CRISTO, NOSSA VIDA

Categoria: Tag:

Quando o Senhor Jesus veio ao mundo, trevas cobriam a Terra, e as pessoas estavam em densa escuridão; sim, a noite de morte prevalecia por todo o globo terrestre. Era, usando a linguagem de Jó ao falar da morte, uma terra de escuridão e sombra de morte; “terra escuríssima, como a própria escuridão; terra da sombra da morte e sem ordem alguma, e onde a luz é como a escuridão” (Jó 10:21-22). “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” (Rm 5:12). Portanto, não havia nem sequer um raio de luz para aliviar a completa escuridão do estado e da condição do homem. E não era só isso, mas Satanás também reinava; pois pelo pecado do homem, Satanás adquiriu direitos sobre ele, e o manteve assim em completa submissão à sua vontade. Satanás tornou-se, portanto, o príncipe deste mundo (Jo 12:31). “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4:4). “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez. NEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (Jo 1:1-5).

Portanto Cristo entrou neste cenário de trevas e imediatamente houve duas esferas morais distintas. Ao redor dEle tudo era trevas – as trevas da morte; nEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz e as trevas estavam assim em contato; pois a luz brilhou em meio às trevas, e as trevas não a compreenderam. Mas ali estava Cristo, tendo vida em Si mesmo e, por conseguinte, sendo Ele a “luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo” (Jo 1:9). É verdade que poucos a receberam, mas ali estava a luz brilhando para todos, de modo que se alguém permaneceu nas trevas foi porque não voltou sua face para a luz. “Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não O conheceu. Veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam. Mas, a todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no Seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1:10-13). Só estes – todos quantos O receberam – foram iluminados e, tendo sido iluminados, receberam vida, pois nasceram de Deus.

Durante Sua jornada na Terra, Cristo tinha vida em Si mesmo como Filho de Deus; e, portanto, “assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer” (Jo 5:21). Pois verdadeiramente, conforme o apóstolo João nos diz, “a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada” (1 Jo 1:2); e também como Ele mesmo disse, “Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo 10:10). Portanto, cada um que creu nEle foi vivificado, do mesmo modo como foram vivificados os santos da antiga dispensação – nascidos de novo; todavia “vida com abundância” só poderia ser recebida após a Sua morte e ressurreição; e, por conseguinte a concessão, na atual dispensação, de vida eterna àqueles que crêem, é o fruto e a conseqüência de Sua obra consumada. Ele próprio diz assim: “Pai, é chegada a hora; glorifica a Teu Filho, para que também o Teu Filho Te glorifique a Ti; assim como Lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos Lhe deste” (Jo 17:1-2).

Mas por que era necessário Cristo morrer para vir a ser o “Príncipe” da vida?(At 3:15). Vimos que a morte foi o fruto – o salário do pecado (Rm 6:23); e assim, enquanto a questão do pecado não fosse tratada, enquanto as justas reivindicações de Deus sobre o homem não fossem atendidas, enquanto não fossem satisfeitas, a morte deveria continuar a reinar. O homem ficou sujeito à pena e às conseqüências dos seus atos, e sob tal pena e conseqüências, deveria permanecer até que fosse redimido, até que fosse encontrado Um qualificado, Um capaz e pronto a assumir a questão e resolvê-la com Deus. Esse foi Cristo – o Cordeiro providenciado por Deus; “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29). Ele veio e, por Sua morte, atendeu a todas as reivindicações de Deus acerca do pecador, pois Ele desceu colocando-Se sob a ira que era justamente devida ao pecador; e nesse lugar, no que diz respeito à questão do pecado do homem, fez uma expiação plena e perfeita, glorificando a Deus de tal maneira que Ele, como prova da Sua satisfação pela Sua obra, ressuscitou-O de entre os mortos, e assentou-O à Sua destra no céu. Agora, portanto, Ele é o vivente, sobre o qual a morte não tem nenhum domínio, e pode conceder vida eterna a todo aquele que vem a Ele. “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” (Rm 5:18). Foi a santidade de Deus que tornou necessário que Cristo – estando no lugar que Ele ocupou por graça – morresse na cruz pelo pecado; de modo que sobre o fundamento da expiação que Ele fez ali, Deus pode agora, e com justiça, justificar e trazer da morte para a vida, cada crente. Portanto, não há vida exceto em Cristo e por intermédio de Cristo. Por isso João diz: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece” (Jo 3:36).

