10).
Para isso talvez você precise descartar conceitos teológicos que aprendeu da “Teologia do Pacto”, os quais predominam nas religiões cristãs fundamentalistas católicas e protestantes e querem fazer você crer que a Igreja não passa de uma versão 2.0 de Israel. Essa teologia ensina que pertenceriam à Igreja, e não de Israel, as promessas de paz e prosperidade material dadas por Deus no Antigo Testamento. Seria também da Igreja o direito de dominar o mundo, o que obviamente justificaria todas as Cruzadas e até as guerras atuais para “libertar” o mundo de religiões não cristãs, como o islamismo e o judaísmo.
De onde você acha que veio a ideia de cristãos perseguirem judeus e a tentativa de exterminá-los durante as inquisições católica e protestante? Do Papa apenas? Então tome este famoso tratado de Martinho Lutero que começa com a pergunta: “O que devem fazer os cristãos contra este povo rejeitado e condenado, os judeus?”. Em seguida ele vai sugerindo coisas como queimar suas escolas e sinagogas, cobrir os restos com terra, destruir suas casas, tirar deles seus livros de orações, além de proibir seus rabinos de ensinar, sob pena de morte ou amputação. (Extraído de “Sobre os judeus e suas mentiras”, de Martinho Lutero).
Continue sem entender as dispensações e a distinção que Deus faz de Israel — o povo com promessas que serão cumpridas no futuro — e a Igreja — um povo com herança celestial, e não terrena — e você nunca irá entender a profecia. Além disso, continuará sendo presa fácil dos pasquins proféticos que hoje vêm em forma de livros, sites e vídeos que só produzem inquietação, e não consolo, para os salvos por Cristo. Isso impedirá você de desfrutar da preciosa esperança do iminente encontro com o Senhor nos ares, e fará com que viva aos sobressaltos à medida que novas notícias aterradoras surgirem nos jornais e forem costuradas nesse horrível Frankenstein profético que esses autores nunca terminam de produzir.
Afinal, o ISIS é um “new kid on the block”, se considerar que seu passado mais remoto só chega até 1999, e a sigla atual surgiu apenas em 2013. Em suma, nenhum autor de livros proféticos esteve correto antes disso em seus vaticínios e achar que nada mais virá depois desse movimento é ingenuidade. Portanto, quando assistir um vídeo alardeando que o ISIS é a última bolacha do pacote em termos de profecia, vá devagar porque o andor neste caso nem é nem de barro, mas de areia. Pode até ser que este e outros grupos deixem resíduos que farão parte da profecia, mas esta só terá seu cumprimento após o arrebatamento da Igreja, que é quando o relógio profético voltará a bater.
Quando alguém me envia algum texto ou vídeo alarmista desses supostamente proféticos eu nem vejo. Não há consolo algum nessas publicações, mas existe um consolo grande no que Deus diz em sua Palavra concernente à esperança que é para a Igreja:
“Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (1 Ts 4:17-18).
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Seria Cristo um “Segundo Adão”?
Aparentemente há duas formas de se encarar a relação “primeiro-último” ou “primeiro-segundo”, quando falamos de Adão e Cristo. Se o assunto for o homem natural, então temos o “primeiro Adão”, que começou no Jardim do Éden, e o “último Adão”, que foi o último exemplar de uma linhagem que terminou na cruz. A cruz é o ponto final onde o homem desembarca por não existir outra parada nessa linha. Por isso Paulo chama Cristo de “último Adão”, pois ali Deus colocou um fim àquela primeira criação iniciada em Adão.
“Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante… O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu” (1 Co 15:45-47). Nesta passagem o Senhor é chamado de “segundo Homem” porque Deus iniciou nele uma nova criação, pois “Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co 15:20).
Embora não encontremos nas Escrituras a expressão “segundo Adão”, creio que ela possa ser usada quando a posição de Adão, como o administrador de toda a Criação, for comparada com a posição de Cristo. O primeiro falhou em sua administração, o segundo jamais falhará. Portanto neste sentido administrativo ou de governança temos um “primeiro Adão” e um “segundo Adão”. Vários autores utilizam estas expressões e John Nelson Darby faz o mesmo quando considera este aspecto de Cristo como o sucessor administrativo de Adão:
“Adão foi criado à imagem de Deus, e foi colocado para governar sobre as obras das mãos de Deus, sendo ele o centro de um vasto sistema de coisas subordinadas a ele, e as quais ele possuía domínio universal. O apóstolo diz que ele foi a imagem daquele que viria; e o mesmo apóstolo toma o Salmo 8, que textualmente estaria limitado ao primeiro Adão, e aplica a universalidade de seus termos ao total domínio do segundo. Não há dúvida de que o domínio do Segundo Adão é muito mais extenso do que o do primeiro, pois, tendo ele criado todas as coisas, ele irá herdar tudo o que criou; mas não é menos verdade que o primeiro Adão, como imagem de Deus, como o centro do sistema no qual foi colocado, como tendo domínio sobre a criação pela qual ele estava cercado, foi a imagem ou tipo do Senhor Jesus, o Filho do homem, Cabeça sobre todas as coisas. Outras coisas ampliam essa semelhança. Eva, ao assumir um senhorio ao qual ela não tinha qualquer direito, mas do qual desfrutava por ser uma com Adão, é a figura mais vívida da igreja, e é assim maravilhosamente usada pelo apóstolo em Efésios 5. Temos também, conforme Romanos 5, no Adão caído, a cabeça de uma raça envolvida em seu pecado e em todas as suas consequências, do mesmo modo como no Segundo Adão, quando a justiça foi cumprida, temos a cabeça de uma irmandade ou família que participa em tudo o que ele é como Cabeça dela na presença e sob a vista de Deus”. — John Nelson Darby em “The Principles displayed in the Ways of God, compared with His Ultimate Dealings”.
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Cristãos denominacionais são mais ativos no evangelismo?
Sua dúvida tem a ver com o comentário feito por Bruce Anstey no capítulo 1 de seu livro “Ao Seu Nome”, quando ele diz: “Os que estão nas igrejas evangélicas devem ser vistos como exemplo de diligência no trabalho evangelístico. Na verdade, eles nos fazem ficar envergonhados”. Seria isso um aval para as pessoas congregarem nas denominações? É claro que não, ele está apenas constatando um fato.
Se ler o capítulo todo verá que ele explica bem a razão disso. É não apenas uma questão de números, porque existe mais gente nos sistemas denominacionais do que fora deles, como também de motivação. Nos sistemas religiosos existe um grande esforço dedicado ao evangelismo, não só porque Cristo ordenou que evangelizássemos, mas também porque para se manter uma estrutura denominacional é preciso sempre acrescentar mais gente e, com isso, mais receita vinda de dízimos e ofertas.
Esse esforço evangelístico tem também sua motivação baseada no erro de pensar que evangelização seja uma atividade coletiva da igreja. Por isso os membros desses sistemas recebem encargos evangelísticos que nem sempre são condizentes com o dom que receberam do Senhor, e acabam saindo a contragosto apenas para cumprir as metas que lhes são impostas pela organização. Em alguns casos mais radicais os líderes ameaçam os membros de suas igrejas com a perda da salvação ou colocam em dúvida a fé deles caso não estejam empenhados na evangelização.
A evangelização não foi uma ordenança dada à igreja como um todo, mas inicialmente aos apóstolos do Senhor quando ainda estavam na esfera do judaísmo. O primeiro objetivo evangelístico não era ainda no sentido de pregar que Cristo morreu e ressuscitou e que é preciso crer nele para ser salvo, mas que o Reino de Deus era vindo e os judeus precisavam se arrepender e aceitar seu Messias e Rei. Este era o evangelho inicialmente pregado aos judeus. Mas certamente a ordem de evangelizar também é para cada cristão individualmente na atual dispensação e no tempo da Igreja que se iniciou no dia de Pentecostes em Atos 2. A questão é que evangelismo é uma responsabilidade individual, enquanto a responsabilidade da Igreja coletivamente se apoia sobre quatro pontos: comunhão, doutrina dos apóstolos, ceia do Senhor e oração.
Repare que nas atividades citadas para a assembleia ou igreja você não vê evangelismo: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações” (At 2:42). Vá agora ao capítulo 11, dos versículos 19 ao 26, e veja o que os primeiros cristãos faziam por iniciativa própria, ou seja, sem serem enviados por alguma “Junta de Missões”, “Igreja”, “Pastor” ou seja qual for o nome dado aos vários departamentos evangelísticos criados na cristandade. Eles simplesmente saíam evangelizando.
“E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus. E havia entre eles alguns homens cíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor” (At 11:19-21).
Quando pessoas se convertiam, dons como o de Barnabé, que era claramente um pastor (não cargo, função ou título, mas dom), ajudavam os novos convertidos a permanecerem no Senhor (vers. 22-24) e dons como o de Paulo (mestre), auxiliado por Barnabé (pastor), se incumbiam de ajudar no crescimento daqueles novos membros do corpo de Cristo (vers. 25-26). Veja que escrevi “membros do corpo de Cristo” e não membros de alguma igreja ou instituição religiosa. Esses dons são dados por Cristo, e não por homens:
“E ele mesmo [Cristo ressuscitado e glorificado] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:11-12).
Voltando agora à afirmação do autor do livro, de que na cristandade denominacional existem irmãos com dons e com um exercício no evangelho maior até do que aqueles congregados fora das denominações e somente ao nome do Senhor, isso é fácil de explicar. Não reconhecer que irmãos espalhados pelos sistemas religiosos são ativos na pregação do evangelho é não reconhecer os dons, e não reconhecer os dons é não reconhecer o corpo de Cristo. E não reconhecer o corpo é falhar no entendimento de que existem membros desse corpo espalhados pela cristandade que Deus usa muito mais, numericamente falando, do que os que ele usa entre os que estão separados dos sistemas.
Não se esqueça de que mesmo nas denominações o Espírito Santo está agindo, salvando almas por meio daqueles que têm o dom de evangelistas e depois alimentando ali aqueles que são membros do corpo de Cristo por meio dos dons de pastor e mestre. Volto a lembrar que quando digo “pastor” não estou falando de um homem que fez teologia e foi empossado em um cargo de dirigente de congregação por uma junta de homens ou por voto da própria congregação. Em muitas igrejas denominacionais é provável que você encontre no púlpito alguém com o dom de evangelista (e aquela congregação só ouvirá o evangelho e apelos dia após dia), enquanto aquele que verdadeiramente tem o dom de pastor sentado no banco e exercendo seu dom na visita às ovelhas em suas necessidades, porque é isso que um pastor faz. E aquele que tem o dom de mestre igualmente sentado no banco e exercendo seu dom em conversar com irmãos ou por meio de algum blog ou rede social na Web.
É inegável que, mesmo dentro dos sistemas religiosos, o Espírito Santo continua agindo por meio da sua Palavra e pessoas são salvas, consoladas, edificadas e alimentadas. Deus não faria o contrário, porque ele ama os que pertencem a ele. O problema é que muito do alimento que essas ovelhas recebem ali está misturado com os dogmas e erros doutrinários do sistema, mas mesmo assim algum alimento elas recebem. É claro que comeriam muito melhor se saíssem daquele aprisco cercado de muros dogmáticos para congregar reunidos — não mais por cercas, muros e paredes denominacionais —, mas em torno do único centro de reunião que Deus colocou: a própria Pessoa do Pastor das ovelhas, Cristo Jesus. “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18:20).
No Antigo Testamento, quando ocorreu a divisão entre as tribos de Israel, duas permaneceram no lugar que Deus havia determinado que os israelitas adorassem, ou seja, o lugar onde o Senhor havia colocado o seu Nome, conforme ele prometera em Deuteronômio 12:11: “Então haverá um lugar que escolherá o Senhor vosso Deus para ali fazer habitar o seu nome; ali trareis tudo o que vos ordeno; os vossos holocaustos, e os vossos sacrifícios, e os vossos dízimos, e a oferta alçada da vossa mão, e toda a escolha dos vossos votos que fizerdes ao Senhor”.
Naquele tempo esse lugar era também um lugar físico representado pelo Templo de Jerusalém. Hoje o nome de Jesus continua a ser o centro de reunião onde ele promete estar. Mas naquele tempo dez tribos se separaram e passaram a adorar fora do centro divino de reunião. Todavia mesmo assim Deus não deixou suas ovelhas de então sem alimento.
Você já reparou que dois dos maiores profetas de Israel não estavam no centro divino de reunião (Jerusalém) e nem com as duas tribos que ficaram ali (Judá e Benjamim), mas justamente entre as dez tribos divididas? Eram eles Elias e Eliseu, que reconheciam Israel como um todo (Elias construiu um altar com 12 pedras) e são a prova de que Deus não deixa os seus sem um ministério, mesmo quando estão no lugar errado.
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Religião séria é religião boa?
Já recebi mais de um e-mail de pessoas perguntando o que acho dos Mórmons ou das Testemunhas de Jeová e se são religiões sérias. Os e-mails eram de pessoas que foram convidadas para visitar essas religiões e saíram bem impressionadas com sua seriedade e organização. Uma delas, após visitar os Mórmons, escreveu que eles têm “uma visão diferente do evangelho, visitei sua igreja muito bonita e pregam coisas boas e parece que não são mercenários”.
Quando jovem costumava pescar em uma represa próxima. Armávamos uma rede cercando uma grande moita de aguapé e íamos pelo outro lado, entrando na moita com água até o pescoço, batendo com varas na água e fazendo um grande estardalhaço. Os peixes fugiam desesperados para o lado onde estava a rede e eram apanhados. Está ocorrendo um efeito semelhante hoje no mundo religioso.
A abundância de mercenários na cristandade que estão batendo com suas varas de pedir dinheiro nos “templos” e programas de rádio e TV está fazendo com que os “peixes” que têm um mínimo de bom senso e capacidade de detectar a pilantragem fujam desesperados em direção à rede mortal das religiões pseudocristãs. Elas são sérias, pregam coisas bonitas, falam de amor, respeito, etc. e não enfiam a mão no bolso de seus membros. Outros também correm em direção aos grupos sem denominação sem sequer julgarem se suas doutrinas são bíblicas. O fato de não serem organizações religiosas constituídas dá a eles uma falsa segurança de estarem fora do perigo.
Mas é aí que mora o perigo, pois muitos desses novos grupos não-denominacionais, assim como essas religiões pseudocristãs como a “Torre de Vigia”, das “Testemunhas de Jeová”, e a “Igreja dos Santos dos Últimos Dias”, dos Mórmons, negam o próprio fundamento do cristianismo: Cristo, o Filho de Deus encarnado, Deus e Homem, que derramou seu sangue na cruz para nos salvar e ressuscitou ao terceiro dia para nossa justificação. É contra esses que o apóstolo João, inspirado pelo Espírito Santo, alertou em sua epístola.
“Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora. Saíram de nós, mas não eram de nós… Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? É o anticristo esse mesmo que nega o Pai e o Filho. Qualquer que nega o Filho, também não tem o Pai; mas aquele que confessa o Filho, tem também o Pai… Estas coisas vos escrevi acerca dos que vos enganam” (1 Jo 2:18-26).
Algumas características dessas religiões é que saíram da cristandade, mas não são cristãs em seus fundamentos. Elas negam que Jesus é o Filho Eterno de Deus, pré-existente e coexistente na eternidade passada com o Pai e o Espírito Santo; negam que ele tenha encarnado, que seja “Deus conosco”, o “Emanuel”, Deus e Homem, vindo para morrer, e que o seu sangue nos purifica de todo pecado. Finalmente, pregam uma salvação por mérito (boas obras, perseverança na religião, batismo, sacramentos, etc.), e não unicamente pela fé na Pessoa e obra de Cristo.
Portanto, entre apanhar com as “varas de pedir dinheiro” dos pregadores de curas e prosperidade, e cair na “rede” dos que negam as doutrinas fundamentais da fé cristã, o melhor é ficar só com Cristo. Não é a uma religião que devemos ir, mas a uma Pessoa. Não é a uma religião que devemos nos unir ou nos fazer membros, mas saber que quando cremos em Cristo fomos feitos, por ele e mais ninguém, membros do seu corpo, composto de TODOS os salvos por Cristo e não apenas por alguns que pertencem a uma seita ou religião.
“Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já está no mundo” (1 Jo 4:1-3).
Confessar que Jesus veio em carne não é simplesmente admitir que ele nasceu como acontece com qualquer ser humano. Vir em carne significa que ele já existia em outro lugar antes de vir, o que implica reconhecer sua divindade e eternidade. Esteja sempre muito atento ao que as pessoas ensinam por aí, porque ao tentar escapar das “varas” dos vigaristas que pedem dinheiro e são “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo” você pode acabar caindo na rede do “próprio Satanás se transfigura em anjo de luz” (2 Co 11:13-14).
Você não precisa conhecer todo o veneno e as armadilhas que milhares de religiões despejaram nas águas da cristandade, mas precisa saber como ficar longe dele fazendo as perguntas certas sempre que for confrontado com alguma nova doutrina. Eu costumo fazer algumas perguntas para detectar se uma religião está fora do que a Bíblia ensina. As perguntas mais importantes são aquelas que dizem respeito à natureza divina de Cristo e à Trindade, Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
— Essa religião professa que Jesus é o Filho eterno de Deus, perfeito Deus e perfeito Homem, vindo em carne e nascido de uma virgem, ou diz que ele é apenas “um deus”, um anjo ou um ser mais aperfeiçoado? “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5:20).
— Prega a salvação apenas pela fé em Cristo e sua obra, ou ensina uma salvação mista de fé, obras, guarda da Lei, perseverança, batismo, etc.? “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9).
— Reconhece que Cristo como o real substituto do pecador no juízo divino, ou acha que ele seja apenas um mero representante dos homens, um mártir ou exemplo a ser seguido? “… carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2:24).
— Crê na ressurreição corpórea de Cristo e sua atual presença no céu em um corpo de carne e ossos, ou acha que ele não ressuscitou de verdade, ou ressuscitou em uma espécie de corpo etéreo intangível? “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede pois, um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24:39).
— Baseia-se unicamente na Palavra de Deus e não em indulgências e tradições, ou acredita que é pelo dízimo e ofertas que se consegue o favor de Deus, ou ainda que a tradição cristã tem status de Palavra de Deus? “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (1 Pe 1:18-19).
— Confia só nas Escrituras ou segue os ensinos de uma mulher considerada “profetiza” ou de algum líder autodenominado “apóstolo” ou “profeta”? “Não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem” (1 Tm 2:12). “Porque tais falsos apóstolos são obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo. E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça; o fim dos quais” (2 Co 11:13-15).
— Reconhece que todos os que creem em Cristo e em seu sacrifício expiatório estão salvos e fazem parte do único Corpo de Cristo que é a Igreja, independentemente de onde estejam congregados ou não congregados, ou acha que apenas os membros de sua religião é que são salvos? “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação” (Ef 4:4); “Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (1 Co 12:27).
Muitas outras perguntas poderiam ser acrescentadas aqui, mas creio que a principal é mesmo saber o que tal religião fala da Pessoa de Cristo e da Divindade, três Pessoas em um só Deus, ou Trindade em Unidade. Nem precisa perguntar mais se você detectar que está diante de pessoas que negam que Jesus seja o Deus Criador, o mesmo Jeová do Antigo Testamento, Deus e Homem. Dentre estes você não encontrará cristãos genuínos, embora possa encontrá-los entre aqueles que creem nesta verdade cardeal, mas possam estar enganados quanto a outros pontos ensinados na Bíblia, como a verdade da Igreja, o corpo de Cristo. Mantendo-se focado na Bíblia e tendo o Espírito Santo como guia você estará seguro.
“Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois que nos deu do seu Espírito. E vimos, e testificamos que o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo. Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus” (1 João 4:13-15).
“Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne [ou negam sua pré-existência divina antes de nascer aqui]. Este tal é o enganador e o anticristo. Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão. Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo [que se refere à sua divindade que ele acabou de mencionar], não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis [isso mesmo, agora você sabe que não deve receber Testemunhas de Jeová, Mórmons ou Espíritas que baterem em sua porta trazendo suas doutrinas]” (2 Jo 1:7).
“Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno. E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. ESTE É O VERDADEIRO DEUS e a vida eterna” (1 Jo 5:19-20).
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Devo interferir na política por “sede de justiça”?
Costumo receber mensagens de pessoas que tentam justificar revoluções, tomada de poder, interferência em política e manifestações com este versículo tomado isoladamente: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mt 5:6). Nada de errado em ter fome e sede de justiça, como também não estaria errado eu ter fome e sede de caviar e champanhe francesa. Pois eu posso ter sede de champanhe francesa e fome de caviar, mas isto não significa que seja este o cardápio de meu almoço hoje. Talvez eu precise trabalhar mais e esperar o momento oportuno para ter condições de ver meu apetite saciado.
É preciso entender que os evangelhos são as diretrizes dadas para o funcionamento do Reino de Deus na terra. Hoje o reino está aqui, mas em mistério, pois Cristo ainda precisa voltar para estabelecer seu reino. Enquanto isso, devemos viver os princípios descritos para o reino, porém sabendo que, como cristãos, não somos súditos do Rei, mas sua noiva que reinará com ele quando vier. O cristão deve ser sábio para aplicar os princípios encontrados nos evangelhos para o reino na terra, para não perder de vista sua cidadania, que é celestial. Então o que quer dizer o versículo? Quem não faltou à aula de tempos dos verbos vai entender:
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles SERÃO FARTOS” (Mt 5:6).
A expressão “serão fartos” é para quando o Senhor vier reinar, quando ele “aniquilará a morte para sempre, e assim enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará o opróbrio do seu povo de toda a terra” (Is 25:8). É futuro, percebe? Ter fome e sede de justiça não significa sair por aí cuspindo nos injustos, participando de protestos, quebrando o pau com adversários ou incentivando revoluções para mudar governos. Mesmo porque se você agir assim não estará cumprindo as outras bem-aventuranças no mesmo contexto:
“Bem-aventurados os PACIFICADORES, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados OS QUE SOFREM [ou suportam] PERSEGUIÇÃO por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos INJURIAREM e PERSEGUIREM e, mentindo, disserem todo o mal contra vós POR MINHA CAUSA. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mt 5:9-12).
Reparou que no fechamento do raciocínio do contexto o Senhor não estava se referindo a injúrias e perseguições por diferenças partidárias ou nacionais, mas por causa dele? Você tem sofrido por causa de Cristo? Tem sido perseguido por causa dele? Tem sido injuriado? Então bem-aventurado ou feliz é você de ter esse privilégio de sofrer por Cristo. Era disso que Pedro estava falando quando escreveu:
“Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando. Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus. Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se intromete em negócios de outrem (como questões relacionadas à política deste mundo, por exemplo); mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus com esse nome” (1 Pe 4:12-16).
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A luta de Jacó nos ensina a lutarmos por nossos sonhos?
Na época de minha conversão, agarrei-me a uma Bíblia que ganhara tempos antes. Era uma edição católica, de capa verde, que eu nem imaginava como deveria ser lida. Eu grifava tudo que achava importante e hoje vejo nela páginas inteiras grifadas. Também costumava abri-la a esmo e, de olhos fechados, colocar o dedo em alguma parte para ver o que Deus queria que eu fizesse. Felizmente o meu dedo nunca apontou para Mateus 27:5, que, referindo-se a Judas, diz: “E ele… retirou-se e foi-se enforcar”.
Mas era assim mesmo que eu via a Bíblia: um livro mágico de adivinhações, uma espécie de Tarô cristão, um horóscopo encadernado, uma caixa de biscoitos da sorte de restaurante japonês ou gaveta de realejo de onde o papagaio tira bilhetinhos com frases motivacionais. Infelizmente muitos ainda a enxergam assim e não é raro ver palestrantes motivacionais citando seus versículos e tentando fazê-los encaixar nas situações mais diversas da vida.
Sou palestrante empresarial, mas não costumo usar passagens da Bíblia em minhas palestras. Se usasse precisaria começar por aquelas que dizem que o homem é pecador e precisa crer em Cristo para ser salvo a fim de escapar de uma eternidade no lago de fogo. Afinal, a mensagem do Evangelho — crer em Cristo, que morreu para levar nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação — é o ponto de partida de um relacionamento com Deus. Mas se fizesse isso não acredito que meu cliente ficaria contente ou que a palestra teria sucesso entre os participantes. O verdadeiro evangelho não é nem um pouco motivacional para um incrédulo. Mas sei de palestrantes que usam a Bíblia e até fazem orações no meio de suas palestras na tentativa de amalgamarem os crentes e incrédulos, cristãos e pagãos da audiência, numa só irmandade.
As passagens que esses palestrantes utilizam geralmente são aquelas que a Palavra de Deus dirige aos que já foram salvos. Pode ser até prejudicial tentar encaixá-las na vida de um pecador ainda perdido em seus pecados e destinado ao lago de fogo, porque vai fazer com que ele acredite que pode seguir em sua rebelião contra Deus que será ajudado assim mesmo. Isso é tão perverso quanto um médico receitar café com leite para um paciente com câncer.
A Bíblia tem sim muitas passagens encorajadoras e motivadoras para a vida cristã, mas, como eu já disse, elas não são dirigidas ao velho homem morto em seus delitos e pecados. Portanto nem pense em gastar seu dinheiro em comprar livros que usam a Bíblia para ensinar a administrar sua empresa, vencer na vida, vender mais, ou correr atrás de seus sonhos. Vamos deixar que a própria Bíblia explique a razão de não se tentar fazer isso: “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55:9).
Se você acha que estou exagerando, saiba que alguém já me perguntou se a passagem de Filipenses 2:13, que diz que “Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar” poderia ser usada por um homossexual para justificar seu desejo de ter relações com algum do mesmo sexo. Se Deus é quem opera em mim o querer e o fazer, então já não haveria nada de errado em querer ou fazer algo assim. Outro, que se dizia cristão, chegou ao cúmulo de dizer que agora não era mais responsável por seus atos, porque tudo o que ele fazia era Cristo quem estaria fazendo. Sua justificativa estava nesta passagem: “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20).
Portanto, não fique aí acreditando que frases como “Somos mais que vencedores” (Rm 8:37) valem para qualquer pessoa ou situação. Nem deixe de tomar vacina só porque leu no Salmo 91 que “não terás medo… da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio dia”, e nem pense em caminhar em meio a um tiroteio entre facções rivais com sua Bíblia aberta no versículo 7 do mesmo Salmo, que diz: “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti” (Sl 91:6-7).
Aparentemente você ouviu alguém pregar que a luta de Jacó em Gênesis 32:22-32 seria uma lição para nós corrermos atrás de nossos sonhos e objetivos, e nunca desistirmos. Muitos usam estas e outras passagens da Bíblia como se esta fosse um livro motivacional e a vontade do homem o centro de tudo. Na passagem Jacó tem um encontro com “um homem” logo após ter realizado mais um de seus estratagemas. Jacó era cheio de esquemas e confiança própria e não economizava esforços para fazer as coisas acontecerem do jeito que ele queria e para ganho próprio. Se Jacó fosse brasileiro vivendo em nossos dias diríamos que seguia a “Lei de Gérson”, pois iria querer levar vantagem em tudo. Vamos à passagem:
“…ficando ele só, lutava com ele um homem, até ao romper do dia. Vendo este que não podia com ele, tocou-lhe na articulação da coxa; deslocou-se a junta da coxa de Jacó, na luta com o homem. Disse este: Deixa-me ir, pois já rompeu o dia. Respondeu Jacó: Não te deixarei ir se me não abençoares. Perguntou-lhe, pois: Como te chamas? Ele respondeu: Jacó. Então, disse: Já não te chamarás Jacó, e sim Israel, pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste. Tornou Jacó: Dize, rogo-te, como te chamas? Respondeu ele: Por que perguntas pelo meu nome? E o abençoou ali. Àquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva. Nasceu-lhe o sol, quando ele atravessava Peniel; e manquejava de uma coxa” (Gn 32:24-31).
A passagem traz detalhes que nos ajudam a compreendê-la, isto se tivermos em mente essa personalidade ladina, teimosa e rebelde de Jacó. Será preciso você ler os capítulos anteriores para entender melhor quem era esse homem. Deus precisava quebrá-lo e mudar seu nome se quisesse utilizá-lo para sua própria bênção e de muitas outras pessoas, e é isso que acontece na passagem da luta. Ali diz que ele lutou com “um homem”, mas do profeta Oseias aprendemos que Jacó “no ventre pegou do calcanhar de seu irmão, e na sua força lutou com Deus. Lutou com o anjo, e prevaleceu; chorou, e lhe suplicou; em Betel o achou” (Os 12:3-4). Esse anjo era o próprio Senhor Jeová, o mesmo Jesus que hoje conhecemos.
O Senhor apareceu algumas vezes em ocasiões especiais no Antigo Testamento, como nesta passagem para tratar com Jacó, e também naquela em que é acompanhado de dois anjos e visita Abraão antes de lançar um juízo sobre Sodoma e Gomorra. Assim como irá acontecer com Jacó, um pouco antes Deus havia mudado o nome de Abrão para Abraão, trazendo um novo significado e propósito em sua vida depois de ter experimentado um encontro pessoal com o Senhor. Nas melhores traduções, quando você encontrar “um anjo do Senhor” está falando de anjo mesmo, porém quando encontrar “o anjo do Senhor” está falando de uma aparição visível e tangível do próprio Senhor.
Em sua luta com o Senhor, Jacó ganhou e perdeu. Digo que perdeu porque foi colocado a nocaute quando o Senhor deslocou a junta de sua coxa. Quem já passou por algo assim ou viu alguém passar sabe que a dor do deslocamento da junta de um membro faz a pessoa chorar. Quando a passagem diz que “vendo este [o Senhor] que não podia com ele [Jacó]” eu não interpretaria como uma incapacidade de Deus de lutar com Jacó, porque seria um absurdo achar que Jacó era mais forte do que Deus. Eu interpretaria como uma incapacidade, sim, de Deus controlar tamanha teimosia e vontade própria daquele homem se quisesse utilizá-lo em seus planos. Se Deus quisesse abençoar Jacó e fazer dele uma bênção para muitos iria precisar antes quebrá-lo, nocautear sua vontade própria.
Portanto, em seu encontro com Deus Jacó perdeu a luta, fisicamente falando, mas saiu vencedor, espiritualmente falando. Séculos mais tarde o Senhor precisou fazer algo parecido com Simão Pedro, o teimoso discípulo que dizia estar pronto para ir até à morte pelo seu Mestre, sacando da espada e cortando orelhas quando fosse preciso. Bastou ele encontrar uma simples serva para negar que conhecia Jesus. Depois Paulo aprendeu também de maneira semelhante a Jacó, que precisaria “mancar” pelo resto de sua vida para não se gloriar na sua própria capacidade e ser um vaso útil nas mãos de Deus. Ele escreveu:
“Para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar. Acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim. E disseme: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (2 Co 12:7-10).
O nome “Jacó” pode significar tanto “aquele que segura o calcanhar”, que foi o que aconteceu no ventre de sua mãe na luta com seu irmão gêmeo, como também “suplantador”. Mas por seu comportamento e personalidade cabe-lhe bem outra interpretação que costuma ser dada ao seu nome como “enganador”, pois era isso que ele naturalmente era. Hoje ele seria chamado de “salafrário”, “trapaceiro”, “vigarista”, “golpista” ou “estelionatário”. Por isso Deus precisou dar a ele um novo nome, assim como fez com Abrão, que virou Abraão, Simão, que virou Pedro, ou Saulo, que virou Paulo. Jacó foi chamado, por Deus, de Israel, que significa “Deus prevalece”.
Esta é a lição que aprendemos de Jacó em sua luta com o Senhor, e não aquela que tenta fazer dele um campeão de persistência em busca de seus próprios sonhos. A menos que você tenha o seu caráter mudado, você não será usado por Deus. Mas essa mudança pode ser tão dolorosa ou mais que o deslocamento de uma junta. Pessoas teimosas, obstinadas e presunçosas não servem nas mãos de Deus. Ou elas são quebradas ou deixadas de lado. Felizmente para Jacó, Deus achou melhor quebrá-lo literalmente, deslocando a junta de sua coxa. A partir daquele dia ele não seria campeão em nenhuma maratona e nem mesmo seu andar seria bonito de se ver, mas nunca se esqueceria de que “Deus prevalece”.
Que Jacó sabia muito bem com quem tinha lutado fica claro no que ele diz: “E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva” (Gn 32:30). Ainda que saísse chamuscado daquele encontro com o mesmo Deus que é “fogo consumidor” (Hb 12:29), Jacó descobriu também que “Deus é amor” (1 Jo 4:8), e seu desejo é antes de tudo salvar, não destruir. Por isso Jesus é profetizado em sua primeira vinda como aquele que não esmagaria a cana quebrada e nem pisaria o morrão que fumega. A profecia original está em Isaías 42:3 e foi dita setecentos anos de seu cumprimento mencionado no Evangelho de Mateus 12:20.
A própria impressão que Jacó tinha de Deus havia mudado. Algum tempo antes ele tinha visto em sonho “uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus” (Gn 28:12) e chegou a concluir que “na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia. E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus” (Gn 28:16-17). Antes de ter um encontro pessoal com Cristo qualquer um acha que a presença de Deus ou “a porta dos céus” é um lugar “terrível”, pois a pessoa teme perder sua independência. É só depois de ser quebrantado e entender a obra da redenção que você descobre que terríveis mesmo são “as portas do hades” (Mt 16:18), pois se morrer sem ter tido um encontro pessoal com Cristo, sua condenação será certa e para sempre.
