MATEUS 1
A redação do primeiro versículo do Novo Testamento direciona nossos pensamentos de volta ao primeiro livro do Velho Testamento, na medida em que “geração” é a tradução da palavra grega genesis. Mateus em particular, e todo o Novo Testamento em geral, é “O livro da ‘gênesis’ de Jesus Cristo”. Quando nos referimos a Gênesis, descobrimos que o livro se divide em onze seções, e todas elas, menos a primeira, começam com uma declaração sobre “gerações”. A terceira seção começa: “Este é o livro das gerações de Adão” (Gn 5:1); e todo o Velho Testamento desvenda para nós a triste história de Adão e sua raça, terminando com o terrível uso apropriado da palavra “maldição”. Com quão grande alívio podemos passar das gerações de Adão para a “geração de Jesus Cristo”, porque aqui encontraremos a introdução da graça; e sobre essa nota o Novo Testamento termina.
Jesus é imediatamente apresentado de duas maneiras. Ele é “Filho de Davi” e, portanto, a coroa real que Deus concedeu originalmente a Davi, pertence a Ele. Ele também é “Filho de Abraão”, portanto, Ele tem o título da terrae toda a bênção prometida está empossada n’Ele. Tendo afirmado isso, recebemos Sua genealogia, de Abraão, até José, o marido de Maria. Esta seria sua genealogia oficial, de acordo com a contagem judaica. A lista dada é notável por suas omissões, já que três reis, intimamente ligados à infame Atália, são omitidos no verso 8; e o resumo das “quatorze gerações”, apresentado no verso 17, mostra que não é uma omissão acidental, mas que Deus Se nega e Se recusa a considerar os reis que surgiram mais imediatamente dessa devota da adoração de Baal.
É notável também, que apenas os nomes de quatro mulheres são trazidos para Sua genealogia, e que esses nomes não eram exatamente o que poderíamos ter esperado. Dois dos quatro eram gentios, o que deve ter sido um tanto prejudicial para o orgulho judaico: ambas eram mulheres de fé marcante, embora uma delas tivesse vivido na imoralidade que caracterizava o mundo pagão. Do outro nome não sabemos nada além do que é bom. Os outros dois nomes vieram da descendência de Israel, mas ambos os registros eram ruins, e não sabemos nada que seja definitivamente honroso. De fato, o nome de Bate-Seba não é mencionado; ela é apenas a “que foi mulher de Urias”, proclamando assim sua desonra. Então, novamente tudo é prejudicial para o orgulho judeu. A genealogia de nosso Senhor não acrescentou nada a Ele. No entanto, garantiu Sua genuína Humanidade, e que os direitos conferidos a Davi e Abraão eram legalmente Seus.
Mas se os primeiros 17 versículos nos asseguram que Jesus era realmente um Homem, os versículos restantes nos asseguram igualmente que Ele era muito mais do que um Homem – exatamente o Próprio Deus, presente entre nós. Por um mensageiro angélico, José, o marido comprometido com Maria, é informado de que o futuro filho dela é o fruto da ação do Espírito Santo e que, quando nascido, Ele deve levar o nome de Jesus. Ele salvará o Seu povo dos pecados deles, portanto, o Salvador deve ser o Seu nome. Somente Deus é capaz de nomear em vista de realizações futuras. Ele pode fazer isso e quão plenamente esse grande Nome foi justificado! Que colheita de humanidade salva será colocada no celeiro nos dias por vir; todos eles salvos de seus pecados e não meramente do julgamento que seus pecados mereceram! Apenas “Seu povo” é salvo assim. Para conhecer Sua salvação, é preciso estar inscrito entre elespor fé n’Ele.