Esta passagem nos mostra também o meio pelo qual a vida é recebida. Somente pela fé. Por esta razão nosso Senhor diz: “Na verdade, na verdade vos digo: quem ouve a Minha palavra e crê nAquele que Me enviou, tem a vida eterna, e não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24 – Atualizada). Aí é demonstrada a graça de Deus. Nós colhemos o salário do nosso pecado – a morte; estávamos mortos em pecados, e deveríamos continuar para sempre sob a pena e as conseqüências de uma condição assim. Mas Deus foi rico em misericórdia – e agindo em conformidade com Sua própria natureza, partindo de Seu próprio coração, provou o Seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. E agora, enquanto o salário do pecado é a morte, o dom gratuito de Deus é a vida eterna por Cristo Jesus nosso Senhor. É esta a Sua dádiva – gratuita e bendita dádiva – a todo aquele que recebe o Seu testemunho, concernente ao pecador, e concernente ao Seu Filho. Ele tem concedido vida – vida tirada da morte – e esta vida é gratuita para todo aquele que crê. “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1 Jo 5:11-12).

Vemos, assim, que todo crente tem vida eterna. Mas deve ser cuidadosamente observado que nunca é dito que o crente a tenha em si mesmo. Há duas afirmações negativas que levaram alguns a tirarem tal conclusão; todavia tratava-se de uma conclusão que não é a Palavra de Deus, ainda que tivesse seguido uma linha de raciocínio correta. Nosso Senhor, falando aos judeus, disse: “Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mesmos” (Jo 6:53); e o apóstolo João diz: “E vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele” (1 Jo 3:15). Estas passagens, no entanto, não devem ser tomadas como significando algo além da recusa da possessão da vida eterna por parte daqueles a quem elas se referem, já que as Escrituras afirmam, como no versículo já citado, que “esta vida está em Seu Filho” (1 Jo 5:12). Portanto é só em Cristo que temos vida eterna. Cristo está em nós – todavia este é outro aspecto da verdade – e tendo Cristo temos vida eterna; pois é Cristo que é nossa vida. Mas quando falamos de vida eterna, nunca nos é dito que a tenhamos em nós mesmos, mas sempre “em Seu Filho”. É isto o que nos garante segurança absoluta, nos dando a certeza de que esta vida nunca pode ser perdida, pois se alguém quisesse roubá-la de nós deveria primeiro conseguir nos arrancar de Suas mãos; e mais ainda, teria que remover o próprio Senhor do lugar que Ele ocupa à destra de Deus.

Cristo é nossa vida. Podemos acompanhar esta verdade um pouco mais – ou indicar algumas de suas conseqüências.

1.) Nossa vida não está aqui. Certamente é esta a afirmação que o apóstolo faz. “Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3:3). Ele acabava de assinalar nossas responsabilidades em sua relação com o fato de estarmos mortos. Por estarmos mortos com Ele, não devemos agir como se estivéssemos vivos no mundo (Cl 2:20). Seguimos a mesma ordem de Cristo. Ele morreu, indo para fora deste cenário, e hoje não tem lugar nele; Ele é, no que concerne ao mundo, um homem morto. Nós, por conseguinte, iniciamos nossa vida cristã tomando o lugar de morte. Somos sepultados com Cristo no batismo (Cl 2:12); e Deus nos considera como mortos. Daí vem nossa responsabilidade de andarmos de acordo com isso, mortificando nossos membros que estão sobre a Terra, etc. (Cl 3:5). As Escrituras ensinam que Deus nos associou de tal forma com Cristo que nos considera, como Ele, mortos para o pecado (Rm 6); mortos para a lei (Rm 7); e mortos para o mundo (Gl 6). Por esta razão, a fé aceita como verdade a opinião de Deus a nosso respeito. Fomos levados, pela morte e ressurreição de Cristo, para fora deste cenário, para um novo lugar e isto foi de um modo tão completo que de nós pode ser dito: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós” (Rm 8:9). Portanto, nossa vida não está aqui – e nem pode estar, pois estamos mortos, mas está escondida com Cristo em Deus.