O episódio de Jacó lutando com Deus traz mais algumas lições. Primeiro, que para lidar diretamente com o homem, Deus precisaria se fazer homem. Repare que a passagem não começa dizendo que Jacó lutou com Deus, mas com “um homem”. Segundo, como já foi dito, que o primeiro pensamento de Deus para conosco é de bênção e não de condenação. Terceiro, que nossa obsessão, obstinação e teimosia na busca pela realização de nossos sonhos por meio de nossos próprios passos não levam a nada, mas que a bênção está em nos rendermos incondicionalmente a Cristo e sermos guiados por ele. Quarto, que é só nos agarrando a Cristo que podemos ter dele a garantia de bênção. Jacó não quis largar o Senhor, dizendo: “Não te deixarei ir, se não me abençoares” (Gn 32:26). É significativo que este diálogo tenha acontecido quando “já a alva subiu” (Gn 32:25), para mostrar que um novo dia raiava na vida de Jacó. E “se alguém está em Cristo, é uma nova criação” (2 Co 5:17).
Agora sim Deus podia falar de Jacó como falou através do profeta Isaías, começando primeiro a falar do Cristo que viria, para então mostrar a nova posição em que Jacó se encontrava. “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios. Não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega; com verdade trará justiça”. Então o profeta Isaías segue falando da missão do Cristo “para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e do cárcere os que jazem em trevas” (Is 42:7), e no capítulo seguinte faz esta maravilhosa declaração acerca de Jacó:
“Mas agora, assim diz o Senhor que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador” (Is 43:1-3).
Primeiro precisamos de um Salvador, se quisermos depois ter as bênçãos e misericórdias das muitas passagens bíblicas que são promessas para nós. E você, já pode dizer que foi salvo por Cristo, que agora pertence a Deus, ou ainda está lutando com todas as suas forças para alcançar seus sonhos e objetivos em um mundo destinado ao juízo?
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É errado ser bela, recatada e do lar?
Essa dúvida — se existiria algum problema em querer ser bela, recatada e do lar — surgiu em muitas mulheres depois que a mídia e as redes sociais lançaram um verdadeiro bombardeio de artigos, comentários e piadas sobre o título de um artigo de revista falando da esposa de um político. Por outro lado, feministas ficaram iradas, como se qualidades assim fossem uma afronta à mulher que, na opinião delas, deve ter a aparência que quiser, viver livre de padrões morais impostos por Deus e pelos homens, e trabalhar fora.
Mas afinal, o que há de errado em ser bela, recatada e do lar? Ser o contrário não seria também um padrão imposto por essas feministas que criticam tal padrão? Bem, não há nada de errado em ser bela, mas pode ser muito errado a mulher fazer disso o foco de sua existência, e neste ponto eu posso até concordar com as feministas. Não são poucas as mulheres que dão literalmente a vida na busca por um padrão de beleza inatingível para quem não nasceu com DNA de capa da Vogue. Nessa busca insana muitas acabam morrendo de anorexia, bulimia, excesso de exercícios e problemas decorrentes de cirurgias plásticas.
Mas eu não concordaria com as feministas no sentido de a mulher ser dona do próprio nariz e de tudo o que está ligado a ele, ou seja, o seu corpo e em especial o seu útero, porque ao contrário do homem, ela pode ter outro corpo dentro do próprio corpo. Por acharem que têm o direito de fazer o que quiserem com o próprio corpo é que muitas mulheres decidem abortar, sem se importarem com os direitos que a criança tem sobre seu próprio corpo. A criança certamente não gostaria que outra pessoa decidisse do que fazer com seu corpinho ainda em formação.
Beleza não é um padrão absoluto, pois muda conforme a época e a cultura. Hoje o padrão ocidental é o das magérrimas modelos, mas se você for uma garota vivendo na Mauritânia estará numa dieta de engorda de 15 mil calorias diárias, pois ali gordura é símbolo de beleza e status social. Se você viver na tribo Kayan da Tailândia seu pescoço terá sido esticado por argolas de metal adicionadas desde a infância. Não poderá tirá-las sob o risco de quebrar o pescoço. Se pertencer à tribo Karo da Etiópia, estará constantemente cortando sua pele em padrões geométricos para ficar com cicatrizes 3D.
No Quênia as mulheres da etnia Masai colocam esticadores nos lóbulos das orelhas, enquanto as mulheres Mursi, do sul da Etiópia, colocam discos de cerâmica nos lábios das meninas para aumentá-los. À medida que crescem os discos são trocados por maiores até na idade adulta elas parecerem carregar um prato de sobremesa no beiço. Com a chegada do progresso não se espante de ver mulheres guardando seus CDs na boca. Entre os Maoris da Nova Zelândia bonita é a mulher com o rosto tatuado, e o Irã é hoje campeão de cirurgias plásticas de nariz. A febre de um nariz operado é tão grande que algumas jovens saem de casa com um curativo de mentirinha só para os garotos pensarem que ela operou.
Mesmo no ocidente, o padrão de beleza muda com o tempo. Se fizer uma busca pelo quadro “Venus e Adonis”, pintado pelo holandês Rubens em 1635, você verá uma deusa romana da beleza pesando o dobro de uma moderna manequim de passarela. No final do século 19, mulher bonita era mulher de cintura fina e quadril largo, daí o torturante uso de espartilhos e armações de arame sob a roupa. No início do século 20 a anemia estava na moda, e quanto mais magra, frágil e pálida a mulher, mais bonita era. Por isso elas saíam vestidas dos pés ao pescoço e portando uma sombrinha. Ficar torrando ao sol, nem pensar. Então vieram os anos 50 e elas engordaram de novo só para ficarem cheias de curvas, as quais foram eliminadas nos anos 60, quando o padrão era ter um corpo de tábua de passar roupa.
Portanto a beleza feminina é algo tão mutante e volátil que a melhor definição de formosura acaba sendo mesmo a da Bíblia, a Palavra de Deus: “Enganosa é a beleza e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa sim será louvada” (Pv 31:30). Para aqueles que creem em Cristo como Salvador fica mais fácil entender quando pensamos na sua própria Pessoa ao vir ao mundo. Isaías profetizou dele setecentos anos antes como alguém que “não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos” (Is 53:2).
Isso não quer dizer que ele fosse feio, mas simplesmente que o homem natural não pode admirar a beleza do Filho de Deus, pois esta nunca se encaixará em seus padrões. É preciso nascer de novo para enxergar a realidade espiritual, daí a aversão que muitos têm à Palavra de Deus. Quem tem essa aversão continua “morto em ofensas e pecados”, que é a descrição dada em Efésios 2:1-3, andando “segundo o curso [ou moda] deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar [que é o diabo], do espírito que agora opera nos filhos da desobediência… fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”, o que coloca você na categoria de um “filho da ira” de Deus, isto é, sujeito à condenação eterna.
Antes que você discorde veementemente do que eu já disse e do que vou dizer, lembre-se de que o assunto aqui não é a sabedoria humana, mas a divina, encontrada nas páginas da Bíblia, que é a “sabedoria que vem do alto”. Esta é “pura, pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia”, enquanto a sabedoria humana é “terrena, animal e diabólica” (Tg 3:15-17).
O outro elemento criticado do bordão “bela, recatada e do lar” foi o recato da mulher, o que pode ser traduzido por resguardo, prudência, decência, pudor, modéstia, etc. Se você considera essas qualidades ridículas para a mulher moderna, lembre-se de que o “moderno” será ridículo logo, logo. Quando jovem, eu usei calça boca-de-sino de cintura alta, sapato de camurça com cadarço colorido, echarpe e bolsinha “capanga” para impressionar as garotas. Hoje os garotos usam a calça caindo para mostrar a cueca. Se você passar rápido o filme da moda de seu tempo de vida verá que aquilo que é “in” em um momento fica “out” em questão de segundos.
Vamos mais uma vez ver o que diz a Palavra de Deus, esta que nunca sai de moda, sobre o recato feminino e também sobre a expressão “do lar”, hoje vista com desdém por mulheres que acham que suas vidas devem obrigatoriamente girar em torno de seus próprios umbigos. O livro para isso é o de Provérbios, onde a mulher é tratada em três diferentes aspectos.
No capítulo 7 ele fala de um padrão de mulher que faz grande sucesso no mundo de hoje. Trata-se da mulher sexy e sedutora, não apenas para o marido, mas para os homens em geral. É a mulher “que lisonjeia com as suas palavras”, que sai ao encontro de homens “com enfeites de prostituta, e astúcia do coração… alvoroçada e irrequieta”, cujos pés “não param em casa”. Seu argumento é: “Já perfumei o meu leito… vem, saciemo-nos de amores até à manhã… porque o marido não está em casa; foi fazer uma longa viagem… Assim, o seduziu com palavras muito suaves e o persuadiu com as lisonjas dos seus lábios”. Em certo sentido ela é também uma mulher “do lar”, pois o capítulo termina dizendo que “a muitos feridos derrubou; e são muitíssimos os que por causa dela foram mortos. A sua casa é caminho do inferno que desce para as câmaras da morte” (Pv 7:26-27).
Para contrastar com o capítulo 7, no capítulo 8 você encontra uma personificação da Sabedoria dizendo: “A vós, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens. Entendei, ó simples, a prudência; e vós, insensatos, entendei de coração… porque falarei coisas excelentes… são justas todas as palavras da minha boca: não há nelas nenhuma coisa tortuosa nem pervertida” (Pv 8:4-8).
Mas é no capítulo 31 do Livro de Provérbios de Salomão que encontramos o padrão divino para a mulher, e o autor assina a passagem como sendo o “rei Lemuel”, palavra que significa no original “dedicado a Deus” ou “pertencente a Deus”. A parte que fala da mulher começa no versículo 17 desta maneira: “Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de rubis”. Isto equivale dizer que seu valor nunca poderá ser medido por aquilo que é considerado de valor aos olhos humanos, o que inclui a opinião pública ou as pesquisas publicadas nas revistas femininas.
Quando a Palavra de Deus diz que “o coração do seu marido está nela confiado; assim ele não necessitará de despojo” (vers. 11), isto significa que ele é um marido satisfeito com ela e não sairá em busca de sobras entre os inimigos, como fazem os vencedores das guerras. Afinal, “ela só lhe faz bem, e não mal, todos os dias da sua vida” (vers. 12). Antes que você pense que a mulher segundo Deus não passe de uma boneca de porcelana para seu marido exibir na sociedade, ou de um objeto sexual para satisfazer seus instintos na cama, repare que ela “busca lã e linho, e trabalha de boa vontade com suas mãos. Como o navio mercante, ela traz de longe o seu pão” (vers. 14).
“Ahá!” — dirá aquela feminista mais recalcada — “Ela é uma escrava explorada pelo marido!”. Porém, ao contrário do “navio mercante” ao qual esta mulher é comparada, quem pensar assim nunca terá um porto seguro para onde retornar. Sim, a “mulher virtuosa”, segundo o padrão divino, é também uma empreendedora que trabalha, e provedora dedicada que sai em busca do sustento de sua família, e tem não apenas um porto para onde voltar, mas “o coração do seu marido” que nela confia.
Mas ela é também uma administradora e ao mesmo tempo uma especialista em recursos humanos, pois “levanta-se, mesmo à noite, para dar de comer aos da casa, e distribuir a tarefa das servas” (vers. 15). É também uma mulher de visão, negociante e produtiva, pois “examina uma propriedade e adquire-a; planta uma vinha com o fruto de suas mãos” (vers. 16). Ela é tão moderna quanto uma mulher que faz academia para estar sempre em forma, pois “cinge os seus lombos de força, e fortalece os seus braços”, como diz o versículo 17. Diligente, ela “vê que é boa a sua mercadoria; e a sua lâmpada não se apaga de noite”, porque não deixa para amanhã o que pode fazer hoje: “Estende as suas mãos ao fuso, e suas mãos pegam na roca” (vers. 19-20).
Qualquer um sabe que o homem é mais focado em si, e a mulher possui um coração mais afetivo e abrangente, até por conta de seu instinto materno. A mulher segundo os padrões divinos, não está preocupada apenas com seu marido e seus filhos, mas “abre a sua mão ao pobre, e estende as suas mãos ao necessitado” (vers. 20). Seu esforço é recompensado, pois ela “não teme a neve na sua casa, porque toda a sua família está vestida de escarlata”, e mesmo assim ela não deixa de pensar em si e satisfazer também seu desejo de se sentir bonita, pois “faz para si cobertas de tapeçaria; seu vestido é de seda e de púrpura” (vers. 21-22).
Ela não traz vexame ao seu marido na sociedade, muito pelo contrário. “Seu marido é conhecido nas portas, e assenta-se entre os anciãos da terra”, pois pode ter a certeza de que as coisas em casa estão sob controle, pois, afinal, não é isso que se espera de uma mulher “do lar”? (vers. 23). Mas antes de você pensar em “do lar” como uma clausura, é bom que saiba que ela “faz panos de linho fino e vende-os, e entrega cintos aos mercadores. A força e a honra são seu vestido, e se alegrará com o dia futuro” (vers. 24-25).
A mulher segundo os padrões bíblicos não é burra e ignorante, pois “abre a sua boca com sabedoria, e a lei da beneficência está na sua língua. Está atenta ao andamento da casa, e não come o pão da preguiça” (vers. 28). A recompensa ela logo vê no comportamento de sua família, pois “levantam-se seus filhos e chamam-na bem-aventurada; seu marido também, e ele a louva”, dizendo, “Muitas filhas têm procedido virtuosamente, mas tu és, de todas, a mais excelente!” (vers. 29). Esse hino à virtude feminina coloca por último justamente a beleza, que em nossa sociedade é o atributo que costuma vir primeiro. Termina dizendo que “enganosa é a beleza e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa sim será louvada” (vers. 30).
Muitas mulheres acham que só serão felizes quando se libertarem de seus maridos, filhos e sutiãs, para viver uma vida livre e desimpedida colocando em prática suas ambições profissionais. Mas isso é como uma locomotiva achar que só será livre o dia em que sair dos trilhos. Poucas mulheres percebem que uma vida produtiva e cheia de significado é o que Deus deseja para a mulher dentro dos parâmetros que ele colocou, e que responsabilidades como marido, filhos e cuidados do lar fazem parte desses “trilhos”, e podem muito bem conviver com o empreendedorismo dessa “esposa de valor”, que é a tradução literal para “mulher virtuosa”. O melhor de tudo é que essa atitude tem a chancela da aprovação divina no final, e é isto que significa o último versículo: “Deixe o seu próprio trabalho louvá-la nas portas” (vers. 31).
As portas ou portões das cidades eram onde ficavam os juízes para julgar as causas das pessoas. A mulher cristã virtuosa um dia estará diante do Senhor e verá suas obras serem julgadas para receber a recompensa. Não será um julgamento para ver se ela vai ou não ser salva, pois essa questão foi resolvida no dia em que creu em Cristo ainda nesta vida, e é uma condição inabalável. Jesus prometeu em João 5:24: “Quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida”. E no mesmo evangelho ele assegurou: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. Eu e o Pai somos um” (Jo 10:27-30).
Todavia, ainda que a salvação eterna seja garantida, a recompensa ou galardão depende de nosso comportamento e da qualidade das coisas que fazemos aos olhos de Deus, pois “todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal” (2 Co 5:10). Como se fosse um concurso de obras de arte que acontecerá no céu, “a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo” (1 Co 3:13-15).
Traduzindo, o Senhor recompensará cada um pelo modo como viveu e atuou aqui neste mundo, segundo os padrões do divino Juiz. As mulheres cristãs que buscaram fazer a vontade de Deus serão recompensadas por isso; aquelas que se opuseram aos padrões divinos em sua vida aqui acabarão saindo de mãos vazias, salvas sim, porém “como pelo fogo”. Ou seja, tudo o que fizerem aqui acabará em cinzas.
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Seria a ceia do Senhor um “engano de Satanás”?
Você enviou o link para um texto no qual o autor tenta anular a ordenança da ceia do Senhor, chamando-a desrespeitosamente de “um engano de Satanás” e justificando que “esse engano só não foi revelado há muito mais tempo pela igreja, caro leitor, porque estava soterrado sob liturgias e rituais provenientes da religiosidade pagã-romana”. Muitos cristãos cansados dos erros cometidos pela cristandade ao longo dos séculos acabam se separando dos sistemas religiosos e caindo em erros muito mais sérios como o do autor do texto. Geralmente isso acontece por tentarem ser diferentes em tudo das religiões cristãs tradicionais, inventando argumentos para anular até mesmo aquilo que essas religiões façam em conformidade com a Palavra de Deus.
É o caso da ceia, que muitos hoje tentam neutralizar para fazê-la parecer um mero símbolo da comunhão entre cristãos, algo como combinarmos de sair juntos para comer uma pizza. Embora a ceia seja, sim, uma atividade envolvendo pluralidade e comunhão dos irmãos, portanto não deve ser celebrada por uma só pessoa, ela tem objetivos declarados pelo Senhor nos evangelhos — “fazei isto em memória de mim” — e corroborados pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 11:26 — “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha”.
Estes aspectos jamais poderiam significar uma mera refeição em comum ou a pregação do evangelho. A ceia é um monumento à morte de Cristo e quando a celebramos estamos sendo observados por homens e anjos. Quando um país constrói um monumento à sua libertação do opressor, e mais tarde o inimigo consegue reconquistar o país, não é de espantar que ele irá querer destruir qualquer monumento que lembre a libertação. Com o diabo não é diferente em seus ataques à ordenança da ceia do Senhor. A expressão “até que venha” deixa claro que ela deve ser celebrada até a vinda do Senhor, muito embora o inimigo estará sempre se esforçando em fazê-la cessar, como parece ter conseguido ao influenciar o autor do artigo que chama a ceia do Senhor de “engano de Satanás”.
Às vezes uma rápida olhada pelos textos de um site com artigos como este que recebi ajuda a indicar as crenças de seus autores e neste caso há outros equívocos, além daquele envolvendo a ceia. Um aparece na declaração de fé onde diz que “na justificação a retidão de Cristo nos é imputado como único meio possível de satisfazer a perfeita justiça de Deus”.
Este é um erro comum na cristandade, ou seja, achar que Deus deposita em nossa conta a vida justa de Cristo para nos tornar justos. Embora esteja correto dizer que somos justificados pela fé, a Bíblia nunca diz que somos justificados pela justiça de Cristo. J. N. Darby comenta: “A Palavra diz simplesmente que justiça é imputada, ou que a fé é imputada por justiça, mas não diz que seja a justiça de Cristo” (J. N. Darby, “Letters”, Volume 2, nº 99). Não somos justificados por Deus depositar as boas obras de Jesus em nossa conta zerada de obras próprias. A Palavra de Deus diz que somos “justificados gratuitamente pela sua graça” (Rm 3:24), “justificados pelo seu sangue” (Rm 5:9) e “justificados pela fé” (Rm 5:1), mas em nenhum lugar encontro que sejamos justificados pelas justiças de Cristo.
A vida impecável de Cristo não poderia ajudar em nada na justificação do pecador. Se um criminoso condenado à morte comparecer diante do juiz, este não poderá livrar o condenado com base em seu próprio currículo de justiça, pois a lei exige que o réu seja morto. A vida justa do juiz só ajudaria a tornar maior e mais patente a injustiça do condenado. Mas suponhamos que alguém igualmente justo se voluntariasse a confessar como seu o crime do réu e sofrer a pena em seu lugar. Seria a execução do substituto, e não sua vida impecável, que garantiria o perdão e também a justificação do réu. Aos olhos da lei aquele que era réu deixaria de ser considerado criminoso, mas seria considerado inocente e justificado, já que o voluntário que confessou o crime já foi executado.
O autor do texto que combate a ceia do Senhor demonstra não conhecer a posição do cristão, ao dizer que “o dia do retorno do nosso Messias está muito próximo”. Cristo não é o Messias dos cristãos, ele é Messias para Israel e em nenhuma epístola ele é chamado assim. Para a igreja ele é Senhor e Noivo. Outro engano que ele comete no texto é dizer que a ceia do Senhor foi um “nome dado pelo catolicismo”, sem perceber que o próprio apóstolo Paulo usa a mesma expressão ao repreender os coríntios por não estarem celebrando a ceia de maneira digna: “De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor” (1 Co 11:20).
O desejo de distorcer a verdade pode ser visto também na expressão que o autor usa em seu texto ao dizer que “os padres católicos traduziram e criaram o livro ‘Bíblia’”. Nenhum padre e nenhuma “igreja católica” criou a Bíblia. Ela é um conjunto de livros que inclui as escrituras usadas pelos judeus, às quais foram acrescentados os evangelhos e epístolas, que já circulavam pelas assembleias dos cristãos no início. O que aconteceu foi uma oficialização dessa reunião de textos que ficou conhecido como “Bíblia”.
Mas o autor continua sua coleção de equívocos quando diz que “o Novo Testamento se inicia, de fato, após a morte do nosso Messias, e não no nascimento, como foi colocado na Bíblia. Após sua morte, se iniciou uma nova aliança.” Na verdade, não existe um “Novo Testamento” no sentido de um livro, como também não existe um “Antigo Testamento”. Nenhum judeu chamaria suas escrituras de “Antigo Testamento”. O que ocorre é que Cristo veio, andou aqui, morreu e ressuscitou, o que foi documentado nos evangelhos. Para esta coleção acrescida das epístolas foi dado um nome apenas de referência de Novo Testamento ou Nova Aliança, mas o equívoco é achar que a Nova Aliança é para os cristãos.
Quando lemos os evangelhos estamos ainda na economia judaica, e ali temos um Templo, sacerdotes, dízimos, sacrifícios e tudo mais que fazia parte da adoração dada por Deus na Lei e nos Profetas. O sangue do verdadeiro Cordeiro de Deus é o “sangue da nova aliança”, mas é preciso entender que essa aliança não foi feita com os cristãos ou com a Igreja. É fácil entender isso porque nós, gentios convertidos a Cristo, nunca tivemos uma velha aliança. Deus fez suas alianças com Israel, não com a Igreja. Então ao fazer outra aliança chamou-a de “nova” para aqueles que receberam a “velha aliança”. E nós, cristãos, que somos membros do corpo de Cristo, o que temos a ver com a nova aliança? Bem, a nova aliança não foi feita conosco, mas desfrutamos dos benefícios dela, pois foi feita com o sangue derramado do Cordeiro de Deus.
Foi por isso que, ao instituir a ceia nos evangelhos, Jesus disse: “Isto é o meu sangue; o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados” (Mt 26:28). Ele estava dizendo aquilo aos discípulos judeus como representantes da nação de Israel, a qual Cristo voltará a reunir no seu reino milenial após o arrebatamento da igreja. Por isso ele continuou dizendo: “E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide, até aquele dia em que o beba de novo convosco no reino de meu Pai” (Mt 26:29). Esta última declaração do Senhor, apesar de ter sido feita no momento da ceia, não está associada à ceia propriamente dita, celebrada com pão e vinho, mas refere-se apenas ao vinho. Ele não diz que não comeria do pão, mesmo porque ele pode ter comido pão com os discípulos. Ele também não disse aos discípulos que eles não beberiam mais do fruto da vide, como já vi alguns alegarem como argumento para cessar a celebração da ceia ou até mesmo para consumir vinho. Jesus disse que ele próprio não beberia do fruto da vide daquela hora em diante.
O “vinho alegra o coração do homem” (Sl 104:15) e o que Jesus disse significava que ele não teria sua alegria completa enquanto o seu povo de Israel não for totalmente restaurado naquele dia quando vier estabelecer o seu Reino. Então ele voltará a ter comunhão com o seu povo em novas circunstâncias, mas antes disso haveria um intervalo que nem os profetas do Antigo Testamento puderam conhecer. Este intervalo seria o tempo atual da Igreja, um mistério que só seria revelado a Paulo algum tempo depois da criação da própria Igreja, e da qual existem apenas duas referências diretas no evangelho de Mateus, nos capítulos 16 e 18.
Outro argumento do autor do texto contrário à celebração da ceia é o de que a prática e os elementos usados na ceia seriam apenas simbólicos, do mesmo modo como o lava-pés também seria simbólico. Mas naquela ocasião o Senhor celebrou a ceia com elementos materiais — pão e vinho — e também lavou os pés de seus discípulos com água real. Então, se repetimos a ceia por que não repetir também o lava-pés em nossos dias, como costumam fazer os católicos? Se você entendeu que o Senhor instituiu a ceia em circunstâncias judaicas, após a celebração da Páscoa judaica, para discípulos judeus vivendo no judaísmo, então não achará estranho ele ter lavado seus pés, pois essa prática era muito utilizada pelos hebreus e existem várias passagens que mostram isso. Você as encontra tanto nos evangelhos como no Antigo Testamento (Gn 18:4, 19:2, 24:32, 43:24; 1 Sm 25:41).
Até onde me recordo, nas epístolas o lavar dos pés aparece uma vez em 1 Timóteo 5:9-10 como características que qualificariam uma viúva a receber auxílio da assembleia local: “Que tenha sido mulher de um só marido; tendo testemunho de boas obras: Se criou os filhos, se exercitou hospitalidade, se lavou os pés aos santos, se socorreu os aflitos, se praticou toda a boa obra”. Isso tudo se resume às qualidades de uma mulher hospitaleira e nada tem a ver com a instituição de uma ordenança como é o batismo e a ceia do Senhor. Hoje, ao agirmos com nossos irmãos como agiria essa viúva hospitaleira, estaremos ajudando a lavar seus pés do cansaço e das impurezas deste mundo. E se fizermos isso em um espírito de humildade estaremos imitando o Senhor que se curvou para limpar os pés de seus discípulos.
Portanto aquela ceia que o Senhor instituiu nos evangelhos antes de morrer tinha um caráter diferente da que celebramos hoje, primeiro porque ela foi instituída a judeus, e depois porque Jesus ainda estava vivo naquele momento. Neste sentido não é aquela ceia que os cristãos celebram, mas uma que foi depois revelada ao mesmo apóstolo ao qual foram reveladas verdades concernentes à igreja, as quais ainda eram um mistério até mesmo para os apóstolos do Senhor. A ceia que celebramos, como cristãos e membros do corpo de Cristo, é aquela que foi revelada diretamente a Paulo pelo próprio Senhor, a qual ele não aprendeu de ninguém mais. E quando Paulo ensina os coríntios como devem fazer as instruções são muito claras e, obviamente, não incluem um lava-pés como complemento.
A ceia é uma das atividades que encontramos entre os primeiros cristãos em Atos 2:42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações”. Este mesmo capítulo nos ajuda a entender que a ceia não era uma figura da comunhão entre irmãos quando dividiam seus alimentos, pois é na continuação do texto que este aspecto da vida cristã em assembleia nos primeiros dias é revelado: “E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração” (At 2:44-46). Esta sim era uma refeição comum. A outra, no versículo 42, era a ceia do Senhor. Repare que eles ainda iam ao Templo de Jerusalém quando ainda não sabiam o que era a Igreja, pois Paulo iria se converter algum tempo depois e receber a revelação do mistério do corpo de Cristo.
Se você quiser celebrar a ceia do Senhor que foi revelada ao apóstolo Paulo e que ele ensinava os cristãos a celebrarem em toda as assembleias, siga estes passos:
“Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Co 11:23).
Se escrevêssemos uma receita com os ingredientes e ações envolvidos na ceia do Senhor, teríamos:
1. No primeiro dia da semana (At 20:7).
2. Reúna-se com os irmãos para “o partir do pão” (At 2:42).
3. Certifique-se de que apenas os sem pecado irão comer e beber (1 Co 5:6-13).
4. Pegue um só pão inteiro (1 Co 10:17; 11:23; Mt 26:26).
5. Dê graças (1 Co 11:24; Mt 26:26).
6. Parta o pão (1 Co 11:24; Mt 26:26).
7. Passe o pão partido para cada um comer do “mesmo pão” (1 Co 10:17; Mt 26:26).
8. Coma do pão partido (1 Co 11:24; Mt 26:26).
9. Pegue um cálice de vinho (1 Co 11:25; Mt 26:27).
10. Dê graças (1 Co 10:16; Mt 26:27).
11. Passe para que todos bebam do cálice em comunhão (1 Co 10:16; 11:25; Mt 26:27).
Mais simples, claro e direto que isso, só desenhando. Mas voltando ao autor do texto que chamou a ceia do Senhor de “engano de Satanás”, é importante notar que ao longo dos séculos a ceia foi uma ordenança que esteve sob constante ataque do inimigo. Primeiro, quando ela foi transformada em um misto de mágica e idolatria, ao ser considerada um ritual que tinha o poder de transmutar pão e vinho em carne e sangue, que eram então idolatrados como se fossem elementos reais do corpo do Senhor. Era como se os ministrantes gritassem: “Vejam todos! Conseguimos trazer Jesus de volta do céu e da ressurreição e o reduzimos a um corpo morto!”. Acontece que o Senhor ressuscitou e está em um corpo glorioso, o que torna impossível fazer com que a carne e o sangue de seu corpo natural reapareçam sob a invocação ou a magia de transubstanciação invocada por algum sacerdote.
Outro ataque de Satanás contra a ceia do Senhor foi desferido quando sociedades secretas, como a maçonaria, gnose e outros grupos espiritualistas, fizeram dela um símbolo de fraternidade ou uma forma mística de se alimentar de uma força superior. Aquilo não pode ser a ceia do Senhor, porque a mensagem que envia é “Vejam todos! Estamos todos irmanados em um só pensamento!”, ou “Vejam todos! Estamos recarregando nossas baterias com energia crística!”. As religiões ligadas à teologia da prosperidade inventaram uma ceia que segue a mesma volúpia egocêntrica de quem quer ser dono de tudo. Nelas a ceia é uma forma de ser abençoado e receber riquezas nesta vida.
Obviamente estas e todas as outras caricaturas da ceia, incluindo a lenda do “Santo Graal” ou cálice secreto que Indiana Jones tenta encontrar em seu filme “A última cruzada”, nada têm a ver com o propósito da verdadeira ceia do Senhor. A genuína ceia do Senhor é celebrada na simplicidade do pão e do vinho representando o corpo morto de Jesus e seu sangue derramado, que apesar de ser celebrada em comunhão plural entre os participantes, não é deles que fala, mas de Cristo em sua morte. Ela é o monumento que o Senhor erigiu para recordarmos a obra que colocou um fim ao poder do diabo e resgatou bilhões de pecadores para viverem livres e eternamente com Cristo. Obviamente o inimigo continua fazendo de tudo para detonar esse monumento e tudo o que ele representa.
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Como ter segurança, certeza e alegria da salvação eterna?
Alguém me enviou um cartão, desses com pensamentos, mensagens, etc. que a gente recebe no Facebook, que eu não recordo bem o que dizia, mas era algo assim: “Agora que o WhatsApp foi bloqueado todos correm em busca de um aplicativo alternativo, mas quando dizem que Cristo está voltando ninguém corre para a igreja para ser salvo”. Quando eu li aquilo eu respondi à pessoa que enviou que aquilo era um engano muito grave.
Perguntei a ela o que entendia por igreja. Se achava que igreja era um prédio de pedras, tijolos, piso e telhado, então será que isto queria dizer que um edifício poderia salvar um pecador? Mas se igreja é uma denominação ou religião criada por homens, com uma diretoria, sociedade, etc., então será que uma religião pode salvar o pecador, quando a Bíblia diz que nenhum outro nome foi dado para sermos salvos além do nome de Jesus? Se ela achava que igreja é apenas a reunião dos santos, das pessoas salvas por Cristo, será que estaria querendo dizer que um grupo de pessoas poderia salvar um pecador?
Eu até compreendo que muito poderia se expressar assim tentando dizer que indo a uma igreja a pessoa poderia escutar o evangelho ali, mas devemos nos lembrar de que Cristo não disse aos pecadores “Venham à igreja ouvir o evangelho”, mas disse aos discípulos “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho”. O evangelho é pregado no mundo. A igreja se reúne para se ocupar com Cristo, não com os pecadores. Ela se reúne para adorar a Deus, orar, celebrar a ceia do Senhor e desfrutar do ministério da Palavra dirigido aos crentes, não para incrédulos.
Mas este engano “vá à igreja para ser salvo” é comum e muitos pensam que para ser salva a pessoa precisa frequentar ou se fazer membro de uma igreja ou denominação, achando que uma pessoa que não pertença a alguma igreja não pode ser considerada salva. Será que você pensa assim? Será que você diminui de tal maneira a Pessoa de Cristo como Salvador para incluir alguma obra de homens?
Para resolver esta questão decidi transcrever um texto de George Cutting escrito no final do século 19 ou início do século 20, pois ele partiu para estar com o Senhor em 1934. Por que acho importante este texto? Porque a maioria das pessoas que dizem crer em Jesus não tem segurança da vida eterna. Você pergunta a uma pessoa que professa crer em Jesus se ela está salva, a resposta será que sim, mas se você perguntar se ela pode perder a salvação ela dirá que sim, se não for à igreja, não der o dízimo, não andar direito…
Então vamos ao texto de “Segurança, certeza e gozo da salvação eterna” de George Cutting para esclarecer este assunto.
— o —
“Segurança, certeza e gozo da salvação eterna”
George Cutting
Quando estamos numa estação ferroviária ouvimos, com certa frequência, a seguinte pergunta: “Em que classe você está viajando?” Você, leitor, com toda a certeza está de viagem — de viagem para a eternidade — e pode ser que neste momento esteja muito próximo da estação final: a Morte. Permita-me, então, que lhe pergunte: “Nesta jornada pela vida, em que classe você está viajando?”