Assim foi cumprida a previsão de Isaías 7:14, onde uma indicação clara havia sido dada da grandeza e poder do Salvador que estava por vir. Seu nome profético, “Emmanuel”, indicou que Ele deveria ser Deus manifestado em carne – Deus entre nós de uma forma muito mais maravilhosa do que jamais Ele havia Se manifestado no meio de Israel, nos dias de Moisés, muito mais maravilhosa também do que a maneira com que Ele estava com Adão nos dias anteriores à entrada do pecado no mundo. Os dois nomes estão intimamente conectados. Ter Deus conosco, sem estarmos salvos dos nossos pecados, seria impossível: Sua presença apenas nos abateria em julgamento. Ser salvo de nossos pecados, sem que Deus fosse trazido até nós poderia ter sido possível, mas a história da graça teria perdido sua principal glória. Na vinda de Jesus, temos os dois. Deus foi trazido para nós e, ao serem removidos nossos pecados, fomos levados a Ele.
MATEUS 2
Os versículos de abertura do capítulo 2 lançam uma luz forte e perscrutadora sobre as condições que prevaleciam naqueles dias entre os judeus encontrados em Jerusalém – os descendentes daqueles que haviam retornado sob Zorobabel, Esdras e Neemias. O Rei dos judeus havia nascido em Belém e ainda por semanas eles não sabiam nada sobre isso. O fato de Herodes, o rei, estar em ignorância, não era de todo surpreendente, pois ele não era israelita, mas um idumeu. Mas dentre todas as pessoas, os principais sacerdotes deveriam estar informados deste grande evento para o qual eles professamente estavam esperando – o nascimento do Messias. Em Lucas 2, encontramos que o evento foi revelado desde o céu, dentro de algumas horas no máximo, a humildes almas que temiam ao Senhor. O salmista nos disse que: “O segredo do Senhor é para os que O temem” (Sl 25:14), e isso é exemplificado nos pastores e outros; mas os líderes religiosos em Jerusalém não estavam entre estes, mas entre os “soberbos” a quem os homens chamavam de “bem-aventurados”. (Ml 3:15-16). Consequentemente, eles estavam em trevas tanto quanto o perverso Herodes.
Mas há algo pior do que isso. Não é de se surpreender, mais uma vez dizemos, que Herodes tenha ficado perturbado quando ouviu a notícia, pois aqui estava aparentemente um rival pretendente ao seu trono. No entanto, lemos que Herodes “perturbou-se, e toda Jerusalém com ele”. Portanto, o advento do Salvador não produziu júbilo, mas perturbação entre as próprias pessoas que professavam estar esperando por Ele! Evidentemente, então, algo estava terrivelmente errado, já que era apenas a repercussão de seus instintos pervertidos. Eles não O tinham visto; Ele ainda não havia feito nada: eles apenas sentiram que Seu advento significaria a ruína de seus prazeres em vez do cumprimento de suas esperanças.
No entanto, esses homens eram bem versados em suas Escrituras. Eles foram capazes de dar uma resposta rápida e correta à investigação de Herodes, citando Miquéias 5:2. Tinham o conhecimento que incha, e assim não sabiam nada como deveriam conhecê-lo (1 Co 8:1-2), e colocaram seu conhecimento a serviço do adversário. O “grande dragão vermelho” (Ap 12:3-5) do Império Romano, cujo poder foi investido localmente em Herodes, que estava pronto para devorar o “Filho Varão” (TB), e eles estavam prontos para ajudá-lo a fazê-lo. Eles tinham o tipo errado de conhecimento das Escrituras, e servem como um farol de advertência para nós.
A escritura que eles citaram apresenta o Senhor para nós como “O que governará” (ARF). Em Miquéias só Israel está em vista, mas sabemos que o Seu governo será universal; e esta é a terceira maneira pela qual Ele é apresentado a nós. Em JESUS vemos Deus vindo salvar. Em EMANUEL, vemos Deus vindo habitar. No GOVERNADOR, vemos Deus vindo governar. Sempre foi Seu pensamento habitar com os homens, governando tudo de acordo com o Seu prazer, e para realizar isso Ele tinha de vir para salvar.