Quão bendito seria para nós se tão somente aceitássemos, em sua plenitude, as conseqüências desta verdade! Que imenso ganho se tão somente déssemos início à nossa vida cristã aceitando a morte sobretudo aquilo que somos por natureza, e sobre tudo o que nos cerca! De que modo isto nos elevaria acima de nossas circunstâncias, se tão somente desviássemos, resolutos, nosso olhar de tudo o que vemos, elevando-o para onde Cristo está, e nos lembrássemos de que nossa vida está ali; de que Ele é a nossa vida! Que poder isto nos daria contra a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida! Que testemunho seria assim levado por nós quanto às reivindicações do Cristo que um dia foi rejeitado e que hoje está glorificado! Precisamos nos julgar a nós mesmos a este respeito, pois o segredo de grande parte de nossa fraqueza e fracasso está em buscarmos nossa vida nas coisas deste mundo. Mas, como ensina o apóstolo, se estamos ressuscitados com Cristo, devemos buscar aquelas coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Devemos ter nosso pensamento nas coisas de cima, e não nas coisas da Terra (Cl 3:1-2). Isto significa que deveríamos permanecer no lugar ao qual pertencemos, nos ocupando e regozijando com tudo o que encontramos ali. Daí vem a extrema importância de conhecermos nosso lugar, que estamos mortos e ressuscitados; doutra maneira não poderemos afirmar não ser aqui o nosso descanso; não poderemos afirmar que não temos parte neste cenário pelo qual estamos passando; não poderemos afirmar que nossa vida está nas alturas. Quando um cidadão da Inglaterra é obrigado a morar por um tempo em um país estrangeiro, ele não tem nenhum interesse no país do seu exílio – seus pensamentos, seus interesses e seus compromissos – em outras palavras, toda a sua vida encontram-se vinculados ao seu lar. Assim deveria ser também com o crente. Havendo morrido e ressuscitado com Cristo, tudo o que está associado à sua vida deveria estar vinculado ao lugar onde ele foi introduzido; até mesmo, como diz o apóstolo Paulo, “nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3:20). É só então – quando esta verdade é aceita – que conhecemos o gozo da ocupação continua com Cristo. E deve ser acrescentado que o objeto de todo o proceder de Deus para conosco no presente, é no sentido de nos colocar sob o poder desta verdade. Se formos procurar vida nas coisas aqui abaixo, Ele terá que trazer morte sobre elas, fazendo-nos passar por muitas dores e amargas tristezas, a fim de nos ensinar, para Sua própria glória e nossa bênção, que Cristo – e só Cristo – é a vida do Seu povo. Como alguém já disse, “Ele com freqüência obscurece o brilho deste cenário a fim de notarmos a glória que há mais além”; e o lugar da glória que está mais além é o lugar onde Cristo está assentado à destra de Deus.

2.) Considerando-se que Cristo é nossa vida, é esta a vida – Cristo – que temos para revelar à medida que passamos por este cenário. E nem temos outra para mostrar. É por esta razão que Paulo diz: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20). Há três estágios claramente assinalados nas Escrituras: Primeiro, “estamos mortos” – e é esta a opinião de Deus a nosso respeito; então, “considerai-vos como mortos” (Rm 6:2,11). Pela fé devemos nos considerar mortos, em conformidade com a opinião que Deus tem de nós; e em terceiro lugar, “trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos” (2 Co 4:10). Este nosso corpo – outrora instrumento e escravo do pecado – foi agora tomado por Deus em Sua graça, a fim de se tornar o meio de expressão de Cristo.

Nisto consiste, portanto, toda a nossa responsabilidade – expressarmos Cristo em tudo o que somos e fazemos – já que Ele é a nossa vida. Isto implica em trazermos sempre no corpo a mortificação de Jesus, a aplicação constante da cruz – símbolo do poder da morte – a tudo o que somos como homens naturais, para que somente aquilo que é de Cristo possa ser exibido. Todos, ou pelo menos todos os que conhecem o caráter mau e incurável da corrupção da carne, entendem que a carne não deve ser deixada livre para agir. Se ficamos irritados; se perdemos a calma por exemplo, podemos ver muito bem que falhamos, e estamos prontos a nos julgarmos a nós mesmos na presença de Deus. Mas não são todos que percebem que a simples natureza humana deve ser mantida sob a aplicação da cruz, tanto quanto estas nocivas manifestações da carne. Além do mais, por se tratar apenas da vida de Jesus o que deve ser manifesto, fica evidente que nada do que sou deve ser visto, doutra maneira a apresentação de Cristo seria confusa e obscurecida. Certamente necessitamos da maior vigilância a este respeito; pois com que freqüência, em nossos momentos de lazer, em nossas conversas até mesmo com os santos, expomos muito mais de nossas características naturais do que Cristo. Nós nos encontramos, conversamos e, às vezes em meio à conversa, vemos que tudo aquilo não passa de prazer carnal quando examinado à luz da responsabilidade que temos. Então temos que confessar que o que esteve em evidência o tempo todo foi a nossa própria pessoa e não Cristo. O gênio, o humor e o intelecto não trazem o sabor de Cristo mas de nós mesmos; e é assim que falhamos no único objetivo para o qual fomos redimidos e levados a Deus.