Neste caso podemos pensar em três diferentes classes, e vou explicar quais são a fim de que você possa responder à minha pergunta como que diante de Deus; sim, diante daquele a quem certamente todos nós temos que prestar contas.
Na primeira classe viajam, por assim dizer, os que estão salvos e sabem disso.
Na segunda classe viajam aqueles que não têm certeza da sua salvação, mas que, no entanto, desejam tê-la.
Na terceira classe viajam aqueles que não estão salvos e nem tampouco se interessam pelo assunto.
Volto a perguntar: “Em qual destas classes você está viajando?” Oh, como é importante que você possa responder claramente a esta pergunta!
Há pouco tempo atrás, numa viagem que fiz de trem, no momento em que o trem se preparava para partir da estação, vi chegar um homem que se precipitou ofegante para dentro do vagão onde eu me encontrava.
— Isto é que é correr! — Exclamou um dos passageiros.
— É verdade — respondeu o homem respirando com dificuldade — mas ganhei quatro horas e por isso valeu a pena.
“Ganhei quatro horas”! Ao ouvir estas palavras não pude deixar de pensar comigo mesmo: “Se para ganhar quatro horas valeu a pena fazer tão grande esforço, quanto mais para ganhar a eternidade!” E, contudo, existem milhares de pessoas, que embora sejam bastante prudentes em tudo o que se refere aos seus interesses mundanos, parecem não ter um mínimo de bom senso quando alguém lhes fala de seus interesses eternos!
Apesar do infinito amor de Deus para com os pecadores, manifestado na morte de Jesus Cristo na cruz; apesar do Seu declarado ódio ao pecado; da evidente brevidade da vida humana; dos terrores do julgamento depois da morte; da terrível perspectiva de sofrer insuportáveis remorsos ao achar-se no inferno, separado para sempre de Deus; apesar de tudo isso, muitos correm para o seu triste fim tão descuidados como se não existisse nem Deus, nem morte, nem julgamento, nem céu, nem inferno! Que Deus tenha misericórdia de você, leitor, se você for uma dessas pessoas, e que neste momento Ele abra os seus olhos para que você reconheça o perigo que é continuar despreocupadamente no caminho que conduz à perdição eterna.
Caro leitor, quer você acredite ou não, a sua situação é muito crítica. Não deixe, portanto, de enfrentar o quanto antes a questão da Eternidade e do destino que você terá nela, pois qualquer demora poderá ser fatal. Lembre-se de que o costume de deixar para amanhã o que se pode fazer hoje é sempre prejudicial e neste caso poderá ter consequências desastrosas. Quão verdadeiro é o ditado: “A estrada do mais tarde conduz à cidade do nunca”! Rogo, pois, encarecidamente, querido leitor, que não continue a viajar em um caminho tão enganoso e perigoso, pois está escrito na Bíblia Sagrada: “Eis aqui agora o dia da salvação” (2 Co 6:2).
Talvez você diga: — Não sou indiferente aos interesses da minha alma; longe de mim tal pensamento, mas a minha maior inquietação exprime-se por outra palavra: incerteza. Por esta razão encontro-me entre os passageiros da segunda classe de que falou.
Pois bem, amigo leitor, tanto a indiferença como a incerteza são filhas da mesma mãe: a incredulidade. A indiferença provém da incredulidade no que diz respeito ao pecado e às suas consequências presentes e eternas. A incerteza, com sua consequente inquietação, provêm da incredulidade acerca do infalível remédio que Deus oferece a você. Ora, estas páginas são dirigidas especialmente àqueles que, como você, desejam ter a completa e incontestável certeza da salvação.
Até certo ponto posso compreender bem a inquietação de sua alma e estou convencido de que quanto mais sinceramente interessado você estiver neste assunto, maior será a sua avidez para ter a certeza de que está real e verdadeiramente salvo da ira divina dirigida contra o pecado. “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mt 16:26), disse o Senhor Jesus.
Suponhamos que o filho de um pai amoroso encontra-se viajando de navio. Chega, entretanto, a notícia de haver naufragado, numa costa estrangeira, o navio em que ele se encontrava. Quem poderá descrever a angústia que a incerteza produz no ânimo daquele pai enquanto não se certificar, por um testemunho fidedigno, de que o seu filho está salvo? Suponhamos ainda outra hipótese. Numa noite escura e tempestuosa você está seguindo por um caminho desconhecido. Ao chegar a uma encruzilhada você encontra alguém e lhe pergunta qual é o caminho que conduz ao povoado aonde deseja chegar, e ele, indicando um dos caminhos, responde: “Parece-me que é aquele, mas não tenho certeza; espero não estar enganado”.
Você ficaria satisfeito com uma resposta tão vaga e indecisa? Decerto que não. Você precisaria ter certeza, do contrário cada passo que desse naquela direção só aumentaria a sua inquietação. Por isso, não admira que tenha existido homens que, sentindo-se pecadores expostos à ira divina, não conseguiram mais dormir, e nem mesmo comer, enquanto a questão da salvação de suas almas não estivesse resolvida. Podemos sentir muito pela perda de nossos bens, ou talvez até mesmo pela perda de nossa saúde, mas o mais penoso de tudo seria a perda de nossa alma.
Pois bem, amigo leitor, há três coisas que, com o auxílio do Espírito Santo, desejo mostrar a você, as quais, na própria linguagem das Sagradas Escrituras são as seguintes:
1. O caminho da salvação (Atos 16:17).
2. O conhecimento da salvação (Lucas 1:77)
3. A alegria da salvação (Salmo 51:12).
Estas três coisas, embora intimamente ligadas, baseiam-se, todavia, cada uma delas, em verdades diferentes, de modo que é muito possível uma pessoa saber qual é o caminho da salvação, sem, contudo, ter o conhecimento de estar pessoalmente salva; ou mesmo conhecer que está salva, sem possuir, contudo a alegria que deve acompanhar esse conhecimento. Falaremos, pois, em primeiro lugar do Caminho da Salvação.
A primeira parte da Bíblia Sagrada, o Antigo Testamento, está repleto de figuras ou símbolos de coisas espirituais, como diz o apóstolo Paulo: “Tudo o que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito” (Rm 15:4). Vejamos, pois, qual o sentido espiritual de uma dessas figuras contidas no Antigo Testamento, no livro de Êxodo, onde se leem estas palavras em relação à lei dada por Deus, por intermédio de Moisés, ao seu povo na antiguidade:
“Porém tudo o que abrir a madre da jumenta, resgatarás com cordeiro; e se o não resgatares, cortar-lhe-ás a cabeça: mas todo o primogênito do homem entre teus filhos resgatarás” (Êx 13:13). Com estas palavras na memória, voltemos, em pensamento, a uns três mil anos atrás e vamos supor que nos encontramos perto de dois homens que estão conversando seriamente, um deles sacerdote de Deus e o outro um simples e pobre camponês israelita. Nossa atenção é atraída pelos gestos e pela maneira de ambos, que demonstra estarem tratando de um assunto importante. Ao observá-los, descobrimos que o assunto diz respeito a um jumentinho que está ao lado deles.
— Vim perguntar — diz o pobre israelita — se não pode ser feita uma exceção a meu favor, só desta vez. Este animal é o primogênito de uma jumenta que tenho e, embora eu saiba o que diz a lei de Deus a seu respeito, espero que haja misericórdia e seja poupada a vida do jumentinho. Sou apenas um pobre em Israel e não posso pensar em perder este animal.
O sacerdote, porém, responde com firmeza:
— A lei de Deus é clara e não admite dúvidas: “Tudo o que abrir a madre da jumenta, resgatarás com cordeiro; e se o não resgatares, cortar-lhe-ás a cabeça”. Por que, então, você não traz um cordeiro?
— Ah, senhor, não tenho nenhum cordeiro! — replica o homem.
— Então vá comprar um e traga-o aqui; caso contrário o jumento terá que ser morto.
— Ai de mim! — exclama o pobre homem — neste caso todas as minhas esperanças estão perdidas, pois sou muito pobre e não posso de maneira alguma comprar um cordeiro.
Mas, durante a conversa, aproxima-se uma terceira pessoa que, ouvindo a triste história do homem, volta-se para ele e lhe diz bondosamente:
— Não fique desanimado, pois posso resolver o seu problema. Temos em casa um cordeiro que é muito querido de todos os de minha família, pois não tem nem uma única mancha nem defeito algum, e nunca se extraviou; vou já buscá-lo.
Pouco depois o homem está de volta, trazendo o cordeiro que em seguida é morto e o seu sangue derramado. O sacerdote volta-se então para o pobre israelita e lhe diz:
— Agora você pode levar o seu jumentinho para casa e ficar certo de que não precisará matá-lo. Graças ao seu amigo, o cordeiro morreu no lugar dele e, portanto, o jumentinho fica, com toda a justiça, totalmente livre.
Ora, querido leitor, acaso você não vê nisto um quadro divino da salvação do pecador? Em consequência dos seus pecados a justiça de Deus exige a sua morte, isto é, o seu justo castigo. A única alternativa que resta a você é a morte de um substituto aprovado por Deus. Você jamais poderia de si mesmo providenciar o necessário para sair da desesperada situação em que se encontra. Deus, porém, na Pessoa de Seu amado Filho, supriu, Ele próprio, um Substituto:
“Eis o Cordeiro de Deus”, disse João aos seus discípulos ao contemplarem o bendito e imaculado Salvador. “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29).
E, com efeito, Jesus subiu ao Calvário, “levado como a ovelha para o matadouro” (At 8:32), e ali “padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pe 3:18). “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” (Rm 4:25). De modo que Deus, ao justificar o ímpio que crê em Jesus; ao absolvê-lo de toda a culpa, em nada sacrifica as justas exigências do Seu trono dirigidas contra o pecado. Ele é absolutamente justo em assim justificar aquele que tem fé em Jesus (Rm 3:26). Bendito seja Deus, por nos dar tal Salvador e uma tal salvação!
Caro leitor, você crê no Filho de Deus? Se você responder “Sim! Como pecador condenado tenho encontrado nele aquele em quem posso confiar com total segurança. Creio verdadeiramente nele!”, neste caso posso lhe assegurar que, perante Deus, o grande valor do sacrifício e morte de Cristo, conforme Deus o aprecia, aproveita tanto à sua alma como se você mesmo tivesse sofrido, em si mesmo, a condenação merecida.
Oh, que admirável salvação é esta! É grande, é digna de Deus! Por ela, Deus satisfaz os desejos do Seu bondoso coração, dá glória ao Seu amado Filho, e assegura a salvação do pobre pecador que nele crê. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que determinou que o Seu próprio Filho levasse a cabo essa grande obra e recebesse por ela todo o louvor; e que nós, pobres criaturas culpadas, não somente alcançássemos toda a bênção por meio da fé nele, mas também gozássemos eternamente a bem-aventurada companhia daquele que assim nos abençoou! “Engrandecei ao Senhor comigo, e juntos exaltemos o Seu nome” (Sl 34:3).
Mas, talvez você pergunte ansiosamente: “Como é que ainda não tenho completa certeza da minha salvação, embora já não confie mais em mim mesmo, nem nas minhas obras, mas só, única e inteiramente em Cristo e na Sua obra? Como é que, se um dia os sentimentos do meu coração me dizem que estou salvo, no dia seguinte me vejo assaltado de dúvidas? Sou como um navio surpreendido pela tempestade, sem poder achar ancoradouro seguro em nenhuma parte”. Ah! Eis aí o seu engano, e vou explicar a razão. Porventura você já ouviu falar de algum capitão que procurasse ancorar seu navio lançando a âncora para dentro do próprio navio? Nunca! Ele sempre a lança para fora!
Vejamos, então, o seu caso. Pode ser que você já esteja completamente convencido de que a segurança de sua alma, quanto ao julgamento divino, depende somente da morte de Cristo; porém você imagina, ao mesmo tempo, que são os seus sentimentos que hão de lhe dar a certeza da sua participação nos benefícios dessa morte. Vamos olhar novamente para a Bíblia, pois quero que você veja nela o modo como, pela Sua Palavra, Deus nos dá: O conhecimento da salvação.
Antes, porém, de procurarmos o versículo que você deve ler cuidadosamente, o qual nos ensina como um crente pode saber que tem a vida eterna, permita-me citá-lo de maneira errada, ou seja, da maneira com que muitos parecem entendê-lo: “Estes alegres sentimentos vos dou a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus”.
Compare agora isto com a bendita e inalterável Palavra divina, e permita Deus que você possa se firmar nela, rejeitando todos os pensamentos vãos. Ora, o versículo de que falei é o versículo 13 do capítulo 5 da primeira epístola de João, que na Bíblia (Versão Almeida Atualizada) está escrito assim: “Estas coisas vos escrevi a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus”.
A história sagrada do Antigo Testamento nos relata um acontecimento que explica exatamente o modo pelo qual nós podemos ter a inabalável certeza da salvação de que o versículo acima nos fala. Esse acontecimento é a saída do povo de Israel da terra do Egito, o que lemos no capítulo 12 do livro de Êxodo. Como podiam os primogênitos do povo de Israel saber, com toda a certeza, que estavam seguros durante aquela terrível noite da Páscoa, quando Deus derramava sobre o Egito o Seu tremendo castigo? Vamos supor que nos encontramos no Egito nessa solene ocasião, e que visitamos duas das casas dos israelitas. Na primeira casa encontramos toda a família aterrorizada e cheia de receios, dúvidas e incertezas:
— Qual é o motivo de tanta palidez e medo? — perguntamos.
— Ah! — responde o primogênito, — o anjo da morte vai atravessar a terra do Egito esta noite, e não sei o que será de mim quando chegar a meia-noite. Só depois que o anjo exterminador tiver passado por nossa casa e a hora do juízo tiver terminado é que saberei que estou salvo, mas antes disso não sei como posso ter a certeza de que nada me há de acontecer. Os nossos vizinhos do lado dizem que têm certeza da sua segurança, mas acho que isso é ter muita presunção. O melhor que eu posso fazer é passar esta longa e terrível noite esperando que tudo me saia bem.
— Porém — perguntamos — o Deus de Israel não providenciou um meio de segurança para o Seu povo?
— Certamente que sim — responde ele — e nós já usamos esse meio. O sangue de um cordeiro de um ano, cordeiro sem defeito algum, já foi devidamente espargido com um molho de hissopo sobre a verga e ombreiras da porta; mas apesar disso, não temos ainda plena certeza de que eu esteja seguro.
Deixemos agora esta pobre gente, atribulada e cheia de dúvidas, e entremos na casa ao lado. Que notável contraste se apresenta logo à nossa vista! A paz e o sossego brilham em todos os rostos. Ali estão todos, de cajado na mão, a comer o cordeiro assado e já prontos para caminhar.
— Qual é o motivo de tão grande tranquilidade em noite tão solene? — perguntamos.
— Ah! — respondem todos — estamos aguardando as ordens de Jeová, nosso Deus, para sairmos de viagem, quando então daremos as últimas despedidas ao chicote do tirano e à cruel escravidão do Egito.
— Mas esperem! Vocês estão se esquecendo de que à meia-noite o anjo de Deus vai percorrer a terra do Egito, ferindo de morte os primogênitos?
— Sabemos disso muito bem, mas o nosso filho já está perfeitamente seguro porque já espargimos o sangue na porta, segundo a vontade e ordem do nosso Deus.
— Mas também os vizinhos fizeram o mesmo, — respondemos, — e mesmo assim estão todos tristes, porque não têm nenhuma certeza de segurança.
— Ah — diz o primogênito com firmeza — mas nós não temos somente o sangue espargido: temos também uma confiança absoluta na Palavra inabalável do nosso Deus. Deus disse: “Quando Eu vir o sangue, passarei por vós”. Portanto Deus fica satisfeito vendo o sangue lá fora, e nós aqui dentro ficamos descansando na Sua palavra. O sangue espargido é a base da nossa segurança. A palavra proferida por Deus é a base da nossa certeza de salvação. Porventura há alguma coisa que possa tornar-nos mais seguros do que o sangue espargido, ou que possa dar-nos mais certeza do que a palavra proferida por Deus? Nada, absolutamente nada. Eis a razão da nossa paz!
Ora, leitor, qual destas duas famílias você acha que estava mais ao abrigo da espada do anjo da morte? Talvez você diga que era a segunda, onde todos gozavam daquela tranquila confiança. Você está enganado: ambas estavam igualmente seguras, pois a segurança de ambas dependia, não dos sentimentos dos que estavam dentro da casa, mas sim da maneira como Deus apreciava o sangue espargido fora da casa, sobre a porta. Se você quiser ter a certeza da sua própria salvação, leitor, não dê atenção aos seus sentimentos, mas sim ao testemunho infalível da Palavra de Deus. “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em Mim tem a vida eterna” (Jo 6:47).
A fim de esclarecer mais este ponto, vou me valer de um simples exemplo tirado da vida cotidiana. Certo lavrador, não tendo pastagens suficientes para o seu gado, e ouvindo dizer que uma bela pastagem próxima à sua casa está para alugar, comunica ao proprietário seu interesse em arrendá-la. Passa-se algum tempo sem que receba resposta do proprietário. Enquanto isso, um vizinho visita o lavrador e lhe diz:
— Estou certo de que ele alugará a pastagem a você. Você não se lembra de que no último ano o proprietário enviou-lhe um presente, e não recorda também da maneira como o cumprimentou quando passou por sua casa há alguns dias? Eis agora o lavrador todo cheio de esperanças!
No dia seguinte encontra-se com outro vizinho, que durante a conversa lhe diz:
— Receio que você não poderá usar aquela pastagem. Ouvi dizer que o sr. Fulano também a quer, e você sabe como ele é amigo do proprietário.
Esta notícia faz desvanecer as esperanças do pobre lavrador; e assim continua ele; um dia muito esperançoso, outro dia cheio de dúvidas. Por fim recebe uma carta pelo correio e, ao reconhecer a letra do proprietário da pastagem, abre-a com viva ansiedade; mas à medida que vai lendo, o sobressalto vai se transformando em satisfação que se lhe retrata no rosto.
— Está tudo resolvido, — exclama, dirigindo-se à sua esposa; — acabaram-se as dúvidas e os receios! O proprietário diz que me arrenda a pastagem por todo o tempo que eu quiser, e em condições muito favoráveis. Isto me basta; agora já não me importo mais com a opinião de ninguém, seja lá quem for; a palavra do proprietário assegura-me a posse.
Quantas pobres almas há por aí, às quais acontece o mesmo que aconteceu ao lavrador; andam agitadas e perturbadas porque escutam as opiniões dos homens, ou se ocupam com os pensamentos e sentimentos dos seus próprios corações, ao passo que, se com sinceridade recebessem a Palavra de Deus, como sendo a Palavra de Deus, as dúvidas que os atribulam cederiam imediatamente seu lugar à certeza.
As Escrituras dizem que aquele que crê está salvo, e que aquele que não crê está condenado. Não pode haver dúvida, nem em um caso nem em outro, pois é Deus quem o diz, e para o crente de coração sincero a Palavra de Deus resolve tudo. “Porventura diria Ele, e não o faria? ou falaria, e não o confirmaria?” (Nm 23:19). Deus tem falado, e o crente, satisfeito, pode dizer:
Mais provas não exijo eu
Nem mais demonstração;
Já sei que Cristo padeceu
Para minha salvação.
Mas, talvez alguém ainda pergunte: “Como hei de saber com certeza se tenho a verdadeira fé?” A esta pergunta temos que responder com outra pergunta: “Você tem fé no verdadeiro Salvador: isto é, no bendito Filho de Deus?” A questão não é saber se a sua fé é muita ou pouca, forte ou fraca, mas se a Pessoa em quem você confia é digna de confiança.
Há alguns que se agarram a Cristo com uma energia semelhante à do homem que está se afogando. Há outros, porém, que apenas tocam, por assim dizer, na orla do seu vestido; mas os primeiros não estão mais seguros do que os últimos. Todos fizeram a mesma descoberta, isto é, que em si mesmos não há nada em que possam confiar, mas que podem, todavia, fiar-se seguramente em Cristo, podem fiar-se tranquilamente na sua Palavra, e podem, portanto, descansar com toda a confiança na eterna eficácia da sua obra perfeita. É isto que se entende por crer nele, e é sua a promessa: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em Mim, tem a vida eterna” (Jo 6:47).
Portanto, cuidado leitor; não ponha a sua confiança nas suas boas intenções ou no seu arrependimento e penitências, ou em quaisquer outros atos religiosos, nem mesmo nos seus piedosos sentimentos, nem na educação moral que possa ter recebido, nem em quaisquer outras coisas semelhantes. É até possível que você confie firmemente em algumas destas coisas, ou em todas elas juntas, e, contudo, venha a perder-se eternamente; porém a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, por mais fraca que seja, salva eternamente, ao passo que a fé em outra coisa ou pessoa qualquer, mesmo que seja forte, é apenas o fruto de um coração enganado.
Deus, no Evangelho, apresenta a você o Senhor Jesus Cristo, e diz: “Este é o Meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3:17). É como se Deus dissesse: “Ainda que você não possa confiar em si mesmo, pode, contudo, confiar sem receio em Jesus”. Bendito, mil vezes bendito Senhor Jesus! Quem não há de confiar em ti e exaltar o teu nome?
— Creio deveras nele, — disseme um dia uma jovem, com certa tristeza, — todavia não me atrevo a dizer que estou salva, com receio de dizer talvez uma mentira.
Esta jovem era filha de um negociante de gado em uma pequena vila, e seu pai havia ido, naquele mesmo dia, à feira e ainda não tinha voltado.
— Suponhamos agora — disse-lhe eu — que quando seu pai voltar você lhe pergunte quantas ovelhas comprou hoje, e ele responda: “Dez”. Suponhamos ainda que logo em seguida entre um freguês e lhe pergunte: “Quantas ovelhas seu pai comprou hoje?” Porventura você responderia: “Não me atrevo a dizer, com receio de mentir”?
Nisto, a mãe da menina, que escutava nossa conversa, disse com certa indignação:
— Isso seria o mesmo que dizer que seu pai é mentiroso.
Ora, querido leitor, você não percebe que essa menina, embora bem-intencionada, estava realmente a fazer do Senhor Jesus um mentiroso, quando dizia: “Eu creio no Filho de Deus, porém não me atrevo a dizer que tenho a vida eterna, porque receio dizer talvez uma mentira”? Que incredulidade!
— Mas, — alguém poderá dizer, — como posso ter a certeza de que realmente creio? Tenho me esforçado muitas vezes para crer, e procurado ler no meu íntimo se o tenho conseguido; mas quanto mais penso na minha fé, a mim menos parece que eu creia.
Meu amigo, a maneira como você olha para estas coisas não poderia ter outro resultado, e o fato de você dizer que se esforça para crer demonstra claramente que não compreende a questão. Deixe-me, portanto, apresentar-lhe outro exemplo para explicar melhor este ponto.
Suponhamos que você se encontre certa noite em sua casa e entre alguém dizendo que o chefe da estação da estrada de ferro acaba de morrer esmagado por um trem. Acontece, porém, que esse indivíduo que lhe traz a notícia há muito tempo é tido em toda a vizinhança como um grande mentiroso. Você acreditaria nele, ou se esforçaria para acreditar nele?
— Decerto que não! — você me responderá prontamente.
— E por que não?
— Porque eu o conheço bem demais para saber que é um mentiroso.
— Mas, — pergunto — como é que você sabe que não crê no que ele disse? Será que para isso você precisou examinar sua fé?
— Não; é porque sei que o homem que me dá a notícia não é digno de confiança.
Pouco depois entra outro indivíduo e diz:
— O chefe da estação foi hoje atropelado por um trem e ficou esmagado.
Após ele sair, escuto você dizer prudentemente:
— Agora estou quase crendo que seja verdade, pois conheço este homem desde pequeno e, pelo que recordo, só me enganou uma vez.
— Ora, — pergunto eu de novo, — será que desta vez você sabe que quase crê por ter examinado sua própria fé?
— Não; é porque tenho em conta o caráter de quem me dá a notícia.
Este homem acaba de sair de sua casa e entra um terceiro. Este, que é um amigo que lhe inspira a mais absoluta confiança, não faz mais do que confirmar a notícia. Desta vez então você diz:
— Agora é que creio, João. Por ser você quem está me afirmando isto, eu posso crer.
Insisto ainda na minha pergunta, que como você há de recordar, é apenas um eco da sua:
— Como é que você pode saber agora que crê tão positivamente no que disse o seu amigo?
— É porque conheço bem a pessoa e o caráter dela — você me responde. — Nunca, em toda a sua vida, me enganou, e não a julgo capaz de fazê-lo.
Pois bem, é justamente por esta razão que eu também sei que creio no Evangelho: é por ele me ser mandado pelo próprio Deus. O apóstolo João diz: “Se recebemos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de Seu Filho testificou… quem a Deus não crê mentiroso O fez: porquanto não creu no testemunho que Deus de Seu Filho deu” (1 Jo 5:9-10). E Paulo diz: “Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça” (Rm 4:3).
Em certa ocasião uma pessoa ansiosa pela salvação disse a um servo de Deus:
— Ah! senhor, eu não posso crer!
Ao que lhe respondeu o pregador com muito acerto:
— É verdade?… E em quem você não pode crer? Esta simples pergunta foi suficiente para lhe abrir os olhos. Até ali tinha pensado que a fé era alguma coisa misteriosa que deveria sentir dentro de si, e que sem senti-la não poderia ter certeza da sua salvação. Mas afinal a fé do crente faz com que ele olhe, não para si mesmo, mas, ao contrário, para Cristo e para a Sua obra consumada no Calvário, e o leve a aceitar confiadamente o testemunho que um Deus fiel dá acerca de ambos e assim alcança a paz. Quando uma pessoa se volta para o Sol, a sua sombra fica para trás; assim também quando nos voltamos para Cristo glorificado no céu, não mais nos preocupamos conosco.
Fica, pois, demonstrado que a bendita Pessoa do Filho de Deus ganha a nossa confiança; a sua obra consumada nos dá segurança eterna; e a Palavra de Deus, acerca de todo o que nele crê, nos dá a certeza inalterável de tal segurança. Encontramos em Cristo e na sua obra o caminho da Salvação; e na Palavra de Deus o conhecimento da Salvação.
— Mas — dirá talvez o leitor, — se tenho a vida eterna, como é que tenho sentimentos tão inconstantes, perdendo com frequência toda a minha alegria e consolação, achando-me sem paz e quase tão triste como antes de ter sido convertido?
Esta pergunta nos leva a tratar de nosso terceiro ponto que é: O gozo da salvação.
A Palavra de Deus nos ensina que, enquanto que o crente é salvo da ira futura pela obra de Cristo, e que tem a certeza da salvação pela Palavra de Deus, conserva a consolação e alegria pelo poder do Espírito Santo que habita nele (1 Co 6:19).
Convém lembrar que toda pessoa salva ainda tem em si o que as Sagradas Escrituras chamam de “carne”, isto é, a natureza pecaminosa com que nascemos, e que começa a se manifestar desde a nossa mais tenra infância. O Espírito Santo no crente resiste à “carne”, e fica entristecido sempre que ela se manifesta por pensamentos, palavras ou obras. Quando o crente procede de um modo digno do Senhor, o Espírito Santo produz em sua alma o seu bendito fruto: amor, gozo, paz, etc. (Gl 5:22).
Porém quando ele procede de um modo carnal e mundano, o Espírito Santo é entristecido e, como consequência, falta, na vida do crente, este fruto espiritual. Permita-me, leitor, expor sua situação, como crente, da seguinte forma:
A obra de Cristo e a sua salvação: ficam em pé ou caem juntamente; seu comportamento e o seu gozo: ficam em pé ou caem juntamente.
Se fosse possível a obra de Cristo cair por terra, o que graças a Deus nunca poderá acontecer, a sua salvação cairia juntamente com ela. Porém, quando por qualquer descuido você não tiver um comportamento próprio de um cristão, (o que pode muito bem acontecer), você ficará também sem desfrutar o gozo.
Em Atos dos Apóstolos, está escrito a respeito dos primeiros cristãos que andavam “no temor do Senhor e consolação do Espírito Santo” (At 9:31); e também “os discípulos estavam cheios de alegria e do Espírito Santo” (At 13:52). Depois de sermos convertidos, o nosso gozo espiritual será sempre proporcional ao caráter espiritual do nosso comportamento.
Você percebe agora, leitor, em que consiste o seu engano? Você tem confundido duas coisas diversas, que são: a segurança da salvação, e o gozo que resulta dela. Se porventura você entregar-se à sua vontade-própria, ao seu mau gênio, ou aos prazeres mundanos, etc., o Espírito Santo se entristecerá e logo você perderá sua alegria espiritual e talvez pense ter perdido também a sua segurança. Repito, porém, mais uma vez:
A sua segurança depende da obra que Cristo fez por você.
A sua certeza depende da Palavra que Deus dirige a você.
O seu gozo depende de você não entristecer o Espírito Santo que habita em você.
Se você, sendo filho de Deus, entristecer o Espírito Santo, a sua comunhão com Deus Pai e com o Seu bendito Filho ficará, como consequência, logo interrompida; e enquanto você, arrependido, não reconhecer e confessar o seu pecado a Deus, aquela comunhão e aquele gozo não lhe serão restaurados.
Suponhamos que uma criança qualquer faz uma maldade. Sentindo que praticou o mal e desconfiando que seus pais já saibam do ocorrido, ela mostra logo em seu rosto os evidentes sinais de perturbação. Meia hora antes ela estava alegre gozando, juntamente com os pais, um passeio no jardim, agradando-se naquilo que agradava a eles também, e gozando aquilo que eles também desfrutavam. Em outras palavras, ela estava em comunhão com eles; tinham todos os mesmos sentimentos. Mas isso cessou num momento e, como criança travessa e desobediente, nós a encontramos agora em um canto, toda triste. Os pais, notando sua tristeza, perguntam-lhe pelo motivo, dizendo-lhe que, se tiver feito qualquer maldade, deve confessar tudo e eles lhe perdoarão; mas o orgulho e a teimosia a mantém ali calada.
Onde está agora a alegria que essa criança tinha há meia hora? Desapareceu completamente. Por quê? Porque se interrompeu a comunhão entre ela e seus pais, devido à sua maldade. Mas o que é feito do parentesco que, há meia hora, existia entre ela e seus pais? Porventura desapareceu isto também? Acaso cessou ou se interrompeu? Certamente que não.
O seu parentesco depende do seu nascimento.
A sua comunhão depende do seu comportamento.
Passado, porém, algum tempo, ela sai do canto, onde tinha permanecido, e já arrependida e com o coração quebrantado, humilha-se e confessa toda a sua falta, do princípio ao fim, de modo que os pais percebem que ela odeia agora, tanto quanto eles, a sua desobediência e travessura. Então, tomando-a nos braços, cobrem-na de beijos. A sua alegria restabelece-se, porque também a sua comunhão com os pais está agora restabelecida.
Lemos que o rei Davi, tendo em certa ocasião pecado gravemente, se arrependeu e voltou-se para Deus orando: “Torna a dar-me a alegria da Tua salvação” (Sl 51:12). Notemos que não pediu que lhe fosse restituída a salvação, mas a alegria da salvação.
Imaginemos agora o caso de outra maneira. Suponhamos que enquanto a criança se encontrava no canto, soluçando e sem dar provas de querer reatar comunhão com seus pais, se ouvisse um grito de “Fogo!” O que iria ser da criança? Porventura seus pais a deixariam naquele canto para ser consumida pelo fogo que devora a casa? Impossível! Seria até mais provável que ela fosse a primeira pessoa que os pais tirassem para fora de casa e que pusessem a salvo. Todos devem saber perfeitamente que o amor de parentesco é uma coisa, e que o gozo da comunhão é outra inteiramente diferente.
Ora, quando um crente cai em pecado, a sua comunhão com Deus Pai fica por algum tempo interrompida, e falta-lhe o gozo até que, com o coração contrito, se volte para o Pai e Lhe confesse os seus pecados. Então, confiando na Palavra de Deus, sabe que está de novo perdoado; porque a sua Palavra claramente diz que: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo, para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1 Jo 1:9).
Assim, pois, ó filho querido de Deus, lembre-se sempre destas duas importantes verdades: que não há nada tão forte como o laço de parentesco; e nada há tão frágil como o laço de comunhão. Todas as forças e todas as maquinações da Terra e do inferno reunidas não podem quebrar o primeiro, ao passo que basta apenas um pensamento impuro, ou uma palavra leviana, para quebrar imediatamente o segundo.
Se porventura você tiver alguma vez a sua alma atribulada, humilhe-se perante Deus, e examine a sua consciência. E quando você tiver descoberto o ladrão, o pecado que lhe roubou a alegria, traga-o para a luz da presença de Deus; isto é, confesse o seu pecado a Deus, seu Pai, e julgue-se a si mesmo, pelo seu descuido e pela falta de vigilância da sua alma que, assim, deixou entrar às escondidas o inimigo. Mas não confunda nunca, nunca, a sua segurança com o seu gozo.
