MEFIBOSETE – A BONDADE DE DEUS

 

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Certa manhã bem cedo, há muitos anos, estava lendo o capítulo 9 de 2 Samuel. Depois de lê-lo uma vez, pensei, “Que capítulo estranho, acerca de um jovem aleijado de ambos os pés”. Li-o novamente, e ainda não podia ver nada nele.

Depois de lê-lo pela terceira vez, meus olhos pararam nestas palavras: “Decerto usarei contigo de beneficência por amor de Jônatas, teu pai” (2 Sm 9:7). Um pensamento brilhou de repente em minha mente: “Ah! esta é uma figura da bondade de Deus, por meio de Jesus Cristo”. Que figura estava então perante mim – como uma bela paisagem ao romper da manhã. À medida que os anos passaram, a beleza dessa imagem tem aumentado cada vez mais em minha mente. Por muitas vezes fui guiado a pregar a Cristo a partir desta figura, e raramente sem que almas fossem convertidas a Deus. Isto me encoraja a discorrer, em fé, sobre esta interessante porção da Palavra de Deus juntamente com meus leitores, confiando que Deus irá usá-la para bênção de muitas almas.

Nesta figura da bondade de Deus, há dois personagens – Mefibosete, no caráter de filho da graça; e Ziba, como o homem de justiça-própria. A condição de Mefibosete ilustra de forma notável o estado em que se encontra o pecador quando é colocado diante de Deus.

O HOMEM CONCLUI QUE DEUS É SEU INIMIGO

Se você abrir no quarto versículo do quarto capítulo do mesmo livro, encontrará que ele era o filho de Jônatas, o filho de Saul, ambos já mortos nessa ocasião.

Você verá que Mefibosete caiu e tornou-se aleijado, e que desde sua queda esteve escondido, aleijado de ambos os pés, em Lo-Debar que, em hebraico, significa um lugar “sem pasto”. Por ser da casa de Saul, que era inimigo de Davi, Mefibosete concluiu que Davi, sem dúvida, seria seu inimigo escondendo-se, por isso, de sua presença.

Com que perfeição isto ilustra a condição do homem caído. Tão logo o pecado cegou a mente de Adão, nós já o encontramos escondendo-se da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim (Gn 3:8). E porventura não é exatamente esta a condição do homem até hoje? Ah, ele não conhece a Deus. Estando em inimizade contra Deus, o homem conclui que Deus é seu inimigo, e teme Sua presença. O pensamento de se entrar hoje na presença de Deus seria por demais aterrorizante. Acaso este pensamento o amedronta, meu leitor? Ah, é porque você não conhece a Deus. Talvez você possa dizer: “Eu pequei, e isto me faz ter medo de Deus”. É verdade que você pecou; e eu também pequei; e todos pecaram. Mas se você soubesse o preço que Ele já pagou – se soubesse que Ele não poupou nem mesmo a Seu Filho querido – então você entenderia que Deus é o único a Quem você pode ir como um pecador – e ficar assegurado de que “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1:7).

Mas vamos seguir com nosso capítulo. “E disse Davi: Há ainda alguém que ficasse da casa de Saul, para que lhe faça bem por amor de Jônatas?” (2 Sm 9:1). Será que não é esta também a presente obra do Espírito de Deus? Demonstrando aos filhos e filhas caídos de Adão a bondade de Deus, não importa quão profundamente tenham caído; não importa que estejam aleijados, aleijados de ambos os pés, e verdadeiramente no lugar onde não encontram pasto? Ah, pobre pecador caído, onde quer que você esteja tentando se esconder de Deus, não há nada neste mundo de miséria e pecado que possa fazer você feliz. Ou você pensa que há? Por acaso você já não tomou posse das ilusões de Satanás, ou colocou sua confiança nas vãs promessas deste mundo, até que seu pobre coração ficasse despedaçado em amargo desapontamento, e tudo tenha se transformado em triste vaidade? Escute, então, pois vou falar-lhe d’Aquele que não irá desapontá-lo.

Ziba, o homem de justiça-própria, informou ao rei que Jônatas tinha ainda um filho, que era aleijado de ambos os pés, na casa de Maquir, filho de Amiel, em Lo-Debar. “Então mandou o rei Davi, e o tomou.” (v.5) Este “tomou” é algo maravilhoso. Isto nos fala da graça que é inteiramente de Deus. O homem mostra sua bondade àqueles que, conforme pensa, a merecem. Ou então espera receber em troca algo digno de sua bondade. Não é assim com Deus. Mefibosete não fez coisa alguma para merecer a bondade. Ele não teve que fazer sua parte primeiro, como dizem alguns. Não! A graça foi buscá-lo em Lo-Debar, no próprio lugar onde estava. E acaso não veio o Filho de Deus encontrar os pecadores bem onde estes estavam? Ele veio para buscá-los, e os encontrou mortos em suas ofensas e pecados. E porventura Ele não ocupou o próprio lugar de juízo, e morreu, o Justo pelo injusto, para nos levar a Deus? Que caia eterna vergonha sobre cada fariseu orgulhoso que, depois de tudo isso, ainda venha a dizer: “O homem precisa fazer sua parte primeiro”.

