A NOIVA DO CORDEIRO

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INTRODUÇÃO

Todo crente instruído sabe que a Igreja – ou a Assembléia de Deus – é composta de todos os crentes unidos a Cristo na glória pelo Espírito Santo na terra. Além disso, que a Igreja veio a existir na inda do Espírito Santo em Pentecostes, e será completada na vinda do Senhor, no arrebatamento.
Sabemos também que a Igreja é vista em diferentes aspectos, e se apresentada sob várias figuras, no Novo Testamento. Ela é vista como um rebanho (Jo 10:16); como a Casa de Deus (1 Tm 3:15); como um Corpo (1 Co 12:12, 13); e por fim como a Noiva do Cordeiro (2 Co 11:2; Ap 21:9).

Em cada caso ela é a mesma companhia de pessoas, mas vista de maneiras diferentes para apresentar verdades diferentes. Como um rebanho a Assembléia é vista como composta de todos os crentes mantidos juntos pelo poder atrativo de Cristo como único Pastor, que conduz o Seu povo pelo deserto deste mundo, os salvando do inimigo, os protegendo de todo perigo, e os conduzindo para verdejantes pastagens. Como a Casa de Deus a Assembléia é vista como o lugar da habitação de Deus o Espírito Santo na terra, onde a verdade é sustentada, e um testemunho exibido ao mundo da graça de Deus.

Como um Corpo, do qual Cristo é o Cabeça, a Assembléia é vista como uma companhia de pessoas nutridas pelo Cabeça, e em quem toda a plenitude de Cristo é anunciada.
Como a Noiva do Cordeiro, a Igreja é vista como inteiramente para Cristo o objeto do Seu amor, cuidado e prazer. É esse aspecto da Igreja que desejamos resumidamente considerar. Ele é um aspecto da Igreja que, de um modo especial, expõe o amor de Cristo, e por essa razão apela muito diretamente para o nosso coração.

Não há nenhuma relação mais íntima do que essa de um noivo e uma noiva. Por isso a perfeita adequação dessas figuras para mostrar o amor de Cristo pela Sua Igreja. Resumidamente podemos dizer que o Espírito de Deus usou essa mais íntima de todas as relações para expor:

Primeiro: A Igreja como o objeto do amor, cuidado e prazer de Cristo;
Segundo: Para que a Igreja seja um objeto apropriado para Cristo amar;
Terceiro: Para que na Igreja seja achada uma companhia apropriada para compartilhar com Cristo as glórias vindouras de Seu reino. Tudo o que o Noivo herda a Noiva herdará. A participante dos Seus sofrimentos no dia da Sua rejeição, será a participante do Seu trono no dia da Sua glória. Quando Cristo reinar sobre toda a terra ela reinará com Ele.

CAPÍTULO 1

CRISTO E A SUA NOIVA

Efésios 5:22-32 – Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja; porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos. Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja.

Nesta porção muito prática da epístola aos Efésios o apóstolo está nos exortando quanto à conduta daqueles que se tornam crentes com relação ao casamento. Em assim fazendo ele mostra o caráter íntimo do relacionamento. Há outros relacionamentos na vida, como o dos pais e filhos, dos irmãos e irmãs, mas em nenhum relacionamento a ligação é tão próxima como essa entre o marido e a esposa. O apóstolo diz: “Os dois serão uma só carne”; mais uma vez ele diz: “Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres como a seus próprios corpos”. Eles são vistos como um; por essa razão o apóstolo argumenta, pois para um marido odiar a sua mulher deveria odiar a sua própria carne, uma coisa incomum. Por outro lado amar a sua mulher é amar a si mesmo.

Para reforçar essas exortações e mostrar o verdadeiro caráter deste relacionamento temporal entre o marido e a mulher, o apóstolo se volta para o relacionamento eterno entre Cristo e a Sua Igreja. Isso leva a uma revelação muito bela do amor de Cristo por Sua Igreja vista sob a figura de uma Noiva, para a qual Eva, no jardim do Éden, é usada como um tipo notável. O apóstolo passa diante de nós o amor de Cristo que guarda a Noiva para Ele mesmo; então, possuindo a Noiva, o amor que a transforma em conformidade a Ele mesmo; e finalmente, tendo preparado a Noiva, o amor que a apresentará a Ele mesmo.

Primeiro lemos: “Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela” (verso 25). A fonte de toda a bênção para a Igreja é o amor sem motivo de Cristo. Antes mesmo que a Igreja viesse a existir Ele a amou com um amor perfeito, divino e infinito. Ele primeiro não morreu para ela, e a lavou, e então a amou; mas Ele primeiro a amou e morreu para ela, e então a limpa. E amando a Igreja Ele deu a Si mesmo por ela. Ele não fez apenas algo por ela; Ele não abandonou simplesmente algo por ela. O Seu amor trilhou um caminho muito maior do que fazer algo, ou abandonar algo, pela Igreja. O seu amor foi ao extremo: Ele deu a Si mesmo. Tudo o que Ele é em Sua infinita perfeição; nada foi retido. Ele deu a Si mesmo; mais Ele não poderia dar. E dando a Si mesmo pela Assembléia a guarda para Si mesmo, e a possui através de um título perfeito. A Igreja na realidade existe como o resultado da obra de Cristo. Cristo comprou a Igreja para Ele. Por isso, embora o casamento ainda não tenha se realizado, o relacionamento entre Cristo e a Igreja já existe. A Igreja não é uma companhia de pessoas que está sendo posta à prova através de mandamentos aos quais elas têm de obedecer para ganhar o relacionamento. Cristo nos trouxe para um relacionamento com Ele inteiramente pela Sua própria obra, o fruto do Seu próprio amor. As responsabilidades e os privilégios da Igreja fluem do relacionamento que já foi formado. Pertencemos a Cristo, e é nosso privilégio, bem como a nossa obrigação, ser inteiramente Dele, e inteiramente para Ele. Cristo, não é preciso dizer, sempre tem sido fiel em Seu amor imutável, entretanto, infelizmente, quanto a Noiva ela falhou na devoção ao Noivo!