Não imagine, todavia, que o julgamento de Deus é menos severo contra o pecado do crente, do que contra o do incrédulo. Ele não tem dois modos diferentes de tratar com o pecado. Seria impossível a Deus passar por alto, sem julgar, tanto os pecados do crente como os do incrédulo que rejeita o seu precioso Filho. Há, porém, entre os dois casos a seguinte diferença:
O pecado do crente foi previsto por Deus, havendo-o lançado sobre Cristo, o Cordeiro divino, quando este foi crucificado no Calvário. Ali, de uma vez para sempre, foi levantada a grande questão criminal da sua culpa, recaindo o castigo, que o crente merecia, sobre o seu bendito Substituto. “Levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pe 2:24). O incrédulo, porém, que rejeita o Senhor Jesus Cristo, há de sofrer, ele próprio, as consequências eternas dos seus pecados no lago de fogo.
Ora, quando um crente comete uma falta, a questão criminal do pecado não pode ser suscitada novamente contra ele, porque o próprio Jesus, constituído agora o Juiz de todos, é quem a resolveu de uma vez para sempre sobre a cruz; porém a questão da comunhão é levantada dentro da sua alma pelo Espírito Santo, todas as vezes que o crente o entristece.
Permita-me que, em conclusão, me sirva de outro exemplo. Imaginemos uma noite serena e magnífica, com a Lua brilhando com o seu maior esplendor. Um homem está olhando atentamente para um lago profundo, em cuja superfície a Lua se reflete admiravelmente e, dirigindo-se a um amigo que está ao seu lado, lhe diz:
— Como a Lua está linda esta noite, tão cheia e brilhante!
Porém, apenas acaba de falar, seu companheiro deixa cair uma pedra dentro do lago e logo o primeiro exclama:
— Que é isto? A Lua fez-se em pedaços, e os seus fragmentos estão batendo uns contra os outros na maior confusão!
— Que absurdo! — responde seu companheiro. — Olhe para cima e você verá que a Lua não mudou em coisa alguma. A superfície da água do lago, que a reflete, é que sofreu mudança, ficando agitada.
Amigo crente, aplique a você mesmo este simples exemplo. O seu coração é como o lago. Quando você não concede nele lugar para o mal, o bendito Espírito de Deus revela a você as perfeições e glórias de Cristo, para sua consolação e gozo. Mas no exato momento em que você acolhe em seu coração um mau pensamento, ou que de seus lábios escapa uma palavra ociosa, sem ser logo julgada, o Espírito Santo começa, por assim dizer, a alterar a superfície do lago, e a sua felicidade e gozo se desvanecem fazendo com que você fique inquieto e perturbado até que, com espírito quebrantado diante de Deus, lhe confesse o pecado que tem sido a causa da sua perturbação. Aí então ficará restaurado o sossego de seu espírito, e você desfrutará de novo o gozo da comunhão com Deus.
Enquanto o seu coração se sente assim intranquilo, porventura você acha que a obra de Cristo sofreu alguma mudança? Isto jamais poderá acontecer; e por consequência também a realidade da sua salvação não sofreu mudança. Mudou a Palavra de Deus? É claro que não. Então permanece inabalável a certeza da sua salvação. O que foi que mudou então? A ação do Espírito Santo em você. Ele, ao invés de lhe mostrar as glórias do Senhor Jesus, e de assim encher o seu coração com o sentimento do valor da Pessoa e da obra de Cristo, se vê na necessidade de deixar essa preciosa ocupação para encher a sua consciência com o sentimento do seu próprio pecado, sua fraqueza e sua falha. Ele o privará de sua consolação e de seu gozo enquanto você mesmo não se julgar, reprovando o mal que ele julga e reprova. Quando isto, porém, acontece, restabelece-se novamente a sua comunhão com Deus. Que, pela graça do Senhor, tenhamos sempre uma santa vigilância sobre nós mesmos, a fim de não entristecermos “o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção” (Ef 4:30).
Querido leitor, por mais fraca que seja a sua fé, fique certo de que o bendito Senhor em quem você tem depositado sua confiança jamais mudará. “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13:8). A obra de Cristo consumada jamais mudará: “tudo quanto Deus faz durará eternamente: nada se lhe deve acrescentar, e nada se lhe deve tirar” (Ec 3:14). A Palavra por Deus pronunciada jamais mudará. “Secou-se a erva, e caiu a sua flor: mas a palavra do Senhor permanece para sempre” (1 Pe 1:24-25).
Assim, pois o alvo da nossa fé, o fundamento da nossa esperança, e a base da nossa certeza, são igualmente perduráveis. Com confiança então podemos já cantar:
Ó Deus e Pai, te agradecemos
A paz, perdão e teu amor,
Com gratidão reconhecendo
Que temos parte em teu favor.
Permita-me, pois, leitor, que pergunte a você uma vez mais: “Em que classe você está viajando?” Eleve a Deus o seu coração e dê-lhe já, sem demora, a sua resposta.
“Quem a Deus não crê mentiroso o fez: porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu” (1 Jo 5:10).
“Aquele que aceitou o seu testemunho, esse confirmou que Deus é verdadeiro” (Jo 3:33).
Querido leitor, meu desejo é que a alegre certeza de possuir esta salvação tão grande encha o seu coração e domine toda a sua vida, agora e até que Jesus venha.
Extraído de “Segurança, Certeza e Gozo da Salvação Eterna” — G. Cutting (1843-1934).
*
Seria Paulo um falso profeta?
Com tantos escândalos cometidos pelos neopentecostais e pela Teologia da Prosperidade em seus templos e nas redes de rádio e TV em sua volúpia de surrupiar dinheiro dos fiéis, às vezes não percebemos que o ataque mais refinado à sã doutrina vem das religiões cristãs fundamentalistas e de outras frentes antagônicas a estas.
Os pregadores da prosperidade estão mais interessados em usar textos de bênçãos materiais e maldições do Antigo Testamento, para incentivar as ofertas e ameaçar seus fiéis, do que propriamente em minar a doutrina dos apóstolos. Por outro lado, muitas religiões cristãs fundamentalistas têm uma agenda específica em minar a sã doutrina, e em especial desacreditar o apóstolo Paulo, a quem foram reveladas as verdades concernentes à igreja. Todavia, se estes fazem isso em doses homeopáticas, os grupos que têm surgido em oposição às religiões fundamentalistas despencam no erro com uma velocidade muito maior.
Entre esses eu incluiria o autor do texto que você enviou. Ele dá mostras de não crer na Bíblia como a Palavra de Deus, mas apenas nas partes que ele escolhe. Uma de suas afirmações já revela em que espírito essa pessoa está: “Paulo foi útil ao cristianismo, mas a maioria de suas ideias e doutrinas são dele mesmo e não de Jesus”. Embora a rejeição ao ministério de Paulo seja hoje corrente em muitas escolas de teologia, — e falei disso em um texto com o título “Paulo deveria estudar teologia?” — surgem hoje alguns mais ousados em desacreditar Paulo e seu ministério pelo simples fato de não desejarem se sujeitar à Palavra de Deus.
O autor do texto que você enviou também usa do argumento de que as Escrituras teriam sido alteradas, sempre que o que está escrito não concorda com suas ideias. Mas, como todo bom herege, ele fala o tempo todo da Bíblia, cita versículos e tudo mais. Ele fala até de um suposto protecionismo dado a Paulo pelos primeiros cristãos, colocando desta maneira: “A epístola de Tiago, por exemplo, nem sequer entrou nos primeiros concílios no cânon, porque todos sabiam que era uma resposta a epístola de Paulo aos Romanos”. Uau! Então podemos crer que Tiago usou uma máquina do tempo para viajar até o ano 56, ler a carta escrita por Paulo aos Romanos nessa data, e voltar ao ano 45 para escrever sua epístola em resposta ao texto futuro. Ok, os correios da época podiam ser lentos, mas Tiago não precisaria ter respondido a carta de Paulo 11 anos antes de ela ser escrita.
Ao comentar 1 Tessalonicenses 4:17, que diz, “Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”, o autor do texto escreve: “Paulo está dizendo que ele e os seus ficariam vivos, ou que os vivos seriam arrebatados! Algum deles foi arrebatado? Não. Todos morreram. E aí eu pergunto: Essa profecia se cumpriu? Paulo foi um profeta?”.
Um pouco antes ele tenta qualificar Paulo como um falso profeta, quando diz: “Segundo o livro de Deuteronômio, Deus deixou um sinal claro para que seu povo soubesse discernir um falso profeta de um verdadeiro (Dt 18). Um sinal que até uma criança de cinco anos entenderia: ‘Quando um profeta falar em meu nome e suceder conforme ele falou, em meu nome falou tal profeta. mas se um profeta falar em meu nome e não acontecer, e não suceder assim, loucamente falou tal profeta, não o ouvireis.’”.
Dá para acreditar a que ponto chega a ousadia desses que se dizem cristãos em julgar a Palavra de Deus e os apóstolos do Senhor? Eu gostaria que o problema dele fosse simplesmente o de uma pessoa que foi reprovada na prova de interpretação de texto do vestibular, mas parece que não é tão simples assim. O que o texto de Tessalonicenses realmente diz?
Se Paulo tivesse dito “nós seremos arrebatados” então poderíamos dizer que ele se enganou. Mas o apóstolo acrescenta um identificador — “os que ficarmos vivos” — abrindo assim a possibilidade para que alguns dentre os tessalonicenses, inclusive o próprio Paulo, não ficariam vivos para o arrebatamento. Afinal, foi para isso que ele escreveu a passagem, justamente para consolar aqueles que já tinham perdido irmãos que morreram sem terem visto o arrebatamento: “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1 Ts 4:13).
O autor do texto então passa a tentar desqualificar a Palavra de Deus usando… a própria Palavra de Deus! Ele faz isso dizendo que Paulo teria errado em 1 Tessalonicenses porque em outras passagens ele disse que iria morrer: “E agora, na verdade, sei que todos vós, por quem passei pregando o reino de Deus, não vereis mais o meu rosto… Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho” (At 20:25, 29). “Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda” (1 Tm 4:6-8).
Ao dizer “nós, os que ficarmos”, Paulo mostrava que sua esperança estava no arrebatamento que ele também aguardava para qualquer momento. O apóstolo sabia que não havia nada para se cumprir antes do arrebatamento. Porém, quando o Senhor revelou a ele que seria morto, obviamente ele já não esperava mais o arrebatamento, mas sua afirmação “os que ficarmos” continuava válida para os que não viessem a morrer antes do encontro com o Senhor nos ares. Se você estivesse lá, talvez perguntasse a Paulo:
— Ei, Paulo, que história é essa?! Outro dia você disse que estaria entre os que iriam no arrebatamento e agora diz que vai morrer?!!
— Sim, pois quando eu disse aquilo eu não sabia que iria morrer. O Senhor me revelou isso agora. Mas quanto a você, continue aguardando pelo Senhor no arrebatamento, porque pode ser que você esteja entre os que ficarem para serem arrebatados.
Mas o autor do texto não vai deixar de usar outro ângulo em sua tentativa de desqualificar Paulo. Ele usa 1 Coríntios para alegar que ali Paulo teria desistido da ideia do arrebatamento. Veja o que ele diz: “Paulo muda de ideia, e já não fala mais em arrebatamento, mas em corpos transformados… Ele está se referindo a ele mesmo e aos seus em sua época. Isso se cumpriu? Não. Algum deles foi transformado? Não.” Em seguida ele acrescenta esta passagem para mais uma vez insinuar que Paulo fosse autor de falsas profecias: “E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos” (Mt 24:11)
Certamente ele ignora que para alguém ser arrebatado precisa antes ser transformado, pois nosso corpo mortal não pode entrar no céu, como Paulo ensina que acontecerá: “Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória” (1 Co 15:51).
Se o autor dissesse que Pedro não esperava pelo arrebatamento eu até concordaria, porque o conhecimento de sua morte foi dado a Pedro ainda nos evangelhos. “Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras. E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me” (Jo 21:18-19). Anos mais tarde o Senhor deve ter revelado a Pedro a proximidade de sua morte, porque em um determinado momento de sua vida ele sabia que ela viria em breve: “E tenho por justo, enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações, sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado” (2 Pe 1:13-14). Mas não foi o caso de Paulo.
Comecei a ler seu e-mail e fui respondendo à medida que lia o texto que você enviou desse autor, mas ao chegar ao final percebi que ele nem mesmo é membro de uma religião fundamentalista protestante ou católica, mas parece seguir mesmo um volume próprio e original de heresias. Que as religiões fundamentalistas desprezam os ensinos de Paulo é um fato, e basta ver quantas das doutrinas do apóstolo são tomadas como opinião pessoal do apóstolo, e não revelações do Senhor. Mas ao menos nessas religiões ainda se preservam doutrinas fundamentais, como Cristo sendo a Pedra angular sobre a qual Deus edifica a sua Igreja, e também a doutrina da justificação pela fé ensinada por Paulo em sua epístola aos Romanos. No entanto, o autor do texto que você enviou nega até mesmo isso e torce as Escrituras ao seu bel prazer. Segundo ele, era Paulo quem se considerava a pedra angular! Diz ele: “Aí surge Paulo no cenário cristão dizendo: ‘Cristo me enviou’ e vira a pedra angular de toda a igreja.”. Repare em mais algumas “pérolas” do autor do texto em seu ódio contra o apóstolo dos gentios:
“Paulo defende a obediência dos cristãos ao opressivo Império Romano, bem como o pagamento de impostos, faz apologia da escravidão, legitima a submissão feminina e esboça uma doutrina da salvação distinta daquela que teria sido defendida por Jesus.”
Ledo engano. Quem defende a obediência às autoridades, sejam boas ou ruins, é Deus, que as instituiu. Se esse autor tivesse realmente lido a Bíblia saberia que Deus no passado ordenava que seu povo obedecesse até ao rei opressivo e invasor, que destruiu sua terra e levou o povo cativo para Babilônia. Enquanto os falsos profetas de então, ancestrais do autor do texto que me enviou, insistiam que o povo deveria se rebelar, Deus revelou a Jeremias:
“Assim diz o Senhor: Não deis ouvidos às palavras dos vossos profetas, que vos profetizam, dizendo: Eis que os utensílios da casa do Senhor cedo voltarão de Babilônia, porque vos profetizam mentiras. Não lhes deis ouvidos, servi ao rei de Babilônia, e vivereis… Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os do cativeiro, os quais fiz transportar de Jerusalém para Babilônia: Edificai casas e habitai-as; e plantai jardins, e comei o seu fruto. Tomai mulheres e gerai filhos e filhas, e tomai mulheres para vossos filhos, e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; e multiplicai-vos ali, e não vos diminuais. Procurai a paz da cidade, para onde vos fiz transportar em cativeiro, e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz” (Jr 27:16-17; 29:1-7).
Pelo jeito Jeremias irá fazer companhia a Paulo na lista dos que o autor do texto que me enviou chama de “falsos profetas”. Não entendi o que ele tem contra pagar impostos, se isso foi feito até pelo próprio Senhor Jesus. O autor também não sabe diferenciar a escravidão dos tempos bíblicos daquela que tivemos nos tempos coloniais. O eunuco que se converteu pela pregação de Filipe em Atos 8 era um escravo castrado, mas também “mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros” (At 8:27). O escravo ou servo do centurião de Lucas 7 também não era um qualquer, mas alguém digno de receber o melhor tratamento de saúde que seu senhor podia encontrar. Ele não mediu esforços para encontrar Jesus e suplicar pela cura de seu servo.
O autor do texto também critica a doutrina dada a Paulo da submissão que uma mulher deve ter ao marido, esquecendo-se de que isso não é exclusividade do apóstolo dos gentios. Pedro, no capítulo 3 de sua primeira epístola, nada mais faz do que ensinar essa submissão: “Semelhantemente, vós, mulheres, sede sujeitas aos vossos próprios maridos… Porque assim se adornavam também antigamente as santas mulheres que esperavam em Deus, e estavam sujeitas aos seus próprios maridos; como Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor; da qual vós sois filhas, fazendo o bem, e não temendo nenhum espanto” (1 Pe 3:1-6).
Vale lembrar que a mulher fora de seu lugar de submissão aparece no ministério de João em Apocalipse na forma da Grande Meretriz, que aparece montada na besta, ou seja, tendo o poder secular debaixo de si. Na mesma revelação o Senhor denuncia “Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que se prostituam e comam dos sacrifícios da idolatria” (Ap 2:20). Basta associar isto ao ministério dado através de Paulo, ordenando que a mulher não ensinasse (1 Tm 2:12) e permanecesse calada nas igrejas (1 Co 14:34), para entender que foi também pelo descumprimento dessas ordens que o mal penetrou na cristandade, chegando ao ápice da apostasia revelada no Apocalipse. No entanto Paulo advertiu: “Se alguém cuida ser profeta ou espiritual reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Co 14:37).
Apenas para terminar, mais um trecho do veneno destilado pelo autor do texto, que diz: “A visão que Paulo deu foi a seguinte: ‘Você não precisa ser bom nem fazer o bem ou servir ninguém, porque você não vai ser salvo por isso, para que não se glorie’”. Bem, por esta e outras afirmações desse autor fica muito claro que ele nem mesmo crê em Cristo e em sua obra consumada para ser salvo. Não crê na graça, mas em suas próprias obras como meio de salvação. Portanto não passa de um apóstata, um que está no que Judas chama de “caminho de Caim”, aquele que tentou agradar a Deus por mérito próprio e matou seu irmão Abel, uma figura de Cristo, que ofereceu o único sacrifício agradável a Deus.
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O fogo nunca se apaga? O salvo nunca se perde?
Muitas pessoas me escrevem perguntando se a condenação eterna é mesmo eterna e se a salvação eterna é mesmo eterna. No primeiro caso são pessoas influenciadas por religiões com heresias que consideram o juízo de Deus apenas transitório, ou então que ensinam a falsa ideia de que um ser humano possa ser aniquilado no final e deixar de existir. No segundo caso são pessoas igualmente influenciadas por más doutrinas que pregam uma salvação por obediência a leis e regras, ou a uma contínua perseverança. O texto “NUNCA”, traduzido e adaptado de um texto de George Cutting, esclarece bem ambas as questões, deixando claro que a condenação do perdido nunca terminará e a salvação do crente nunca pode ser perdida.
— o —
“NUNCA”
Você já percebeu que a mesma palavra que traz consolo ao verdadeiro crente em Jesus, acaba com qualquer raio de esperança para o incrédulo? A mesma palavra que ilumina uma alma lança a outra em trevas e desespero! Esta palavra é “NUNCA!”. Para você entender melhor vou fazer duas perguntas que podem ser respondidas com a mesma palavra. A primeira é: “Será que alguém que morre na incredulidade pode ser salvo?” A solene resposta é: “NUNCA!”. A outra pergunta é: “Será que alguém que nasceu de novo do Espírito de Deus pode se perder?” “NUNCA!”.
Pedro usou esta palavra em duas ocasiões importantes de sua vida ao mesmo tempo em que demonstrava sua absoluta fraqueza própria. “Ainda que todos se escandalizem em ti,” — disse ele, — “eu NUNCA me escandalizarei” (Mt 26:33). E mesmo assim, o que aconteceu? Poucas horas depois de declarar de forma tão confiante a sua fidelidade ele negou vergonhosamente seu Mestre!
Em João 13:8 nós voltamos a encontrar Pedro dizendo: “Nunca me lavarás os pés”, e mesmo assim, logo em seguida queria a todo custo se sujeitar a ser lavado até mais do que seu Mestre havia proposto. O “NUNCA” de Pedro provou ser fraco como água e totalmente inútil diante da primeira prova a que foi submetido.
Mas quem seria capaz de contradizer um ‘nunca’ dito por Deus? Quem poderia torcer o ‘nunca’ de Deus ao ponto de adaptá-lo aos limites da possibilidade humana? Ah! Quem se atreve a tentar? Quem? No entanto, muitos têm tentado fazê-lo e, o que é pior, até mesmo pregadores que professam seguir a Cristo fazem isso por cega ignorância ou buscando proveito próprio.
Mas vamos voltar à Palavra de Deus para buscar nela a resposta que vem do próprio Deus para esta questão. Marcos 9:43-48 trata diretamente da primeira questão que coloquei aqui. O versículo 43 diz assim: “E, se a tua mão te escandalizar, corta-a: melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que NUNCA se apaga”. Preste muita atenção nisto: não diz apenas que o fogo “não se apaga”, mas o Senhor repete também no versículo 45, que ele “NUNCA se apaga”.
Mesmo assim, bem diante de uma expressão que não deixa a menor dúvida, o tolo ser humano procura argumentos para apagar aquele “fogo”! Não leva a sério os solenes avisos do Salvador, e acha que não passam de ameaças vazias. Ou então tenta se convencer em sua consciência de que, se existe um inferno, este só iria durar um tempo, e o fogo se extinguiria após alguns milhares de anos de punição. Mas o que foi que Deus disse de alguns que fizeram pouco caso de seus avisos? O mesmo que valia para o tempo do profeta Jeremias vale para hoje: Eles saberão “se subsistirá a minha palavra ou a deles” (Jr 44:28).
Portanto considere bem isto: “NUNCA se apaga” é a imutável palavra do Senhor. Ela permanece registrada da maneira como saiu dos lábios do justo Juiz e benigno Salvador. Ela permanece hoje e permanecerá para sempre. Nem todas as artimanhas do inimigo; nem todo o poder de Satanás; nem todas as lágrimas de lamento dos perdidos jamais poderão apagar aquele fogo — nunca! NUNCA!
Se você ainda não foi salvo por Cristo, resolva esta questão antes que seja tarde demais; antes que você descubra, por si mesmo, que quando o Senhor Jesus avisou os pecadores acerca do fogo que “nunca se apaga”, ele quis dizer exatamente o que disse! Lembre-se: depois não será possível corrigir o seu erro fatal. Afinal, por que você precisaria perecer? Por que você teimosamente rejeita a mão misericordiosa que Jesus estende a você? Ele continua à direita do Pai esperando por sua decisão de ir a ele. Milhares já se achegaram ao seu ferido lado e foram muito bem-vindos. Ninguém foi jamais desprezado.
Muitos foram a ele cobertos pelas mais negras marcas de seus crimes, e foram lavados de toda mancha em seu precioso sangue. Os homens mais endurecidos tiveram seus corações derretidos e conquistados pelo poderoso amor de Jesus. Por que você ainda assim quer rejeitá-lo? Suplique a ele; prostre-se a seus pés agora mesmo e receba as boas-vindas que todo pobre filho pródigo pode receber! Que braços de amor irão abraçar você! Seus pecados serão todos perdoados, todos lançados no esquecimento. “Todos os que nele creem receberão o perdão dos pecados” (At 10.43).
Rogo a você uma vez mais que tenha cuidado para não tratar levianamente um assunto tão importante. Não resista ao Espírito Santo; não espere nem mais um minuto, pois Deus, que já esperou tanto, pode encerrar a espera agora! Então só restará a você uma longa eternidade de desespero naquele “fogo que nunca se apaga”. Que Deus possa se compadecer de você e possa salvá-lo de uma perdição aterradora.
As ovelhas que nunca perecem
Mas pode ser que você já seja um crente em Jesus que esteja achando que a palavra “nunca” serve para o destino dos perdidos, mas não para a segurança dos salvos. Aí, se alguém perguntar a você se um verdadeiro nascido de novo poderia perder sua salvação você iria responder: “Talvez”. Ora, se a palavra “nunca” tem aquele significado para a condenação eterna, quando fala do fogo que nunca se apaga, por que ela teria outro significado quando o assunto é a segurança eterna do crente?
Vamos ver as palavras do mesmo Senhor sobre esta questão em João 10:27-29: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e NUNCA hão de perecer, e NINGUÉM as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai”.
Pegue agora um lápis e grife em sua Bíblia esta importante palavra que aparece em Marcos 9:43, e depois grife a mesma palavra encontrada em João 10:28. Em uma passagem você tem “o fogo que NUNCA se apaga” e na outra “as minhas ovelhas… NUNCA hão de perecer”. Olhe para as duas palavras e responda sinceramente: Em qual delas você deve acreditar? Certamente ambas são igualmente verdadeiras, e, portanto, igualmente dignas de serem aceitas.
Mas aí você diz: “Ah, sim, eu acredito que as ovelhas de Cristo nunca irão perecer se…”. Pare aí mesmo! Por que você não disse que o fogo “nunca se apaga, se…” e agora diz que “nunca irão perecer se…”? Não existe “se” neste assunto! “NUNCA”, em Marcos 9:43, e “NUNCA”, em João 10:28, são, igualmente, as palavras do Filho de Deus. Ou elas são verdadeiras ou são falsas; ou permanecem ou caem. Felizmente isso nunca acontecerá: “A palavra de nosso Deus subsiste eternamente” (Is 40:8). “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar” (Mt 24:35). E ainda, no mesmo capítulo 10 de João, no versículo 35, nos é dito que “a Escritura não pode ser anulada”. “Toda a palavra de Deus é pura; escudo é para os que confiam nele. Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda e sejas achado mentiroso” (Pv 30:5,6).
Seremos sábios se não discutirmos acerca da sua Palavra; não acrescentarmos ou tirarmos dela qualquer coisa para adaptá-la às nossas próprias ideias, mas sim a recebermos por simples fé, e encontrarmos nela descanso para nossa alma.
Quem são as ovelhas?
Mas alguém poderá perguntar: “Quem são as ovelhas de Cristo?” Bem, todo verdadeiro crente é uma “ovelha”. O Senhor disse aos judeus incrédulos daqueles dias: “Não sois das minhas ovelhas” (Jo 10:26). Porém, se o verdadeiro crente é uma ovelha de Cristo, e se o Grande e Bom Pastor nos deu a sua palavra de que nenhuma das suas ovelhas perecerá, por que não honrar a sua bendita palavra e receber o conforto que ele deseja que você tenha em sua alma para tirar dela todo medo e receio?
Alguém ainda poderia contestar, dizendo: “Porventura não pode acontecer que algumas dessas ovelhas venham depois a se tornar muito más, e caiam profundamente em algum triste pecado?” Não tenho dúvida de que isso possa ocorrer. Mas há outra questão que pode ser de auxílio se você a considerar primeiro, ou seja: Acaso o Pastor, que pronunciou tais palavras de segurança acerca de suas ovelhas, não sabia naquele momento em que disse aquilo, o modo como cada uma dessas mesmas ovelhas iria se comportar? Com toda a certeza ele sabia. Este mesmo capítulo é testemunha disso no versículo 15, quando ele diz “Dou a minha vida pelas ovelhas”. Será que ele estava pensando somente naqueles seus discípulos de então? Veja o versículo seguinte: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco (i.e., o aprisco judeu); a essas também me importa conduzir, e elas ouvirão a minha voz; e haverá um rebanho e um Pastor” (Jo 10.16). “Me importa conduzir” — disse ele. Por que este “importa”? Ah! Existe, nesta pequena palavra, a benévola compulsão do seu próprio amor, do mesmo modo como havia uma necessidade justa, em razão da santidade de Deus e de nossa culpa, na mesma palavra dita a Nicodemos: “Importa que o Filho do homem seja levantado” (Jo 3.14). Oh, que Salvador ele é!
Portanto, não há dúvida de que naquele momento ele tinha em mente todo o seu rebanho. E, permita-me perguntar: Será que ele iria morrer por eles sem saber de antemão quais seriam os seus pecados? É claro que ele sabia, e mesmo assim, tanto no caso de Pedro como dos outros, ele podia dizer: “Nunca hão de perecer”. Sem dúvida Satanás desejava muito arrebatar aquelas ovelhas das mãos do Bom Pastor. “‘Mas’, disse Jesus a Pedro, ‘eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça’” (Lc 22:32).
Que preciosa certeza! Preste atenção que aqui temos, resumidamente, três pessoas distintas colocadas diante de nós: “o Pastor”, “uma ovelha” e o “leão que ruge”, procurando a quem possa devorar. O próprio Pedro iria se referir a Satanás como o “leão que ruge” no capítulo 5, versículo 8 de sua primeira epístola. Surge agora a pergunta: Quem vai ficar com aquela ovelha chamada Pedro? O “Pastor” ou o “leão”? “Satanás vos pediu”, foi o que o Senhor disse a Pedro. Mas será que Satanás pode realizar o seu desejo? Aí está a questão vital. Será que ele tentou realizar seu desejo? Sim, ele tentou. E, no que diz respeito à “ovelha Pedro”, Satanás teria saído vitorioso, pois Pedro não teria sido capaz de guardar a si mesmo, embora ele pensasse que poderia fazê-lo. Porém aquele que estava para entregar sua própria vida pelas ovelhas sabia muito bem como restaurar a Pedro intercedendo por ele, tanto quanto sabia que podia salvá-lo por sua morte na cruz. “Eu roguei por ti” disse ele a Pedro. Lembre-se de que isto serve para você também: “O Senhor é o meu Pastor… ele refrigera (restaura) minha alma” (Sl 23:1, 3).
Satanás não poderá jamais pegar a mais débil, e nem a mais defeituosa, das ovelhas de Cristo. Bendito seja Deus por isso! Se estivesse escrito que até mesmo uma ovelha poderia ser levada e devorada, aí sim cada um de nós deveria se perguntar: “E se essa ovelha for eu?!”. Mas felizmente não é o que está escrito.
As ovelhas — Um presente recebido do pai
O Pai deu a Cristo as “ovelhas” (João 10.29). E ele diz duas coisas da maior importância acerca dessas mesmas ovelhas, em conexão com o fato de elas serem um presente dado a ele por seu Pai:
Primeiro, ele diz que DÁ A VIDA ETERNA a todos quantos o Pai lhe deu (João 17:2). Segundo, ele diz: “Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu” (Jo 17:12). E mais adiante, “dos que me deste nenhum deles perdi” (Jo 18:9). E qual é o segredo de serem assim guardados? Será o amor de Cristo ou a fidelidade daqueles que são dele? Não, nossa segurança não está em nosso amor e fidelidade, mas no amor e fidelidade dele! “Como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13:1).
Pedro poderia cair — e ele caiu, apesar de toda a sua confiança própria. Ele despedaçou-se totalmente, e isso quando pensava estar fazendo o melhor de si. Mas acaso o amor de seu bendito Mestre despedaçou-se em consequência daquilo? Não, não! A palavra de Pedro, também, caiu ao chão. Deveria a palavra do Senhor cair também? Nunca!
Seria compreensível se naquela manhã, quando ouviu o galo cantar, Pedro tivesse pensado: “Agora, meu Mestre irá virar suas costas para mim para sempre!” De modo nenhum. Jesus fez exatamente o contrário. Sua face voltou-se imediatamente na direção de seu discípulo desviado, e aquele amoroso olhar — sem palavra alguma, mas cheio de significado — partiu o coração de Pedro, e ele saiu para chorar amargamente (Lucas 22:60-62).
Ah! Não, ninguém é capaz de nos arrancar de sua poderosa mão ou de nos privar de um lugar no seu amoroso coração! Em certo sentido ele fala de suas ovelhas do mesmo modo como fala de sua própria vida. De sua própria vida ele diz: “Ninguém ma tira de mim” (Jo 10:18) e de suas ovelhas ele diz: “Ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10:28). Em outra passagem ele diz: “Porque eu vivo, vós também vivereis” (Jo 14:19). Colossenses 3:4 afirma que ele é a nossa vida; e no versículo anterior diz que “vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. E, mais uma vez, em 1 João 5:11, “Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho”.
Por isso cada ovelha de Cristo está eternamente segura! Não causa surpresa a ele quando suas ovelhas se comportam mal. Ele sabia tudo sobre elas desde o princípio, e morreu por elas mesmo assim. E agora ele nunca tira seus olhos de uma delas sequer, mas vive para ampará-las em suas fraquezas, e para interceder por elas, como seu Advogado, caso elas venham a pecar (1 Jo 2:1). Essa constante e predominante intercessão que ele tem, como Advogado, é o meio que ele usa para levar um crente desviado ao arrependimento e confissão de seus pecados, e assim, restaurar sua comunhão.
Mas será que o conhecimento de um amor assim, tão grande e imutável, não nos tornaria descuidados em nosso andar? Ocorre exatamente o contrário. É o amor de Cristo que constrange aqueles que verdadeiramente experimentaram a bênção celestial desse amor, a não viverem mais para si mesmos, como faziam antes, mas para aquele que morreu pelos seus e ressuscitou (2 Coríntios 5.15). E se, ainda assim eles, de forma tola e obstinada, continuarem a se extraviar de sua protetora companhia, com toda certeza ele nunca descansará até que os tenha trazido de volta. Mesmo que tenha de puni-los com sua mão, e dar-lhes duros golpes a fim de conseguir isso; e tudo por causa do que eles significam para o seu coração e para o coração de seu Pai.
Portanto, quão bendito é sermos assim guardados e cuidados ao longo de toda a jornada desta vida, até que em glória encontremos aquele que morreu por nós. E tudo isso, eu repito, por causa do que foi o seu amor, embora ele conhecesse desde o princípio tudo o que nós viríamos a ser!
Nunca se esqueça de que Ele é poderoso para nos guardar de cair, e para nos apresentar “irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória” (Judas 24). E ele não é somente “poderoso para vos guardar”, mas “pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7:25).
Seriam todos ovelhas?
Finalmente, que nenhum daqueles que são frios e sem vida, que meramente dizem ser de Cristo, ou professam a fé cristã, sonhe que estas preciosas certezas se apliquem a eles. Judas professava esplendidamente, e aparentava ser muito melhor que Pedro. O amigável beijo de Judas tinha uma aparência melhor, muito melhor, que o juramento quebrado de Pedro. No entanto, aquele que sonda todos os corações disse de Judas: “Um de vós é um diabo” (Jo 6:70). E no fim lemos que ele foi “para o seu próprio lugar” (At 1:25).
