A CEIA DO SENHOR

 

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NOTAS DO EDITOR

Desde que foi escrito por Charles H. Mackintosh (1820-1896), este artigo sobre a Ceia do Senhor tem sido de grande auxílio a milhares de Cristãos em todo o mundo. Particularmente no Brasil, foi um dos instrumentos usados por Deus para ajudar a despertar a consciência de vários irmãos, hoje reunidos somente ao nome do Senhor, para a verdade, hoje tão menosprezada, da unidade do corpo de Cristo e da expressão dessa unidade no “um pão”. Aqueles que o leram, certamente não ficaram alheios à importância e ao privilégio de se obedecer à ordenança do Senhor, celebrando a Sua Ceia, memorial de Sua morte por nós, da maneira, no lugar e sobre os fundamentos que Ele próprio instituiu.

Visando tornar disponível a um maior número de pessoas as verdades que este texto expõe com tanta clareza, Verdades Vivas publicou, em 1988, uma edição de A Ceia do Senhor, valendo-se de uma tradução então existente, feita em Portugal, eliminando do texto apenas as características e grafia peculiares àquele país. Esgotada essa edição, decidimos fazer uma nova tradução a partir do original em inglês.

Sendo assim, apresentamos aos leitores de língua portuguesa a versão integral do texto de C. H. Mackintosh, esperando que muitos possam ter seus corações tocados por tão importante assunto, e venham a atender ao amoroso convite do Senhor, celebrando a memória da Sua morte, até que Ele venha nos buscar.

PREFÁCIO DO AUTOR

A ordenação da Ceia do Senhor deve ser considerada por toda mente espiritual, como uma prova particularmente tocante do benigno cuidado do Senhor e de Seu terno amor por Sua Igreja. Desde a época de sua instituição até o tempo presente, a ceia tem sido um testemunho contínuo, embora silencioso, da verdade que o inimigo tem procurado corromper e colocar de lado por todos os meios ao seu alcance, de que a redenção é um fato consumado para ser desfrutado até pelo mais simples crente em Jesus.

Passaram-se dezoito séculos [1] desde que o Senhor Jesus designou “o pão e o cálice” na ceia como significativos símbolos do Seu corpo oferecido e do Seu sangue derramado por nós, e apesar de toda heresia, toda divisão, e toda controvérsia e discórdia, e da guerra de princípios e preconceitos que a página manchada da história eclesiástica registra, esta ordenação tão expressiva tem sido observada pelo povo de Deus em todas as épocas. [1] N. do T.: O autor viveu no século XIX.

É verdade que o inimigo tenha conseguido, em um amplo segmento da igreja professa, envolver a ceia do Senhor em uma mortalha de negra superstição, apresentando-a de uma maneira tal que efetivamente escondesse do participante a grandiosa e eterna realidade daquilo que é memorial, substituindo Cristo e Seu sacrifício consumado por uma ordenança sem efeito algum – uma ordenança que, além de tudo, pelo modo como é administrada, prova ser de total inutilidade e oposição à verdade. Mesmo assim, não obstante o erro fatal de Roma relativo à ordenança da Ceia do Senhor, a mesma Ceia continua a comunicar, a todo ouvido circunciso e a toda mente espiritual, a mesma verdade profunda e preciosa – ela anuncia “a morte do Senhor até que venha” (1 Co 11.26). O corpo foi oferecido, o sangue foi derramado UMA VEZ, para não ser mais repetido; e o partir do pão nada mais é do que o memorial dessa verdade emancipadora.

Portanto, com que profundo interesse e gratidão deveria o crente contemplar “o pão e o cálice”! Sem que seja proferida uma única palavra, são ali anunciadas verdades ao mesmo tempo tão preciosas quanto gloriosas: a graça reinando; a redenção consumada; o pecado tirado; a justiça eterna introduzida; o aguilhão da morte banido; a glória eterna assegurada; “graça e glória” reveladas como o dom gracioso de Deus e do Cordeiro – a unidade de “um só corpo”, assim batizado por “um Espírito”. Que festa! Conduz a alma, num abrir e fechar de olhos, de volta no tempo, através de um período de mil e oitocentos anos, e mostra-nos o próprio Senhor, “na noite em que foi traído”, sentado à mesa da ceia e instituindo ali uma festa que, desde aquela noite solene até ao raiar da manhã, deveria conduzir cada coração crente, ao mesmo tempo, para a cruz que passou e para a glória que virá!