Em segundo lugar, tendo tão comovedoramente apresentado o amor de Cristo em dar a Si mesmo pela Igreja no passado, o apóstolo passa a falar das atividades do amor de Cristo por Sua Noiva no presente. Ele nos diz que Cristo guarda a Sua Noiva “para santificá-la, purificando-a com a lavagem da água pela palavra”. O amor que pela morte guardou a Noiva agora está ocupado na preparação dela para a suprema felicidade de estar com Ele na glória. O Noivo a fará um objeto apropriado para o Seu amor, e capaz de responder ao Seu amor. Para esse fim o amor está ocupado com a santificação e a lavagem da Noiva. A limpeza não é para que possamos pertencer a Ele, mas porque somos Dele; e sendo Dele nos fará ajustados a Ele. Ele nos terá em afeto dedicado colocado à parte inteiramente para Ele, e lavados de tudo o que é contrário a Ele.

O meio usado para realizar isso é pela “lavagem da água pela palavra”. O Senhor expressa isto em Sua oração ao Pai quando ora: “Santifica-os na verdade, a Tua palavra é a verdade… por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade”. O Senhor põe a Si mesmo à parte no céu, para que, como Estevão, possamos olhar para os céus abertos e encontrar em Cristo na glória um Objetivo de santificação. Fitando-o na glória vemos o que Ele gostaria que fôssemos, e olhando para a glória do Senhor somos transformados na mesma imagem de glória em glória, e assim percebemos o poder de transformação de um Objetivo perfeito. A “palavra” também, enquanto dirigi o nosso olhar para Cristo, nos dá uma revelação verdadeira da perfeição Daquele que olhamos, para que não sejamos deixados em alguma imaginação sentimental do nosso próprio coração. Por outro lado a palavra detecta e condena em nós, e em torno de nós, tudo o que é contrário a Cristo e o lugar onde Ele está.

Que valor isso dá à “palavra”! Já que é a “palavra” que Ele usa para limpar a Sua Igreja. Que confiança dará isso na aplicação da palavra à nossa própria alma, ou na ministração da palavra a outros – a confiança de que estamos usando aquilo que Ele em graça usa.

À luz dessa Escritura que nos revela com o que Cristo está ocupado em Seu lugar no céu, podemos bem desafiar o nosso coração quanto a com o que estamos ocupados aqui em baixo. Achando-se na parte prática da epístola, essa revelação do amor de Cristo por Sua Noiva é seguramente destinado a ter um efeito muito prático sobre a nossa vida. A pergunta para todos nós é: Temos diante do nosso coração o que Cristo tem diante do Seu? Desejamos nos tornar adequados, e capazes de desfrutar, e responder ao Seu amor agora mesmo, para que, no tempo da Sua ausência, possamos ser fiéis a Cristo como uma Noiva que espera pelo seu Noivo ausente?

Em terceiro lugar, as atividades presentes do amor de Cristo pela Sua Noiva são visando o que ainda está no futuro – “o casamento do Cordeiro” – quando apresentará a Igreja a Ele mesmo uma Igreja gloriosa, “sem mancha ou ruga ou qualquer outra coisa; mas santa e irrepreensível”. Não é só que a Igreja estará na glória, mas será “gloriosa”. Ela será como Cristo, apropriada para a Sua presença gloriosa. Assim guarda a Sua Noiva por Si mesmo; está preparando-a para Si mesmo; e a apresentará a Si mesmo. O Seu amor é a fonte de tudo, e o que o amor começou na cruz, o amor completará na glória.

Há, contudo, mais verdades importantes concernentes a Cristo e a Igreja nessa passagem instrutiva. O apóstolo passa a nos dizer que Cristo alimenta e cuida da Assembléia, nos tratando como “membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos”. Isto traz para diante de nós outra verdade preciosa, distinta daquela que estivemos considerando. Vimos que Cristo está preparando a Sua Noiva para o céu; agora aprendemos que Ele também está cuidando da Sua Noiva na terra. A santificação e a lavagem têm em vista a apresentação na glória; a alimentação e o cuidado se referem à nossa jornada de peregrinação na terra. O Seu amor não tem em vista apenas a glória, mas zela por nós quando passamos por este mundo escuro do qual Ele está ausente, em nossa caminhada para a glória. Ele conhece as circunstâncias em que estamos, as provas que temos que enfrentar, a nossa fraqueza e enfermidade, e em todas elas cuida de nós e vai de encontro às nossas necessidades; e por isso é Quem nos alimenta. Mas Ele também cuida de nós, isto é, Ele não apenas vai de encontro às nossas necessidades, mas faz aqueles que são estimados como sendo muito preciosos à Sua vista.

Para nos dar um sentimento de quão preciosos somos à Sua vista – do valor que Ele dá à Sua Assembléia – Ele fala de nós como os membros do Seu corpo, da Sua carne, e dos Seus ossos. Isto é, Ele nos vê como Ele mesmo, pois a carne de um homem é ele mesmo. Por isso ao cuidar da Sua Assembléia está cuidando Dele mesmo. Por isso Ele pode dizer a Saulo: “Por que Me persegues?” Saulo estava na verdade perseguindo a Igreja, mas em assim fazendo perseguia a Cristo.

Quão precioso, como alguém disse, que “as necessidades, as fraquezas, as dificuldades, as inquietudes da Assembléia são apenas oportunidades para Cristo exercitar o Seu amor. A Assembléia precisa ser alimentada, como o nosso corpo; e Ele a alimenta. Ela é o alvo dos Seus carinhosos afetos; Ele cuida dela. Se o fim é o céu a Assembléia não é deixada desolada aqui. Ela aprende do Seu amor onde o seu coração precisa dele. Ela desfrutará dele plenamente quando as necessidades se forem para sempre”.

CAPÍTULO 2

A NOIVA NOS CONSELHOS DE DEUS

Gênesis 2:21-25 Então o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; e da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne. E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam.

A passagem que estivemos considerando em Efésios 5, encerra com a uma citação do final de Gênesis 2, onde lemos, depois de Eva ter sido formada e sido apresentada a Adão: “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne”. Tendo citado esta passagem o apóstolo, em Efésios 5, imediatamente acrescenta: “Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja”. Isso seguramente no garante dizer que em Adão e Eva temos um belo tipo de Cristo e a Sua Igreja.