Vivemos numa época de religiosidade meramente exterior, quando pode ser mais fácil dizer que se é cristão, do que colocar-se ao lado dos que são abertamente profanos. O sucesso nos negócios e na sociedade costuma estar associado ao fato de se ocupar o banco de alguma igreja. Porém é bom lembrar que não é para esse tipo de pessoa que a expressão “nunca hão de perecer” se aplica. Para elas vale o outro “nunca” encontrado em Mateus 7.22: “Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas?” Isto era o que eles diziam. Agora ouça o que Cristo diz: “E então lhes direi abertamente: NUNCA vos conheci: apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade”. Se essas pessoas tivessem sido “ovelhas”, ele certamente não poderia dizer delas: “Nunca vos conheci”. Por outro lado, conforme já vimos, ele diz em João 10: “As minhas ovelhas… Eu conheço-as”. Você crê nisto?
Deus permita que você possa ser levado a ver e sinceramente confessar que o “nunca” da graça é uma realidade tão grande quanto o “nunca” do juízo; e, por outro lado, que a eternidade da condenação do incrédulo é tão claramente assinalada na Palavra de Deus quanto a eternidade da bênção do crente. — Traduzido e adaptado do livrete “Never!” – George Cutting (1843-1934).
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Por que as ursas mataram os jovens?
Sua dúvida é por que Deus teria permitido que ursas selvagens matassem um grupo de garotos em 2 Reis 2:23-24. Para entender isso é preciso ler o capítulo inteiro e também lembrar o que representam duas das cidades citadas ali: Jericó e Betel.
Encontramos Jericó no Antigo Testamento como a primeira cidade na Terra Prometida a ser invadida e destruída por Israel. “Ora Jericó estava rigorosamente fechada por causa dos filhos de Israel; ninguém saía nem entrava” (Js 6:1) e isso nos dá uma ideia de tudo o que é contrário a Deus e ao seu povo. Poderia Deus ter poupado Jericó e seus habitantes? Bem, ele poupou alguns de Jericó, justamente aqueles que, pelos padrões da sociedade, seriam os menos qualificados para obterem o favor divino: a prostituta Raabe e seus familiares.
Numa outra ocasião Deus poupou uma cidade inteira, Nínive, porque seus habitantes se arrependeram de seus pecados (Jn 3:10). Portanto tire logo da cabeça a ideia de um Deus injusto e tirano, porque ele é benigno para com todo aquele que se reconhece pecador e aceita seu favor. “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar” (Is 55:7). Mas a Palavra dele é também firme para com aqueles que se opõem à sua vontade.
Depois que os muros de Jericó caíram e a cidade foi destruída, “Josué os esconjurou, dizendo: Maldito diante do Senhor seja o homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó; sobre seu primogênito a fundará, e sobre o seu filho mais novo lhe porá as portas” (Js 6:26). E para mostrar que Deus não estava brincando, muito tempo depois um rei ousou transgredir a maldição divina. “Acabe fez muito mais para irritar ao senhor Deus de Israel, do que todos os reis de Israel que foram antes dele. Em seus dias Hiel, o betelita, edificou a Jericó; em Abirão, seu primogênito, a fundou, e em Segube, seu filho menor, pôs as suas portas; conforme a palavra do Senhor, que falara pelo ministério de Josué, filho de Num” (1 Rs 16:33-34).
A história de Betel, que significa “Casa de Deus” no hebraico, tem muito mais a ver com bênção que com maldição. Ali que Abrão, depois de ter sido chamado por Deus, “armou a sua tenda, tendo Betel ao ocidente, e Ai ao oriente; e edificou ali um altar ao Senhor, e invocou o nome do Senhor” (Gn 12:8). Ali também foi onde Jacó sonhou com a escada que alcançava o céu e “levantou-se Jacó pela manhã de madrugada, e tomou a pedra que tinha posto por seu travesseiro, e a pôs por coluna, e derramou azeite em cima dela. E chamou o nome daquele lugar Betel; o nome, porém daquela cidade antes era Luz” (Gn 28:18-19). Em Betel costumava ficar a Arca da Aliança, que simbolizava a presença de Deus, e era lá também que muitas vezes o profeta Samuel julgava o povo (1 Sm 7:16).
Mas como tudo que o homem coloca sua mão acaba sendo arruinado, mais tarde vamos encontrar Betel transformada em um centro de idolatria, graças ao rei Jeroboão e seu bezerro de ouro (1 Rs 21:29). O profeta Oseias deixou clara a corrupção ocorrida no lugar que era inicialmente chamado de “Casa de Deus” ao chamar a cidade de “Bete-Áven” (Os 4:15), que significa “Casa do Nada” ou “Casa da Vaidade”, e Jeremias escreve que “a casa de Israel se envergonhou de Betel, sua confiança” (Jr 48:13).
O curioso é que hoje algumas religiões protestantes, ignorando o caráter de ruína que Betel passou a ter depois de invadida pela idolatria e corrupção, chamam a si mesmas de “Betel”. Uma seita que nega a divindade de Cristo também chama de “Betel” seus edifícios administrativos, complexos gráficos, fazendas e edifícios residenciais de seus voluntários.
Voltando à questão de Eliseu e dos meninos atacados pelas ursas, vamos partir do princípio de que Jericó era uma cidade amaldiçoada e Betel abençoada. É por meio delas que neste capítulo de 2 Reis Deus irá mostrar que é capaz de produzir bênção no lugar de maldição e maldição no lugar de bênção. Quando Eliseu visita Jericó ele traz bênção para a cidade:
“Os homens da cidade disseram a Eliseu: Eis que é bem situada esta cidade, como vê o meu senhor, porém as águas são más, e a terra é estéril. Ele disse: Trazei-me um prato novo e ponde nele sal. E lho trouxeram. Então, saiu ele ao manancial das águas e deitou sal nele; e disse: Assim diz o Senhor: Tornei saudáveis estas águas; já não procederá daí morte nem esterilidade. Ficaram, pois, saudáveis aquelas águas, até ao dia de hoje, segundo a palavra que Eliseu tinha dito” (2 Rs 2:19-22).
Todavia, para a Betel abençoada Eliseu passa e traz maldição. “Então, subiu dali a Betel; e, indo ele pelo caminho, uns rapazinhos saíram da cidade, e zombavam dele, e diziam-lhe: Sobe, calvo! Sobe, calvo! Virando-se ele para trás, viu-os e os amaldiçoou em nome do Senhor; então, duas ursas saíram do bosque e despedaçaram quarenta e dois deles” (2 Rs 2:23-24).
Quando não conhecemos quem é Deus e o temor que se deve a ele vamos achar que ele fez mal em amaldiçoar Jericó lá no início do Antigo Testamento, mas fez bem em purificar suas águas neste capítulo de 2 Reis. E que ele fez bem em abençoar Betel lá em Gênesis 31:13 quando disse “Eu sou o Deus de Betel”, mas fez mal em permitir que as ursas atacassem os jovens irreverentes neste nosso capítulo.
Engraçado como nos achamos capazes de julgar como Deus deve ou não agir. Mas quando entendemos o significado da zombaria dos jovens contra Eliseu percebemos o quão sério é tratar com desprezo as coisas de Deus e aqueles que são dele. Eliseu era um profeta de Deus e devia ser respeitado como tal, porque era a expressão e voz de Deus na terra. Na atual dispensação todo verdadeiro crente no Senhor Jesus Cristo, como membro do seu corpo que é a Igreja, o representa na terra. Lembre-se de que quando o Senhor apareceu a Saulo no caminho de Damasco perguntou a ele: “Saulo, por que me persegues?” (At 9:4). Ele perseguia a igreja, os salvos por Cristo, mas não sabia que, agindo assim, era como se perseguisse o próprio Senhor.
Além disso, quando entendemos que Elias subindo aos céus era uma figura de Cristo que ressuscitou e ascendeu à destra da Majestade nas alturas, vemos a seriedade da zombaria dos jovens. Indiretamente eles zombavam da ascensão de Elias, da qual certamente tinham ouvido falar, mas talvez não acreditassem. Daí zombarem de Eliseu: “Sobe, calvo! Sobe, calvo!”.
Você zomba da ressurreição e ascensão do Senhor Jesus? Você zomba dos cristãos que creem e proclamam esta mensagem? Lembre-se de que Deus, em sua infinita graça, pode trazer bênção no lugar de maldição — e todo ser humano em sua incredulidade está sob a maldição do pecado —, salvando por graça o pecador perdido, mas pode também, em sua justiça, amaldiçoar aqueles que foram privilegiados por ocuparem um lugar de bênção que é hoje a cristandade, mas nunca realmente creram em Cristo de coração. Aqueles que acham que o Deus do Antigo Testamento é diferente do Jesus dos evangelhos lembrem-se disto:
“Nem todo o que me diz: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7:21-23).
Disse Jesus: “Pois eu vos digo que a qualquer que tiver ser-lhe-á dado, mas ao que não tiver, até o que tem lhe será tirado. E quanto àqueles meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim” (Lc 19:26-27).
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Devemos celebrar dias santos?
Quando publiquei numa rede social um texto de J. N. Darby, esclarecendo que “é uma injúria chamar a Cristo de ‘Rei da Igreja’”, como faz o presbiterianismo e outras instituições religiosas, um presbiteriano correu defender sua denominação. Para ele parecia não fazer diferença se a frase tinha ou não fundamento bíblico, pois se a tradição de sua denominação ensinava assim, ninguém deveria contestar. O correto seria imitar os varões de Bereia, que “eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim” (At 17:11).
Quando em outra postagem me queixei do barulho dos rojões, sem falar de religião e achando que fosse alguma carreata de concessionária de veículos anunciando promoções, recebi uma resposta irada de uma católica que julgou erroneamente que eu estaria criticando o dia de Santa Rita de Cássia. Preocupado com essa ofensa não intencional, fui conferir e descobri que já tinha se passado uma semana desde o tal “dia santo”. Mas mesmo que fosse, como eu iria saber? Levo a sério a admoestação da Palavra de Deus para não guardarmos “dias, e meses, e anos” (Gl 4:10).
Reações como estas não são novidade, e infelizmente muitos cristãos defendem com unhas e dentes as instituições religiosas e seus costumes e tradições, sem perceberem que foi exatamente essa a atitude dos judeus que condenaram o Senhor Jesus. Assim que Jesus nasceu, “alarmou-se o rei Herodes, e, com ele, toda a Jerusalém” (Mt 2:3), pois se ele fosse realmente o “Rei dos Judeus” aquilo iria mexer com suas instituições. O Rei consultou os sacerdotes e escribas para ver se haveria algum Rei de Israel que nasceria em Belém, e eles mostraram a resposta na profecia de Miqueias:
“E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a meu povo, Israel” (Mt 2:6).
O leitor atento irá perceber que até mesmo os escribas e sacerdotes usaram as escrituras de forma malandra. Omitiram a parte da profecia que mostra que seria inútil se opor àquele nascido em Belém, pois ele não era ninguém menos que o próprio Filho Eterno de Deus vindo em carne. A continuação do que Miqueias declarou em sua profecia original era: “…e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5:2).
Que a guarda de dias, e especialmente para honrar homens, não tem fundamento na doutrina dos apóstolos, é fácil de perceber. Quando o centurião Cornélio se prostrou aos pés de Pedro foi por este repreendido: “Levanta-te, que eu também sou homem” (At 10:26). João, impressionado pela presença de um anjo, fez o mesmo e igualmente recebeu uma bronca: “Olha, não faças tal; porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (Ap 22:9).
Alguns cristãos veneram pessoas como Pedro, Paulo, João, Maria, Tiago e tantos outros personagens bíblicos, por ignorância ou tradição, mas estes nunca teriam aceitado a adoração, louvor ou exaltação feita por outros cristãos. Certamente eles não iriam querer morrer comidos por vermes por aceitarem a veneração feita por homens. Foi isso que aconteceu quando “em dia designado, Herodes, vestido de trajo real, assentado no trono, dirigiu-lhes a palavra; e o povo clamava: É voz de um deus, e não de homem! No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou” (At 12:21-23).
Não foram poucas as vezes que o Senhor repreendeu os judeus por exaltarem a homens, uma prática não restrita ao catolicismo, mas também encontrada no protestantismo com seus dignitários chegando a usar títulos como “Reverendo”, o qual nas Escrituras só é dado a Deus, e até nomes de pessoas para suas “igrejas” como “Luterana” ou “Wesleyana”. Quanto ao uso de fogos de artifício em comemorações religiosas, o catolicismo emprestou o costume dos pagãos chineses que, a partir do século 12, passaram a utilizá-los para espantar os maus espíritos. No meu caso, rojões só servem para espantar o bom humor, meu e dos cachorros da vizinhança.
Assim como fizeram os judeus dos tempos de Jesus, infelizmente muitos cristãos hoje estão mais comprometidos com suas instituições, costumes e superstições do que com a Verdade das escrituras. Por isso simplesmente contra-atacam qualquer um que coloque em risco essas instituições e tradições criadas por homens, as quais acabarão se unindo no final na forma de uma Grande Meretriz ávida por montar a besta da autoridade civil após o arrebatamento da Igreja, só para ser vergonhosamente desmontada e devorada pela mesma besta um pouco antes de Cristo voltar para reinar (leia Apocalipse caps. 17 e 18).
Sabendo que essas coisas irão terminar, o cristão jamais deveria estar compromissado com nomes de instituições religiosas, sejam elas grandes ou pequenas, ou com os costumes criados pelos homens. Sua ocupação deveria ser somente com o nome do Senhor e sua Palavra, ainda que isso seja visto como algo pequeno e desprezível aos olhos do mundo. E realmente é, mas o que o Senhor pensa é o que importa.
“Conheço as tuas obras — eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar — que tens pouca força, entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome” (Ap 3:8).
“Porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação” (Lc 16:15).
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Podemos usar novas tecnologias para evangelizar?
Uma frase que me chega com frequência cada vez maior é esta: “Se puder me responder com um vídeo ficarei grato”. Definitivamente esta é uma geração criada diante de uma tela de TV, e não da página de um livro. Alguns resistem à ideia de se pregar o evangelho ou comunicar verdades bíblicas usando novas tecnologias, como gravações de áudio e vídeo, mas basta considerar como o povo de Deus do Antigo e Novo Testamento se comportou para perceber que existe essa possibilidade.
Desde os primeiros textos bíblicos as mídias evoluíram constantemente. Você encontra textos em tabletes de argila, peles de animais, folhas finas de metal, tecidos e papiro, que era o papel que os egípcios faziam a partir dos caules esmagados das plantas de mesmo nome, abundante nas beiras dos pântanos e lagos. As viagens dos que levavam a Palavra também foram incrementadas com tecnologias que iam de carroças a navios, e nos tempos do Novo Testamento as estradas romanas foram constantemente usadas pelos apóstolos e discípulos.
Os meios ou mídias continuaram evoluindo e hoje temos tabletes, não de argila, mas eletrônicos, e também a capacidade de gravar voz e imagem e transmiti-las, não por cavalos, carroças ou veleiros, mas via satélite. Todavia não é por existir tecnologia moderna que ela deve ser sempre utilizada e o cristão deve ter discernimento para isso. Mas quando ela existe e simplifica o trabalho daquele que leva a Palavra, além de ser mais acessível aos ouvintes, não existe razão para simplesmente repudiá-la por ser nova. Hoje eu uso Bíblia e hinário em meu smartphone e isso ajuda muito na hora de fazer pesquisas por passagens ou aprender a melodia de um hino.
Existe uma seita anabatista nos Estados Unidos — os Amish — cujos membros pararam no tempo e repudiam todo tipo de tecnologia moderna. Eles moram em comunidades em fazendas, só andam de carroça, não usam telefone, computador ou Internet. Mas na banca onde vendem seus hortifrútis num mercado em Filadélfia vi uma garota vestida da cabeça aos tornozelos com roupas do século 19. Disse aos tornozelos porque nos pés ela trazia o último modelo de tênis Nike.
Quando Davi selecionou aqueles que fariam parte dos ministérios de seu governo, vemos que “dos filhos de Issacar” ele escolheu “conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer, duzentos chefes e todos os seus irmãos sob suas ordens” (1 Cr 12:32). Outra versão diz “destros na ciência dos tempos” e outra “que tinham senso de oportunidade”.
Assim é hoje com a mensagem do evangelho: Existem novas mídias e devemos saber como utilizá-las entendendo os tempos em que vivemos. Mas tenha em mente que não estou falando aqui de pirotecnia em shows de rock evangélico, e sim da transmissão da Palavra de Deus. Deus diz, em sua Palavra, que a fé vem pelo ouvir, não pelo ver, seja uma tela ou uma página. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10:17). Por isso tire da cabeça que serão as imagens do filme épico, ou as danças e encenações teatrais em algumas igrejas, que irão convencer o pecador. É a Palavra de Deus aplicada pelo Espírito Santo que faz a obra, não o cenário, o figurino ou a linguagem corporal. Repare também que não diz “… e o ouvir a palavra de Deus”, mas “… e o ouvir pela palavra de Deus”. Ou seja, a capacidade de alguém ouvir é gerada pela própria Palavra de Deus com seu efeito milagroso na alma, e não pela tecnologia utilizada.
Quando lemos uma página das sagradas letras, que nos fazem sábios para a salvação pela fé em Jesus Cristo, seja ela num tablete de argila ou em mídia eletrônica, o que ocorre de fato é que estamos decodificando o texto e transformando-o numa vocalização mental. Ou seja, estamos ouvindo em nosso cérebro, nossa voz mental. O sentido da visão só serve para ver o código (as letras), mas o que retemos é o que ouvimos dessa “voz” gerada em nosso cérebro que decifra os códigos visuais. Já reparou que algumas pessoas até balbuciam quando leem? Quando assistimos a um vídeo, na verdade é a voz do locutor que estamos ouvindo que fará toda diferença. A tela e a imagem não passam de um equivalente animado da página de um livro de papel.
Mas, seja em texto, seja em áudio ou em vídeo, é importante que a mensagem transmitida traga o que foi dito por Deus, isto é, aquilo que vem de sua Palavra inspirada aos apóstolos e profetas, a Bíblia. Essa Palavra pode ser dita tanto de forma literal, lendo-se um versículo e citando sua origem, como de modo informal, inserindo seu texto numa frase. Lembre-se de que a divisão do texto em subtítulos, capítulos e versículos foi introduzida pelos editores séculos depois dos apóstolos.
Um exemplo do primeiro caso seria dizer: “No evangelho de João, capítulo 3, versículo dezesseis, está escrito que ‘Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna’”. A mesma Palavra de Deus, falada informalmente, seria algo como “… imagine você, meu amigo, que Deus amou tanto a humanidade, ao ponto de entregar o seu Filho Unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna, para que, pela fé, seus pecados sejam perdoados… etc.”.
O fato de não ter citado livro, capítulo e versículo não faz disso menos Palavra de Deus do que na verdade é. Outro dia alguém que assistiu a um vídeo meu criticou que eu não seria digno de confiança. Ele escreveu: “Você não tinha uma Bíblia aberta na mão e nem começou com uma oração”. Certamente disse isso por estar habituado aos costumes religiosos dos pastores da TV, que fazem pose de Bíblia aberta e até mudam o tom da voz quando pregam, para fazer parecer que é uma voz vinda do além. Mal sabia aquele espectador de meu vídeo que no primeiro século os cristãos nem tinham uma Bíblia para abrir, porque o formato livro encadernado surgiu depois. Eles simplesmente citavam de memória passagens do Antigo Testamento ou aquilo que aprendiam da revelação dada aos apóstolos e profetas nas cartas e reuniões da Igreja.
Mas por que é importante citar, literal ou informalmente, a Palavra de Deus? Porque é ela que tem poder, que é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada de dois gumes, ao ponto de discernir os pensamentos e intenções do coração. Ela é o poder de Deus para a salvação de todo o que crê, de modo que a fé é pelo ouvir, e a capacidade de ouvir é gerada pela Palavra de Deus. Agora, como lição de casa, tente descobrir quantos versículos foram citados apenas neste pequeno parágrafo.
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Como saber se o evangelho que você tem escutado vem de Deus? Perguntando quem fica com a glória no final. O evangelho puro e verdadeiro dá 100% de glória a Deus e 0% de glória ao homem. Aí você tem religiões católicas e protestantes que costumam variar nessa porcentagem, algo como 100% X 0%, 90% X10%, 80% X 20%, até as religiões pentecostais com algo em torno de 50% X 50% (metade graça divina, metade perseverança humana), e as neopentecostais, cuja porcentagem depende se você vai pagar em dinheiro ou no cartão. Finalmente existem as falsas religiões cristãs e as religiões pagãs, cuja salvação depende totalmente do homem e Deus aparece apenas como o ponto eletrônico que diz ao ator o que ele deve fazer.
Alguém me perguntou se estaria Ok fazer parte da religião mórmon e minha resposta é a mesma que dei a uma passageira que viajou uma vez ao meu lado num ônibus. Falei a ela do evangelho da GRAÇA de Deus, da salvação que vem 100% de Deus pela fé na Pessoa e obra de Cristo, graças à sua morte na cruz por nossos pecados e ressurreição para nossa justificação; da SEGURANÇA desta salvação que igualmente não depende de nós e nos dá a CERTEZA de que aquele que crê nunca será tirado das mãos do Pai; de ter TODOS os pecados perdoados; de como o cristão foi feito AGRADÁVEL aos olhos de Deus em Cristo, etc.
Ela então respondeu que se eu fosse mórmon teria muitas vantagens, como os trocentos templos espalhados pelo mundo, as escolas, hospitais e obras sociais dessa organização, a possibilidade de meus filhos viajarem ao exterior (sabe aqueles “elders” ou anciãos que nunca tem mais de 20 anos de idade?), dos eventos esportivos, dos maravilhosos corais, do maior banco de dados genealógicos do mundo, das melhores taxas de saúde física e mental dentre as religiões (não estou brincando, eles mantêm estatísticas!), dos grupos escoteiros, etc., etc., etc. Talvez você não saiba, mas uma das estratégias do “evangelismo” mórmon é apresentar benefícios como fazem os vendedores de seguro-saúde.
Então perguntei a ela: “Se este ônibus bater agora e nós morrermos, para onde você vai?”. Ela respondeu que não sabia, não tinha certeza, que tinha muito que evoluir, etc. Então eu disse que não trocaria minha CERTEZA de vida eterna por nenhum item de sua apólice de benefícios, pois minha certeza era absoluta de partir imediatamente da carcaça do ônibus batido e de meu corpo despedaçado para estar com Cristo, meu Salvador.
“Na verdade, na verdade vos digo que quem OUVE a minha palavra, e CRÊ naquele que me enviou, TEM a vida eterna, e NÃO ENTRARÁ em condenação, mas PASSOU da morte para a vida” (João 5:24).
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Até onde cristãos devem interferir na política?
Uma coisa muito mal compreendida por cristãos hoje é a noção da autoridade. O cristão pode até ter suas preferências e opiniões, mas jamais deve se opor, desonrar ou caluniar uma autoridade, e isto é muito claro na Palavra de Deus. Romanos 13:1-2 diz: “Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso QUEM RESISTE À POTESTADE RESISTE À ORDENAÇÃO DE DEUS”.
Sabe aquela mensagem que você postou descendo a boca no Presidente, no Juiz, no Delegado, na professora, etc.? Você desceu a boca em Deus, que os colocou naquele posto! O que fazer então quando um governo é mau e corrupto? Você quer dizer alguém tipo Nero nos tempos dos apóstolos? Hmmm… vamos ver o que os cristãos daquela época faziam… Ah, descobri! Sabe o que eles faziam? Nada! Apenas oravam, porque é isso que nos é dito para fazermos. E não é oração para a queda de um governo, a prosperidade do país, a redução do desemprego e o aumento das exportações. Então oramos para quê?
Ainda bem que perguntou. Aqui vai: “Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens; pelos reis, e por todos os que estão em eminência, PARA QUE TENHAMOS UMA VIDA QUIETA E SOSSEGADA, EM TODA A PIEDADE E HONESTIDADE” (1 Tm 2:1).
Por esta você não esperava, né? Você deve orar pelos governantes apenas para que nós cristãos tenhamos uma vida quieta e sossegada em toda a piedade e honestidade. Sabe o que é o oposto de “uma vida quieta e sossegada em toda a piedade e honestidade”? Uma vida de luta e manifestações contra os poderes constituídos. Ou seja, você deve orar, não para que os governantes sejam piedosos e honestos, mas para que no final das contas VOCÊ seja assim!
Sabe por que é tão difícil cristãos entenderem isso? Porque herdaram do catolicismo romano e do protestantismo a noção de que caberia ao cristão colocar o mundo em ordem para Cristo vir depois estabelecer o seu reino. Isso fez com que a cristandade durante séculos seguisse o curso das perseguições, torturas e mortes dos não cristãos. Você estudou História, deve saber.
Após Constantino os cristãos também passaram a ser responsáveis pela guerra e pela paz. Celso (filósofo grego anticristão) já questionava, de forma veemente, se os cristãos, por sua indiferença à sociedade, estariam querendo assim aumentar o poder político dos selvagens bárbaros. Seu questionamento fez os cristãos da época caírem como patinhos na conversa. Daquele momento em diante eles se acharam na obrigação de escolher entre o testemunho do evangelho, “que incluía a renúncia à violência, e a participação responsável no poder político, o que foi entendido como um ato de amor para com o mundo”.
A Epístola de Agostinho de Hipona a Marcelino é o exemplo mais influente desse “novo tipo de interpretação”, como escreve Ulrich Luz em seu livro “Mathew in History”. “No início do cristianismo, a justificativa de Santo Agostinho da legitimidade da guerra sob certas condições específicas era amplamente aceita. Todavia a guerra não era considerada uma atividade virtuosa” (“Religious War” em Wikipedia). Em sua carta Agostinho induz Marcelino a entender Lucas 6:29 como algo restrito a uma questão entre duas pessoas, quando o “dar a outra face” teria o objetivo de converter o outro, o que não seria o caso numa guerra. “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, nem a túnica recuses”. Essa interpretação feita numa época em que Igreja tinha forte influência sobre o Império foi a que acabou prevalecendo na cristandade.
Então podemos considerar que foi nos tempos de Agostinho de Hipona que a Igreja deu essa guinada em direção ao que mais tarde o Papa Urbano II chamaria de “bellum sacrum” (“guerra santa”) e resultaria nos séculos de domínio militar patrocinado pela Igreja. Agostinho viveu uns 300 anos antes de Maomé, portanto ninguém pode culpar os muçulmanos por essa “inovação” da jihad. Agora quando um jihadista metralhar dúzias de inocentes lembre-se de que foram os cristãos que, antes deles, acharam que deviam erradicar do mundo os pecadores. Quiseram fazer aquilo que o Senhor disse para não fazerem: “E os servos lhe disseram: Queres, pois, que vamos arrancá-lo (o joio)? Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele” (Mt 13:28-29).
Se você se interessa pela história da degradação do testemunho cristão no mundo sugiro a leitura de “A História da Igreja” de Andrew Miller.
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Somos todos corruptos?
Sim, sou corrupto e você também é, e vou explicar a razão de pensar assim. Há alguns anos tomei um táxi em Curitiba e o motorista era um idoso aposentado e cheio de histórias para contar. Às vezes você aprende mais de um motorista de táxi com a sabedoria que ele adquiriu no trânsito da vida, do que na sala de aula de um mestre doutor que nunca experimentou o que diz.
O taxista contou a história de um jovem advogado que tinha transportado do escritório ao aeroporto. Ele e o jovem advogado conversavam sobre a corrupção, e o taxista afirmou que todos somos corruptos, ao que o jovem doutor discordou. Insistiu ser honesto a toda prova, que nunca seria capaz de aceitar propina, que foi criado dentro de um rígido código moral, que era íntegro e possuía uma ilibada reputação.
Conversa vai, conversa vem, o táxi chegou ao aeroporto e o motorista deu um cartão ao reputado passageiro, sugerindo: “Da próxima vez que você precisar, ligue direto para mim. Assim a gente faz esta corrida só entre nós sem passar pela cooperativa de rádio táxi e eu dou um desconto. Você iria pagar uns dois reais a menos numa corrida assim”. O advogado respondeu: “Ligo sim! Afinal dois reais sempre ajudam”. Aí o taxista cortou a bola que ele próprio tinha levantado, e falou: “Eu não disse que somos todos corruptos? Eu sugeri que a gente desse um chega-pra-lá na cooperativa e você gostou. A única diferença entre os corruptos é o preço. O seu são dois reais”.
Portanto, anote aí: Eu e você somos tão corruptos quanto todo mundo. Talvez eu e você não estejamos envolvidos em algum esquema milionário de desvio dos cofres públicos e lavagem de dinheiro, mas todos os dias corrompemos e somos corrompidos. Sim, porque para todo corrupto é preciso existir um corruptor e vice-versa. O corruptor convence você de que não é de todo errado participar do esquema e que os riscos são mínimos comparados aos benefícios. Você pondera o custo-benefício da proposta e entra num acordo. O problema é que a corrupção é um enorme escorregador. Uma vez que você decida entrar vai descer cada vez mais rápido. Já ouviu a expressão “engraxar a mão”? Pois é, numa mão bem lubrificada a propina passeia com menor atrito.
Satanás é especialista em corrupção por que é especialista em mentir. Se você quisesse patentear a mentira como se fosse uma ideia que você teve, iria descobrir que ela já foi patenteada há muito tempo. Satanás “foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira” (Jo 8:44).
O diabo é tão bom em mentir e enganar que conseguiu corromper a si mesmo e a um terço dos anjos do céu para que o seguissem antes mesmo de Deus criar o homem. Em Isaías 14:12 a Palavra de Deus identifica Satanás como uma “estrela”: “Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva!”. Em Apocalipse 12:3-4 o apóstolo João vê “um grande dragão vermelho” cuja “cauda levou após si a terça parte das estrelas [ou anjos] do céu, e lançou-as sobre a terra”. Isaías revela o mecanismo da corrupção, o qual é acionado antes mesmo de existir um ato corrupto: “E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14:13-14).
Agora acompanhe meu raciocínio e você verá que não escapa um, pois somos todos corruptos, eu, você e até a “Madre Teresa de Calcutá”, cujo nome virou sinônimo de santidade, despojamento e dedicação. O processo de corrupção começa no íntimo de cada um e sua principal ferramenta é a mentira. Satanás contou a si mesmo uma mentira e acreditou nela. Depois ele contou uma mentira para Eva e ela, antes de acreditar na mentira de Satanás, precisou contar uma mentira a si mesma e acreditar nela. Anote isso aí: sempre que caímos em algum pecado isso começou antes em uma negociação interna entre você e você mesmo, isso obviamente com alguma ajuda exterior quando o inimigo de nossas almas ou algum de seus emissários for usado no processo.
Mas a mentira, que leva à corrupção, é dinâmica. Pense num imenso escorregador no qual você se senta e, uma vez dada a partida, não consegue parar. A corrupção é assim, vai aumentar cada vez mais. A corrupção de Satanás e seus anjos começou em tempos imemoráveis, creio que no período antes do caos na criação descrito no segundo versículo de Gênesis 1. A corrupção deste mundo, deste estado atual de coisas, começou no jardim do Éden em um processo interno de análise de custo-benefício no coração de Eva. Ela ponderou o que teria a ganhar, acreditando na mentira da Satanás, e o que ganharia acreditando na verdade de Deus, e tomou uma decisão. Escolheu a mentira.
Talvez você ainda não tenha se convencido de que seja um corrupto, então vamos lá: Você já colou numa prova? Falsificou carteira de estudante para entrar no cinema? Correu para pegar um lugar na fila antes de alguém? Fingiu não ver a grávida de pé no ônibus enquanto você viajava sentado? Estacionou em lugar proibido ou em fila dupla? Dirigiu acima da velocidade permitida? Falou ao celular enquanto dirigia? Foi para a direção depois de tomar umas Brahmas? Pediu atestado só para faltar ao trabalho? Instalou programa pirata no computador? Registrou imóvel abaixo do valor para evitar impostos? Vendeu sem nota fiscal ou negociou comprar sem nota para pagar menos? Pediu nota de valor maior para sua prestação de contas? Levou para casa material da empresa? Fingiu que trabalhava quando o chefe passou perto? Disse à mulher que trabalhou até mais tarde e ao mendigo que não tem dinheiro?
“Mas todo mundo faz!”, dirá você. “A estrada estava livre!”, dirá para si mesmo enquanto pisa no acelerador. “É só um minutinho!”, tentará se justificar, como se a placa de estacionamento para deficientes fosse capaz de ouvir seus pensamentos. Percebe um padrão aí? Somos corruptos e corruptores porque mentimos para nós mesmos. Avaliamos o custo-benefício e decidimos agir. Por isso a Palavra é categórica em qualificar o homem como incorrigível: “Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal” (Jr 13:23).
Por isso e muito mais é impossível você salvar-se a si mesmo. Deus precisa transformar você em uma nova criação, aí você passará a enxergar seu velho “eu” como crucificado e morto em Cristo na cruz do calvário. Você acha que está enganando a quem, quando veste um terno, coloca uma Bíblia debaixo do braço e vai à igreja, usando lá um vocabulário bem diferente daquele que usa no trabalho ou na escola, onde tem vergonha de dizer que crê em Cristo? Dissimulamos, tanto em um lugar como no outro, como forma de autoproteção, para que as pessoas não descubram quem realmente somos.