É bem verdade que para atendermos a uma tamanha responsabilidade é necessário uma vigilância constante e uma fidelidade resoluta. É a isto que o apóstolo se refere quando fala em trazermos sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo. Nossos momentos de lazer são particularmente horas de perigo para nós. Com freqüência nos esquecemos de que nossos lombos, se é que podemos alterar por ora a figura, devem estar sempre cingidos, a fim de, havendo tomado toda a armadura de Deus, e havendo feito tudo, podermos ficar firmes. E devemos aprender, ao mesmo tempo, e sermos impiedosos em nosso juízo-próprio. É muito comum agirmos como Saul, que reservou o melhor dos rebanhos e do gado com o pretexto de estar fazendo aquilo para o serviço do Senhor. Não; nada deve ser deixado; tudo o que estiver associado a mim, como homem natural, tudo o que for do “eu”, da carne, tudo o que somos (usamos estes termos para que nada possa escapar), deve ser mantido sob a cruz, no lugar de morte. Então, e só então, Cristo brilhará. É para atingir este fim que Deus precisa, muitas vezes, agir conosco com severidade; pois os vasos de barro devem ser quebrados, para que a luz que há em seu interior possa brilhar.

Alguém poderá perguntar: Onde está o poder para cumprirmos com esta responsabilidade? Este poder só é encontrado na ocupação com Cristo na glória. “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Co 3:18). Sendo assim transformados, é a semelhança com Cristo que será mostrada em todo o seu fulgor; refletiremos a glória pela qual somos transformados.

Portanto, não é para ser tomado como uma mera expressão de linguagem quando nos é dito que fomos crucificados com Cristo; que temos que lançar fora o velho homem, e nos revestir do novo, etc. Estas coisas são solenes realidades diante de Deus e que não deveriam ser menos reais para nós – o próprio fundamento de nosso lugar e bênção em Cristo. Nós próprios, então – tudo o que fomos por natureza, como homens na carne – já se foi na cruz de Cristo. Só Cristo permanece; e Ele é nossa vida; e só Ele deve ser revelado por meio de nós, em nosso andar e no modo de falar. Quão inestimável é a honra que assim nos é conferida! E se temos qualquer comunhão naquilo que Deus Se agrada em Cristo, quanto devemos louva-Lo por ter feito de nós o que somos, veículos para a apresentação de Seu Cristo a este mundo tenebroso!

3.) Cristo é nossa vida e isto será logo manifesto. É este o ponto a que se refere o versículo: “Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, Se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele em glória” (Cl 3:3-4). A vida está escondida agora, mas quando Cristo vier, ela será manifestada publicamente – e isto com Cristo em glória. Há, todavia, dois passos neste processo, acerca de cada um dos quais cabe comentar aqui. Isto envolve a ressurreição – ou a transformação de nosso corpo. Pois o poder da vida no Cristo ressurreto é tão grande que os corpos de Seus santos, estejam eles vivos ou na sepultura, serão transformados de modo a perder todo e qualquer sinal de mortalidade. Por isso o apóstolo, falando da ressurreição dos crentes, diz: “Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível e revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: “Tragada foi a morte na vitória” (1 Co 15:53-54).

A vida vitoriosa, fluindo de Cristo, reinará suprema; e assim nossa redenção será consumada. Foi o próprio Senhor o primeiro a anunciar esta bendita verdade. Falando a Marta, Ele disse: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em Mim, nunca morrerá” (Jo 11:25-26). Ele fez, assim, distinção entre as duas classes de santos – aqueles que terão morrido antes e os que estiverem vivos por ocasião da Sua volta. Os primeiros ressuscitarão, e os últimos não morrerão, em conformidade com o que disse o apóstolo: “Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados” (1 Co 15:51; veja também 1 Tessalonicenses 4:13-18). Foi esta expectativa que elevou o apóstolo acima de todas as circunstâncias que o cercavam. “Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (2 Co 4:16). E após explicar a relação que há entre a presente e leve aflição com o futuro peso de glória, olhando ao mesmo tempo para as coisas que são eternas, ele diz: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus. Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos carregados: não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida” (2 Co 5:1-4). Como alguém já disse, de forma tão bela, que o apóstolo “viu em Cristo um poder de vida capaz de absorver e aniquilar todo vestígio de mortalidade, pois o fato de estar Cristo nas alturas em glória era o resultado deste poder, ao mesmo tempo que era a manifestação da porção celestial que pertencia aos que eram de Cristo. Portanto, o que o apóstolo desejava era, não ser despido, mas ser revestido, e isso para que o que era mortal nele pudesse ser absorvido pela vida, para que a mortalidade que caracterizava sua natureza humana terrena pudesse desaparecer diante do poder da vida que ele viu em Jesus, vida esta que também era sua. Aquele poder era tal que não havia necessidade de morrer”.