No jardim do Éden com todas as suas arrumações divinamente ordenadas não só aprendemos o que está no coração do Deus para o homem, mas o que está no coração de Deus para Cristo. Adão não era o homem do propósito de Deus; ele foi apenas uma figura Daquele que estava por vir. Poderíamos bem perguntar por que esta terra com todas as suas maravilhas criadas foi trazida a existência? Agora que o mistério de Cristo e a Sua Igreja foi revelado temos a resposta de Deus; e em figura a Sua resposta é dada imediatamente depois da criação estar concluída, e antes que o pecado entrasse. A resposta de Deus é Cristo e a satisfação do Seu coração. É verdade que a Igreja estava planejada antes da fundação do mundo, pois a idéia da Igreja nos leva de volta ao propósito eterno de Deus e nos conduz a eternidade. Isso pertence à eternidade, embora o tempo e a criação sejam usados para trazer a Igreja à existência. A Igreja não foi uma reflexão tardia de Deus. A criação foi a primeira do ponto de vista do tempo, mas a Igreja foi a primeira nos conselhos de Deus, como podemos seguramente concluir de Efésios 3, onde lemos, que Deus “tudo criou por meio de Jesus Cristo; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor”. A Igreja tendo sido formada, “os céus e a terra que agora são”, no devido tempo, passarão e a Igreja

permanecerá para a glória de Deus e a satisfação do amor de Cristo pelas eras das eras.

Enquanto, contudo, vemos Cristo e a Igreja apresentada em uma figura devemos nos lembrar de que Eva apresenta a Igreja como a Noiva de Cristo. Como vimos há outros aspectos da Igreja, mas julgamos ser esse o conceito mais elevado da Igreja, aquele que é o mais próximo do coração de Deus e o mais querido para o coração de Cristo, pois nisso aprendemos que Deus propôs assegurar um objeto que seja inteiramente agradável ao amor de Cristo. Na Igreja como a Noiva vemos, não apenas uma companhia de pessoas que encontra em Cristo um Objeto de satisfação do seu coração, mas, uma companhia de pessoas que se tronam um objeto apropriado para o amor de Cristo. Essa é a maravilha e a bem-aventurança da Igreja vista como a Noiva de Cristo. É um pouco maravilhoso que a Igreja possa encontrar em Cristo um Objeto de amor, mas que na Igreja um objeto deve ser encontrado inteiramente ajustado para Cristo amar é de fato uma grande maravilha.

Com esse grande pensamento Deus abre o Seu livro e com esse grande pensamento o fecha. O que Deus começa nunca desiste. Gênesis abre com um quadro que revela esse pensamento do Seu coração: e embora o pecado e a morte arruínem a criação de Deus, e, na longa história triste do fracasso do homem e a ruína da Igreja na responsabilidade, o quadro seja obscurecido e até perdido de vista, contudo finalmente esse sublime pensamento de Deus emerge para a luz, e no final do Livro nos é permitido mais uma vez ver Jesus deleitar-se com a Sua Noiva, e a Noiva esperando por Jesus.

Olhando brevemente para o quadro em Gênesis 2, temos na primeira parte do capítulo uma descrição do Jardim dos deleites que Deus proveu para o homem. Éden significa “prazer”. É prazer para Deus prover o prazer da Sua criação. Assim encontramos que no jardim há “toda árvore agradável à vista”, para prover todas as coisas belas; há toda árvore “boa para comer”, para satisfazer toda necessidade do homem; há a árvore da vida para dar a capacidade para desfrutar da cena; e há a árvore do conhecimento do bem e do mal com a sua proibição, para que pudessem gozar de todo este jardim de prazeres em um relacionamento com Deus expresso pela obediência a Ele.

Tendo sido formada essa cena de beleza, o homem é colocado no jardim para adorná-lo e guardá-lo. Conquanto bela seja a cena, ela fica frustrada da perfeição; e por essa razão, o homem está sozinho. O seu meio ambiente era perfeito, a sua posição era suprema, ele estava muito acima da criação mais baixa – mas estava sozinho, e não é bom que o homem fique sozinho. Havia tudo ali para o deleite dos seus olhos; havia tudo ali para sustentar a vida; havia a capacidade de gozar do seu ambiente: mas em toda aquela cena de beleza e abundância, não havia um objeto que pudesse satisfazer o seu coração, pois não havia nada ali, desde o maior ao menor, que pudesse corresponder ao amor do seu coração. O homem estava só.

Mas outra cena se levanta diante de nossas almas. Uma cena da qual isso é apenas uma bela prefiguração: uma cena na qual o pecado nunca pode entrar. Perfeito como era o jardim em si mesmo, estava sujeito à intrusão de um inimigo, e sabemos que de fato ele muito cedo entrou e trouxe o pecado, a morte e a ruína para este jardim de prazeres. Mas o lar que ele prenuncia não é apenas um lugar de infinita perfeição e eterno prazer, mas ali “o enganador nunca pode entrar, os pés sujos pelo pecado nunca pisaram” – uma cena onde não haverá mais morte, nem tristeza, nem clamor, nem mais dor. Essas coisas não estão ali, e nunca podem entrar ali, pois elas passaram. Mas Jesus está ali, o Filho do Homem será supremo naquele reino de glória, e não podemos dizer que Ele estará ali para adorná-lo e guardá-lo; pois todo o adorno daquela cena bem como a sua eterna segurança será o resultado da Sua própria obra.

Nenhuma mancha da maldade natural,

Nenhum toque da rude mão do homem

Jamais incomodará ao redor de nós

Naquela terra brilhante e bem-aventurada.

Os encantos que cortejam os sentidos

Serão tão brilhantes quanto formosos,

Pois tudo, enquanto sussurra ao redor de nós

Contará de Jesus ali.

Mas ainda assim, se Ele estivesse ali sozinho o Seu coração estaria satisfeito? Estaríamos satisfeitos de nos encontrar em uma cena de perfeição e santidade infinitas, se Jesus não estivesse ali? E Ele estará satisfeito se não estivermos ali? Uma cena de perfeição infinita não satisfaria o coração: devemos ter um objeto para o coração, e Ele não deve ter um objeto para o Seu coração? Mas como este objeto é assegurado? Isso aprendemos em figura quando vemos a forma com que Deus proveu uma adjutora para Adão.