Os fariseus eram mestres na arte do engano ao tentarem aparentar aquilo que não eram. Não que eles fossem homens terríveis de maus, que saíssem por aí comendo criancinhas e beliscando gatinhos. Eles eram como eu, você e aquele pregador ali da esquina, que se convenceu a si mesmo de que não teria problema inventar milagres se isso deixar as pessoas felizes e mais dispostas a contribuírem para “a obra de Deus”. Afinal, pensa ele, os fins justificam os meios.
Entenda que o ser humano é pecador por natureza e é impossível mudá-lo. Ele precisa nascer de novo, começar do zero, se quiser ser salvo. Em Marcos 7:1-23 o Senhor fala da religião que cria costumes, regras e tradições na tentativa de “domesticar” esse velho homem arruinado pelo pecado. Jesus diz: “Do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem” (Mt 7:21-23).
A tentativa de domar o velho homem me faz lembrar aqueles desenhos animados do Tom & Jerry, em que o gato entra numa casa e prega várias tábuas na porta para o cachorrão não entrar. Aí percebe que o cachorrão já está dentro, bem atrás dele. Assim é o nosso velho homem, a carne, aquela parte de nós que é incorrigível e que Deus precisou entregar à morte por meio de um Substituto do pecador. Sim, ali na cruz Jesus não apenas tirou o pecado do mundo e pagou pelos pecados do pecador sendo feito pecado por nós. No Cristo crucificado, Deus colocou um fim ao homem da primeira criação, Adão. Já que aquele que verdadeiramente crê em Cristo é visto por Deus como tendo sido crucificado, ele é exortado a viver considerando isso:
“O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial” (1 Co 15:47-48). “Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre vós?… Já estou crucificado com Cristo… o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo… E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências” (Gl 3:1; 2:20; 6:14; 5:24).
O homem religioso tem duas maneiras de lidar com as imperfeições do velho homem: camuflando ou enfeitando que não tem nada de aproveitável, apenas um cadáver putrefato. Uma sepultura pode ser camuflada pela relva que a encobre, de modo que ninguém perceba que a morte está ali. Para esses o Senhor diz: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Que sois como as sepulturas que não aparecem, e os homens que sobre elas andam não o sabem” (Lc 11:44). Ou ela pode ser caiada de branco puro e brilhante para aparentar pureza: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia” (Mt 23:27).
Mas vamos voltar ao processo da corrupção que nos assola o tempo todo por meio das mentiras que contamos a nós mesmos. Nós as achamos inofensivas e sempre encontramos justificativas para elas. Você já comeu até sair pelos poros, prometendo começar um regime na segunda-feira? Você sabia que estava mentindo para si mesmo. No início do comércio eletrônico as lojas de roupas na Web perceberam que a venda de roupas femininas seria um processo mais caro. Isto porque a quantidade de devoluções e pedidos de trocas por números maiores era bem grande. Por mais que fizessem a cliente preencher um formulário com todas as medidas do corpo, as mulheres mentiam no preenchimento e acabavam recebendo uma roupa menor.
Assisti um documentário muito interessante de Dan Ariely, autor de “A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade”. Ele é professor de psicologia e economia comportamental e revela várias pesquisas que demonstram como somos todos corruptos e corruptores. Isto porque mentimos para nós mesmos negociando em nosso íntimo os prós e contras de agir de forma imoral ou antiética. Algumas conclusões dele são interessantes: Você pode não ser capaz de roubar uma moeda do caixa da loja onde trabalha, mas não pensa duas vezes antes de enfiar na bolsa um lápis ou caneta de maior valor. Isto porque nosso código moral diz que roubar dinheiro é errado, mas se esse dinheiro estiver camuflado na forma de um objeto corriqueiro as coisas mudam de figura. Ao menos dentro de nossa cabeça.
Se você colocar numa escola uma máquina de vendas de refrigerantes que devolva o dinheiro junto com o refrigerante ninguém irá reclamar ou avisar a direção. Mas todos irão avisar os amigos, mesmo sabendo que alguém está sendo lesado pelo defeito. O autor Dan Ariely descobriu que os alunos burlavam menos nas provas se antes tivessem jurado não mentir com a mão sobre uma Bíblia, mesmo que fossem ateus, ou se tivessem assinado um documento dizendo estar de acordo com o código de ética e conduta da universidade, código este que nem mesmo existia. A simples ideia de estarem racionalmente inseridos num contexto moral inibia a mentira. Eles eram também mais propensos a corromper e serem corrompidos se não estivessem olhando diretamente para o que estavam fazendo.
Isto também explica a razão de você roubar a caneta, mas não o dinheiro da loja onde trabalha. O dinheiro está oculto na caneta, você não o vê. É também por isso que você estende a mão para o policial e entrega o documento do carro com uma nota dentro, enquanto olha para a estrada à sua frente. Ele retira o dinheiro e enfia no bolso olhando para o lado, não para o dinheiro. Na hora de praticarmos o ilícito temos a impressão de que, se não olharmos diretamente para a coisa em si, o ilícito fica parecendo ter sido praticado por um sujeito indeterminado.
A desonestidade é também como uma balança: de um lado estamos sempre avaliando o que podemos ganhar, e do outro o quanto essa transação poderá riscar nossa reputação. O problema é que, como acontece com qualquer viciado em drogas, a quantidade de entorpecente é sempre crescente, porque o organismo se acostuma e pede mais, enquanto a razão vai ficando mais experiente em arranjar desculpas, até que estas acabem e acabem ficando totalmente absurdas para quem não está dopado. É por isso que o pior viciado é aquele que não se considera viciado, e o pior corrupto é aquele que não se considera desonesto. Ele está constantemente fazendo um discurso para si mesmo a fim de neutralizar seu pecado por meio de raciocínios. Somos como Satanás oferecendo a nós mesmos benefícios e tentando argumentar que as consequências ruins disso são desprezíveis.
Se você chegou até aqui e ainda não está convencido de que é corrupto e corruptor de si mesmo, então não há salvação para você. Paulo escreveu que “Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1 Tm 1:15). Não precisaríamos de um Salvador se fôssemos perfeitos e quando entendemos que a corrupção não é algo externo, mas um mal que habita em nosso coração, só podemos clamar: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24).
Você não melhora aquela carne podre que encontra no refrigerador; você a joga fora e compra uma fresca e saudável. Assim Deus faz com você como um todo: Na cruz ele “jogou fora” o velho ser criado à semelhança de Adão. “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo… Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão [que é a tentativa de se domar a carne], nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura” (2 Co 5:17; Gl 6:15).
Aqueles que creem em Cristo como Salvador têm resolvida a questão judicial de seus pecados, pois eles foram todos pagos naquele sacrifício na cruz que também lançou na morte o velho homem. Resta agora esperar que os benefícios todos dessa obra já consumada se concretizem também no corpo pela transformação ou ressurreição no dia do arrebatamento da Igreja.
“Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 15:53-57).
Percebe agora a loucura que é tentar justificar-se enganando-se a si mesmo de que você não é um corrupto pecador, e achar que guardando alguns mandamentos da Lei de Deus vai se safar da condenação no lago de fogo? Nada disso vai dar certo, a menos que seja uma nova criatura. O pecado irá levá-lo à morte, como um aguilhão ou anzol que fisga e arrasta o peixe que se debate em vão. E a Lei dada a Moisés nada mais é do que a força do pecado, isto é, o instrumento que revela a malignidade do pecado para dar ao pecador a justa condenação. A Lei não salva, a Lei só condena.
Sabia que as pessoas são menos propensas a mentir em um questionário quando a linha da assinatura está no topo da página? Isto porque elas primeiro assumem o compromisso, antes de fazer declarações, as quais, na sua mente, estariam sendo anônimas até chegarem ao final da página para assiná-las. É por isso que a vida cristã começa no compromisso pessoal com Cristo. Primeiro você assina que crê em Jesus como Salvador, depois, tendo seus pecados todos perdoados e a garantia de vida eterna e entrada no céu, você irá viver aqui na terra a vida que Deus espera de um filho seu. Mas não se engane achando que vivendo ainda neste corpo de carne tudo será perfeito. Não, você continuará negociando internamente os prós e contras de agir desonestamente e, se der a mão ao pecado, logo ele vai querer também o braço. Lembre-se do escorregador.
Portanto, antes de bufar e zurrar impropérios contra os políticos e empresários corruptos e corruptores flagrados nos esquemas de desvios de verbas públicas e lavagem de dinheiro, reconheça que você não é nem um pouco diferente deles. Você só não teve a ocasião que eles tiveram para ser mais ladrão do que já é aos olhos daquele que tudo sabe e tudo vê. Corruptos todos somos por natureza: eu, você e a Madre Teresa de Calcutá. A salvação é para aqueles que reconhecem o seu pecado e recorrem a Cristo para perdão, e não para os que passam óleo de peroba na cara e uma demão de cal em sua sepultura para fazê-la parecer limpa e pura. E se você disser que não tem pecado já está pecando, justamente com o pecado que deu início ao problema da corrupção de anjos e homens: a mentira.
“Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça. Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós” (1 Jo 1:8).
Se você chegou até aqui achando que a conclusão é que não há problema em mentir, já que todos mentimos e basta apenas confessarmos, não entendeu nada do que eu disse. Ou se achou que apenas dei mais dicas de como não mentir para com isso ser salvo, também não entendeu que o próprio Deus disse que é impossível ao homem natural não mentir. Em 1 Reis 8:46, ao inaugurar o Templo, o rei Salomão, inspirado por Deus, deu os recursos para o caso de os israelitas pecarem. Ele diz: “Quando pecarem contra ti, pois não há homem que não peque…” e em seguida apontou para recursos de graça que poderiam encontrar pela confissão e conversão.
O ponto que quero ressaltar é que, a menos que você seja nova criatura, não terá chances. Tudo nesta criação usa a mentira como forma de corrupção, até os animais. Quando o camaleão muda de cor ele está “mentindo” para comer ou não ser comido. Quando você tinge o cabelo, usa lentes coloridas ou aumenta o salto de seus sapatos está querendo passar aos outros uma imagem diferente da real. Você naturalmente tem uma imagem de si mesmo, não gosta muito dela e quer melhorá-la para os de fora. Essa autoproteção de imagem serve muitas vezes de escudo moral para não despencarmos no escorregador da corrupção, mas sua eficácia vai até certo ponto, pois usa de padrões relativos, geralmente nos levando a comparar nossa maneira de ser com alguém que é pior do que nós a fim de nos sentirmos melhor.
John Nelson Darby escreveu: “Quando alguém começa a descobrir que não é comparando a si próprio com os outros que ele será julgado, mas pela comparação com o próprio Deus, então sua consciência começa a ser despertada para pensar a respeito do pecado como quem está diante de Deus. Aí sim ele se reconhecerá culpado e arruinado; e não tentará justificar a si mesmo apontando para alguém que seja pior, mas ficará ansioso por saber se é possível que Deus, diante de quem ele sabe estar condenado, poderá desculpá-lo ou perdoá-lo.”.
A salvação não é dos que se recriam a si mesmos segundo padrões que lhes são convenientes, sejam eles dados por uma religião, código de conduta ou pela “Regra Áurea”. A salvação é dos que são novamente criados segundo o Homem perfeito que é Cristo ressuscitado. Depois de termos sido salvos pela fé a Palavra de Deus nos exorta a vivermos segundo os padrões desse novo homem, para o qual a mentira e a corrupção são coisas inadmissíveis: “Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3:9-10). Como está dito aí, o velho homem é mantido fora de cena, como uma roupa velha que jogamos no fundo do baú, e é o novo homem que deve ser visto, porque é com este que entraremos na presença de Deus. “O que usa de engano não ficará dentro da minha casa; o que fala mentiras não estará firme perante os meus olhos” (Sl 101:7).
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Jesus amava mais a João que aos outros?
Entendo que o discípulo que Jesus amava era o próprio João e isso não tem nada a ver com ele ter amado menos os outros discípulos. Jesus amava a todos igualmente e você encontra a mesma expressão a respeito de Marta, Maria e Lázaro: “Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro” (Jo 11:5).
Mas a expressão “o discípulo que Jesus amava” aparece seis vezes no evangelho de João e nos ensina algumas coisas. É João o discípulo que pergunta a Jesus quem iria traí-lo. Pedro pediu a ele que perguntasse por que João era o que estava mais próximo, reclinado ao seio do Senhor: “Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus. Então Simão Pedro fez sinal a este, para que perguntasse quem era aquele de quem ele falava. E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é?” (Jo 13:23).
Você vive assim, reclinado sobre o peito de Jesus e ouvindo suas palavras bem de pertinho?
Na cruz Jesus se dirige à sua mãe para mostrar que a partir daquele momento seria João quem cuidaria de Maria (e não o contrário como gostariam os católicos). “Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19:26-27).
Você é o tipo de pessoa que Jesus colocaria outros sob o seu cuidado por ser hospitaleiro e estar sempre pronto e disposto a cuidar?
Quando Jesus ressuscita é a vez de Maria Madalena levar a notícia da ressurreição a Pedro e João. Os dois correm até o sepulcro, mas é João quem corre mais e chega primeiro, porém dá a Pedro a primazia de entrar no sepulcro vazio: “Correu, pois, e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e disselhes: Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram. Então Pedro saiu com o outro discípulo, e foram ao sepulcro. E os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais apressadamente do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. E, abaixando-se, viu no chão os lençóis; todavia não entrou. Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis” (Jo 20:2-6).
Será você aquele que está sempre disposto a conhecer mais de Jesus, ao mesmo tempo em que reconhece e respeita os irmãos mais velhos?
Mais tarde, enquanto os discípulos pescavam, foi João o primeiro a reconhecer que tinha sido Jesus que, da praia, havia dito para jogarem a rede do lado direito do barco: “Então aquele discípulo, a quem Jesus amava, disse a Pedro: É o Senhor. E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar” (Jo 21:7).
Você é do tipo que reconhece Jesus “em todos os teus caminhos” e sabe que “ele endireitará as tuas veredas?” (Pv 3:6).
No final do Evangelho de João, depois de Jesus revelar a Pedro como seria sua morte, ele quer saber o que será de João, mas o Senhor faz uma revelação que os discípulos entendem erroneamente como se João não fosse morrer.
“E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito, e que dissera: Senhor, quem é que te há de trair? Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que será? Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu. Divulgou-se, pois, entre os irmãos este dito, que aquele discípulo não havia de morrer. Jesus, porém, não lhe disse que não morreria, mas: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Este é o discípulo que testifica destas coisas e as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (Jo 21:20-24).
Conhecer mais daquele que irá voltar e esperar ansiosamente por Jesus tem sido uma constante em sua vida?
Creio que Jesus não estava dizendo que João seria imortal, mas o Senhor simplesmente disse que ele permaneceria até sua vinda no sentido de que a João seria dado escrever o Apocalipse que é a descrição da volta de Cristo. Ligando o versículo 20 ao versículo 24 você descobre quem é o discípulo do qual Pedro estava falando, ou seja, o mesmo que escreveu o evangelho. “E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava… Este é o discípulo que testifica destas coisas e as escreveu”.
Voltando à sua dúvida, será que João era mais amado que os outros discípulos? De maneira nenhuma. O amor de Jesus é absoluto e ele declarou amar a todos como Deus os amava: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis… Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor” (Jo 13:34; 15:9). O que ocorre é que o amor de João por Jesus era visível, claro e notório, porque João tinha um grande apego a ele.
Você percebe isso quando, numa família, um dos filhos é o mais “grudado” no pai ou na mãe. Daí ser natural ele ficar conhecido como o “discípulo a quem Jesus amava”. Um filho que vive grudado em sua mãe também é percebido por outros que a mãe está sempre grudada naquele filho, parecendo até ser maior o amor dela por aquele. Mas uma mãe verdadeira sabe que ama a todos os seus, ainda que de formas diversas, mas mesmo assim é amor.
Acredito que Deus tenha revelado para nós essa expressão para demonstrar qual o relacionamento que ele quer que tenhamos com Cristo. Por estar sempre próximo de Jesus era João quem ouvia de primeira mão o que o Senhor dizia. Assim deve ser a comunhão do crente em Jesus: viver reclinado sobre o seu seio para ouvir de primeira mão as suas palavras. Por que você acha que alguns têm mais sensibilidade do que outros para entender o que o Senhor diz e agir conforme a vontade dele? João, em sua epístola, podia dizer que estava entre aqueles que ouviram, viram, contemplaram e tocaram “da Palavra da vida”, que é Jesus.
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida” (1 Jo 1:1).
Você ouve a Jesus por meio de sua Palavra, vê a ele com os olhos da fé, o contempla onde agora está glorificado, e tem o privilégio de “tocá-lo” de tão íntima comunhão que tem com ele?
Mas antes que alguém pense que o amor de Jesus por alguém é condicional, ou seja, depende de a pessoa estar sempre perto dele, reclinada sobre o seu seio, ouvindo sua Palavra, etc., é bom lembrar que quando ele próprio diz que “Deus amou ao mundo” (Jo 3:16) isso inclui todas as pessoas, porque antes mesmo de elas existirem Deus já amava. Ou como Deus iria entregar seu Filho para morrer por inimigos seus se não os tivesse amado antes?
“Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4:19), e sabe quando foi que esse amor teve início? Nunca! Isto porque o amor de Deus é eterno, não tem começo nem fim. O Pai amou o Filho Jesus “antes da fundação do mundo” (Jo 17:24), ou seja, na eternidade passada antes que existisse a matéria, e ao Jesus dizer ao Pai que amava os seus “como me tens amado a mim” (Jo 17:23). Isto significa que ele também amou os seus antes da fundação do mundo, assim como amou aquele jovem que não quis segui-lo.
“E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me. Mas ele, pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades” (Mc 10:21-22).
Ao falar dos salvos, o apóstolo Paulo escreve que Deus “nos elegeu nele (em Cristo) antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” (Ef 1:4). Não foi por acidente que Jesus morreu, mas porque “Cristo, como… um cordeiro imaculado e incontaminado… foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós” (1 Pe 1:19).
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Posso usar fotos de celebridades para evangelizar?
Desde antes da invenção da fotografia era comum utilizar imagens de paisagens, crianças, flores e animais em calendários e capas de livros, folhetos e revistas cristãs. As imagens ajudavam a despertar a atenção do leitor e serviam como fundo para frases e versículos bíblicos em quadros e bordados. A fotografia ampliou esse uso e hoje, com o advento das redes sociais, surgiu o costume de se utilizar também fotos de celebridades como pano de fundo de mensagens cristãs.
O primeiro problema com isso é que nunca sabemos se aquele cantor, artista ou atleta seria alguém idôneo para bancar com sua foto uma mensagem cristã. Muitos são ateus ou levam uma vida de escândalos que jamais os qualificariam como porta-vozes de Deus. Embora Deus tenha usado até uma jumenta para entregar uma mensagem ao ímpio profeta pagão Balaão, aquilo foi uma iniciativa de Deus e não de algum servo de Deus que quis “terceirizar” a tarefa que cabe ao povo de Deus. E você sabe que uma jumenta tem uma vida bem mais inocente e limpa do que muitas celebridades.
Lembro-me do anúncio que uma empresa publicou numa revista com uma mensagem do dia das mães sobre a foto de uma cantora pop. A coisa ficou surreal, porque naquela mesma época a cantora estava no noticiário por ter perdido a guarda dos filhos e ser internada em uma clínica de reabilitação para drogados. Ela certamente não era a pessoa mais indicada para representar as mães.
O segundo problema é que ao fazer isso você pode estar incorrendo em um crime de uso indevido da imagem de alguém. Celebridades conquistaram essa posição por algum tipo de mérito nas artes, ciências ou esportes, e costumam vender sua imagem para comerciais. Para se utilizar a imagem de alguém é preciso que você tenha um contrato de cessão de direitos de imagem, já que a imagem da pessoa faz parte do “pacote” de direitos autorais da pessoa. Esses contratos costumam envolver custos, limites e restrições ao uso da imagem.
Mas vamos ao que realmente é o cerne da questão. Quando você viaja, deixa suas joias serem transportadas na mala por pessoas que não conhece, ou as leva com você, bem junto ao seu corpo? Quando vejo postagens com fotos de artistas e celebridades incrédulas, adornadas com versículos ou frases como se estivessem dizendo algo a favor da fé cristã, lembro-me do carro de boi dos filisteus que os israelitas emprestaram para transportar a Arca da Aliança e terminou em tragédia. Não entendeu? Então leia 1 Samuel capítulo 5 e 6, e 2 Samuel capítulo 6.
Os israelitas haviam perdido a Arca em batalha contra os filisteus, os quais mais tarde acabariam se arrependendo de tê-la conquistado. Então para se livrarem dos problemas que lhes vieram pela presença da Arca de Deus em meio a um povo ímpio e inimigo do povo de Deus eles decidiram devolvê-la. “Os filisteus chamaram os sacerdotes e os adivinhadores, dizendo: Que faremos nós com a arca do Senhor? Fazei-nos saber como a tornaremos a enviar ao seu lugar. Agora, pois, tomai e fazei-vos um carro novo, e tomai duas vacas com crias, sobre as quais não tenha subido o jugo, e atai as vacas ao carro, e tirai delas os seus bezerros e levai-os para casa” (1 Sm 6:2-7). Na sequência eles soltam as vacas que vão caminhando em direção aos israelitas. A Arca ficaria 20 anos em Quiriate-Jearim na casa de um israelita antes que tivessem a iniciativa de levá-la para um local adequado. E foi aí que incorreram em um grande erro.
“E puseram a arca de Deus em um carro novo, e a levaram da casa de Abinadabe, que está em Gibeá; e Uzá e Aió, filhos de Abinadabe, guiavam o carro novo… E, chegando à eira de Nacom, estendeu Uzá a mão à arca de Deus, e pegou nela; porque os bois a deixavam pender. Então a ira do Senhor se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali por esta imprudência; e morreu ali junto à arca de Deus” (2 Sm 6:3-7).
O primeiro erro foi terem colocado a arca em um carro de boi imitando o que tinham feito os filisteus. Ela nunca deveria ser carregada assim, mas do modo como Deus determinara em Êxodo 37:5, isto é, nos ombros apenas dos levitas (Números 4:15), e por meio de varas introduzias nas argolas presas à Arca. Além disso, ela devia ser coberta para ninguém olhar para ela e ninguém poderia tocá-la (Números 4:5-6). Uma boa explicação é a que traduzo a seguir, de autoria de F. W. Grant, e ajuda a entender a razão de não fazer qualquer sentido associar fotos de celebridades incrédulas a mensagens do Evangelho:
“De que nos fala a arca de Deus transportada em um carro de boi? A arca era o trono de Deus em Israel; ele habitava, ou tinha seu trono, entre os querubins e ali estava a glória de Deus e, por conseguinte, a voz do Senhor se manifestava. As declarações vindas desse trono eram endereçadas aos homens, a um povo redimido, separado das apostasias das nações em redor, para que esse povo pudesse conhecê-lo e ser vir a ele somente, o único digno de ser servido, e esse serviço não era em escravidão, mas na mais enobrecedora liberdade. Por serem povo de Deus eles tinham sido tirados das trevas para a luz, da desonrosa impureza para a santidade em verdade, tendo a vergonha do Egito sido afastada deles. Portanto, o único meio de transporte adequado à arca era que fosse carregada sobre os ombros dos Levitas, os voluntários carregadores do jugo de sua gloriosa carruagem de salvação. Homens redimidos, submissos somente a Deus, continuam sendo aqueles que ocupam um lugar do qual aquele em Israel era apenas um tipo, uma sombra. A esses, em sua preciosa graça, Deus tem se comprometido, para que seus corações voluntários possam levá-lo pelo mundo. A eles Deus continua dizendo: ‘Tomai sobre vós o meu jugo… Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve’ (Mt 11:30)” — F. W. Grant.
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Os filhos não devem pagar pelos pecados dos pais?
Sua dúvida é se Davi agiu corretamente quando entregou sete dos filhos de Saul para serem mortos pelos Gibeonitas por causa do pecado cometido por Saul. Para entender a história toda, o capítulo 21 de 2 Samuel relata que ocorreu “uma fome de três anos consecutivos; e Davi consultou ao Senhor, e o Senhor lhe disse: É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas” (2 Sm 21:1). Ao consultar o Senhor da razão da fome Davi agiu corretamente. Ao não consultar o Senhor quanto ao que devia fazer Davi errou.
Para entender a história precisamos voltar ao episódio envolvendo uma artimanha dos gibeonitas para evitar que fossem dizimados por Israel. Josué 9:1-27 revela que, quando os gibeonitas perceberam que todos os outros povos estavam sendo erradicados da terra prometida a Israel, montaram um esquema para enganar os israelitas. Eles enviaram homens ao encontro de Josué, que se identificaram como embaixadores de uma terra distante. Para que isso parecesse verdade, eles levavam em seus animais sacos de pães velhos e embolorados, odres remendados, calçavam sandálias gastas e vestiam roupas velhas. Tudo para parecer que tinham viajado muitos dias para chegarem ali, vindos de uma terra distante daquela que Deus havia prometido a Israel. Eles pediram a Josué que fizesse uma aliança e se dispuseram a servir a Israel.
Josué nem consultou o Senhor. Decidiu considerando apenas as aparências e fez aliança com aquele povo mediante juramento. “Então os homens de Israel tomaram da provisão deles e não pediram conselho ao Senhor. E Josué fez paz com eles, e fez um acordo com eles, que lhes daria a vida; e os príncipes da congregação lhes prestaram juramento” (Js 9:14-15). Porém, três dias mais tarde, os israelitas chegaram às cidades dos gibeonitas e viram que tinham sido enganados. “E os filhos de Israel não os feriram, porquanto os príncipes da congregação lhes juraram pelo Senhor Deus de Israel” (Js 9:18).
Por causa do juramento feito diante do Senhor, nenhum israelita poderia tocar nos gibeonitas. Todavia Josué determinou que aquele povo serviria a Israel, rachando lenha e tirando água para a casa de Deus, e assim foi. E assim chegamos ao capítulo 21, razão de sua dúvida. Saul, em seu zelo sem entendimento, não levou em consideração o juramento de Josué e desprezou a proteção que este havia garantido aos gibeonitas. Por isso os atacou e matou a muitos. Agora, no reinado de Davi, Deus traz à tona o pecado de Saul castigando o povo de Israel com “uma fome de três anos” (2 Sm 21:1).
Alguém poderia perguntar por que Deus não trouxe a fome ainda nos dias de Saul, mas talvez seja porque Saul nunca entenderia a razão e nem consultaria o Senhor, como faz Davi aqui: “Davi consultou ao Senhor, e o Senhor lhe disse: É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas” (2 Sm 21:1) Isto também nos ensina que todo pecado traz consequências, algumas imediatas, outras em longo prazo. Mas antes que você pense que Davi estava em total sintonia com Deus, lembre-se de que ele era um homem como qualquer um de nós, sujeito a muitas falhas. E agora Davi falha uma vez mais.
Ao invés de consultar o Senhor quanto ao que deveria ser feito para reparar o dano que Saul causou aos gibeonitas, Davi consulta justamente os gibeonitas! Por mais que estivessem sob a proteção de um juramento feito muito tempo antes, eles continuavam a ser um povo estranho a Israel e ao seu Deus.
Os gibeonitas mais uma vez agem de forma ladina, revelando não estarem interessados em riquezas: “Não é por prata nem ouro que temos questão com Saul e com sua casa; nem tampouco pretendemos matar pessoa alguma em Israel” (2 Sm 21:4). Ao dizerem isto eles parecem ser honestos, e fazem Davi baixar a guarda e ficar vulnerável ao engano. É muito fácil um cristão ser levado na conversa por alguém que demonstra certo grau de moralidade e respeito, sem perceber que essa atitude pode esconder um erro muito mais grave.
Muitos cristãos hoje, alarmados com o descaramento e falta de pudor dos pregadores da prosperidade, ávidos em sua ganância de extrair dinheiro dos fiéis, acabam abandonando as denominações neopentecostais para se filiarem a religiões de aparência mais honesta e conservadora. Todavia algumas escondem doutrinas muito mais malignas do que a ganância, doutrinas essas que comprometem a divindade da Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Geralmente essas doutrinas não apenas negam a divindade de Jesus, mas também a salvação pela graça e a certeza de vida eterna pela fé em Jesus. Todas estas verdades são muito claras nas Escrituras para quem tem o coração aberto para recebê-las.
Os gibeonitas continuam revelando qual seria o desejo deles de reparação, incluindo o nome do Senhor nisso como forma de fazer Davi pensar que tivessem qualquer consideração neste sentido. “Para que os enforquemos ao Senhor”, dizem eles:
“O homem que nos destruiu, e intentou contra nós de modo que fôssemos assolados, sem que pudéssemos subsistir em termo algum de Israel, de seus filhos se nos deem sete homens, para que os enforquemos ao Senhor em Gibeá de Saul, o eleito do Senhor. E disse o rei: Eu os darei. Porém o rei poupou a Mefibosete, filho de Jônatas, filho de Saul, por causa do juramento do Senhor, que entre eles houvera, entre Davi e Jônatas, filho de Saul… [Mas tomou os filhos de Saul] e os entregou na mão dos gibeonitas, os quais os enforcaram no monte, perante o Senhor” (2 Sm 21:5-9).
A Lei dada por Deus a Moisés era muito clara: “Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu pecado” (Dt 24:16). Se Davi tivesse consultado a Palavra de Deus teria dito: “Sinto muito, gibeonitas, mas o que vocês pedem é contrário à vontade de Deus”. Davi se esqueceu também de um juramento que fez a Saul, quando este disse: “Jura-me pelo Senhor que não desarraigarás a minha descendência depois de mim, nem desfarás o meu nome da casa de meu pai. Então jurou Davi a Saul” (1 Sm 24:21-22). Embora tivesse poupado a Mefibosete, Davi fez isso por causa do juramento feito a Jônatas, mas o juramento feito a Saul ele desprezou totalmente. Juntando tudo, existem algumas lições a serem aprendidas aqui.
Primeira lição, “não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” (Jo 7:24). Os israelitas liderados por Josué julgaram a questão dos gibeonitas pela aparência e ficaram comprometidos com ele para sempre pelo juramento que fizeram.
A segunda lição é: “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos” (1 Tm 5:22) (impor as mãos significa ter comunhão ou aprovar algo) e “Laço é para o homem dizer precipitadamente: É santo; e, feitos os votos, então, inquirir” (Pv 20:25). É comum ficarmos animados com alguma coisa e afirmarmos precipitadamente que aquilo é correto, ou que uma determinada pessoa é honesta e boa, para depois percebermos nosso erro.
A terceira lição é reconhecermos humildemente nossas limitações: “A glória de Deus está nas coisas encobertas; mas a honra dos reis, está em descobri-las” (Pv 25:2). Somente Deus conhece tudo e todos; ao rei humano cabe a responsabilidade de reconhecer que não é onisciente e pesquisar a fundo uma questão antes de decidir. Josué se comprometeu sem antes investigar em maior profundidade a situação.
A quarta lição é jamais nos fiarmos nos conselhos dos incrédulos para as decisões importantes, e estarmos sempre buscando na Palavra de Deus a solução. “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios… Antes tem o seu prazer na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará” (Sl 1:1-3).
A quinta lição é importante também: “Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós” (Tg 5:17). Repare que Tiago está falando de um grande profeta de Israel que era feito da mesma matéria que cada um de nós, portanto sujeito aos mesmos erros e paixões. Não é porque um personagem bíblico fez algo que aquilo deve ser considerado correto para ser imitado. É sempre importante verificar o contexto e também comparar aquilo que ele fez com os mandamentos de Deus. Todos eles erraram, exceto o Homem perfeito, Jesus, o Filho de Deus, que nunca pecou e seria incapaz de pecar.
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O que você acha da “Bíblia Judaica Completa”?
Confesso a você que apenas li comentários sobre essa versão e alguns poucos trechos dela que está disponível em inglês online, mas não a utilizaria para minha leitura. Talvez ela tenha o seu mérito no sentido de descobrir como eram algumas palavras no hebraico original, mas acredito que isso pouco iria me ajudar a compreender a mensagem, isto é, o que Deus estava querendo dizer quando inspirou os escritores da Bíblia.
Esta é também minha opinião a respeito de outras traduções modernas, como a “Linguagem de Hoje” e a “Nova Versão Internacional”, que geralmente são traduções feitas em cima de um partido adotado ou propósito predefinido, que não é o de apenas traduzir. A NTLH, que é a sigla para a Linguagem de Hoje, tomou como partido disponibilizar uma versão de vocabulário limitado para leitores menos letrados. A versão Bíblia Viva nem pode ser chamada de versão, mas sim de paráfrase, pois seus tradutores interpretaram o texto e escreveram o que acharam que queria dizer. Esta BJC (Bíblia Judaica Completa) partiu do princípio de retornar os textos às suas origens linguísticas e culturais hebraicas, mas o problema é que seu autor não parou aí. Ele acabou também fazendo algumas mutilações que induzem o leitor a pensar que deve seguir um cristianismo judaico.