Desde então, esta festa, e pela própria simplicidade do seu caráter e devido ao profundo significado dos seus elementos, tem condenado a superstição, que iria querer deificá-la e adorá-la, a irreverência, que iria procurar profaná-la, e a infidelidade, que a poria inteiramente de lado. E, além disso tudo, ao mesmo tempo que tem condenado todas estas coisas, ela tem fortalecido, confortado e levado refrigério ao coração de milhões dos amados filhos de Deus. É doce pensarmos nisto – é doce termos em mente, quando nos reunimos, no primeiro dia da semana, em torno da Ceia do Senhor, que apóstolos, mártires e santos têm se reunido em torno deste banquete e encontrado ali, segundo a sua medida de compreensão, refrigério e bênção. Escolas de teologia têm surgido, florescido e desaparecido; doutores e pais têm acumulado volumes de teologia; heresias implacáveis têm obscurecido a atmosfera e rasgado a igreja professa de uma ponta à outra; a superstição e o fanatismo têm mostrado as suas teorias sem fundamento e ideias extravagantes; Cristãos professos dividiram-se em inumeráveis seitas – todas essas coisas aconteceram, mas a Ceia do Senhor tem continuado, em meio às trevas e confusão, a contar a sua história simples, mas abrangente: “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha” (I Cor. 11:26).

Preciosa festa! Graças a Deus pelo grande privilégio de celebrá-la! E ainda assim ela não passa de um símbolo cujos elementos devem ser, aos olhos naturais, pobres e desprezíveis. Pão partido, vinho derramado – quão simples! Somente a fé pode identificar o símbolo, as coisas representadas, e a fé não necessita das circunstâncias fortuitas que a falsa religião introduziu com o fim de acrescentar dignidade, solenidade e temor àquilo que deve todo o seu valor, seu poder e sua impressionabilidade ao fato de ser um memorial de um fato eterno que a falsa religião nega..

Que eu e você, querido leitor, possamos penetrar com mais alento e inteligência no significado da Ceia do Senhor, e com uma experiência mais profunda nessa bem-aventurança que é o partir aquele pão que é a “comunhão do corpo de Cristo” e o beber daquele cálice que é a “comunhão do sangue de Cristo”.

Ao terminar estas poucas linhas introdutórias, encomendo este artigo aos ternos cuidados do Senhor, rogando a Ele que possa usá-lo para as almas de Seu povo.

PENSAMENTOS ACERCA DA CEIA DO SENHOR

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei: isto é o Meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de Mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no Meu sangue: fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de Mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Co 11:23-26).

Desejo fazer alguns comentários sobre o assunto da Ceia do Senhor, com o propósito de dirigir a atenção de todos aqueles que amam o nome de Cristo, e as coisas que Ele instituiu, a um interesse mais fervoroso e afetivo nesta importante e revigorante ordenança.

Devemos bendizer ao Senhor por sua bondosa consideração instituindo, em vista de nossa necessidade, um memorial da Sua paixão, e também por haver estabelecido uma mesa à qual todos os Seus membros possam se achegar, sem qualquer outra condição além daquela que é indispensável: a ligação pessoal e obediência a Ele.

O bendito Senhor conhecia muito bem a inclinação dos nossos corações de nos esquivarmos d’Ele, e uns dos outros, e pelo menos um dos Seus propósitos na instituição da Ceia foi o de impedir esta nossa tendência.

Ele desejava reunir o Seu povo em torno da Sua bendita Pessoa; desejava pôr-lhes uma mesa onde, tendo em vista o Seu corpo ferido e o Seu sangue derramado, pudessem lembrar d’Ele e da intensidade do Seu amor por eles, e de onde pudessem também olhar adiante, para o futuro, e contemplar a glória da qual a cruz é o eterno fundamento. Ali, mais do que em qualquer parte, eles aprenderiam a esquecer as suas divergências e a amarem-se uns aos outros; ali poderiam ver à sua volta aqueles que o AMOR DE DEUS havia convidado para banquetear, e aos quais O SANGUE DE CRISTO teria tornado idôneos para que ali estivessem.

Todavia, a fim de poder comunicar mais facilmente ao meu leitor o que tenho a dizer sobre este assunto, vou limitar-me aos quatro tópicos seguintes:

  1. A natureza da ordenança da Ceia do Senhor.

  2. As circunstâncias em que foi instituída a Ceia do Senhor.

  3. Para quem foi instituída a Ceia do Senhor.

  4. A ocasião e a maneira de celebrar a Ceia do Senhor.