Primeiro aprendemos que aquela que deve ser a sua adjutora deve ser a sua “cópia” ou a “sua semelhança”, para então lermos as duas últimas palavras do verso 18. Aquela que pode satisfazer o coração de Adão deve ser a “sua semelhança”, e por essa razão ter os mesmos pensamentos e afetos, e ser capaz de corresponder ao seu amor. Já que o amor só pode ser satisfeito com um objeto que corresponda ao amor.

A criação mais baixa é passada diante de Adão. Ele dá a cada um deles um nome

– não um nome fantástico, já que na Escritura um nome significa a característica distinta daquele a quem é dado. Por essa razão na nomeação dos animais vemos que Adão tinha o perfeito conhecimento dos animais. Mas com todo esse conhecimento não consegue encontrar um a “sua semelhança”. Em toda aquela criação mais baixa não havia nada que pudesse compartilhar os seus pensamentos, sentir como ele sentia, e corresponder ao seu amor. Ele estava em um plano imensamente mais alto do que a criação animal.

Por essa razão para prover um a “sua semelhança”, deve haver uma intervenção nova de Deus, e nessa nova obra três coisas são claramente vistas.

Primeira: Eva foi tirada de Adão,

Segunda: Eva foi formada para Adão,

Terceira: Eva foi apresentada a Adão.

Aqui temos então em figura três grandes verdades que estão diante de nós em Efésios 5. Primeira: Se Eva devia ser a sua semelhante ela devia ser tirada de Adão. Essa é a razão do sono profundo e da costela tomada de Adão, com a qual a mulher foi formada (construída). Assim também, se Cristo devia ter a Sua Noiva – aquela que é a Sua semelhança – que pode corresponder ao Seu amor – de fato ela devia ser Dele mesmo. Ele devia entrar no sono profundo da morte ou permanecer para sempre sozinho; “se o grão de trigo não cair na terra e morrer, fica só”. “Quando a Sua alma se puser por expiação do pecado, verá a Sua posteridade”. A Sua “posteridade”, a qual deve ser a Sua semelhante, é o resultado da Sua morte, e o amor estava por trás da Sua morte, pois lemos: “Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se entregou por ela.”

Ademais lemos que tendo tomado a costela do homem “o Senhor Deus formou [edificou ou construiu] uma mulher”. E em conexão com a Igreja, não é essa a obra que está sendo levada a cabo no momento pelo Espírito? Se pela morte de Cristo a Noiva – aquela Sua semelhante – foi assegurada, no tempo presente através da obra do Espírito as nossas afeições estão sendo ocupadas com Cristo, como o resultado de que Cristo nos santifica e nos limpa com a lavagem da água, pela palavra. O nosso coração fica poderosamente afetado pelo amor de Cristo; as afeições do casamento são formadas pelo resultado de sermos colocados a parte no afeto a Ele mesmo e limpos de tudo o que não se ajusta a uma noiva verdadeira e pura.

Finalmente há a apresentação da Noiva. Eva é trazida ao homem. E Adão disse: “Esta é agora [em contraste com a vez em que os animais passaram diante dele] osso dos meus ossos e carne da minha carne: esta será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada”. Por fim Adão encontra uma “sua semelhante”. Assim, também, o dia está chegando quando a Igreja será apresentada a Cristo como uma “Igreja gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”. Ela será Dele mesmo e por isso a Sua semelhança. Ela será formada em Suas afeições pela santificação e limpeza das afeições da palavra e por isso capacitada para corresponder ao Seu amor. Por toda a eternidade Cristo terá a Sua Noiva, como Ele, aquela que pode pensar como Ele pensa, sentir como Ele sente, amar como Ele ama, e por isso aquela que é tornada perfeitamente ajustada para ser o objeto do Seu amor. Então de fato Cristo estará satisfeito. Ele verá o fruto do trabalho árduo da Sua alma e estará satisfeito.

Oh dia de promessa maravilhosa!

O Noivo e a Noiva

São vistos na glória sempre;

E o amor está satisfeito.

CAPÍTULO 3

O CHAMAMENTO DA NOIVA

Gênesis 24

O capítulo 24 de Gênesis é do mais profundo interesse para o cristão, pois nele temos um quadro divinamente dado sobre o que cada Pessoa na Divindade está empenhada no momento.

A ocupação com o serviço, a vigilância constante contra o inimigo, e o conflito pela verdade – acarretada pela necessidade do mundo, pela crescente corrupção da Cristandade, e pelo fracasso do povo de Deus – podem absorver tão completamente os nossos pensamentos que de vez em quando podemos contemplar o que o Deus está fazendo apesar de todo o poder do inimigo, corrupção, e fracasso. Por essa razão não é de pequena misericórdia que Deus nos deu este belo quadro que apresenta uma visão abrangente dos objetivos e das atividades das Pessoas Divinas. Assim, perdendo de vista o homem e seu fracasso, a nossa alma podem se deleitar em Deus e Seu propósito, e estar acalmada e quieta quando percebemos que o que o Deus propôs Ele muito certamente fará acontecer, apesar do fracasso e da oposição.

Para entrar inteligentemente no ensino típico desse capítulo devemos entender a conexão dessa passagem com os capítulos precedentes e seguintes. Gênesis 24 faz parte da última seção da história de Abraão, que começa em Gênesis 22 e termina em Gênesis 25: 10. A primeira parte da sua história ilustra a vida individual de fé, mas nessa última seção temos uma visão abrangente dos caminhos dispensacionais de Deus. Em Gênesis 22 Isaque é oferecido e recebido dos mortos em figura – um tipo notável da morte e ressurreição de Cristo. Em seguida ao oferecimento de Isaque, temos em Gênesis 23 a morte de Sara, e Abraão, um “estrangeiro e peregrino” (verso 4) na terra prometida: tudo o que é típico da separação, para o tempo por vir, de Israel como uma nação por causa da promessa, como conseqüência da morte de Cristo. No chamamento de Rebeca, Gênesis 24, temos tipicamente o chamamento da Igreja como a Noiva de Cristo durante o tempo em que Israel é deixado de lado. Gênesis 25 completa o quadro apresentando o casamento de Abraão, e os filhos desta segunda esposa, tipificando a restauração de Israel e a bênção milenar das nações.

Confinando os nossos pensamentos em Gênesis 24 temos a revelação em figura do grande mistério de Cristo e a Igreja. Vemos nisso o propósito de Deus e a forma que Ele usa para cumprir esse propósito.