Acredito que o tradutor irá satisfazer uma multidão de leitores que querem dar um ar mais pomposo, ilustre e aristocrático à leitura, mas só isso. Quem gosta de versões assim para parecer judaico deveria ler a carta aos Hebreus, onde o Espírito Santo deixa claro que não é a melhor coisa para alguém que se converteu a Cristo querer andar na moda judaica. O objetivo da carta é mostrar que aqueles hebreus convertidos deviam se desvencilhar de todos os rituais e figuras do judaísmo agora que já tinham a realidade daquelas sombras. Por isso são exortados a saírem a Cristo, fora do arraial do judaísmo (Hb 13:13).
Veja o que o autor dessa versão BJC fez com Gálatas. A primeira citação a seguir está na versão Almeida Revista e Atualizada, a outra foi tirada da Bíblia Judaica Completa:
“Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus” (Gl 2:19 — ARA).
“Pois foi através de deixar a Torah falar por si mesma que eu morri para a má interpretação tradicional dela, que é legalista, de modo que eu pudesse viver em relação direta com Deus.” (Gl 2:19 — BJC)
Acho que já deu para você perceber que se usar a João Ferreira de Almeida Revista e Corrigida (ARC) ou Revista e Atualizada (ARA) você estará bem servido. Os versículos que deixarem alguma dúvida você pode comparar com outras traduções igualmente sérias, como a Versão Brasileira da Imprensa Bíblica do Brasil, a Fiel da Sociedade Bíblia Trinitariana, a versão traduzida por John Nelson Darby (inglês) e até versões católicas.
Hoje têm aparecido “mestres” e “especialistas” em hebraico, grego e aramaico tentando desmontar toda a doutrina da graça, da divindade de Cristo, da justificação pela fé e outras mais, com argumentos intelectuais que lançam dúvidas sobre os textos bíblicos, a inspiração da Palavra de Deus e os próprios fundamentos da fé cristã. Outro dia alguém leu algo que escrevi sobre a moda que invadiu a Web de falar o nome de Jesus apenas em hebraico, e me escreveu algo assim: “Você acha que sabe mais que o Professor Fábio?”. Ele estava se referindo a um teólogo, professor de hebraico e outras coisas mais que derrama no Youtube uma enxurrada de heresias para colocar em dúvida a divindade de Cristo e a salvação eterna. A questão é que não basta ser um exímio conhecedor de um idioma para ser um bom tradutor. É preciso, primeiro, ser um salvo por Cristo, e segundo, entender o assunto que está traduzindo. Algumas versões modernas foram traduzidas por equipes de homens e mulheres ilustres, alguns dos quais, porém, nem sequer acreditam na existência de Deus ou até mesmo tratam a Palavra de Deus com irreverência.
É pela mesma razão que as versões NVI (Nova Versão Internacional), NTLH (Novo Testamento na Linguagem de Hoje) e Bíblia Viva não servem em muitos aspectos para uma leitura continuada. No máximo podem ser usadas como referência para comparações, pois às vezes um sinônimo usado na tradução de um versículo ajuda a perceber melhor o pensamento contido ali. A NVI é a “menos ruim” delas, e eu a utilizo no “Evangelho em 3 Minutos” apenas por ela usar uma linguagem coloquial (“você” em lugar de “tu”, “vocês” em lugar de “vós”), mas eu adapto o texto sempre que encontro alguma distorção quando comparada à ARC, ARA ou JND (John Nelson Darby).
Se você lê habitualmente uma dessas versões modernas, atente para o fato de estar perdendo alguns detalhes importantes daquilo que Deus quis transmitir. Veja, por exemplo, o que essas versões fizeram com pesos, medidas e distâncias. Seus tradutores simplesmente traduziram os números e unidades sem levar em consideração que existe toda uma simbologia numérica na Bíblia que Deus quis mostrar, a qual é perdida na conversão dos números para unidades modernas. Um bom exemplo é a simbologia do número SEIS, explicada assim no “Concise Bible Dictionary”:
“Número Seis: Algo incompleto, imperfeito (porque falta um para chegar ao perfeito número sete). Salomão tinha uma escada de seis degraus para chegar ao seu grande trono em 1 Reis 10:19, impedindo que ele ficasse elevado demais e livrando-o da idolatria. Seiscentos e sessenta e seis talentos de ouro eram trazidos a ele a cada ano em 1 Reis 10:14, todavia ele foi obrigado a confessar que tudo não passava de vaidade e vexação de espírito. Os judeus em Caná tinham seis talhas de pedra para as purificações em João 2:6, mas elas expressavam a insuficiência das ordenanças em atender as demandas da necessidade do homem. O número da besta imperial será seiscentos e sessenta e seis em Apocalipse 13:18, o que a torna imperfeita em todos os aspectos”.
Quer ver agora o quanto você perde lendo uma versão da Bíblia como a Linguagem de Hoje? Veja 1 Reis 10:14 onde fala dos seiscentos e sessenta e seis talentos de ouro, um número obviamente que indica imperfeição na simbologia bíblica:
“O peso do ouro que se trazia a Salomão cada ano era de seiscentos e sessenta e seis talentos de ouro” (1 Rs 10:14 — ARA).
“Todos os anos o rei Salomão recebia mais ou menos vinte e três mil quilos de ouro” (1 Rs 10:14 — NTLH).
“O peso do ouro que Salomão recebia anualmente era de vinte e três toneladas e trezentos quilos” (1 Rs 10:14 — NVI).
Na versão “Bíblia Judaica Completa” em inglês o número também foi substituído por cerca de “duas toneladas”.
Estas versões modernas, NTHL, NVI e BJC converteram os valores a unidades modernas de peso sem se importarem com o simbolismo do número original. A NTLH nem se importou com precisão, pois acrescentou um “mais ou menos”. Um leitor da Palavra não deveria se satisfazer com “mais ou menos”. Salomão representa Cristo em seu reinado, mas o número SEIS associado a ele pode bem indicar que Deus quisesse deixar clara a sua imperfeição para que ele não fosse idolatrado. Salomão era um mero rei humano, apesar da grandiosidade simbólica e profética associada ao seu reino. Por isso, para subir ao seu trono, ele usava “SEIS degraus” (1 Rs 10:19).
Veja também que o simbolismo do número SEIS, que significa imperfeição, foi destruído nas versões modernas da Bíblia. O homem que foi criado no SEXTO dia não é o Homem perfeito que hoje conhecemos, Jesus. Ao homem foi dado trabalhar SEIS dias, todavia o Senhor Jesus, que é Deus e Homem, revela trabalhar TODOS os dias, assim como seu Pai. “E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado. Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também. Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5:16-18).
Quando Nabucodonosor construiu um ídolo, o Espírito Santo fez questão de revelar que as medidas traziam o número SEIS justamente para deixar claro que aquela imagem era a exaltação do homem, não de Deus. Todos deviam se prostrar e adorar aquela imagem, algo não muito diferente do que faz hoje o humanismo, que coloca o homem como centro do universo:
“O rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro que tinha sessenta côvados de altura e seis de largura” (Dn 3:1 — ARA).
“O rei Nabucodonosor mandou fazer uma estátua que media vinte e sete metros de altura por dois metros e setenta de largura” (Dn 3:1 — NTLH).
“O rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro de vinte e sete metros de altura e dois metros e setenta centímetros de largura” (Dn 3:1 — NVI).
“O rei Nabucodonosor fez uma estátua dourada, que tinha quase 30 metros de altura por três de largura” (Dn 3:1 — Viva).
Na versão inglesa da Bíblia Judaica Completa o tradutor se preocupou muito em manter os nomes no original, impossíveis de serem pronunciados corretamente por quem nasceu falando português, mas não se preocupou nem um pouco com os números:
“N’vukhadnetzar the king had a gold statue made, ninety feet high and nine feet wide” [“noventa pés de altura e nove pés de largura”] (Dn 3:1 — BJC).
As versões mutiladas da Bíblia também perdem de vista o simbolismo do número SEIS como imperfeição e arrogância humanas, ao traduzirem a altura do gigante Golias:
“Então, saiu do arraial dos filisteus um homem guerreiro, cujo nome era Golias, de Gate, da altura de seis côvados e um palmo” (1 Sm 17:4 — ARA).
A versão NTLH diz que ele tinha “quase três metros de altura”, o que nos leva a pensar que Golias era quase um ser divino, já que o número TRÊS nos fala da perfeição! A NVI diz que “tinha dois metros e noventa centímetros de altura” e na inglesa BJC “nove pés e nove polegadas”.
O número QUATRO tem um significado na Bíblia e aparece ligado à criação de Deus e ao mundo. Mas os tradutores da NTHL aparentemente não sabiam disso quando traduziram Apocalipse 20:8:
“… e sairá a seduzir as nações que há nos quatro cantos da terra” (ARA).
“… e sairá para enganar os povos de todas as nações do mundo” (NTLH).
Existem muitas outras passagens que falam de pesos, medidas e dinheiro na Bíblia, e em cada uma o Espírito Santo usou um número, não porque estava interessado em mostrar quanto aquilo significava em quilos, metros ou dólares, mas porque o número seguido de alguma unidade tinha muito maior importância do que a unidade em si.
Deixando os números de lado, existem também os problemas doutrinários nas novas versões, muitas vezes sutis, porém importantes. Veja por exemplo Isaías 7:14:
“Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel” (ARA).
“Pois o Senhor mesmo lhes dará um sinal: a jovem que está grávida dará à luz um filho e porá nele o nome de Emanuel” (NTLH).
“Por isso, Deus vai dar um sinal — quer vocês queiram, quer não. Uma virgem terá um filho! E ela; chamará o nenê de Emanuel (que significa “Deus está conosco)” (Viva).
As novas versões incorrem no erro de trocar “a virgem” específica do original por “uma virgem” genérica, ou “a jovem que está gravida”, na horrível NTLH. Curiosamente a excelente King James também deixou isso passar. Mas basta irmos para o Evangelho de Mateus para termos a certeza de que a profecia não falava de uma virgem qualquer, mas da virgem Maria, a mulher que já estava nos planos de Deus para que o Filho de Deus fosse nela gerado. Ou você acha que Deus, que já tinha determinado o Cordeiro antes da fundação do mundo, iria deixar para a última hora escolher uma mulher para receber seu Filho em seu ventre? Pois foi “Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1 Pe 1:20).
Você acreditaria que aquele que escolheu um imperador cem anos antes de nascer e até revelou seu nome — Ciro (Is 44:28) —, o qual é uma figura de Cristo como libertador de Israel, teria deixado de antecipar-se para o nascimento do próprio Cristo neste mundo? Até mesmo um profeta como Jeremias foi conhecido de Deus antes de existir, como é revelado aqui: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr 1:5). E o apóstolo Paulo também sabia que o fato de ter sido levantado para receber revelações de mistérios ocultos até dos profetas do Antigo Testamento não tinha sido um mero acidente. Ele escreveu: “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer” (Gl 1:15).
Algum protestante mais radical pode estar sentindo arrepios de pensar em Maria ter sido pré-determinada por Deus para ser “a virgem” e não “uma virgem”, mas penso ser até mais precioso analisarmos as coisas desta maneira. Havia muitos montes na terra de Moriá, mas apenas “um dos montes” tinha o carneiro preso pelos chifres: “Acrescentou Deus: Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei… Ao terceiro dia, erguendo Abraão os olhos, viu o lugar de longe” (Gn 22:2-4). Quando os discípulos perguntaram ao Senhor onde deviam preparar a Páscoa, havia muitos cenáculos em Jerusalém onde a Páscoa seria celebrada naquela noite, mas apenas um onde Jesus estaria (Mateus 22).
“Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade; que chamo a ave de rapina desde o Oriente e de uma terra longínqua, o homem do meu conselho. Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei” (Is 46:9-11).
Portanto, espero que com tudo isso você entenda o quão importante é uma boa e tradicional tradução da Bíblia para sua leitura continuada. Você encontrará imperfeições em todas elas, inclusive na King James ou nas versões João Ferreira de Almeida, e por isso é bom sempre comparar versões. Mas o problema com as versões modernas é que elas foram feitas tendo uma agenda em vista, e não pela simples missão de ter a Palavra de Deus numa língua moderna. A NTLH foi produzida tendo em vista um vocabulário de algumas poucas centenas de palavras para ficar acessível ao grande público. Isso, em termos médicos, seria como traduzir como “ASPIRINA” todas as embalagens de todos os medicamentos contra dor e febre encontrados na farmácia. A agenda do tradutor da “Bíblia Completa Judaica” foi manter os nomes no formato original hebraico e preservar elementos culturais, o que traz alguma dificuldade quando sabemos que dois terços das citações do Antigo Testamento feitas no Novo Testamento não saíram da versão hebraica, mas da versão grega conhecida por “Septuaginta”.
Agora, se você ainda achar que aferrar-se ao texto hebraico é bom, então o que irá fazer nos casos em que os apóstolos citaram o Antigo Testamento de forma diferente do original hebraico? Teriam os apóstolos se enganado ou estaria o Espírito Santo querendo nos dizer algo diferente ou melhor clarificado daquilo que disse outrora por boca dos profetas? Aqui vai um exemplo:
“… pois eles não continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o Senhor”, escreve o autor de Hebreus 8:9 citando Jeremias 31:32, que diz: “porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor”.
“…Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens”, escreve Paulo em Efésios 4:8 citando Salmo 68:18, que diz: “Subiste às alturas, levaste cativo o cativeiro; recebeste homens por dádivas, até mesmo rebeldes, para que o Senhor Deus habite no meio deles”.
Como pode ver, traduzir a Bíblia não é uma tarefa simples, pois o próprio Espírito Santo de Deus já fez isso ao traduzir as escrituras hebraicas do Antigo Testamento para as escrituras gregas do Novo Testamento ao colocar essas citações na boca dos apóstolos e profetas da Igreja. Em 1 Coríntios 2 Paulo explica que essa inspiração que ele e outros receberam foi verbal, isto é, palavra a palavra. Como eu já disse: não basta conhecer os idiomas para traduzir bem o autor. É preciso conhecer o Autor para traduzir bem os idiomas, e em especial ter ideia do que ele queria dizer, além de ter grande apreço por ELE e fazer tudo com reverência e temor. Coisas que você não encontrará num incrédulo, por mais títulos acadêmicos teológicos e linguísticos que ele possa ter conquistado com sua mente carnal.
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O que são as “obras mortas” de Hebreus 6?
A carta aos Hebreus foi escrita a judeus que haviam se convertido a Cristo, porém continuavam apegados ao judaísmo, suas práticas, rituais e cerimônias. Por isso o autor procura deixar claro que tudo aquilo eram sombras que deviam ser deixadas para trás para se ocuparem com a realidade que é Cristo. As “obras mortas” eram as exigências da Lei, que nunca podiam remover pecados ou dar vida ao pecador. Os sacerdotes ofereciam “muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados” (Hb 10:11).
Qualquer obra que alguém faça, mesmo as exigidas pela Lei de Moisés, é morta no sentido de não ter poder algum de alterar seu status de “pecador” para “salvo”. As boas obras feitas em Deus são aquelas decorrentes de uma salvação já consumada, pois são “as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10). Nem mesmo o fato de serem eles, os judeus, os guardiães dos oráculos de Deus, lhes garantia a salvação, pois “a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram” (Hb 4:2).
Outro ponto importante é entender que a epístola foi escrita para cristãos professos, o que inclui salvos e perdidos que tinham vindo do judaísmo. Seria o equivalente hoje a escrever a católicos e protestantes no caráter de cristãos, mas tendo em mente que nessa mistura há os salvos e os que apenas foram batizados e vestiram a camisa do cristianismo. Para esses, mesmo sabendo que eles praticam muitas coisas que Jesus e os apóstolos ensinaram, é preciso às vezes tirar seus olhos das ordenanças para elevá-los à perfeição de Cristo, não mais como uma estatueta presa numa cruz, mas como vivo e exaltado nas alturas, depois de ter consumado a obra que pôs fim ao pecado.
“Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito, não lançando, de novo, a base do arrependimento de obras mortas e da fé em Deus, o ensino de batismos e da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno. Isso faremos, se Deus permitir” (Hb 6:1-3).
Os “princípios elementares da doutrina de Cristo” têm a ver com os fundamentos da fé judaico-cristã, dos quais qualquer judeu tinha conhecimento. Lembre-se que Cristo é o Messias para o judeu, e é também o mesmo Jeová que eles conheceram no Antigo Testamento. Por isso esta epístola parte do princípio de que seus leitores já sabiam muitos dos fundamentos e agora precisavam dar um passo adiante.
O ministério de João Batista, que era dirigido aos judeus como sendo aqueles que aguardavam o Messias, tinha muito de “arrependimento de obras mortas”, isto é, as obras que a Lei exigia que não eram acompanhadas da fé e nem podiam dar vida, “batismos”, porque isso fazia parte do judaísmo, e “juízo eterno”, como o próprio João ameaçava os fariseus que não se submetiam ao seu batismo. Mas João Batista não tratava da Igreja, porque ela nem existia no seu tempo. Tudo tinha a ver com Israel, em especial com o remanescente de judeus que aguardavam seu Rei.
Esses princípios são (1) obras vazias, (2) fé, que deveria ser o motor das obras, (3) batismos (ou oblações que os judeus praticavam), (4) imposição de mãos, (5) ressurreição dos mortos e (6) juízo eterno. A expressão “isso faremos, se Deus permitir” tem a ver com o assunto da carta, ou seja, se Deus permitisse o autor iria tratar também desses temas com os judeus que estavam apegados ao judaísmo.
Aqueles hebreus tinham parado ali, ou seja, no alicerce que já era coisa antiga. Precisavam agora ver o que era novo: Cristo ressuscitado e glorificado nas alturas. Isso eles não iriam encontrar na base doutrinária do judaísmo, pois a revelação de Deus não estava completa sem Cristo vir morrer, ressuscitar e ser glorificado. Não que as coisas que eles já tinham não fossem importantes, mas é que as coisas novas — as paredes e aposentos do palácio — eram preciosas demais para eles ficaram gastando o tempo admirando o alicerce.
Veja que o autor de Hebreus fala de seis coisas que já faziam parte do judaísmo — obras, fé, batismos, imposição de mãos, ressurreição e juízo eterno — e seis é o número da imperfeição. Eles precisam agora chegar ao “sete”. Crescer além dos princípios básicos é ocupar-se com a revelação de Cristo, Sua Pessoa, Sua obra, Sua glória. Por isso a carta aos Hebreus vai terminar convidando aqueles judeus-cristãos, tão aferrados às práticas ancestrais do judaísmo, para que saíssem do “arraial”, que era todo o sistema social e religioso da religião judaica, para se ocuparem com Cristo e sua rejeição neste mundo. Hoje esse “arraial” equivale ao mundo religioso cristão que emprestou muitos elementos do judaísmo.
“Temos um altar, de que não têm direito de comer os que servem ao tabernáculo. Porque os corpos dos animais, cujo sangue é, pelo pecado, trazido pelo sumo sacerdote para o santuário, são queimados fora do arraial. E por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta. Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério. Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura” (Hb 13:10-14).
Por isso é um verdadeiro descalabro encontrarmos cristãos hoje que mais parecem crianças brincando de casinha. Se ocupam com o ritualismo de uma ordem de coisas que Deus fez questão de deixar para trás, e deu provas disso permitindo a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 da era cristã. Vestem-se como judeus, usam instrumentos do judaísmo, falam como se tivessem nascido em Israel e obrigam as pessoas a aprenderem hebraico, guardarem a Lei e praticarem tantas outras coisas que eram importantes no seu contexto, mas que hoje o próprio Deus deixou para trás. Fazer isso é tão ridículo quanto um adulto brincar de casinha com panelas e pratos de mentirinha, quando pode se ocupar com a realidade da vida adulta. Ao dar um puxão de orelha nos Gálatas, que igualmente insistiam em voltar ao judaísmo, Paulo escreve:
“Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos primeiros rudimentos do mundo. Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” (Gl 4:3-6).
A carta aos Hebreus dá grande ênfase às “coisas melhores, e coisas que acompanham a salvação” (Hb 6:9). Por esta razão o adjetivo “melhor”, em suas diversas variantes, é abundante em suas páginas. “Evidentemente, é fora de qualquer dúvida que o inferior é abençoado pelo superior [melhor]… (Pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus… De tanto melhor aliança Jesus foi feito fiador… Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente, quanto é mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores promessas” (Hb 7:7, 19, 22; 8:6). Depois de saber disso você não irá querer brincar de casinha imitando os judeus que se ocupavam com as “sombras” ou “figuras” daquilo que foi revelado na realidade e perfeição de Cristo. “De sorte que era bem necessário que as figuras das coisas que estão no céu assim se purificassem; mas as próprias coisas celestiais com sacrifícios melhores do que estes” (Hb 9:23).
Do versículo 4 em diante ele irá falar daqueles que apenas foram beneficiados pelo evangelho sem nunca terem crido, pessoas como Judas, por exemplo. Se você misturar as coisas e perder de vista que a carta toda fala de duas classes de pessoas — os salvos pela fé em Cristo e os meros professos religiosos que continuam perdidos — acabará achando que as passagens que nesta epístola falam de perdição tenham alguma coisa a ver com um verdadeiro crente em Jesus. Os verdadeiros crentes são o “vós outros” que ele menciona em Hebreus 6:9, para os quais existem “coisas melhores” que pertencem à salvação: “Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira” (Hb 6:9).
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Disciplina na assembleia é para condenar quem pecou?
Quando a assembleia precisa agir em disciplina para com alguém que pecou, ela não assume o mesmo papel de um juiz de tribunal, cuja tarefa é condenar o malfeitor e mandá-lo para a prisão. Nem é seu papel determinar diferentes períodos de tempo de afastamento para este ou aquele pecado, como são as penas do código penal. Quando a assembleia julga algum pecado em seu meio, ela o faz com a autoridade do Senhor delegada em Mateus 18, mas principalmente no sentido de restaurar o que pecou.
Os irmãos que cuidam do assunto devem também estar cientes de que cada um ali tem o potencial para cair no mesmo erro. “Porque todos tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3:2). Por isso todo julgamento é uma via de mão dupla, na qual as duas pontas estão sendo julgadas. Se os irmãos procederem mal nesse juízo e disciplina, seja por excesso, seja por negligência, terão de prestar contas ao Senhor da injustiça, se for este o caso, ou da leviandade com que trataram da questão.
Misericórdia é uma das qualidades de nosso Deus que devemos também praticar. Obviamente agrupamentos de cristãos que acham que um verdadeiro crente possa perder a salvação não saberão como agir assim. Ao contrário, sentirão certo prazer quando o outro cair porque poderá se considerar mais justo e correto. Se seguirem doutrinas que interpretam erroneamente o “pecado para morte” (1 Jo 5:16), que na verdade fala de morte física e não perdição eterna, e se chamarem qualquer oposição aos seus líderes ou dogmas de “blasfêmia contra o Espírito Santo”, que nada mais é do que o horrível ato dos judeus que associaram os milagres de Jesus ao príncipe dos demônios, dificilmente saberão com agir com misericórdia para com o que pecou e nem sequer estarão interessados em restaurá-lo.
Uma vez julgado o pecado, a assembleia afasta o transgressor para preservar a santidade da casa de Deus e evitar que outros sejam contaminados, pois “um pouco de fermento faz levedar toda a massa” (1 Co 5:6). Mas a assembleia faz isso, não como juiz e carrasco, mas como um pai amoroso que sofre juntamente com o filho que precisa disciplinar. Ao mesmo tempo em que impõe um castigo de privações e isolamento como forma de despertar sua consciência e levá-lo ao arrependimento, faz isso visando sua restauração, e não a destruição.
Neste processo os irmãos podem estar tão insensíveis e indiferentes ao pecado, que nem se entristecerão por vê-lo levedando toda a massa, como no capítulo 5 de 1 Coríntios. Paulo chama a atenção deles por sua indiferença: “Nem ao menos vos entristecestes por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação?” (1 Co 5:2). O outro extremo é o da severidade demasiada, a mesma que Davi queria evitar quando disse preferir cair nas mãos de Deus a cair nas mãos dos homens para receber o castigo por sua infração. “Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; caia eu, pois, nas mãos do Senhor, porque são muitíssimas as suas misericórdias; mas que eu não caia nas mãos dos homens” (1 Cr 21:13).
Mais tarde Paulo precisaria exortar os irmãos de Corinto para não serem demasiadamente severos, como um pai que machuca um filho que quer disciplinar. Ele lhes escreve: “Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2 Co 2:6-8). Não apenas um ou dois haviam repreendido o que caíra em pecado, mas “muitos”, o que tinha sido correto.
O que é triste é encontrarmos irmãos que, ao invés de manterem um espírito de “repreensão”, darem tapinhas nas costas de quem está em processo disciplinar, como se fosse algo para ser levado a sério somente durante as reuniões da igreja. Também há os que convidam para jantar, como se Paulo não tivesse deixado claro em 1 Coríntios 5:11: “com o tal nem ainda comais”. Mas no caso dos Coríntios, ou eles eram oito ou oitenta, e o zelo demasiado já tinha passado dos limites e não era mais benéfico e nem restaurador para o que fora disciplinado. Existia agora o risco de ele ser “devorado de demasiada tristeza” (2 Co 2:7).
Acredito que não tenha sido à toa que, no Antigo Testamento, Deus nos tenha deixado um leproso — um doente, e não um criminoso — como figura do pecador que precisa ser excluído da comunhão da assembleia e aguardar fora do acampamento até sua restauração. Ele era mais para ser cuidado, como numa enfermaria de isolamento, do que penalizado e jogado numa cela, como acontece nos tribunais e presídios da justiça humana. O sacerdote, e não um carcereiro, iria visitá-lo regularmente para examinar a lepra, e quando todo o corpo estivesse coberto pela doença o leproso seria declarado limpo. Por estranho que possa parecer, o significado disso para nós é que somente quando o que pecou reconhece seu pecado da cabeça aos pés é que ele está pronto para ser restaurado à comunhão.
“E, se a lepra se espalhar de todo na pele, e a lepra cobrir toda a pele do que tem praga, desde a sua cabeça até aos seus pés, quanto podem ver os olhos do sacerdote, então o sacerdote examinará, e eis que, se a lepra tem coberto toda a sua carne, então declarará o que tem a praga por limpo; todo se tornou branco; limpo está” (Lv 13:12). Enquanto existir alguma superfície de “carne viva, declará-lo-á por imundo; a carne é imunda” (Lv 13:13). Isto significa que existe ainda alguma justiça própria, raiz de amargura, sentimento faccioso, acusações contra alguém e coisas do tipo. “Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Sl 51:17), escreve Davi no Salmo em que chega à plena admissão de seu pecado. Uma boa sequência a se observar é o caminho de reconhecimento de pecado que ele percorreu.
No Salmo 7:3 ele diz: “Senhor, meu Deus, SE eu fiz isto…” mostrando ainda não ter consciência de seu pecado. No capítulo 19:12 ele já admite que pode ter alguma coisa errada com ele, mas que ainda não quer enxergar, ao dizer: “Quem pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos”. Então no Salmo 25:7 ele admite ter pecado, mas como se fosse algo passado: “Não te lembres dos pecados da minha mocidade…”, e no Salmo 38:4 começa a sentir o tamanho e gravidade de seu erro, ao dizer: “As minhas iniquidades sobrepassam a minha cabeça, como carga pesada são demais para as minhas forças”.
Mas é no Salmo 51 que nós o vemos frente a frente com seu pecado, precisando olhar nos olhos de sua própria maldade e clamar por misericórdia, reconhecendo ter sido Deus aquele a quem ele realmente ofendeu, de quem depende agora sua restauração e purificação. “Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apagas minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado. Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares” (Sl 51:1-4).
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Por que me decepcionei com as reuniões?
Você disse que ficou decepcionada depois de visitar uma reunião de irmãos congregados ao nome do Senhor. Não se preocupe, a maioria das pessoas que vão a uma reunião nunca mais voltam, e entendo perfeitamente a razão, pois foi o mesmo sentimento que tive em minha primeira visita a uma assembleia de irmãos congregados ao nome do Senhor somente. Eu estava congregando com irmãos da Igreja Batista em uma pequena congregação no interior de Goiás, onde nem sequer existia um pastor para dirigir os “cultos”. Então eu e outro irmão nos revezávamos em pregar o evangelho naquele pequeno salão onde não devia caber mais que vinte pessoas.
Quando visitei igrejas maiores (eu tinha me convertido sem saber o que eram igrejas protestantes, só a católica) fiquei chocado com o que vi. Em uma delas a pastora era uma mulher, contrariando o pouco que eu conhecia das Escrituras que proíbem a mulher de ensinar (1 Timóteo 2:11-15) e até mesmo de falar nas reuniões da igreja (1 Coríntios 14:32-40). Nesse mesmo lugar vi a manipulação que ela fazia sobre as pessoas com apelos tipo leilão: “Quem vai ofertar cem venha à frente para ser abençoado!… Agora quem vai dar cinquenta!… Alguém vai dar vinte?… Agora venha à frente quem vai dar qualquer coisa…”. Aí você via o constrangimento dos mais pobres caminhando em direção ao púlpito com o dinheiro do ônibus.
Em outra igreja mais tradicional não entendi a razão de ninguém sair ao término do culto. Aí vi o pastor saindo e se colocando à porta e todos saindo em seguida e o cumprimentando. Tudo ali acontecia em torno daquele homem. Em outra igreja a ênfase estava na emoção, e até durante a oração tinha alguém no piano tocando uma melodia tristonha para nosso “enlevo espiritual”. Tudo era na base da música, do teatro e outras artificialidades para despertar a emoção da carne. Quando um grupo subiu ao palco e a mesa de som disparou o playback da orquestra de fundo, minha pele arrepiou. Mas não durou muito, pois o toca-fitas (sim, era na época de playback em fita K7) engoliu a fita e deu aquele nó que só quem viveu na época conhece bem. A orquestra parou e o coro engasgou. Como tudo o que vinha a seguir também dependia de fundo musical ninguém mais soube o que fazer e o culto foi encerrado.
Teve também a igreja que visitei numa noite de gala, quando haveria a troca de pastores. Era uma grande igreja em Brasília e ali estávamos eu e minha esposa de jeans e camiseta em meio a uma multidão vestida para festa de casamento. Antes que me sentisse mais constrangido do que já estava, começou a “rasgação de seda” no púlpito, onde o pastor que deixava o posto tecia grandes elogios ao pastor que assumiria o cargo. Aí o novo pastor subia ao palco para derramar uma cachoeira de adjetivos coroando o pastor que saía com elogios piegas, rasgados e exagerados. Minha vontade foi gritar: “Ei, amigo, será que ninguém aí vai se lembrar de falar de Cristo?”.
Enquanto minha decepção crescia decidi visitar um grupo de amigos em minha cidade natal, que eu sabia que haviam se convertido e se reuniam em algum lugar. A cabeleireira de minha mãe frequentava as reuniões, congregava lá e pedi para minha mãe ligar para ela para saber o endereço. Minha mãe, que na época era católica e alguns anos mais tarde se converteria a Cristo e viria a congregar ao nome do Senhor até sua morte em 2005, logo me desencorajou. “Xi, meu filho, é melhor você ir nessas igrejas onde já está indo… Aquele grupo nem nome tem, alguns ali fumavam maconha antes, dizem até que eles se reúnem para fumar e levam a erva escondida na Bíblia…”.
Tanto insisti que ela ligou e fui parar no segundo andar de um predinho comercial, numa salinha com uns bancos de madeira dura e nenhum pastor à frente. Eu, que sabia que alguns deles tinham sido músicos de bandas de rock, esperava ao menos um som caprichado, mas nada. Nenhum instrumento à vista. Aí, depois de um silêncio que durou um século, alguém sugeriu cantarem um hino de um hinário feito em mimeógrafo de álcool (aquele das letrinhas azuis). Minha vontade foi de pular pela janela, de tão mal cantado! Mais silêncio, agora durando dois séculos, e alguém se levantou e deu graças. Outro hino, outro silêncio, e finalmente alguém decidiu ler uma passagem da Bíblia e, entre um silêncio e outro, alguns irmãos fizeram comentários, que nem me lembro quais foram porque eu estava mais ocupado com a forma do que com o conteúdo. Outro hino, outra oração e foi isso. Se eu tivesse comprado ingresso teria exigido meu dinheiro de volta.
Voltei para casa remoendo aquilo que tinha visto. Eu sabia que não faltavam qualidades naquelas pessoas, mas não vi nenhuma sendo colocada em prática. Nenhum bom orador; nenhum som caprichado que eu sabia que alguns ali sabiam produzir; nenhuma animação. Um velório teria sido mais divertido. Então naquela noite, ao colocar a cabeça no travesseiro, perguntei em oração: “Senhor, o que aquelas pessoas estão fazendo ali? E a resposta que veio ao meu coração foi: ‘Eles estão congregados por causa de MIM’”. Eu ainda brigaria mais de um mês para não me deixar dominar por aquela ideia, enquanto mergulhava em alguns poucos folhetos que tinham me dado e comparava o que lia com as Escrituras. Mas o Espírito Santo tinha me fisgado, e depois de me debater um bocado decidi me entregar ao fato de que é para o Senhor que os cristãos devem congregar.
Então seria bom você analisar se a sua decepção não foi por ter ido a uma reunião dos irmãos congregados ao nome do Senhor buscando algo além DELE. Muitas pessoas entram em contato comigo perguntando de algum endereço onde congregar e depois a reação é a mesma sua: ficam decepcionadas e nunca mais voltam. A razão? Não entenderam bem o que significa estar congregado para o Senhor. Estavam em busca de uma “igreja alternativa” por estarem decepcionadas com alguma coisa no lugar onde já congregavam, ou por terem tido alguma briga com os dirigentes de lá, ou por estarem cansadas de patrocinarem pastores morando em mansões e viajando em grande estilo, etc.