Isto se dará quando o Senhor vier para nos receber para Si. É o que está declarado de uma vez por todas em 1 Tessalonicenses 4: “Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (vs.16-17). É nessa ocasião que Ele “transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o Seu corpo glorioso, segundo o Seu eficaz poder de sujeitar também a Si todas as coisas” (Fp 3:21).

Portanto, as conseqüências de Cristo ser nossa vida não serão alcançadas até que chegue a manhã da ressurreição. Podemos agora nos regozijar no conhecimento de que temos vida eterna, e que, possuindo-a em Cristo, ela é nossa para sempre; mas então perderemos todo vestígio de mortalidade e corrupção, pois vida e incorruptibilidade são duas coisas que foram reveladas no evangelho (2 Tm 1:10). Podemos agora entrar no pleno caráter disto apenas um pouquinho; e mesmo assim nos é permitido levantar nossos olhos para onde Cristo está, a fim de vê-Lo glorificado, e saber que, tendo Ele morrido, já não morre, pois a morte não tem mais domínio sobre Ele; e, enquanto O contemplamos, somos assegurados, pela Palavra de Deus, de que podemos dizer: Seremos como Ele é; desfrutaremos de toda a plenitude da vida que há nEle; pois Deus nos predestinou para sermos conforme a imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Tão certo quanto tudo isso provém da graça, a Deus somente pertence todo o louvor.

Uma segunda coisa é que haverá, como já foi dito, a revelação desta vida juntamente com Cristo em glória. Isto é o contraste perfeito para nossa condição atual, e por diversas vezes é mencionado, em outros aspectos, ao longo das Escrituras. “Amados”, escreve o apóstolo João, “agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele; porque assim como é O veremos” (1 Jo 3:2). Isto será a total transformação da nossa condição que agora vemos. Somos agora filhos de Deus; mas então será mostrado aquilo que somos, naquilo que somos como Cristo. O mesmo ocorre com a morte agora, no que diz respeito ao mundo: Deus diz que estamos mortos e nos consideramos assim. Mas então, quando viermos com Cristo em glória, será revelado que Ele é a nossa vida, e que somos um com Ele nessa vida eterna. Então reinaremos em vida por Um só – Jesus Cristo (Rm 5:17).

O relacionamento que temos com Cristo também nunca será alterado. Do mesmo modo como Cristo é nossa vida agora, Ele o será por toda a eternidade. Mais do que nunca estaremos capacitados a dizer: Contigo estão as fontes da vida; na Tua luz veremos a luz. Então, todas as lágrimas serão enxugadas, e já não haverá mais morte e nem tristeza, não haverá mais choro, e nem haverá mais dor: pois as primeiras coisas já terão passado (Ap 21:4). Pois a morte, o último inimigo, terá sido então destruída; e, por conseguinte haverá, para cada santo de Deus, o gozo constante, perpétuo e ininterrupto do poder daquela vida “mais abundante”, que o crente recebe por meio dEle que morreu, ressuscitou e que agora está vivo para sempre. Que contraste este com nossas circunstâncias presentes! A morte está sobre todo este cenário; e temos que trazer sempre por toda a parte a mortificação de Jesus. Existe morte, portanto, tanto sobre nós como sobretudo o que há em redor. Então haverá vida, e nada além de vida, e vida para sempre.

Longe da cena que tenho ao redor,

Vida eterna eu tenho em Jesus;

É só por Sua graça e teu amor,

Que de paz e gozo minh’alma faz jus;

Sua promessa é segura e fiel:

Porque Ele vive, viverei lá no céu.

 “Christ, our Life” – Unsearchable Riches

E.Dennett