Quando o Menino foi encontrado em Belém, havia o testemunho de que todas as três coisas se cumpririam e, embora Jerusalém fosse ignorante e hostil, havia gentios do oriente atraídos por Seu aparecimento, e eles reconheceram o Rei dos judeus n’Ele. Será que percebemos o quão terrivelmente eles condenaram os líderes religiosos em Jerusalém? Os pastores de Lucas 2 souberam de Seu nascimento dentro de algumas horas; estes astrônomos do oriente dentro de alguns dias, ou semanas no máximo; enquanto vários meses devem ter decorrido antes que os sacerdotes e escribas tivessem a menor suspeita do que tinha acontecido. Primeiro por uma estrela e depois por um sonho, Deus falou aos magos, mas aos religiosos em Jerusalém Ele não falou nada, e houve dias em que o sumo sacerdote no meio deles tinha estado em contato com Deus por meio do Urim e Tumim. Agora Deus estava em silêncio para com eles. Seu estado era como é retratado em Malaquias e provavelmente pior.
Em Herodes vemos um poder inescrupuloso aliado à astúcia. Quando frustrado pela ação dos magos, ele concebeu um ataque assassino sem chances sobre as crianças de Belém. O fato de ele ter fixado o limite de isenção em dois anos indicaria que o período entre o aparecimento da estrela e a chegada dos magos em Jerusalém deve ter sido meses. Sua ação implacável e perversa trouxe o cumprimento de Jeremias 31:15. Se esse versículo for lido em seu contexto, será visto que seu cumprimento final e completo será nos últimos dias, quando Deus finalmente fará cessar o choro de Raquel, trazendo seus filhos de volta da terra do inimigo. No entanto, o que aconteceu em Belém foi o mesmo tipo de coisa em menor escala.
Herodes, no entanto, estava lutando contra Deus, que frustrou seu propósito enviando Seu anjo a José em um sonho, pela segunda vez. O Menino foi levado ao Egito, e assim Oséias 11:1 encontrou um cumprimento notável, e Jesus começou a reviver a história de Israel. Quão facilmente Deus frustrou o desígnio perverso de Herodes e, com a mesma facilidade, não muito depois, Ele lidou com o próprio Herodes. Mateus não desperdiça palavras para descrever seu fim: ele simplesmente nos diz que “tendo Herodes morrido” (ARA), o anjo do Senhor falou a José em um sonho, pela terceira vez, instruindo-o a retornar à terra porque a morte havia removido o pretenso assassino.
A primeira intenção de José evidentemente era retornar à Judéia; mas tendo chegado até José a notícia de que Arquelau sucedera seu pai, o medo fez com que hesitasse. Então, pela quarta vez, Deus o instruiu por um sonho. Assim, ele e Maria e o Jovem foram guiados de volta a Nazaré, de onde ele tinha vindo originalmente, como nos diz Lucas. É instrutivo ver como Deus guiou todos esses movimentos iniciais; em parte pelas circunstâncias, como o decreto de Augusto e as notícias sobre Arquelau; e em parte por sonhos. Assim, os esquemas do adversário foram frustrados. O “porteiro” segurou a porta aberta do “aprisco” (ARA) para que o verdadeiro Pastor pudesse entrar, apesar de tudo o que Ele poderia fazer. Também as Escrituras foram cumpridas: Jesus não apenas foi trazido do Egito, mas também Se tornou conhecido como o Nazareno.
Nenhum profeta do Velho Testamento predisse que Ele deveria ser chamado “Nazareno”, empregando essa exata palavra, mas mais de um disse que Ele seria desprezado e objeto de reprovação. Assim, no versículo 23, são “os profetas” e não um profeta em particular. Eles disseram que Ele deveria ser um objeto de desprezo, que no tempo de nosso Senhor foi expresso no cognome, “Nazareno”. Na tradução de Darby – na edição com notas completas – há um comentário esclarecedor sobre este verso, como a frase exata usada em relação ao cumprimento, em contraste com a expressão anterior em Mt 1:22 e Mt 2:17; mostrando a precisão com que as citações do Velho Testamento são feitas. É uma nota que vale a pena ler1.
Nazareno é o quarto nome dado ao nosso Senhor neste evangelho inicial. Ele é, como vimos, Jesus, Emanuel, Governador; mas Ele também é o Nazareno. Deus pode vir entre os homens para salvar, habitar, governar; mas infelizmente Ele será “desprezado e rejeitado dos homens” (Is 53:3 – TB)