Alguns chegam achando que irão encontrar um grupo de irmãos que tenham aquela auréola dourada em volta da cabeça, como os santos das imagens católicas. Chegam pensando encontrar pessoas perfeitas levitando a um palmo do chão e se decepcionam ao descobrir que são feitas da mesma carne que todos os seres humanos. Outros acham que vão encontrar uma “restauração” da igreja nos moldes de Atos 2, quando todos tinham tudo em comum, mas não percebem que em Atos 6 aqueles mesmos amáveis, dedicados e altruístas irmãos já estavam brigando por comida.
Há também os carentes, que se decepcionam por não encontrarem o amor com que buscavam ser amados, sem perceber que nunca a Bíblia ordena que o cristão exija amor, mas que ame. Ou seja, quem busca por amor deveria entender que amor não é algo para se esperar, mas para se dar. Também reclamam da falta de atenção e caridade, como quem busca uma ONG beneficente, sem perceberem que ali são pessoas como outras quaisquer, trabalhando aqui e ali para fazerem as contas fecharem no fim do mês. Quem vem atrás de “uma turma mais animada” do que na igreja que frequentava, logo percebe que a reunião dos irmãos congregados ao nome do Senhor não é um clube de campo e nem um show de bandas famosas e pregadores ilustres. É aí que o que chega “roto” descobre que nada mais encontrou do que um bando de “rasgados”, e aí passa a falar mal de tudo e de todos.
Uma vez um visitante vindo de uma denominação mais legalista me escreveu: “Tudo o que vi ali foi uma irmã com as costas de fora, outra de minissaia mostrando as pernas, outra que não parava de ir ao banheiro, outra que ficava conferindo o WhatsApp…”. Respondi dizendo que se tinha ido em busca de pessoas mais santas e espirituais não era de espantar que ficasse decepcionado, pois tudo o que tem ali é “uma irmã com as costas toda de fora, outra que só vai ao banheiro, outra de pernas para fora, outra que fica conferindo o celular e um irmão que fica olhando costas, pernas, quem entra e sai e quem verifica o celular”.
Um visitante que chegou meio de paraquedas perguntou a denominação e, quando soube que não tínhamos uma denominação, respondeu: “Não se preocupe, irmão, vou orar e Deus vai revelar a vocês uma denominação para colocarem na placa da igreja”. Outro, quando não viu instrumentos musicais no salão, perguntou: “Não tem banda?”. Respondi que não, e ele tentou me consolar: “É, eu compreendo, no começo a igreja passa por dificuldades para comprar instrumentos, mas o Senhor vai prover”.
Como você pode ver, quem buscar encontrar uma “igreja alternativa”, uma “turma legal”, uma “festa de amor”, um “clube de campo”, vai cair do cavalo, porque o que devia ter procurado era o fundamento sobre o qual a igreja deve estar reunida. Então, por que alguém se disporia a deixar para trás toda a estrutura denominacional, com seu clero, cultos espetaculares, grandes eventos, estruturas beneficentes, planos médicos e dentários e tantas outras coisas que oferecem as grandes denominações, só para estar com um bando de perdedores congregado ao nome do Senhor?
Bem, isso me faz lembrar de um episódio quando duas jovens interessadas convidaram um irmão norte-americano que visitava o Brasil, o Bob, para irem à casa de uma delas falar mais do assunto. Esse irmão, que está congregado ao nome do Senhor, fala portunhol e costuma visitar assembleias de irmãos do Canadá ao Peru, não sabia que elas tinham convidado também um pastor adventista. Quando chegou lá deu uma breve explanação do que era estar congregado ao nome do Senhor e aí foi a vez de o pastor adventista desfilar todas as vantagens que aquelas jovens teriam caso decidissem se filiar à sua organização: “Temos trocentas igrejas em todo o mundo, trocentas escolas, trocentos hospitais, um barco hospital na Amazônia, trocentos missionários…” e por aí foi.
Então, virando-se para o irmão Bob e fazendo cara de “Mr. Bean” quando se mostra orgulhoso de seu ursinho de pelúcia, perguntou: “E vocês, o que têm”. Bob nem piscou para responder: “Só temos Jesus”. Foi o suficiente para que uma daquelas jovens decidisse o que fazer e até hoje (uns trinta anos depois) está congregada ao nome do Senhor.
Mas eu não poderia terminar sem dizer exatamente a razão de alguém deixar tantas vantagens materiais, sociais e emocionais nas organizações religiosas para desejar estar congregado “só ao nome de Jesus”. Então aqui vai: Você deve buscar congregar ao nome do Senhor por causa do VALOR DE CRISTO e porque ELE É DIGNO. Quer mais? Então que tal congregar assim por reconhecer A SOBERANIA DO ESPÍRITO SANTO, e não de homens, em guiar os crentes em tudo? Espere! Existe ainda mais uma razão para estarmos congregados somente ao nome do Senhor, e esta é A UNIDADE DO CORPO DE CRISTO, algo que não pode ser demonstrado quando se carimba diferentes nomes sobre diferentes grupos cristãos. Finalmente, estamos congregados ao nome do Senhor somente para ATENDER ÀQUILO QUE ELE PEDIU EM SUA PALAVRA.
Eu normalmente não costumo convidar pessoas para as reuniões, porque o cristão está nesse mundo para pregar o evangelho e convidar as pessoas para irem a Cristo, não a uma reunião ou igreja. Eu sei que quando alguém se converte e se coloca sob a direção do Espírito e tendo o desejo de fazer a vontade de Deus, esse tal não será confundido e Deus o encaminhará ao lugar onde o Senhor está no meio e o Espírito Santo dará a convicção de ser aquele o lugar. “Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina” (Jo 7:17). A premissa está em querer fazer a vontade do Senhor, e não satisfazer seus próprios desejos de amizades, enlevo e emoção.
Mas às vezes sou obrigado a convidar determinadas pessoas a não irem às reuniões, se perceber que estão buscando algo que não seja exatamente Cristo. Se elas procuram por amizade de pessoas perfeitas, animadas, vivendo como a “igreja primitiva”, em reuniões extasiantes e cheias de emoção, com a oferta de benefícios assistenciais e beneficentes, em cultos de muitos decibéis de música de qualidade e pregadores bem articulados, eu prefiro dizer: Não vá.
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Cristão deve votar em cristão?
Em épocas de eleição — aqui e no exterior — aumenta a discussão envolvendo cristãos e incrédulos, e logo aparecem candidatos cristãos que se arvoram paladinos dos bons costumes. Estes constroem uma plataforma prometendo combater o casamento gay, impedir que as escolas ensinem isso, obrigar a TV a limpar sua programação e coisas do tipo. O que pouca gente percebe é que os que governaram o mundo durante os tempos das inquisições católica e protestante foram cristãos de carteirinha — papas, sacerdotes, bispos, pastores e clérigos em geral. Em nome de Cristo promoveram perseguições, enforcamentos, decapitações e queimadas de fazer inveja a Nero.
Hitler professava ser cristão, era filho de católicos, e começou sua carreira de ativismo político apoiando o “Movimento Cristão Alemão” e logo estaria liderando o “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães”. Como chefe das forças armadas Hitler determinou que todas as fivelas dos uniformes militares trouxessem a frase “Gott mit uns” (“Deus está conosco”). Lembra o dólar e o real, influenciados pelas “bancadas evangélicas” de seus respectivos países, não lembra? Bem, se você tivesse vivido na Alemanha de então com essa ideia de que “cristão vota em cristão” é bem provável que tivesse saído às ruas distribuindo “santinhos” de Hitler. E se tivesse vivido alguns séculos antes, teria soprado as brasas sob os pés dos mártires amarrados às estacas, achando aquilo correto, como o próprio Jesus previu: “Vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus. E isto vos farão, porque não conheceram ao Pai nem a mim” (Jo 16:2-3).
Agora responda rápido: Em que Jesus interferiu na política de seu tempo? O que foi que ele mudou nos costumes de sua época? Lembre-se de que a terra de Israel estava sob domínio romano, e se você pesquisar os costumes romanos verá que os libertinos de hoje são amadores comparados ao que aquele povo considerava normal. Apesar de tudo, Jesus deixou este mundo do jeito que o encontrou, sem mover uma palha no plano político, sem interferir nos governos, mas deixando claro que estava aqui resgatando um povo para si. O cristianismo nunca deveria ser uma missão de reforma e melhoria da sociedade, mas uma missão de resgate. Infelizmente a grande maioria dos cristãos não entende isso, especialmente os das religiões fundamentalistas católicas e protestantes que acham que cabe ao cristão deixar o mundo arrumadinho para Cristo poder voltar e reinar.
Em um trecho de um vídeo, John Piper, um pregador norte-americano, faz uma declaração que vai na contramão do cristianismo naquele país, que costuma considerar os EUA uma espécie de ‘Terra Prometida’ dos cristãos. Por isso existe tanto debate lá (e agora começou aqui) quando o governo aprova leis que vão contra o que a Bíblia ensina, e aí cristãos fazem manifestações, tomam partido contra o governo, tentam eleger candidatos cristãos para mudar as coisas, etc. Mal sabem eles que estão fazendo o mesmo que muitos cristãos do primeiro século fizeram, quando deixaram “o primeiro amor” (Ap 2:4) e poucos séculos mais tarde aplaudiram o Imperador Constantino por obrigar os pagãos a se ‘converterem’ e serem batizados como cristãos. Foi quando a cristandade passou a habitar “onde está o trono de Satanás” (Ap 2:13), passou a seguir “Jezabel, mulher que se diz profetisa” (Ap 2:20) e, apesar de conquistar influência global e fazer grandes obras para a melhoria social e dos costumes, recebeu do Senhor esta avaliação: “Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto” (Ap 3:1). O terreno mais minado e traiçoeiro para o cristão é um mundo cristianizado.
Transcrevi e traduzi um trecho do vídeo de John Piper que pode ser de auxílio, principalmente para os que acham que devem mudar o Brasil ou costumam colar aqueles adesivos no vidro do carro dizendo “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”, sem entender que aquilo foi dito de Israel, não do Brasil, ou “O Brasil é de Jesus”, querendo que o Senhor se comprometa como dono de um país que nem sequer existia quando a Bíblia foi escrita. Mas vamos ao trecho:
“Aí você sai mancando pela vida e lamentando ‘Oh, pobres de nós cristãos, o que está acontecendo com nossa nação?! Este costumava ser nosso país…’ Ora, este nunca foi nosso país! Nosso país está nos céus! Os Estados Unidos vêm e vão, a Rússia surge e desaparece, a China teve começo e terá um fim! E nós ficamos lamentando, ‘Oh, nós, pobres cristãos… Não somos tratados com respeito…’ Ora, nós não deveríamos ser tratados com respeito, nós deveríamos ser mortos! Estamos sendo mortos em todo o mundo, somos como ovelhas levadas ao matadouro e em todas essas coisas somos mais que vencedores! Se você tiver a certeza de que aqueles que foram justificados serão glorificados, você irá caminhar de cabeça erguida. Quebrantado pelo seu pecado, sim, mas não ficando aí pela mídia dizendo que ‘este é nosso país’, porque não é! Vamos ser diferentes, radicalmente diferentes, ousadamente diferentes.” — John Piper.
Um irmão perguntou o que eu faria se, durante uma palestra minha em algum evento empresarial, um casal do mesmo sexo começasse a se beijar. Sua preocupação era por existirem hoje leis que podem considerar discriminação qualquer reprimenda por um comportamento assim e eu ser processado por isso. Bem, a menos que decidissem tirar a roupa e partir para as vias de fato, eu continuaria minha palestra fazendo de conta que estava na Rússia (onde homens se beijam na boca). Quem beija quem é problema dos beijadores e beijados, não meu. No máximo, se eu percebesse que aquilo estivesse causando distúrbio (e nem precisariam ser do mesmo sexo para causar isso) eu faria como já fiz em algumas palestras com grupinhos malcomportados. Olharia fixamente para eles em silêncio e com um sorriso maroto nos lábios. Num momento assim a plateia costuma olhar para onde estou olhando e o silêncio é fatal para qualquer um se tocar e parar o que está fazendo.
Não cabe a mim decidir quem deve namorar quem, e não é papel do cristão obrigar o mundo a fingir obediência à Bíblia. Acaso estaria certo um cidadão da Arábia Saudita vir ao Brasil e querer obrigar as motoristas a usarem véu em público e deixarem de dirigir? Não, porque tal lei vale na Arábia, aqui não. Então, se os beijos entre gays são válidos no mundo que pertence a eles — e estou falando da sociedade como um todo —, eu, que sou cristão e estrangeiro neste mundo, não tenho que dar palpite na vida deles. Cada um dará conta de si a Deus.
Outra pergunta foi o que eu faria se descobrisse que a escola estivesse ensinando coisas que induzissem crianças a considerarem normais relações entre pessoas do mesmo sexo. Não deveria eu protestar, processar a escola, eleger um candidato que prometesse acabar com isso? Não, porque mais uma vez eu estaria tentando me intrometer no mundo que não é meu, e indo contra as determinações governamentais neste sentido, já que o material teria vindo da Secretaria da Educação com a chancela das autoridades que devo respeitar por eu ser cristão. Se possível, eu procuraria colocar meus filhos em outra escola, ou “vaciná-los” com a leitura diária da Palavra em família, para que ficassem imunizados a esse ensino. Aliás, sempre vacinei meus filhos contra estes e outros ensinos que são até bem mais perniciosos para a fé cristã, como a Teoria da Evolução e o Humanismo, que hoje impregnam não apenas o ensino secular, mas também o religioso.
Mas e quanto à promiscuidade na programação da TV, não deveria eu protestar para o governo colocar um basta nisso, ou eleger candidatos que o façam? Talvez isso fizesse mais sentido há meio século, quando o único acesso de uma criança à pornografia era pelos “catecismos”, aquelas revistinhas em quadrinhos de traço simples que circulavam nos banheiros das escolas. Hoje, com a Internet e um smartphone na mão de cada criança, é no mínimo ingenuidade achar que elas não verão essas coisas quando e onde quiserem, mesmo que o governo obrigue os canais de TV a passarem só programas de missas, rezas e cultos protestantes. Ah, sim, existem aplicativos de bloqueio de sites e vídeos que estão na rede. Sério? Então me deixe perguntar: Para quem você pede ajuda quando não consegue desatar os nós do mundo digital? Para seu filho, não é? Pode ter certeza de que quando ele quiser vai descobrir um jeito de quebrar qualquer bloqueio desses e o Tio Google irá ajudá-lo. Então o jeito é educar os filhos para eles crescerem conscientes daquilo que agrada ou não ao Senhor.
Outra pergunta foi o que eu faria se descobrisse que minha filha entrou em um banheiro público e encontrou lá um travesti de dois metros de altura que agora se acha no direito de usar o banheiro feminino tendo a lei ao seu lado. Bem, eu diria para minha filha evitar esses banheiros ou entrar olhando para o chão e sair olhando para o teto.
Por tudo isso eu dou razão aos sodomitas (estou falando agora dos habitantes de Sodoma) quando reclamaram com Ló, e o mesmo vale para os cristãos que querem legislar sobre os costumes dos incrédulos num mundo que pertence a eles. Deixe-me explicar melhor. Enquanto Abraão escolheu viver como estrangeiro errante habitando em tendas. “Pela fé habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (Hb 11:9-10). Ló, por sua vez, tinha o que costumamos chamar de “olho maior que a barriga” e “levantou Ló os seus olhos, e viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada, antes do Senhor ter destruído Sodoma e Gomorra… Então Ló escolheu para si toda a campina do Jordão, e partiu Ló para o oriente, e apartaram-se um do outro. Habitou Abrão na terra de Canaã (em tendas) e Ló habitou nas cidades da campina, e armou as suas tendas até Sodoma” (Gn 13:10-12).
Ló era o que costumamos chamar de “crente carnal”, um convertido, porém vivendo da maneira errada no lugar errado. Por isso Deus fala dele na Palavra como “o justo Ló, enfadado da vida dissoluta dos homens abomináveis. Porque este justo, habitando entre eles, afligia todos os dias a sua alma justa, vendo e ouvindo sobre as suas obras injustas” (2 Pe 2:7-8). Talvez seja este também o seu sentimento sincero e a razão de se envolver em política ou votar em políticos cristãos querendo uma mudança. Bem, foi também o que Ló sentiu enquanto morava em Sodoma. O que ele fez para mudar? Passou a sentar-se à porta da cidade, o lugar onde os juízes se sentavam para julgar, uma espécie de tribunal público nas cidades da antiguidade. “E vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló assentado à porta de Sodoma” (Gn 19:1). O que ele fazia ali? Bem pelos desdobramentos dos acontecimentos é possível entender suas intenções. Quando a coisa apertou e os habitantes quiseram abusar dos anjos que Ló hospedava em sua casa, recusando até mesmo as filhas virgens que Ló vergonhosamente ofereceu, os sodomitas com toda razão mostraram a Ló o seu devido lugar: “Esse indivíduo, como estrangeiro veio aqui habitar, e quer se arvorar em juiz!” (Gn 19:9). É por isso que digo que, assim como os sodomitas de então, os incrédulos de hoje têm razão quando retrucam para cristãos intrometidos que eles não têm nada a ver com o estilo de vida que escolheram.
O cristão é estrangeiro neste mundo, cidadão do céu, não da terra por onde está apenas passando. Se alguém ameaçar meus filhos com um leão que pode destruir seus bons costumes, o melhor é pegá-los pelas mãos e levá-los para longe da fera, e não tentar domesticar o animal. Esta selva pertence ao leão — o príncipe deste mundo — não aos filhos de Deus. Quando vejo incrédulos fazendo barbaridades, um pensamento me consola: “Esta é a única vida que eles têm, portanto é de se entender que precisam aproveitá-la ao máximo enquanto viverem aqui, pois logo a diversão irá terminar.” A única interferência que posso ter em seus usos e costumes é sendo sal e luz. O sal dá sabor e conserva os alimentos e a luz afugenta as trevas. Mas você já reparou que tanto o sal quanto a luz fazem isso sem esforço? Você não vê o saleiro invadir sua salada, ou a luz acender sozinha quando você quer dormir. Essas coisas não precisam fazer alguma ação, agitar bandeiras, berrar nas praças, basta serem o que são para salgar e iluminar.
No primeiro século meninos e meninas de famílias cristãs presas pelo crime de professarem fé em Cristo eram vendidos como escravos sexuais. Muitas mulheres nos bordéis de Roma e províncias eram cristãs. Muitos meninos comprados por famílias romanas ricas para satisfazer os desejos pedófilos do patrão eram cristãos. Ter um menino assim em casa não era considerado crime entre os pagãos romanos, mas algo aceito pela sociedade como normal, desde que o escravo não tivesse cidadania romana. Esse mundo de então não mudou, continua por aí em diferentes cores e lugares.
Não faz muito tempo o marido de uma jovem que se converteu a Cristo na Índia matou a esposa por ela se recusar a queimar incenso aos deuses. Pelo mesmo motivo, o irmão de outro não apenas matou o próprio irmão, como também incendiou sua casa com o cadáver. Isso é coisa de nossos dias. No Butão os irmãos atravessam a fronteira com a Índia para se reunirem porque naquele país budista extremista os cristãos são perseguidos. No Egito apenas os templos antigos, católicos e protestantes, construídos antes das recentes leis islâmicas podem ser usados para reuniões cristãs, e ainda assim com guardas à porta para evitar invasões de muçulmanos radicais. Os irmãos com os quais tenho comunhão costumavam alugar o porão de um templo católico para poderem se reunir, e quando fazem reuniões em casas precisam chegar em horários alternados para não despertarem suspeitas de radicais muçulmanos que podem invadir a casa e espancá-los.
Na Síria todos os dias vemos notícias de cristãos sendo mortos pelo Estado Islâmico. Na Nigéria e outros países da África dezenas são dizimados em igrejas, como acontecia no Peru nos tempos do “Sendero Luminoso” o grupo que queria implantar um comunismo maoísta no país. Conheci um irmão que foi metralhado dentro de uma igreja evangélica e sobreviveu. Quando ele levantou sua camisa vi as cicatrizes de balas em sua barriga. Sobreviveu porque quando a jovem terrorista entrou na pequena igreja evangélica e começou a metralhar os fiéis sentados, ele ficou em pé e as balas não acertaram sua cabeça, como aconteceu com todos os outros.
Acho que você já percebeu que se um casal gay ficar se beijando durante uma palestra, se a escola ensinar costumes assim para meus filhos, ou se minha filha entrar num banheiro público e encontrar lá um homem passando-se de mulher, esses serão os menores dos problemas que um cristão irá enfrentar. Repetindo o que disse John Piper, “Ora, nós não deveríamos ser tratados com respeito, nós deveríamos ser mortos! Estamos sendo mortos em todo o mundo, somos como ovelhas levadas ao matadouro e em todas essas coisas somos mais que vencedores!”.
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Posso colocar flores no tumulo de meu pai?
Sua dúvida é se teria algum problema levar flores ao túmulo de seu pai no Dia dos Pais. Não existe na Bíblia algum mandamento a respeito de se visitar ou enfeitar túmulos de pessoas que morreram, mas existe um belo precedente na atitude dos que ungiram o corpo de Jesus com cremes aromáticos antes, no momento da morte e depois da morte, nos três casos tendo em vista seu sepultamento. A Bíblia não fala de flores no sepultamento, mas talvez estas tenham seguido o costume dos unguentos aromáticos, que visavam prevalecer sobre odor do corpo.
Antes: “Então Maria, tomando um arrátel de unguento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do unguento. Então, um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este unguento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava. Disse, pois, Jesus: Deixai-a; para o dia da minha sepultura guardou isto; porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes” (Jo 12:3-8).
Na morte: “Depois disto, José de Arimateia (o que era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então foi e tirou o corpo de Jesus. E foi também Nicodemos (aquele que anteriormente se dirigira de noite a Jesus), levando quase cem arráteis de um composto de mirra e aloés. Tomaram, pois, o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis com as especiarias, como os judeus costumam fazer, na preparação para o sepulcro” (Jo 19:38).
Após a morte: “E, passado o sábado, Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem ungi-lo… E no primeiro dia da semana, muito de madrugada, foram elas ao sepulcro, levando as especiarias que tinham preparado, e algumas outras com elas” (Mc 16:1; Lc 24:1).
A mente espiritual certamente irá reconhecer nessa atitude a reverência que se deve aos mortos, mesmo quando sabemos que seu espírito já não está ali, e sim só o corpo como um invólucro vazio. Mas seria o corpo menos importante por estar morto? Creio que não. É um engano pensar que na ressurreição receberemos um novo corpo. Não será assim, mas voltaremos a habitar o corpo que um dia nos pertenceu, só que ressuscitado, transformado e glorioso como o corpo de Jesus.
O apóstolo Paulo explica isso usando a figura da semente que germina e se transforma em uma planta. “Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo… Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor” (1 Co 15:35, 42-43).
Do mesmo modo como ao plantar uma semente de laranja nascerá um pé de laranja, e para a semente de feijão um pé de feijão, a ressurreição está intimamente conectada ao corpo que foi semeado, do mesmo modo como cada semente possui uma identidade própria que é transmitida à planta. Deus não tira a identidade do corpo da pessoa que morreu porque aquele corpo ressuscitado irá se juntar à alma e ao espírito no dia em que Cristo vier buscar os que são seus. Quando Estevão morreu, a passagem em Atos 8:2 diz que o que sepultaram foi Estevão e não meramente seu corpo: “E uns homens piedosos sepultaram a Estêvão”.
O primeiro sepultamento que encontramos na Bíblia foi o de Sara em Gênesis 23, e a importância de se ter um lugar próprio para isso não apenas denotava o cuidado para com o corpo, como também estava associada à esperança de Israel de habitar na terra. Por isso Abraão comprou um terreno por 400 siclos de prata para sepultar sua esposa. Já entre os cristãos os costumes para o funeral deviam seguir os mesmos dos judeus e da época em que viviam.
Como fazem os judeus até hoje, quando Dorcas (ou Tabitas) morreu seu corpo foi lavado em preparação para o sepultamento (At 9:37), mas sabemos que Deus a ressuscitou por intermédio de Pedro. É bom lembrar que, assim como aconteceria mais tarde com Dorcas, Lázaro e outros, as ressurreições que vemos na Bíblia eram no corpo em seu mesmo estado de ruína e todos os que ressuscitaram morreram depois. O único que ressuscitou de forma definitiva e está em um corpo glorioso é o Senhor, pois “de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co 15:20).
Nos tempos do Novo Testamento os corpos não eram colocados em um caixão de madeira, mas enrolados em tecido e transportados numa espécie de maca ou esquife. Todavia em Gênesis 50:26 vemos que o corpo de José foi transportado num caixão ou sarcófago seguindo o costume egípcio. Sobre a cabeça do defunto era colocado um lenço separado, o que aumenta a suspeita de que o pano conhecido como “Santo Sudário” seja forjado, por ser uma só peça. “Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis, e que o lenço, que tinha estado sobre a sua cabeça, não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte” (Jo 20:6-7). O lenço talvez tivesse o mesmo objetivo dos que às vezes são usados hoje para manter a mandíbula na posição fechada. Os corpos preparados em funerárias costumam ter os lábios costurados por dentro.
Os judeus não cremavam os corpos, ou por ser um costume pagão, ou por aparecer nas Escrituras como figura de juízo ou castigo de pessoas ímpias, que depois de apedrejadas, a forma de execução determinada pela Lei mosaica, tinham seus corpos queimados (Lv 20:14; Js 7:25).
Alguém poderia não entender todo esse cuidado com o sepultamento e usar a passagem de Mateus 8:21-22 para considerar a prática de pouco importância. “E outro de seus discípulos lhe disse: Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai. Jesus, porém, respondeu-lhe: Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos”. Acontece que o contexto aí não tem nada a ver com o modo de sepultamento, mas sim com o serviço daqueles que se propõem a seguir a Jesus, os quais não devem ter outra prioridade. Também sinaliza que existe um trabalho que somente aqueles que têm vida em Cristo podem fazer.
Existem cristãos que nem mesmo comparecem a um funeral se a pessoa que morreu não for um “crente” de sua denominação ou genericamente protestante. Não sei hoje, mas no passado católicos talvez agissem da mesma forma com judeus e pagãos, pois até mesmo os cemitérios eram separados. A questão é: Quem, além de Deus, pode garantir que a pessoa morreu na incredulidade? Quem não escutou o diálogo entre Jesus e o malfeitor na cruz ao lado deve ter achado que o homem morreu perdido, mas sabemos que não. Nos últimos momentos de sua vida aqui ele teve um diálogo com Jesus. E não são poucos os que têm esse diálogo nos últimos suspiros de vida.
É claro que aqueles que não conhecem a graça de Deus e nem o Deus de graça poderão argumentar que fulano nunca foi a uma igreja, nunca leu a Bíblia, nunca fez uma oração, nunca fez isso e aquilo. Mas se creu em CRISTO como Salvador ele fez a única coisa necessária à salvação.
Tudo o que escrevi foi para concluir que um ato singelo de respeito e afeição para com a pessoa que morreu não tem qualquer conotação que fuja às Escrituras. Foi com um sentimento assim que as mulheres levaram unguentos ao sepulcro de Jesus, ou flores como é o costume em nossos dias. Essa reverência para com a sepultura, que tiveram os patriarcas de Israel como Abraão, e os cuidados que alguém hoje possa demonstrar com o túmulo de um ente querido, aparando o mato ao redor, limpando a lápide, tirando folhas e galhos, não tem qualquer conotação além de cuidado e afeição.
É claro que você estaria agindo errado se acendesse velas para a pessoa que morreu, já que a vela, além de simbolizar um sacrifício, também é usada como forma de alumiar o caminho do morto. Também não faria sentido celebrar um ritual ou “missa” no sétimo dia, o qual é baseado na crença de que isso possa ajudar a pessoa a livrar-se de alguma pena no purgatório. Sabemos que aquele que morreu em Cristo já teve todos os seus pecados purgados e perdoados graças ao sacrifício de Cristo e tampouco precisa de vela para iluminar seu caminho. Todavia, o que morreu sem Cristo não iria chegar ao céu nem com todas as “missas”, rituais e orações dos vivos, e nem mesmo tendo diante de si o mais potente farol para ajudá-lo a sair das trevas que em vida ele não quis renegar.
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Tudo bem pregar um evangelho distorcido?
Você pergunta se está tudo bem pregar um evangelho imperfeito, mas isso vai depender do grau e tipo de imperfeição desse evangelho que é pregado. A mensagem do evangelho é tão simples que até para torná-la imperfeita é preciso algum trabalho. Veja o que é o evangelho aqui: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Co 15:1-4).
Posso dar a você um copo de leite imperfeito e essa imperfeição ser apenas por existirem algumas impurezas ou porque o leite já começou a azedar. Pode fazer algum bem ou algum mal, mas não irá matá-lo. Mas posso dar também leite de ótima qualidade, numa embalagem moderna e colorida, porém contendo algumas gotas de estricnina que irá matá-lo em questão de minutos. Portanto é sempre bom buscar “o leite racional, não falsificado” (1 Pe 2:2) e ficarmos alertas contra distorções que possam levar à morte espiritual. As falsificações mais comuns do evangelho são aquelas que misturam à água da Palavra (Jo 3:5; Ef 5:26), ou “leite”, se preferir a figura do outro versículo, boas obras, rituais e privações ou flagelos, como forma de se alcançar a salvação.
Mas nunca devemos nos esquecer de que Deus é poderoso até para usar uma gota da Palavra da Verdade misturada num oceano de impurezas para incutir vida nova numa alma perdida em delitos e pecados. Nos anos 1980 conheci um excelente pregador de rua que frequentava o calçadão no centro de São Paulo. No intervalo para o almoço eu costumava parar para ouvi-lo, pois pregava o evangelho com uma clareza, convicção e amor no olhar que deixava qualquer um com água na boca. Sua voz era tão potente e cristalina que ele estava sendo processado pelo presidente de uma multinacional que achava que ele usava amplificação em sua fala.
Ele me contou que tinha se convertido quando era motorista de táxi e ganhou uma Bíblia edição “Novo Mundo” da Sociedade Torre de Vigia, que no original inglês nada mais é que uma King James piorada. As Testemunhas de Jeová pegaram a tradicional King James em inglês e alteraram as passagens que falam da divindade de Cristo e outras mais para adaptá-la aos seus ensinos, como se fosse uma nova tradução feita a partir de originais gregos e hebraicos. Em seu descanso ele parava o táxi numa sombra e lia, lia, lia, até o Espírito Santo tocar seu coração. Mesmo em meio às doutrinas malignas que os editores tinham introduzido no texto, havia água pura o suficiente para tocar uma alma.
Mas isso de maneira nenhuma isenta de responsabilidade quem corrompe a Palavra de Deus ou prega um evangelho distorcido. Em Gálatas o apóstolo Paulo chama de “anátema”, que significa “maldito”, quem prega um evangelho distorcido, e o assunto de sua carta era o evangelho que alguns estavam pregando um evangelho que incluía a guarda da Lei para receber a salvação.
“Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar [corromper ou perverter] o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema. Assim, como já vo-lo dissemos, agora de novo também vo-lo digo. Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema” (Gl 1:6-9).
A maioria das pessoas que ouviu o evangelho deve ter recebido a mensagem misturada com algumas impurezas, mais por ignorância de quem prega do que por maldade. Deus pode sim transformar aquela água em vinho, símbolo de vida e alegria. Até mesmo o pior mercenário num púlpito, quando abre a Bíblia e fala passagens da Palavra de Deus, pode ser usado pelo Espírito Santo para tocar o coração de alguém, porque o poder está na Palavra de Deus, e não na pessoa que a prega ou no lugar onde foi pregada.
Uma pessoa que conheça a Bíblia saberá discernir um evangelho falso de um verdadeiro. Geralmente o falso vem numa embalagem tão bonita e apetitosa que faz seu receptor baixar a guarda e tomar o veneno. O falso não tem sangue e irá falar de sentir-se bem, mudança de vida, prosperidade financeira, proteção contra todos os males desta vida, sorte no amor e muitas outras coisas que apelam para os desejos comuns de todos os seres humanos. Alguns parecem vender a ideia de que você se transformará num Super-Homem ou Mulher-Maravilha, de tanto poder que terá à sua disposição. Gostam de usar passagens como “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti” (Sl 91:7), como se o evangelho fosse um poderoso amuleto, não para ser ouvido e crido, mas para ser levado atrás da orelha como se fosse um ramo de arruda.
Mas evangelhos assim não tem nada do sangue derramado para expiar nossos pecados, nada da obra substitutiva de Jesus, o Cordeiro de Deus, para nos salvar eternamente. Pode ser uma mensagem apenas social, religiosa ou de mudança de sorte ou conduta, e quem não entender o que é realmente o cerne do verdadeiro evangelho pode cair na conversa e comprar gato por lebre. Como se costuma dizer, o livro se compra pela capa, não é mesmo? Parece ser este o caso de alguém que me escreveu seduzido pela capa ou embalagem de boas maneiras das pessoas que costumam levar até ele um evangelho distorcido, que diz ser Jesus um “deus” menor, nega a Trindade e prega uma salvação terrena obtida por meio de boas obras e da filiação à sua organização religiosa.