Vamos, contudo, ter em mente que ele é o propósito de Deus com relação à Igreja vista como a Noiva de Cristo. Como vimos, esse aspecto da Igreja apresenta o propósito de

Deus de ter um objeto inteiramente ajustado para Cristo amar. Aqui então em figura temos o chamamento da Noiva, o adornamento da Noiva e a apresentação da Noiva ao Noivo em conformidade a Ele. A conformidade moral ao coração de Cristo, e a resposta ao amor de Cristo, são os pensamentos proeminente com relação à Igreja como a Noiva.

Vimos que Eva, na criação, fala da Noiva de Cristo. Isaque e Rebeca, dezoito séculos depois, novamente levantam a história de Cristo e a Sua Noiva. Há, contudo, uma diferença, pois na Escritura não há nenhuma mera repetição; em Eva vemos a noiva como sendo inteiramente o resultado de uma obra divina que a formou e a trouxe a Adão: em Rebeca vemos o exercício do afeto na noiva – as despesas do amor que são colocadas em prática pelo servo. Se Eva nos fala de uma obra divina da noiva, Rebeca nos fala de uma obra divina na noiva.

O capítulo abre com Abraão dando as suas diretrizes ao seu servo (versos 1-9). Então a porção principal do capítulo está ocupada com o servo e a sua missão (versos 10-61). Finalmente encerra com Isaque e o seu amor por Rebeca (versos 62-67). Assim no tipo temos na primeira seção o Pai e o Seu propósito; na segunda o Espírito Santo e o Seu trabalho; e no último, Cristo e o Seu afeto. Por essa razão em figura temos cada Pessoa Divina encarregada em assegurar a Noiva.

Um Primeiro aprendemos que o pensamento de uma noiva para Isaque se origina com Abraão. Ele é que começa a história de Gênesis 24. Ele revela a sua mente quanto à noiva de Isaque; instrui o seu servo, e o envia em seu caminho. Por essa razão aprendemos que o pensado de uma Noiva para Cristo se origina no propósito do coração do Pai. É, também, o Pai que envia o Espírito para trazer a Noiva para Cristo (Jo 14: 26).

O segundo verso traz para diante de nós aquele cujas atividades são a parte proeminente na história – “o servo mais velho” da casa de Abraão. Muito convenientemente o seu nome não é mencionado, pois não é ele um tipo do Espírito Santo que veio, não para falar Dele mesmo, mas, para tomar das coisas de Cristo e mostrá-las a nós.

As atividades do Espírito Santo neste mundo são muitas e variadas, mas neste capítulo o Espírito Santo é apresentado em figura como trazendo a Noiva à luz, despertando as afeições na Noiva pela revelação das glorias de Cristo, e então satisfazendo aquelas afeições a conduz a Cristo.

Muito significantes são as orientações que o servo recebe de Abraão e rico em instruções para as nossas almas.

1. A noiva de Isaque deve ser adequada a Isaque e por isso não tomada das filhas dos cananeus (verso 3). As tais estavam entregues ao juízo e por isso completamente inadequadas para Isaque. Isto mostraria que o tratamento com Rebeca não é exatamente um figura da graça de Deus que traz a salvação aos pecadores, mas mais do amor de Cristo que atrai os santos. Se fosse uma questão de expor a graça de Deus que alcança os mais vis pecadores então seguramente as filhas dos cananeus teriam sido as pessoas a quem o servo teria sido enviado como na história do Evangelho, na qual Deus toma de uma mulher cananéia – filha de Canaã – para mostrar a Sua graça.

2. Resulta que se a noiva deve ser adequada para Isaque ela deve ser da parentela de Isaque. Por isso a orientação ao servo é: “Irás à minha terra e à minha parentela, e daí tomarás mulher para meu filho Isaque” (verso 4). Já notamos que a única que era adequada para ser a noiva de Adão teve de ser a “sua semelhança”, e para obter uma a “sua semelhança” Adão teve de passar pelo “sono profundo”. Isaque, também, precisa em tipo passar pela morte – deve ser oferecido sobre o Monte Moriá – antes que possa assegurar uma noiva da Mesopotâmia. Assim Cristo, o grande Anti-tipo, o grão precioso de trigo, deve cair na terra e morrer ou para sempre permanecer sozinho. Quando a Sua alma é feita uma oferta pelo pecado então lemos: “Ele verá a sua semente”. A morte que separa um homem de toda a esperança de uma semente, torna-se o próprio caminho pelo qual Cristo assegura a Sua semente. E a Sua semente é a Sua semelhança, a Sua parenta, como é Aquele celestial assim também são aqueles celestiais. Assim vemos que a Noiva de Cristo é composta daqueles que são adequados em origem através de uma obra divina por eles, e são em relação a Cristo como a Sua parentela pela obra divina neles, produzindo fé em Cristo. Na terra o Senhor pode dizer: “Minha mãe, e os meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e as executam” (Lc 8: 21).

3. Abraão solenemente avisa o servo duas vezes de que ele não deve levar Isaque novamente à Mesopotâmia (versos 6 e 8). Isaque neste capítulo expõem o Cristo celeste e por essa razão depois do oferecimento de Isaque em Gênesis 22, o seu nome não é nem mesmo mencionado até o fim de Gênesis 24. Como Isaque não devia ser novamente ligado

Mesopotâmia, assim não deve haver nenhuma conexão de Cristo e o mundo enquanto Cristo está no alto e o Espírito Santo está aqui chamando a Noiva para o Cristo celestial. Ai! Tão completamente a cristandade perdeu todos os pensamentos verdadeiros do cristianismo que o seu o grande esforço é para ligar Cristo com o mundo que O expulsou. Ignorando o fato de que Cristo é a Pedra rejeitada pelos construtores deste mundo, procuram fazer de Cristo a principal pedra de esquina, como o foi, dos seus grandes sistemas religiosos terrenos. O Seu Nome é fixado em seus grandes edifícios religiosos, seus esquemas de reforma, seus trabalhos de filantropia, e suas formas de governo. Numa palavra o grande esforço é de trazer Cristo de volta ao mundo e ligar O seu Nome a homens não salvos e não convertidos do mundo com a esperança de reformar homens, e fazer o mundo no qual vivem um lugar mais brilhante e melhor. É impossível conceber algo mais característico da ingenuidade do diabo do que a tentativa do mundo de cobrir a sua maldade com um aspecto atraente de respeitabilidade, ligando a si mesmo o Nome Daquele que ele rejeitou e cravou na cruz.