UMA FIGURA DO TRÊMULO PECADOR

Mefibosete era aleijado demais para fazer sua parte primeiro. Ele tinha que ser levado. Ah! se não fosse por esta graça que leva, todos nós teríamos perecido em nossos miseráveis esforços para nos esconder de Deus. E então, quando Mefibosete foi levado “a Davi, se prostrou com o rosto por terra” (2 Sm 9:6). Que imagem de receio e temor. Sendo descendente de Saul, que caçava a vida de Davi, o que poderia Mefibosete esperar? Que no momento seguinte a voz de austera justiça exigisse sua vida. Aqui ele se prostra – uma figura do trêmulo pecador, colocado na presença de Deus, com o terrível fardo de culpa e pecado; ele não conhece a Deus – ele não sabe o que o espera.

Antes de ouvirmos as palavras de Davi, vamos voltar à aliança de amor, conforme é revelada em 1 Samuel 20:14-17. Jônatas, o pai daquele jovem caído aos pés de Davi, fala assim no versículo quatorze: “E, se eu então ainda viver, porventura não usarás comigo da beneficência do Senhor, para que não morra? Nem tão pouco cortarás da minha casa a tua beneficência eternamente… E Jônatas fez jurar a Davi de novo, porquanto o amava; porque o amava com todo o amor da sua alma”.

Você já voltou a visitar o lugar onde passou sua infância, e aí viu pela primeira vez o filho de algum amigo já falecido? Então você poderá ter uma vaga ideia do que Davi sentiu quando olhou para Mefibosete, o filho de Jônatas, caído aos seus pés.

Quem poderá descrever a terna doçura daquela voz que falou do mais profundo do seu coração: “Mefibosete!”? “Eis aqui teu servo”, é a trêmula resposta. Quão pouco ele esperava a graça incondicional que estava a ponto de ser mostrada a ele. “Eis aqui teu servo”, é o pensamento mais elevado que pode ter o homem caído. Ele tenta se oferecer como um servo para Deus, e espera ser salvo ao menos por seu serviço. Esta é a religião de cada coração humano que não conhece a Deus.

NÃO TEMAS, PORQUE DECERTO USAREI CONTIGO DE BENEFICÊNCIA

Mas escute agora as palavras de Davi. Como o pai, na parábola do filho pródigo, ele interrompe Mefibosete. “Não temas, porque decerto usarei contigo de beneficência por amor de Jônatas, teu pai, e te restituirei todas as terras de Saul, teu pai, e tu de contínuo comerás pão à minha mesa.” (v.7). Ah! Deus é assim – sem condições, sem barganha. Não é nada do tipo ‘se você fizer isto’, ou ‘se você não fizer aquilo’. Oh, não; é tudo pura graça! A bondade de Deus! “Usarei de bondade para contigo” (Versão Almeida Atualizada), e isto inteiramente por causa de outra pessoa. “E tu de contínuo comerás pão à minha mesa.” Acaso não foi assim na parábola em que Jesus revelou a desconhecida e ilimitada graça do coração do Pai? Houve alguma repreensão? Houve alguma condição? Não, ele se lançou ao pescoço do filho e o beijou (Lc 15). E porventura não é assim também a bondade de Deus? Estarei eu deturpando a verdade ou, como Cristo fez, estarei revelando o verdadeiro caráter de Deus? Será assim que Ele recebe o pecador perdido? Pergunto: serão também estas as palavras que Ele tem para o trêmulo e miserável pecador, que só merece a perdição do inferno? Poderá Deus, apontando para a cruz de Cristo, dizer: “Não temas, porque decerto usarei contigo de beneficência por amor de…” Jesus? Tudo isto é, também, sem uma única condição. É tudo pura graça, fluindo de Seu próprio coração transbordante de amor.

Oh, meu leitor, você conhece a Deus assim? “Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo Seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com Ele e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus.” (Ef 2:4-7). Será que você pode dizer que é esta a sua porção? Os homens teriam enviado um livro de instruções ao jovem paralítico, para dizer-lhe como curar seus pés, como se apresentar melhor e fazer nem sei mais o quê. Mas não há nem uma só palavra assim aqui. Não, Mefibosete vem como está; nada mais é exigido. E como é que poderia ser, quando se tratava de Davi tratando em conformidade com aquilo que havia em seu coração? Mais do que todas as outras coisas, Satanás irá empenhar-se em esconder do pobre pecador esta bondade de Deus. É quando Deus é verdadeiramente conhecido, que se entende que não há necessidade de homem algum sobre a terra, ou santo no céu, para abrandar Seu coração para comigo. Ele já está cheio de indizível amor.

Estará você, querido leitor, sentindo o fardo do pecado? E será que você tem se encontrado perplexo com os grossos volumes de instruções escritos pelos homens dizendo como você deve se sentir, e como você deve agradar a Deus e fazer com que Ele o salve? Talvez um diga que guardando as ordenanças e os sacramentos que você poderá ter a esperança de ser salvo. Outro, com um efeito igualmente mortífero, é provável que diga que você deve passar por esta ou aquela experiência antes que Deus o receba. Isto é, eles de bom grado irão querer persuadi-lo de que você não está tão completamente caído; que você é apenas aleijado um pouco de um pé, e que você tem que tão somente fazer de Cristo uma muleta e, com Sua ajuda, você vai poder seguir em frente até que razoavelmente bem. Na verdade, o ponto onde querem chegar é que você pode, de alguma forma, merecer o céu.