Contudo o crente instruído sabe pelo ensino do Novo Testamento, bem como dos tipos do Velho Testamento, que o Espírito Santo está aqui, não para trazer Cristo de volta ao mundo, mas para tomar a Noiva para fora do mundo para Cristo. Por isso lemos: “Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o Seu nome” (At 15: 14).

4. Finalmente Abraão diz: “O Senhor, Deus dos céus… enviará o seu anjo adiante da tua face” (verso 7). O anjo poderia providencialmente limpar o caminho diante do servo, mas o servo devia tratar pessoalmente com a Noiva: “Tu tomarás uma esposa para meu filho”. Tanto o servo como o anjo estavam inteiramente ocupados em assegurar uma noiva para Isaque. Em um dia por vir sabemos que uma grande parte dos anjos será usada na execução do julgamento do mundo, mas hoje eles são “enviados para ministrar para aqueles que serão herdeiros da salvação”. Assim como na figura, assim também no fato, vemos a diferença mantida entre a obra providencial dos anjos e a obra pessoal do Espírito. O anjo do Senhor guia Filipe em seu caminho no deserto de Gaza, mas o Espírito guia Filipe em seu tratamento pessoal com o Eunuco (At 8: 26, 29).

Claramente então nas orientações dadas por Abraão ao seu servo, aprendemos a grande missão do Espírito Santo neste mundo. Ele não está aqui para fazer o cristão prosperar nos negócios, ou nos fazer homens ricos neste mundo, ou fazer o mundo um lugar confortável para nós. Ele não está aqui para remover a maldição, ou o gemido silencioso da criação. Ele não está aqui para fazer o deserto se alegrar e florescer como uma rosa. Ele não está aqui para remover a dor, a morte, a tristeza e as lágrimas. Tudo isso Cristo fará em um dia ainda por vir. Nem Ele está aqui para converter o mundo como alguns pensam. Ele está aqui para trazer à luz um povo que é adequado a Cristo para a alegria e a satisfação do Seu coração.

Por essa razão conforme essas instruções encontramos que no decorrer da história o servo não interfere nas condições que prevaleceriam na Mesopotâmia. Ele não tentou alterar a sua religião, ou melhorar as suas condições sociais, ou interferir em seu governo. Seu único negócio foi assegurar a noiva de Isaque. De quanta decepção o povo de Deus escaparia se de uma vez percebesse o grande propósito de Deus no tempo presente, e a missão especial do Espírito Santo neste mundo.

Os crentes ficam muitas vezes desapontados com eles mesmos. Desejando fazer alguma grande obra para o Senhor, descobrem que são deixados para fazer alguma obra tranqüila em um canto escondido, e ficam desapontados. Além disso, podem ficar tristemente desapontados com a companhia local dos santos com quem caminham. Eles esperavam que Deus convertesse um grande número e conduzisse a sua pequena companhia à proeminência como um centro de bênçãos com a aprovação pública do Senhor e pelo contrário encontram a fraqueza e o fracasso, e ficam desapontados. Por outro lado podemos ficar desapontados com o povo de Deus em geral. Talvez tenhamos visões de conseguir reunir os fragmentos espalhados do povo de Deus para andar em unidade e amor, e observamos que encontramos apenas discórdia e mais desintegração e ficamos desapontados.

Ademais o povo de Deus pode nutrir grandes esperanças do campo missionário. Com milhares de missionários que trabalham em todas as partes do mundo esperavam que as fortalezas do paganismo, budismo e maometismo fossem avariadas diante da luz da cristandade, e, contudo, descobrem que esses falsos sistemas são dificilmente tocados, e ficam desapontados.

Outros, porém, nutrem o pensamento de que depois de dezenove séculos de luz da cristandade o mundo seria moralmente melhor, e ao em vez disso têm de admitir que nunca a sociedade foi mais corrupta, com a ilegalmente tão prevalecente e desassossegada de uma maneira geral, por essa razão ficam desapontados.

Se, contudo, abandonarmos os nossos próprios pensamentos e promovermos os pensamentos de Deus não seremos desapontados. As nossas expectativas são muitas vezes muito limitadas, a nossa perspectiva muito circunscrita. Pensamos no momento presente e olhamos apenas para coisas visíveis. Vamos, contudo, “olhar além da longa noite escura e saudar o dia vindouro”. Vamos ver que grande fim Deus está operando, para que, independente da destruição e ruína deste mundo, Ele assegure uma Noiva que será adequada para o amor de Cristo. Que pensamento, de que o Espírito de Deus está aqui para formar afetos de casamento no coração dos crentes com vistas ao dia – o grande dia – o dia das bodas do Cordeiro!

Para esse fim o Pai enviou o Espírito. Para esse fim o Espírito está operando na terra. Por esse fim Cristo está esperando no céu. E o Pai, o Filho e o Espírito Santo falharão nesse grande fim? As Pessoas Divinas serão desapontadas? Impossível! Todo o propósito de Deus terá o seu glorioso cumprimento. Nem seremos desapontados se pensarmos os pensamentos de Deus com Deus, e mantivermos em vista o grande propósito de Deus – as bodas do Cordeiro.

Dois

Passando para a segunda seção do capítulo (versos 10-61), temos a profundamente instrutiva consideração da forma com que o servo executa a sua missão. Ele vai à Mesopotâmia, bem equipado para o seu serviço: “Toda a fazenda de seu senhor estava em sua mão” (verso 10), nos relembrando de que o Espírito Santo veio para nos ensinar “todas as coisas”, nos guiar “em toda a verdade”, e nos mostrar “todas as coisas que o Pai tem”.

Chegado a Mesopotâmia o servo executa a sua missão na dependência de Deus, e aqui é encontrado em oração. A sua oração mostra quão completamente está absorto com um objeto. Ele não ora por si mesmo; e embora mencione “as filhas dos homens da cidade”, contudo, não ora por elas. Ele ora para que possa ser conduzido àquela que é designada a Isaque. É bom notar que o servo não está ali para selecionar uma noiva dentre as filhas dos homens da cidade, e então torná-la apropriada para Isaque. Ele está ali para encontrar aquela que é designada a Isaque. E o sinal de que é a indicada será o de que está marcada pela graça. Essa seguramente é a força da oração: “Seja, pois, que a donzela, a quem eu disser: Abaixa agora o seu cântaro para que eu beba; e ela disser: Bebe, e também darei de beber aos teus camelos; esta seja a quem designaste ao teu servo Isaque” (verso 14). Ele pedirá que lhe seja permitido beber do seu cântaro, e se ela não apenas concederá o seu pedido, mas voluntariamente fará mais do que ele pede, será o sinal de que ela é caracterizada pela graça de Deus – que há uma obra de Deus nela, e que ela é assim da parentela de Isaque. Pois a graça vai além dos nossos pedidos (Mt 5: 38-42).

Assim aconteceu. Rebeca – aquela que é da parentela de Isaque – é trazida à luz. Tendo encontrado a noiva designada, o servo imediatamente a distingue de todas as outras a adornando com os brincos e os braceletes de ouro. A mão e o rosto testemunham a obra da graça (verso 22).

Três

Esse, contudo, é só o começo do trabalho do servo. Nenhuma palavra ainda foi proferida acerca de Isaque. Essas novas comunicações dependem das boas-vindas que são estendidas ao servo. Se derem a ele as boas-vindas, lhes falará de Isaque, mas ele não forçará a sua hospedagem sobre Rebeca: “Há também em casa de teu pai lugar para nós pousarmos?” (verso 23).

Muito abençoadamente a resposta de Rebeca, mais uma vez, excede o pedido do servo. Ele só pede “lugar”; ela diz que há provisão bem como lugar (verso 25). Labão também pode dizer ao servo: “Entra, bendito do Senhor, porque estarás fora?” (verso 31). Assim lemos: “Então veio aquele varão à casa” (verso 32).

Não discernimos nesta parte da história o segredo do nosso pequeno progresso no conhecimento de Cristo, e por que os nossos afetos são muitas vezes frios? Impedimos e afligimos Aquele que sozinho pode poderosamente afetar o nosso coração com o amor de Cristo. Uma Pessoa Divina – o Consolador – veio do Pai, de Cristo, do céu, mas damos a Ele as boas-vindas? Damos “lugar” para Ele?

É bom fazermos a nós mesmos essa grande pergunta: “Há lugar?” Estamos preparados para nos colocar de lado para dar lugar ao Espírito Santo? A carne e o Espírito “são contrários um ao outro” (Gl 5:17). Não podemos nutrir o Espírito se servimos à carne. Dar lugar ao Espírito, e estar cuidando das coisas da carne é impossível. Estamos preparados para recusar a indulgência da carne nas coisas passageiras e temporais, para dar lugar ao Espírito para nos conduzir às coisas profundas e eternas de Deus? Estamos fazendo provisão para a carne para cumprir as suas luxúrias, ou estamos nós dando lugar e provisão ao Espírito? “Lugar” e “provisão” foram dados na casa de Betuel para o servo de Abraão, com a conseqüência de que o servo fosse capaz de falar de Isaque, para comprometer os afetos de Rebeca com Isaque, e conduzi-la a Isaque.

Tendo entrado na casa (verso 32), a primeira coisa que o servo faz é testemunhar de Isaque. Ele revela a mente do seu mestre acerca de Isaque, e em assim fazendo toma das coisas de Isaque e as mostra a Rebeca. Ele fala de toda a prosperidade do seu mestre, e logo diz que toda esta prosperidade foi dada a Isaque: “E ele deu-lhe tudo quanto tem” (verso 36). E bem sabemos que todas as coisas do Pai foram dadas a Cristo, como o Senhor pode dizer: “Tudo quanto o Pai tem é meu” e logo, falando do Espírito Santo, pode acrescentar, “por isso vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16: 15).

Qual, podemos perguntar, deve ter sido o efeito sobre Rebeca ao ouvir esse testemunho de Isaque? Ela simplesmente aumentou o seu conhecimento de Isaque? Esse certamente foi um resultado, mas seguramente fez mais, muito mais, pois isso despertou o amor por Isaque. E o amor tendo sido despertado, o servo apresenta as jóias de prata, e jóias de ouro, e vestidos, e os dá a Rebeca. Ele a adorna com as belas coisas que vieram de Isaque. Assim também o Espírito trataria conosco. Ele nos revela a mente do Pai acerca de Cristo: Ele toma das coisas de Cristo e as mostra a nós. Assim Ele desperta o amor a Cristo, e então nos adorna com as belas coisas de Cristo. Ele nos torna testemunhas do amor redentor – as jóias de prata; testemunhas da justiça divina – o ouro; e testemunhas da santificação prática – os vestidos.

Quatro

Ali segue, em figura, uma nova ação do Espírito. O servo encontrou a noiva da parentela de Isaque; a distinguiu de todos os outros com os brincos e o bracelete; despertou o afeto por Isaque; a adornou com as belas coisas de Isaque, agora a conduzirá a Isaque (versos 54-60).

O servo diz: “Deixai-me ir ao meu Senhor”. Ele tinha vindo à Mesopotâmia para assegurar a noiva, e tendo cumprido aquela finalidade, satisfeito iria embora. Ele não tinha vindo para ficar na Mesopotâmia. A mente do servo estava em assegurar a noiva, deixar a cena, e regressar para o seu mestre. Não estava em assegurar a noiva e ajustá-la no velho lar, mas assegurar a noiva e conduzi-la a um novo lar. E muito abençoadamente ele molda a mesma mente em Rebeca. Ele anseia estar longe e alcançar Isaque, e cria os mesmos desejos no coração de Rebeca. Ele deseja ir-se, e ela é motivada a ir-se. Os seus parentes podem entender que o servo iria embora para o seu mestre, mas se satisfariam em reter Rebeca algum tempo – pelo menos dez dias. Por isso chamam à donzela e indagam de sua boca, apenas para descobrir quão bem a obra do servo tinha sido realizada, e que a mente dele tinha sido moldada na mente dela, para que se ele desejasse estaria pronta para ir.

Se permitirmos que o Espírito Santo tenha a Sua forma – se não o impedirmos – Ele moldará a nossa mente segundo a Sua mente. Para pensar como Ele pensa em Cristo; para desembaraçar o nosso coração das coisas onde Cristo não está os colocando em Cristo onde Ele está.

Rebeca não era uma órfã sem dinheiro; tinha de fato um pai e uma mãe, uma casa na Mesopotâmia com perspectivas de prosperidade e posses em sua terra natal. Para gozar de todas essas bênçãos ela não teria nenhuma necessidade de deixar a sua terra natal e enfrentar uma jornada pelo deserto. Sem embargo deixa tudo. Ela se esquece de seu próprio povo e da casa de seu pai, e encara uma viagem pelo deserto para alcançar uma pessoa que nunca viu. Tal é o poder atrativo para uma pessoa quando a fé e a afeição daquela pessoa foram despertadas.

Da mesma maneira o Espírito Santo veio para conduzir o nosso coração sob a influência constrangedora do amor de Cristo. Ele está aqui para tomar das coisas de Cristo e mostrá-las para nós. Ele está aqui para nos conduzir às coisas profundas de Deus – coisas que “o olho não viu, o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem” (1 Co 2:9). Ele é hábil para nos fortalecer assim no homem interior, “Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento” (Ef 2:17-18).

Tudo isso Ele está apto e pronto para fazer. Como é então que somos tão pouco ligados em afeto a Cristo, e apartados das coisas daqui? Não é por que impedimos? Por essa razão é que a palavra do servo: “Não me impeçam”, deveria ser uma voz poderosa para nós. Podemos dizer que não podemos desfrutar dessas coisas à parte da obra do Espírito e não podemos fazer a obra do Espírito. Isso pode ser verdade; mas aí podemos impedir o Espírito de operar. Podemos nos apegar ao mundo, à política do mundo, à religião do mundo, aos prazeres do mundo, e podemos até ficar tão absortos com as coisas certas – o país, a família, e a casa do pai – que impedimos o Espírito Santo.

Se permitimos ao mundo nos impedir, ou não, não depende do mundo, mas de nós. O irmão e a mãe podem procurar deter Rebeca. Isso eles admitem, pois dizem: “chamemos a donzela e perguntemos-lho” (verso 57). Se como Rebeca a nossa resposta for “irei” então de fato o Espírito tão poderosamente afetará o nosso coração, que todo o poder e atração do mundo serão incapazes de nos deter.

Assim aconteceu que: “Rebeca se levantou… e seguiu o varão” (verso 61). Ela se colocou inteiramente sob a orientação do varão, como resultado “tomou aquele servo a Rebeca e partiu”. Não o caminho dela, mas o seu caminho. Não estamos sempre preparados para o caminho do Espírito. Ele é um caminho que vai completamente contra a vontade da carne. Além disso, fazemos bem em nos lembrar que seguir a liderança do Espírito não significa seguir alguma “luz interior”. Se seguirmos o Espírito andaremos segundo a Palavra. O Espírito não nos conduz à parte da Palavra nem ao contrário da Palavra.

O resultado imediato de seguir ao varão foi que Rebeca se encontrou em uma cena no deserto. Ela não tinha nem a casa de Labão nem a casa de Isaque. Assim é conosco, como alguém disse: “Não temos nem a terra na qual estamos, nem o céu para o qual estamos indo”. Contudo, enquanto ela viajava a jornada pelo deserto de seiscentos quilômetros teve uma perspectiva brilhante diante dela, e no caminho teve o servo para falar das coisas de Isaque e mostrá-las a ela. No final a pessoa que tinha ganhado o seu coração esperava para recebê-la.

Cinco

No fechamento dessa bela história Isaque pessoalmente é visto. Em todas essas cenas do deserto Isaque não tomou parte ativa, embora estivesse bastante atento a tudo o que estava acontecendo. Ele vinha do poço de Laai-Roi – uma palavra de significação profunda, pois significa: “O poço Daquele que vive e vê” (Gn 16:14). Quão bom sabermos quando viajamos em nosso caminho, que no fim da jornada encontraremos Aquele que não foi negligente pelo Seu povo. Ele vê e vive, sim a palavra é: “Ele vive para sempre” (Hb 7:25).

Mas mais adiante Isaque veio para encontrar Rebeca, pois ela pergunta: “Quem é aquele varão no campo que vem nos encontrar?” Viajamos para o grande encontro, mas não nos esqueçamos que Ele está vindo para nos encontrar. A figura apresenta Isaque como alguém que estava esperando e querendo a sua noiva. Os nossos desejos por Cristo muitas vezes podem ser fracos, mas os Seus anseios são em direção da Sua Noiva. Ele pode dizer: “E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo” (Jo 14:3).

E o tempo do encontro não está muito longe. Quando finalmente Rebeca levanta os seus olhos e vê Isaque, desmonta do camelo, pois a viagem acabou; e quando finalmente O vemos face a face, a nossa viagem termina. E não será longa, a noite é passada, o dia está à mão. Quando chegar o momento do nosso traslado não demorará muito tempo; só um piscar de olhos e estaremos lá.

Depois do encontro Rebeca tomou um véu e se cobriu. A noiva se apronta e o casamento tem lugar, pois “Isaque tomou Rebeca… e foi-lhe ela por mulher e amou-a” (verso 67). Assim também depois que a nossa viagem pelo deserto está acabada, depois do grande encontro, quando pela primeira vez O vemos face a face – quando Ele nos recebe para Ele mesmo – então lemos: “Vindas são as bodas do Cordeiro, e já a sua esposa se aprontou” (Ap 19:7). A Igreja será apresentada a Cristo toda gloriosa sem mancha ou ruga, ou qualquer outra coisa – “Santa e sem mancha.” Então de fato será manifesto que Cristo achou um objeto ajustado ao Seu amor, e responsivo ao Seu amor, e estará satisfeito. Ele olhará para a Sua Noiva e dirá: “Estou satisfeito”. “Ele verá o fruto do trabalho árduo da Sua alma e estará satisfeito”.

Quando esta gloriosa perspectiva se abre diante da nossa visão, como todo o brilho deste mundo se torna escuro; como são enfadonhas as suas mais formosas perspectivas, como são pobres as suas riquezas. Quão vão os seus prazeres passageiros, e quão vazias as suas honras à luz dessas glórias vindouras.

HAMILTON SMITH